Música, por favor
O número de suicídios em Portugal está a aumentar especialmente entre os que não têm dinheiro para se sustentar e se tratar.
Fernando Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, diz que estamos perante um problema de saúde pública.
Saúde pública?! Uma coisa 'tipo' gripe, diabetes, coisa do género? Não ter dinheiro para ter o que comer ou para ir ao médico é uma 'coisa' de saúde pública?
Se isto não é cinismo, então o que é o cinismo?
Se isto não é cinismo, então o que é o cinismo?
Li isto e fiquei logo mal disposta.
Depois desta afronta, vou escrever sobre quê?
Vou aqui, uma vez mais, enervar-me em público referindo o impúdico desgoverno a que Passos Coelho e amigos estão a sujeitar o País, fazendo afirmações contraditórias a cada dia que passa, desmentindo-se uns aos outros, vindo depois dizer que fomos nós que não os percebemos?
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Passos Coelho, tentando suster o nariz e perdido de riso |
Agora foi Passos Coelho, a um jornal alemão, dizendo que é natural que Portugal não regresse aos mercados em 2013 e isto depois de ter andado a meter a mão no nosso bolso (mesmo no bolso dos mais necessitados) sem mostrar piedade ou, sequer, decoro, jurando a pés juntos que não precisa de mexer no acordo da troika, que não precisa nem de mais dinheiro, nem de mais prazo. E depois vem o Relvas (tirem-me este homem da televisão, se faz favor, que já nem o consigo ver...!) a dizer que isto foi o que ele sempre disse - e mentem e desmentem e se isto fosse apenas uma palhaçada patética até poderia passar por ser humor nouvelle vague ou uma treta do género - mas o drama é que isto é a nossa vida, isto é o que leva a que o dito problema de saúde pública alastre.
Claro que, a continuar esta política, em 2013 Portugal vai continuar dependente, sem dinheiro, com o desemprego a alastrar como uma mancha assassina, com os suicídios a dispararem, com a economia de mal a pior. E isto que estou a dizer não é política: isto é economia e da mais básica, isto é até uma questão de simples aritmética. O drama é que o País está entregue a gente pouco dada a matemáticas, com conhecimentos rudimentares de economia e os dois ou três que sabem qualquer coisa da poda sabem-no apenas de casos teóricos, de estudos, dos bancos da escola.
E a propósito de pobres almas que pouco mais sabem do que conceitos teóricos: que é feito do Álvaro? Alguém o viu por aí? Estas broncas todas do desemprego (oficial) já ir nos 15% e estarem todos muito espantados não são do pelouro dele? Porque não terá a criatura aparecido a dar as suas explicações de meia tigela?
Que neura que isto me dá. Portugal não mereceria mais do que isto, senhores?
Se calhar não. Se calhar isto é mesmo um sítio mal afamado, que, mesmo que o mundo esteja a desabar, não deixa de esgotar concertos de tudo o que é cão ou gato que por aí apareça a cantar (e esgotar com meses de antecedência!), de ir de férias para Cabo Verde e outros sítios do género sempre que há 3 dias seguidos sem trabalhar, de encher hotéis no Algarve pela Páscoa, de encher a barriga de meias torradas, bolos e abatanados com adoçante ao pequeno almoço, em que a suprema ambição de parte das mulheres é fazer nails e ter um PT (leia-se: personal trainer), em que grande parte dos homens vai atrás das equipas de futebol para Chelsea ou para onde calhar ou, não podendo, fica estendido no sofá a fazer zapping. Se calhar isto é mesmo um canteiro de flores de plástico, à beira mar plantado, mesmo feito à medida do pasteleiro de Massamá & Amigos. Que seca, isto.
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Tenho que parar com esta conversa, senão ponho-me para aqui a desconversar e isso pode ser uma maçada.
Portanto, mudança de rumo. Vamos divertir-nos porque se há coisa que não suporto é ir dormir em estado de arrelia. Cedo, pois, a palavra a alguém que conheceu o lustre de outros tempos, tempos bem afamados - que eu sou menina e moça demais para lembranças tão requintadas e longínquas:
Onde estão hoje esses bacanais que duravam dias e noites seguidas, onde o amor se afogava e ressuscitava em ondas de champanhe, onde o som claro e estalado dos beijos se confundia com o sacar das rolhas e o glu-glu desse mesmo champanhe caindo nas finas taças que, depois de esgotadas, eram partidas para que outros lábios não as viessem manchar... mais do que elas já estavam?
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Beijo na cama, pintura de Henri Toulouse-Lautrec (1864 - 1901) - nobre, boémio, pintor |
Onde há hoje, senhores boémios deste século*, uma ceia que vá além das 4 ou 5 da madrugada? Uma ceia daquelas que acabava à hora em que se começava a jantar, e que depois pegava na ceia e assim por três ou quatro dias?
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'Rue des moulins', pintura de Toulouse-Lautrec |
Onde estão hoje as tão portuguesas, tão nossas, esperas de touros em que a cavalo ou de trem, ao som do fadinho chorado pela não menos portuguesa guitarra, essas mesmas cocotes chics não se envergonhavam de emparelhar com a Severa, a Júlia Gorda, a Ana dos Cordões e tantas outras suas irmãs no vício, onde a diferença existia apenas do leito de ferro para a cama de embutidos; e que, Campo Grande, Lumiar e Carriche onde havia a obrigatória paragem na Ana dos Melões, se seguia até à Póvoa e depois do levantar do gado aí vinha tudo outra vez junto, abancar a qualquer horta dos arredores, as sedas e os buréis de mistura e com as jalecas e cintas que à noite se substituíam pela casaca e luva branca numa première do S. Carlos.
Hoje já não há cocotes de nome, há apenas donas de casas; parece o mesmo, mas não é!
(*) No texto original referia-se o século XX.
Este excerto pertence a 'O vício em Lisboa - antigo e moderno' de Fernando Schwalbach da Editora Tinta da China e, como se vê, este é um País em que sempre existiu um certo conceito do que é a vida.
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Vamos pois deitar os búzios para ver no que isto vai dar. Música, por favor.
Ana Moura - Os Búzios
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Hoje no Ginjal começa a semana dedicada a Berlioz e a peça de hoje é de sonho e capricho. As palavras à solta esvoaçam sobre um poema de Margarida Vale de Gato numa tarde de sol e amor. Venham dar uma espreitadela...
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E é isto, meus Amigos, vamos esperar que o destino do País mude, que a nossa sorte melhore e, para já, uma boa semana para todos a começar por hoje!