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terça-feira, maio 25, 2021

Hoje não dá para escrever à vontade. Muito menos à vontadinha

 



Se calhar, aos poucos, começo a dar mostras de querer reentrar naquilo a que quem goste de aspas poderá chamar, com dedinhos circunflexos ao lado, o velho normal.

No sábado, reincidi: haveria de voltar tentar o melhor gelado de Lisboa. E à tardinha lá fomos: duas big balls, uma de chocolate e laranja e outra de arroz doce. Ao compor o exagero, a menina perguntou: 'Canela?' e eu, sem pensar, 'sim, pode ser'. Se me tivesse perguntado se queria nozes, pinhões, passas, rum, lascas de banana, pedaços de abacate caramelizado, whatever... a tudo teria dito que sim. Tudo de que estive privada nos últimos tempos. Consolei-me. Coisa mais boa.

Hoje tinha um sms a anunciar uma promoção da Fnac. Durante o novo normal (e toca a coçar os dedinhos no ar para fazer as aspinhas) bem poderiam chover promoções de tudo e mais alguma coisa: a nada prestava atenção, tinha a alma fechada ao consumo. Hoje não: hoje fui espreitar e sabia que ia predisposta ao vício. Encomendei cinco livros e, para rematar, ainda aceitei o gift por 1€. Escolhi um sabonete literário. Não o usarei para lavagens mas, se cheirar bem, para pôr algures no quarto. Um quarto com cheirinho a sabonete parece-me o suprassumo da leveza lavadinha.

Mas o pior da minha recaída nem foi isso: no outro dia fui trabalhar presencialmente. Cheguei a casa mais cedo do que antes chegava. Presencialmente não trabalho tanto. As pessoas vêm conversar, querem saber coisas, dar opiniões, falam, falam. Mostro-me disponível mas, por dentro, contabilizo a improdutividade. Em casa, é trabalho de seguidinha. Vim, portanto, mais cedo. Pensei: vou para casa, pôr o trabalho em dia. Mas, a caminho, ao passar pelo supermercado, deu-me vontade de ir olhar para as prateleiras, com tempo, sem ninguém a puxar por mim. Então, trouxe três vasinhos com suculentas e, não contente com isso, vi uma blusinha na promoção do dia que me pareceu um graça: algodão alinhado em verde azeitona. 7,99€. Tentei repescar o raciocínio do último ano e picos: 'Preciso?'. No 'novo normal' dir-me-ia 'Claro que não'. Mas agora a resposta foi: 'Que se lixe'. E trouxe a blusinha. E, no parapeito do escritório, tenho os vasinhos. O meu marido, quando chegou, ficou passado. Flores no parapeito..., coisa mais insólita.

A semana, uma vez mais, está sobrecarregada. Só que desta vez, aos trabalhos do costume, juntei outros que agora não vêm ao caso. 

Há bocado, ao sentar-me aqui, adormeci. Tiro e queda. Isto resulta de ter acordado com um telefonema que me obrigou a puxar pelo raciocínio quando os neurónios ainda estavam em posição fetal, sonhando com coisas boas. Todo o santo dia o sono me agarrou pelas pálpebras, puxando-me para o descanso, para a horizontalidade. 

Por isso, agora estou aqui que não posso. Há os que não me compreendem e, quando lêem isto, saltam para o meio da rua, mão na anca, para me gritar: mas, ó mulher!, então porque é que escreve? E eu dou a resposta de sempre: porque sim, porque gosto, porque me descansa a cabeça, porque os dedos gostam de dançar sobre o teclado mesmo quando os olhos já dormem.

Queria escrever uma coisa toda pipi, toda misógina, mas o tema puxava para o meu lado may west e isso não é compaginável com a pancada de sono com que estou. Mas me aguardem que guardado está o bocado para quem o há-de comer.

Ao fim do dia, enquanto andava a telefonar à minha filha e à minha mãe, tirei fotografias em especial aos brincos de princesa que adejavam ao sabor do vento. 

Andam todos poéticos por aí e eu estava também a pensar que haveria de homenageá-los, em especial por um dos mais belos textos que ultimamente tenho lido. Cécias, o vento. Uma maravilha, uma maravilha. Já para não falar de quem, homenageando a repórter da natureza, teceu mais uma das suas múltiplas belas peças em que se adivinha o rasto da sua perdida penélope. E fotografei umas flores lindas que apareceram do dia para a noite para oferecer a quem ousa despedir-se da sua darling, deixando um rasto de decepção, um caminho que parece manchado de sangue.

Mas hoje não é o dia para nada disso. Ainda por cima, recebi há pouco um mail que me deixou verde. Verde no mau sentido, claro. Tive vontade de soltar os cachorros, de partir a louça, de bater com a porta. E só pensei: misógina o escambau, deveria era arranjar uma mulher para o lugar dele. Uma mulher pode ser pérfida ou burra mas tem sempre os pés na terra e mãos para amassar a massa. Quando um homem é burro é mil vezes pior, é um atraso de vida. Mil vezes o tenho dito: se mais mulheres houvesse em lugares de poder, o mundo seria outro, muito melhor. Os homens, se são poucachinhos, não atam nem desatam, mastigam mas não engolem, não dançam nem saem na pista, não procriam nem saem de cima. Um castigo. Este que me enviou o mail que me tirou do sério é daqueles que mesmo que se fossem dez iguais a ele fariam dez vezes menos do que uma só mulher, fosse ela como fosse.

Portanto, apesar das minhas boas intenções, deixo as boas ideias para um dia em que consigam espraiar-se à vontade e à vontadinha. Hoje, agora, vou mas é pregar para outra freguesia.


Fui

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Ilustrações de CarrieAnn Truitt na companhia de Stacey Kent com How insensitive

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Um dia bom

domingo, janeiro 10, 2021

Tudo é verdade e caminho
pelo que
don't worry, about a thing 'cause every little thing, gonna be all right

 


Tem estado muito frio. Quando fomos caminhar, estava cortante, A temperatura percepcionada era substancialmente inferior à temperatura real. Levei o meu chapéu de feltro, a minha gola polar, o meu casacão fofo e quente que já conheceu muito baixas temperaturas. Não sei quantos anos terá, seguramente mais de uma dúzia de anos. Sempre que há frio a valer, ele sai à cena. 

Não nos cruzámos com quem quer que seja. Por vezes sai da chaminé um odor a lareira. Alguns cães dão sinal à nossa passagem. Tal como nós já o fizemos, já praticamente não há enfeites de natal. No entanto, reparo que aqui, no móvel onde estão fotografias e máquinas fotográficas, ficou esquecido um pequeno pai-natal sentado. A ver se amanhã o arrumo. O natal já passou e, como se sabe, deixou um número absurdo de contágios e os hospitais à beira do estado de catástrofe, com os médicos a terem que decidir quem vai poder ser salvo. Assim é o mundo em que vivemos.

No telejornal da RTP 1, João Gouveia, médico intensivista, exemplar na contenção, falou no que poderão fazer para ampliar a capacidade hospitalar (por exemplo, ocupar os blocos operatórios ou as salas de recobro -- o que obviamente significa que muitas cirurgias não serão feitas durante esse período) mas que, a menos que haja uma quebra acentuada do número diário de novos infectados, o limite pode ser atingido a meio da semana que aí vem, com a necessidade dos médicos terem que escolher quem tem mais probabilidades de sobreviver. 

A seguir houve os debates e, a seguir, meio mundo avançou para os televisivos comentaderos botando douta faladura: se quem ganhou foi este ou aquele, se a Marisa, se o Tino, se a Ana Gomes, se o Ventura. se Marcelo, se João Ferreira, se um ganhou e o outro perdeu ou se perderam os outros, cada um dando seu palpite. Conversas gastas sobre conversas equívocas. Aparentemente grande parte dos candidatos não sabe quais as funções do cargo para o qual estão a candidatar-se. E cada um prepara-se tentando apanhar o outro na curva, apontando-lhe contradições. Tudo tretas. Imagine-se o que são horas de televisão em que pessoas que já andamos a ouvir há mil anos ocupam o espaço para nos enfadarem com comentários escusados, inúteis.

Sobre a situação de dentro de dias os médicos já terem que optar entre quem 'merece' ser auxiliado a viver e qual deve ser deixado à sua sorte é tema que passa ao lado de quem traça a agenda das televisões. Mas quase ninguém já vê televisões: meio mundo se entretém com as netflixes ou com os facebooks, instagrams e tretas desta vida.

Já se sabe que pessoas de Lisboa já estão a ser transportadas para outros hospitais. Também me faz impressão. Bem sei que as pessoas não podem ter visitas mas faz-me muita impressão saber que estão sozinhas e, ainda por cima, longe de casa, longe da família. 

Em menos de um ano de existência deste vírus em Portugal já aqui foram infectados quase meio milhão de pessoas e já morreram 7.700. E os números grandes relativos à óbitos, nas redondezas dos cem por dia, só agora é que começaram a apertar. Dizia João Gouveia: 'Significa que, quando atingirmos o ponto em que temos que fazer gestão de catástrofe, vão morrer mais pessoas'. Percebo: as que, apesar de todos os esforços, não resistem e aquelas que se decidiu que não valem o esforço. E escrevo isto com a mesma contenção com que ele o disse. Admito que os hospitais militares, os privados e tudo a que se pode deitar a mão já esteja mobilizado. À pergunta sobre o que mais falta, ele respondeu que os recursos humanos, em primeiro lugar, enfermeiros. Não se inventam enfermeiros. Qualquer país está dimensionado para uma situação normal, não para uma situação de pandemia. 

Entretanto, ainda não estou completamente bem. Parei com a medicação, já estava no limite do que é possível. Junto ao pescoço e às omoplatas tenho os músculos doridos. E continuo com muito sono. No entanto, durante a tarde não adormeci, estive a ler, a espreitar a televisão, a ver se conseguia dormir. A preguiçar. São dias muito frágeis, sem história.

Ontem ao fim do dia fomos a um sítio onde vendem vasos. Queria uma floreira rectangular, de pedra. Havia lá mas era tão pesada que os dois mal a conseguíamos mexer. Disseram-nos que a transportariam até ao carro. Mas e tirá-la do carro e levá-la até ao sítio...? Vi, então, um vaso de terracota escura, com um aspecto artesanal. Pensei que, se calhar, era caro. A funcionária andou de volta dele e não descobriu o preço. Colocou-o numa plataforma com rodas e levou-a à patroa. Veio de lá a dizer-me que custava vinte e cinco mas que a patroa fazia 50% de desconto. Claro que trouxe. 

E hoje estivemos a transplantar a bromelia. Está sob um telheiro. Terá muita luz mas não luz directa e, estando junto a outra, ficará relativamente abrigada. A ver se se dá bem. Fotografei-a depois da operação, antes de varrer, com o chão ainda sujo de terra mas depois de regar, como se vê pela mancha no vaso..

Andei também a pôr umas pinguinhas de água em vasos que estão debaixo do outro telheiro, não apanhando chuva. Se calhar apanham a humidade da noite e talvez isso seja suficiente mas não sei e não quero que fiquem sequiosas. Também andei a apanhar tangerinas, laranjas, um limão para pôr no bacalhau cozido do almoço e uma lima para amanhã fazer um chá. E andei a fotografar. Estas fotografias.

E apenas isto. Só mais os telefonemas. A minha mãe, aborrecida porque esta porcaria da covid a impede de circular por onde queria, aborrecida com o frio. Os meus filhos que passeiam o que podem, até às treze, com os miúdos. A minha filha mandou fotografias no parque onde andava dizendo que era muito giro e que haveríamos de lá ir todos e acrescentou: 'sabe-se lá quando'. Mas não há alternativa senão os que podem hibernar, hibernarem, trabalhando a partir de casa, tentando aguentar o máximo da máquina económica em movimento.

Acredito que com as vacinas e com as temperaturas a subir e, portanto, com mais vida ao ar livre, lá mais para Maio, Junho, as coisas possam retomar alguma normalidade. A menos que surja mais alguma má novidade, penso que é isto, mais uns quatro meses e estaremos de volta a alguma normalidade. A ver é como resistiremos até lá, nós enquanto pessoas e nós enquanto sociedades. 

No outro dia ligou-me um amigo. Estivemos à conversa e, às tantas, perguntei-lhe pela mãe. 'Morreu nos últimos dias do ano'. E ficou em silêncio. Eu também. Que coisa. A quantidade de pessoas que conheço a quem, nestes últimos tempos, morreu o pai ou a mãe... 

Quero ser optimista, é da minha natureza. Mas tudo isto e o frio e este afastamento é coisa que pesa. O meu filho hoje dizia que poderíamos ir passear para a praia. Pois podíamos, e se nós gostamos de praia. Mas junta-se este meu estado físico, ainda longe da minha forma física habitual. E tanto frio. Imagino o frio que deve estar na praia. Capaz de ainda vir de lá pior, sei lá, parece que não tenho vontade, receio piorar. Estivemos lá na antevéspera do ano novo, os miúdos até andaram em tronco nu, a brincar na água. Estava-se bem. Agora não se deve conseguir estar.

Enfim. Estou para aqui nesta conversa. Não se aproveita nada. Vou andando.


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Fernando Pessoa :: A morte é a curva da estrada / Por Natália Luiza

Cine Povero


Desejo-vos um belo dia de domingo

quarta-feira, outubro 16, 2019

Lauren: médica, 26 anos


No dia 10 deste mês um artigo no The Guardian chamou a minha atenção: The grief over my daughter's suicide never ends, but I can help other junior doctors. Um médico fala da dor que ainda sente dois anos e meio após o suicídio de Lauren, sua filha, jovem médica. 
Something I thought was unthinkable and only happened to other people had happened to me. (...) 
I wondered why and how someone successful, solvent, resilient and outwardly happy could reach such a state of despair. How did I, her father, not know that Lauren was in such a dark and hopeless place? (...)
Nesse artigo, há um link para um vídeo que ele gravou não apenas para falar do seu espanto e sofrimento mas também para ajudar quem esteja a passar por situações similares, seja por se sentir persistentemente atormentado, atolado em tristeza, cansaço, desamor ou medo ou num estado de desesperança quase incapacitante, ou a quem esteja por perto e não consiga identificar os sinais ou não saiba o que fazer para ajudar.

Tendo eu já lidado com pessoas com problemas desta natureza, embora felizmente não tão graves, sei bem como é terrível a impotência de quem não sabe como ajudar aqueles que aparentam não querer ser ajudados e que, além do mais, geralmente se esforçam por disfarçar e exibir desenvoltura e alegria. 
Não sei porque é que isto acontece. Se tivermos crises alérgicas, não receamos falar nisso e tomar anti-histamínicos, se tivermos enxaquecas não nos custa nada queixarmo-nos e não nos importamos de tomar analgésicos, se tivermos uma contractura muscular não o disfarçamos e procuramos ajuda mas, do que sei, frequentemente quem tem ataques de pânico, ansiedades persistentes ou uma sensação de tristeza ou medo faz de tudo para que ninguém o descubra. E essa necessidade constante de disfarçar vem cavar ainda mais fundo o negrume que vai alastrando, esvaziando a alma e corroendo o ânimo de quem atravessa esse sofrimento.
No vídeo, o pai de Lauren conta que filha, apesar do que a devastava por dentro, era capaz de representar perante amigos e família, fazendo de conta que tudo estava bem com ela. 
Porque será isso? Será porque o estigma contra problemas do foro mental ainda se faz sentir e quem se sente frágil receia enfrentar os olhares desconfiados dos outros? Será porque pensa que, tentando conter e esconder a inquietação, menores serão os danos que ela pode causar? Será porque receia que, expondo-se, isso acabe por se virar contra si? Ou será porque receia causar apreensão e sofrimento àqueles que se ama? 
Das palavras que tenho trocado com a Maria Luísa muitas me têm deixado a pensar. Numa vez a Luísa contou que, por vezes, quando estava com a Filipa e sentia que alguma coisa poderia não estar bem, querendo saber o que se passava, ela se queixava que a mãe estava a 'embirrar'; e os que estavam mais próximos achavam que ela deveria deixar a filha em paz. Não parece nada de mais -- são apenas as pequenas coisas de que é feita a intimidade das pessoas muito próximas. Mas, a posteriori, conhecendo-se o que aconteceu, como saber qual deveria ter sido a melhor atitude? Insistir mesmo correndo o risco de a filha se fechar ainda mais, esforçando-se ainda mais por disfarçar? Ou nada dizer?
Ou no caso da Filipa, da Lauren ou de outras e outros, faça-se o que se fizer, o seu destino está traçado porque, simplesmente, são pessoas que nasceram para viver sem o peso dos dias, são anjos, seres intemporais, espíritos muito livres que não suportam peias e enleios espúrios e que inevitavelmente chegarão ao ponto de não retorno, o ponto em que querem libertar-se porque não sabem o que mais fazer para conseguir suportar este mundo?

Deveria falar-se mais sobre estes temas, expor o que se sente e como é que os outros devem lidar com isso. 

Por exemplo: como devem agir os que querem ajudar?
  • Devem  forçar que quem está assim assuma o seu problema e procure ajuda? 
  • Ou devem ter a arte de os ajudar a sair desse fosso, fazendo de conta que não percebem o que se passa? 
  • Ou devem conseguir estabelecer confiança para que quem está mal exteriorize as suas angústias e, conversando, vá conseguindo perceber que precisa de ajuda para identificar e extirpar a raiz do problema?
Eu não sei, sou completamente leiga e, pior, é domínio em que a minha intuição falha, anda às cegas -- mas há quem saiba e, por isso, seria bom que o tabu fosse desaparecendo e que as pessoas perdessem o pudor ou o receio e procurassem ajuda. Tal como era bom que toda a gente soubesse ajudar quem precisa mesmo que quem precisa não seja capaz de pedir ajuda.

Não tenho como incluir aqui o vídeo de que acima falei senão deixando o link. O amargurado pai dirige-se em especial a outros médicos jovens que enfrentam a mesma sobrecarga de trabalho e o mesmo stress a que Lauren estava sujeita. Mas, vejam, cliquem aqui, o vídeo é, na verdade, para todos nós.

Verão um pai ainda não refeito mas muito contido, muito digno e, ao mesmo tempo, muito sofrido, muito tocante. Infelizmente não tenho como ter uma versão legendada. Mas Jonathan Phillips fala muito pausadamente, percebe-se bem o que diz. E retenho e trago para aqui o apelo final: que quem está a atravessar um mau período não tenha receio de embaraçar os outros, de magoar alguém, de incomodar. Peça ajuda. Fale. Seja a que horas for, seja a quem for.



E a todos desejo um dia feliz

domingo, setembro 09, 2018

Um sábado que, não sei porquê, me soube a domingo





Já dormem há algum tempo. O dia hoje foi mais calmo. O bebé, no outro, dia levou vacinas e isso, parecendo que não, sempre deve dar algum abalo. Para além disso, está com quatro dentes a romperem, o que lhe deve doer. Por isso, tem andado mau para comer. E isso dificulta um bocado a vida. A gente sem saber o que há-de dar que ele coma bem e ele, com a mão, a afastar tudo e a fechar a boca. Perde-se tempo e a mim, que gosto de alimentar o mundo e de ver todos bem nutridos, frustra-me. Por exemplo, este sábado ao pequeno almoço vi-me e desejei-me para ele comer alguma coisa de jeito. Leite no chão, bocadinhos de pão com manteiga por cima da mesa. Ovo também não. Nada. Vá lá que depois quis uma banana. Mas a verdade é que, para a tarde, a coisa mudou.

Mas que não se pense que tem andado com mau feitio. Não. Sempre feliz da vida, só mesmo aquilo da comida. 

Só que é muito irrequieto. O convívio permanente com miúdos mais crescidos torna-o afoito, descarado. Trepa, encavalita-se, abre tudo, mexe em tudo. E os outros, meus ricos meninos, também consomem muita atenção e mão-de-obra.

Os pais vieram buscá-los de manhã e a meio da tarde fomos buscá-los à porta da Festa do Avante (uma confusão de deixar doidos os mais tranquilos... imagine-se o meu marido que de tranquilo não tem muito). Depois fomos com eles até casa dos meus pais. O meu pai, como diz a minha mãe, estava endiabrado. Irritado, só a chamar, a protestar, a zangar-se. E não ouve quase nada. Um caso sério. A minha mãe, com a cabeça em água, mas, ainda assim, fez um bolo revestido a chocolate e crepes. Os miúdos adoram lá estar: brincam no quintal, lancham, exploram aquela escrivaninha que é uma verdadeira arca do tesouro.

Tinha trazido uma sacada de figos para levar à minha mãe mas, no meio da confusão, esqueci-me. Ficou desiludida, gosta tanto de figos. Mas com tanta coisa sempre que saímos de casa (levar as fraldas e o leite para o meu pai, o leite sem lactose para ela, casacos para os meninos, as chaves da fechadura nova do apartamento dela aqui perto de mim -- a que, desde que o meu pai teve o avc, nunca mais pôde vir, com grande desgosto para ela -- e mais sei lá o quê), alguma coisa haveria de ficar esquecida.

Quando chegámos a casa fiz o jantar. Enquanto isso, eles tomaram banho sob a supervisão do avô. Inclusivamente, arriscou-se hoje a dar sozinho banho ao bebé para eu não me atrasar com o jantar. Depois comeram de gosto, incluindo o bebé. Ao primeiro sinal de não querer mais, parei logo pois já estava admirada com a quantidade que tinha comido. A seguir, o do meio, que é um artista, cantou e improvisou e eu fiz vídeos. No meio das canções, quando o bebé o interrompia, ele, com a bisgana de creme que usou como microfone, colocava-a com espontaneidade à frente da boca do irmão e dizia: 'Diz cocó'. O bebé dizia cocó e o artista continuava a gravação, como se aquele momento fizesse parte da actuação.

Depois foram dormir. E eu aproveitei para vir aqui espairecer.


A meio do dia, depois deles saírem, fomos passear na praia mas estávamos os dois tão desasados que, ao sairmos do carro, até parecia que estávamos coxos. Almoçámos na praia e a seguir fomos ao supermercado. Quando aqui chegámos, vínhamos tão pedrados de sono 
(é que, pela parte que me toca, a noite passada tive espertina -- cansada como estava e quase sem conseguir dormir; e, quando dormia, era um sono tão leve que ouvia cada pequeno suspiro de qualquer das crianças; e o bebé estava ao lado da minha cama mas, imaginem, os outros estavam noutra divisão e eu, ouvido de tísica, a ouvi-los)
que foi estender-me no sofá e adormecer de imediato. O meu marido na mesma: disse que sentia o corpo dormente, que estava precisado de uma coisa daquelas que '... dá-te asas...'. Com o sono com que eu estava, nem percebi. Ele disse: 'red bull'. Também eu.


E pronto. Foi um sono curto pois logo a seguir tivemos que arrancar para aquele belo local onde se situa a Festa: a verdadeira imagem do país suburbano, uma barafunda urbanística, uma coisa com aspecto meio bagunçado -- e agora atolado de carros e confusão. Enfim. Sobre isso já falei ontem.

Ah. Não é completamente verdade que tenha adormecido de imediato: ainda deu para ler um bocado da Adélia Prado. Uma gostosura de prosa. Gosto mesmo dela. Lê-se e relê-se e é sempre coisa nova, original, intrínseca, íntima, divertida, um gozo em estado puro. Só depois de umas páginas é que apaguei. Mas, quando falo em apagar, é apagar mesmo. Pimbas. Tiro e queda.


Quando acordei, para aí uma hora depois, estava cheia de calor. Fui tomar banho e, como sempre que estou cansada e a precisar de tirar carga de cima, fui buscar a tesoura da costura e cortei o cabelo. Tirei-lhe altura e volume. Um desbaste dos valentes. Fiquei outra, assim: dormida, lavada, de cabelo cortado.

E é isto. Tudo jóia. Fiquei com pena foi de não ter levado os figos à minha mãe. Ainda pensei ir levá-los amanhã mas não dá que o dia vai ser também dos cheios de programa.


Tenho ideia que o texto não seguiu a sequência cronológica pelo que, descrito assim, o antes e o depois fora da sequência, o dia ainda deve ter parecido mais atrapalhado do que foi na verdade já que, a sério, apesar de um bocado cansativo, até foi um dia calminho e bom. E feliz.

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E, por favor, não levem a mal que me fique por estes temas tão banais e tão meus. Mas não apenas ando, na realidade, um bocado afastada do mundo mundano (digamos assim) como, do que vou sabendo, tudo o que é notícia me parece pouco digno de registo. Rui Rio com aquela falta de jeito de dar dó, Cristas e aquela sua veia para a cretinice, televisões todo o santo dia em directo a dar as eleições no Sporting... baahhh... não me apetece falar de nada disso, que pincel.

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As fotografias que hoje aqui me apeteceu ter referem-se à Companhia de Bailado de Martha Graham que também interpreta a Diversion of Angels no vídeo já aqui acima. 

Lá em cima, Stacey Kent interpreta What a Wonderful World.

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E a todos desejo um feliz dia de domingo -- porque, de facto, hoje é que é domingo

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terça-feira, maio 22, 2018

Nesta distância doce e cruel





Já ontem o grande Almada o decretou e eu, porque ele o disse e porque tem tudo para ser verdade, acreditei. Acreditei e disso poderia até fazer profissão de fé. Mas nestas coisas sabido é que bem prega Frei Tomás. Trabalhei como uma besta de carga e isso só pode ser porque sou uma burra encartada. A inteligência pode não ser grada mas, para saber que sou burra, chega.

Ao fim da tarde, que, por acaso, era quase noite, já estava a sentir-me desidratada, com a tensão baixa, à beira da descompensação. E, estava eu a tentar chegar inteira ao fim da reunião, eis que espreita alguém a perguntar-me se amanhã lá estava, a sina já lida para o dia seguinte, e, mal consegui safar-me dali e me preparava para despachar uma meia dúzia de mails para dar de frosques, eis que me aparece um que tinha estado à minha espera e, quando consegui descacar mais aquele abacaxi, tinha outra muito preoupada com uma coisa para me dizer, mais uma emboscada na qual não tive paciência para me enfiar. Saí de lá quase foragida, tentando raspar-me incógnita.


Já de manhã tinha avisado que não me dissessem mais nada porque já não conseguia assimilar mais chatices.

Passo-me quando me dizem que não me maçam com miudezas, que me poupam, que apenas me trazem aquilo que não conseguem resolver. E eu a pensar: 'Poças, pá, deviam era fazer o contrário, poupar-me a sério, resolverem todos os berbicachos e trazerem-me só as frioleiras'. Mas não, ninguém me poupa.

Olho para os meus próximos meses e é de susto. Não sei que convergência astral é esta: tudo a mudar ao mesmo tempo, mil coisas para fazer e todas em simultâneo. Não tenho ideia de ter vivido tamanha sobreposição de coisas deste calibre. Não as escolho, nada disto foi minha opção. Penso que terá a ver com o fim da crise, com a economia a despontar à força toda, como se tudo tivesse estado estancado e agora, como um dique que se rebenta, sai tudo ao mesmo tempo, com urgência, com uma força que atropela o descanso a que eu já deveria ter direito. Penso e digo o que antes nunca tinha dito ou pensado: 'não sei se vou aguentar'. Mas ninguém me leva a sério. Acham que aguento. No fundo, conhecem-me: sabem que sou burra. Burra de carga.

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Bem.

Talvez isto seja mesmo uma espécie de diário. Escrevo estas coisas porque,  chegada aqui a esta hora, parece que sinto necessidade de despejar este meu cansaço. O cansaço saindo através de palavras, fico leve, pronta para outra, com vontade de esvoaçar, de dançar, de nadar. 


É verdade, esqueci-me de contar. Uma manhã como a que foi e uma tarde como a que ia ser, não tive alternativa: fui a correr à livraria. Andar entre os livros leva-me deste mundo para fora.
Se calhar deveria antes escrever: leva-me para fora deste mundo. Mas não faz mal, fica como está, acho que vai dar ao mesmo. 
E o bom é que, quando ali entro, não vou à procura de nada. Melhor: vou na disposição de não querer nada a menos que tenha que ser.

E aconteceu: teve que ser.

Um é de um autor cujo blog que
-- apesar de esparsoso (eu sei, sei, Senhor Linguagista, esparsoso não existe mas, se gosto de pisar o risco em tantas coisas, não haveria de pisar também aqui e estender a mão para apanhar, do lado de lá, uma palavra ainda não inventada, porquê? Ora essa, Senhor Guardião [das Palavras Inventadas) -- 
eu sigo e que integra a minha galeria de fantásticos Frescos & Bons.

O outro livro é daquele ganda maluco que, vá lá eu saber porquê, não me canso de ouvir e ler. Uma encadernação linda, um bom tamanho, uma paginação das boas. Só espero que o Henrique, mui ilustre livreiro e sabedor como nenhum outro da nobre arte de bem fazer livros, quando for a dar os seus globos de ouro (ou os nobeis* ou oscares ou whatever) repare nele e o premeie, que bem merece ir directo para o pódio.
[* sei que deveria ter escrito: os nobel. Mas não me apeteceu.]
Trancrevo um pouco e não digo qual é porque não gosto de deixar spoilezinhos por aqui. Fica o mistério para os entendidos desvendarem.
Com os olhos e as mãos te faço meu. Se tu agora fizeres o mesmo, com os olhos cerrados saberás quem sou. Com as minhas palavras faz-me ser, constantemente te rogo. Escreve as minhas lágrimas. Com elas faremos um rio, numa margem estás tu, na outra estou eu. Escreve a minha dor mais funda. Não ficarás salvo -- quem quer ficar salvo neste mundo não te merece -- mas não passarás em vão. tudo está no procurar, pouco no encontrar. Verifica a pergunta antes de tentar a resposta. Sê quem és. Escreve-te como eu me escrevo, nesta distância doce e cruel.

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As duas primeiras fotografias a preto e branco podem ser vistas até finais de Agosto em Paris na exposição Chaillot, mémoire de la danse 

Para fazer pendant, lá em cima Stacey Kent interpreta Que reste-t-il de nos amours

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sábado, agosto 12, 2017

Contos eróticos





Bem, hoje está a dar-me para isto, para coligir. A culpa é de um mail que recebi.

Resolvi, pois, colocar alguma organização para facilitar a vida a quem está na praia e se dá ao trabalho de tentar ler histórias que escrevi.

As coisas que eu já escrevi, senhores... Não dá para acreditar. É como quando olho para a quantidade de carpetes e carpetes de Arraiolos que já fiz: como foi tal possível? Terei sido mesmo eu? Acho que faz sentido duvidar.

Aqui tenho andado a garimpar... mas não é tarefa fácil. Já nem me lembro dos nomes que dei a várias histórias. Ao todo, já publiquei cerca de 4.500 posts. Um horror desencantar coisas no meio disto. Por vezes coloquei etiquetas mas em muitas não. Só com alguma minúcia e muita paciência conseguiria organizar isto. Mas isso são características que não integram o meu DNA.


Portanto, depois de ter compilado todos os capítulos de Lu, a mulher infiel e da Dindinha, cansei-me de andar à pesca e lembrei-me de ir à procura de contos mais ou menos eróticos, pensando eu que isso seria canja. Sim, sim... Acho que já escrevi montes deles mas, assim de repente, só desencantei cinco. Imagine-se. Mas lá está: quando me dedicar a escrever argumentos para seriados calientes, logo me embrenho na pesquisa a material histórico. Ou, então, deixo-me de compilar prosa vintage e escrevo mas é mais contos, sempre será material de apanha recente, da saison.


Aqui deixo os respectivos links para os cinco que consegui mondar no meio do matagal que é este blog. Enjoyez.

Contos eróticos



Perigosa sedução
(a 1ª parte do post não tem nada a ver; o conto começa onde se lê: Se eu contasse ninguém me levaria a sério)



Uma historinha de um erotismo muito inocente



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E queiram continuar a descer que, nos dois posts seguintes, como acima referi, há ligação directa a dois folhetins, o da Lu e o da Dindinha.

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sexta-feira, maio 13, 2016

Desabamento




E, de repente, Pedro envelheceu mil anos. Caíu sobre uma cadeira, a cabeça apoiada na mão, a mão cobrindo-lhe parte do rosto.

Clara não sabia o que fazer. Inquiriu: 'Tinha ali muita coisa?'. Ele respondeu, um fio de voz: 'Tudo'. Ela não sabia o que era tudo mas admitiu que fosse muito. Pensou: dinheiro vivo, ouro, jóias, qualquer coisa assim. Perguntou-lhe: 'Mas não seria de se chamar a polícia, Pedro?'. Ele ficou calado. depois, muito baixo, disse: 'Não está arrombado'. 

Então Clara percebeu que parte daquela prostração talvez resultasse de ele pensar que era alguém da casa. Perguntou-lhe: 'Mas quem é que tinha o segredo ou a chave?'.

Ele apontou e disse, a garganta seca, enervado, quase sem voz: 'O cofre não se vê, está disfarçado atrás de uma estante falsa da sala. Aqui, deste lado, abre dentro daquele armário que está agora ali ao lado. Sabiam o carpinteiro e o encadernador mas já morreram. E sei eu, os meus pais e os meus irmãos. Mas mudamos o código todos os meses. O meu pai, porque é o nosso pai, o chefe da família, e eu, pelas funções que tenho, sabemos sempre. E depois há uma terceira pessoa, rotativamente. Todos os meses é um dos meus irmãos. Só nós três, a cada mês, é que sabemos. Dantes era também a minha mãe mas já não quer. Desde há dois dias é o meu irmão Filipe'.

Ficaram em silêncio. Clara pôs-lhe uma mão no ombro. Ele olhou para ela: 'Percebe...?'. Ela sentiu muita pena dele. 'E o Pedro desconfia do seu irmão...?'. Ele encolheu os ombros, infeliz. Depois, quase em surdina, disse: 'Não sei. Não posso dizer. Mas pode ser o meu pai'. E tapou os olhos, a testa, como se sentisse vergonha.

Clara disse: 'Mas, Pedro, o que estava lá dentro, era património da família, é isso? De todos?'

Ele assentiu. Ela disse: 'Mas, Pedro, o seu pai não é o guardião? Ia lá fazer uma coisa dessas...?'

Ele voltou a encolher ao de leve os ombros 'Não sei...' e com a mão mexia na testa, no cabelo, como se quisesse encontrar nesse gesto o conforto que lhe faltava. Clara pensou que era tarde, que devia ir mas que não podia deixá-lo assim. Perguntou-lhe 'Pedro, quer que fique para o ajudar? Ou prefere ficar sozinho? Diga, esteja à vontade.'

Ele disse: 'Peço tanta desculpa, Clara, nunca imaginei que uma coisa destas me pudesse acontecer. Nunca pensei passar por isto e logo consigo aqui. Não quero maçar, Clara, deixe que eu já penso no que hei-de fazer. Se quiser ir, vá.' Ela perguntou: 'Mas fica bem, Pedro?'.

Ele olhou em volta e disse: 'A esta hora nem sei se isto ainda pertence à família...'. Clara olhou-o e viu a sua aflição. 'Mas como, Pedro? Como poderia isso ser...?'. Ele em silêncio, numa inquietação, numa aflição, numa tristeza. 'Vá, Pedro, vá. Tenha calma, Pedro.'.

Então, inesperadamente, ele afundou o rosto entre as mãos e começou a chorar. Ela ajoelhou-se ao lado do cadeirão, fez-lhe festas no cabelo, 'Pedro... então... Pedro... O que está para aí a pensar?'

Ele chorava como uma criança. Depois levantou-se, pegou-lhe na mão, levou-a até à biblioteca. 'E se isto já não nos pertence...? O que faríamos...?'.

Clara manteve-se de mão dada com ele: 'Credo, Pedro, que ideia. Lá porque desapareceram coisas do cofre já pensa que ficou sem a casa...?' Ele voltou a tapar o rosto com a mão e a voz chorando-lhe 'Temo que possa não ser só esta casa, Clara. Temo tanto. Tanto'. E deixou-se cair de novo num cadeirão.

'Olhe, Pedro, vá lá, acalme-se, se calhar não é nada disso, Pedro. Mas não é melhor ligar a alguém? Fale com o seu pai. Ou com o seu irmão. Se calhar há uma explicação, vai ver que não é nada disso. Vá. Ligue. acalme-se'

Ele olhou-a, olhar vazio. Não parecia a mesma pessoa que há pouco estava tão descontraído e feliz.

'Não. Tenho que pensar. Foi um deles. Vou falar ao meu advogado. Mas o meu advogado é o da família. Sei lá se é de confiança. Tenho que falar a um outro. Temo, sabe. Temo o que aí vem. Eu andava a desconfiar. Mas se for é tão grave, Clara, tão grave, tão grave.'

'Mas pode ter perdido o quê? O que é tudo?'

Pedro, levantou-se, encostou a cabeça à janela, já era de noite e ele, de repente um velho, e, ainda tentando esboçar um sorriso, disse: 'Tudo é tudo, Clara. E só espero que não seja também a liberdade...'

'Que me assusta, Pedro. Ligue ao advogado. Eu fico aqui consigo.'. Depois telefonou para casa e contou que tinha surgido um contratempo.

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Este é o terceiro episódio de uma história que ainda não tem nome porque ainda não a conheço. Vem no seguimento do 2º capítulo a que dei o nome de A mulher que também gosta que lhe falem de livros.

O primeiro capítulo era A mulher que gosta de lhe falem de árvores.

A história segue no 4º capítulo, 'Bater no fundo'.

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Lá em cima era o Nocturno Nº 20 de Chopin. Aqui em baixo é Stacey Kent interpretando You've got a friend e James Taylor.

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Entretanto, para uma coisa nos antípodas -- o Queria-ser-Primeiro-Ministro e Fazer-se-passar-por-Economista José Gomes Ferreira e a sua caça aos gambozinhos do Plano B (para a qual o António Costa parece ter tido uma paciência de santo -- é descer até ao post que se segue.



quinta-feira, abril 21, 2016

As palavras mais belas da língua portuguesa.
E outras conversas em redor.




Estou naqueles dias. Há vários assuntos que me convocam. Fotografias e a vontade de construir histórias em volta delas. Gosto de plantar aqui fotografias e, de consciência desprotegida, deixar que os meus dedos façam crescer palavras em volta delas. Ou músicas. Pode parecer que a música é acessória em mim. Mas não é. Sou é ecléctica, na música e em tudo na vida. Especialista em coisa nenhuma. Amante da diversidade. Parece que, da vida, quero conhecer uma amostra de quase tudo. O que eu acumular não vou levar para lado nenhum. Por isso, não quero acumular nada, muito menos conhecimento. Quero é provar. Degustação. Não quero reter coisa alguma. Mas quero ir conhecendo, inventando, tendo prazer na descoberta. Sem parar em nada, senão não seguiria em frente, descobrindo mais.

Tenho aqui um livro comigo. Não foi este livro o recomendado mas foi este que encontrei. Eu de volta do índice, curiosa de ir já conhecer a ideia dos outros. Mas a esta hora não dá.

E pôr-me aqui com as palavras descomandadas, acho melhor não, não sei se as conseguiria parar se elas tomassem o freio nos dentes. 


Pus-me, pois, a circular pelos jornais. Muitos zikas há a zumbir em volta da actualidade portuga. Há bocado até ouvi um, que deve ser avençado, a dizer que a Isabel dos Santos fez 43 anos e gostaria de ter tido outro presente, e a conversa toda a puxar o lustro à filha de seu pai, e eu incapaz de suportar isto. Stop. Em dias assim parece-me que tudo anda em volta de zikas ou de microcéfalos políticos, ou de inquisidores-novos, disse, não disse? a que horas disse? mentiu, não mentiu?, ah que momentos de glória para tão azikados deputados, muita gentinha desta há por aí -- e eu que não tenho tempo para descansar a ver se reponho os níveis de paciência que até acredito que o mal se calhar está em mim. Há quem tome ansiolíticos por ver tanto atraso de vida. Eu não. Desligo a televisão, ponho-me aqui, nisto. E passa-me. Mas devia dormir mais. Talvez parecesse mais boazinha. 

Há bocado, para descomprimir, estive a conferir a minha personalidade a partir dos bolos que prefiro e depois, já adoçada, pus-me a circular pelos blogs. Há alguns de que gosto tanto. São atípicos. São momentos bons. Depois estive a ver os mails, mails tão simpáticos. De vez em quando lá aparece um que destoa mas apago logo, para que haveria de guardar um mail desagradável? Mas, felizmente, é raro. De facto, pensando bem, só aconteceu uma vez. Mas já me esqueci. É como se não tivesse existido. É o que tem de bom ser primária.

Agora já é tarde, Deveria parar por aqui. Mas li um artigo maluco, só pode ser maluco, e fiquei com vontade de pegar na ideia. 


"As 50 palavras mais belas da literatura em língua portuguesa". E pode? Como é que se escolhem as palavras mais belas? Loucura.

Pedimos ao colaborador da Revista Bula, Marcelo Franco, um dos maiores especialistas em livros no Brasil, que apontasse as 50 palavras mais belas da literatura em língua portuguesa. Marcelo Franco enumerou 100 palavras, destas, selecionamos 50. Obviamente que listas são sempre incompletas, idiossincráticas. Sabe-se que, como a percepção, a opinião — que é a base da maioria as listas —, é algo individual. O resultado não pretende ser abrangente ou definitivo e corresponde apenas à opinião do especialista e dos editores da Revista Bula, que fizeram a seleção a partir da lista inicial sugerida.
A seguir leio a lista das 50 palavras. Fogo. Leio e acho que só podem estar a gozar com a minha cara. 
Pentâmetro iâmbico, Palimpsesto, Funâmbulo, Imarcescível, Arquiduquesa, Antolhos, Ignoto, Lugar-tenente, Pneumotórax, Seljúcida
Juro. Estas são algumas das palavras que eles escolheram. Dá para acreditar? 
Belas? Caraças. Belas, o tanas. 
Nem nunca tinha ouvido falar nessa tal de seljúcida. Fui ver e já sei o que é. E também sei que só de confessar aqui a minha ignorância já me estou a pôr a jeito para que me apareça aqui o Leitor José Neves a dizer 'Ah. Logo vi. Tinha que ser. Por isso é que é tão básica da silva. Não conhecia a palavra seljúcida?! Seljúcida, toda a gente sabe o que é! Vá-se instruir, Minha Senhora'. Ok, eu vou. Um dia destes.


E, portanto, enquanto não me vou instruir
-- inclusivamente tive que ir ver aquela do pentâmetro iâmbico e, caraças, não é que até pode ter a ver com o grego e eu que ainda não sei grego, oh Caro José Neves, já viu isto?, bolas, como é que eu não sei o que é um pentâmetro iâmbico? Bolas, que até a mim me dói tanta ignorância -- 
vou continuar, por aqui, no bem bom do dolce far niente blogosférico.

Mas vá lá, avancemos.

Embora ninguém me tenha perguntado, eu respondo. Palavras belas da língua portuguesa (e que conversa é essa de palavras da literatura em língua portuguesa? poderiam ter escolhido palavras belas que não aparecessem em nenhum livro? Treta).

Então vou dizer ao acaso, sem elencar por qualquer ordem (nunca faço listas), sem pensar, sem filtrar, sem coisa nenhuma:
luz, amor, cal, muro, aragem, folha, mãos, olhar, amor, azul, veleiro, mar, tecer, abraçar, horizonte, além, tocar, toada, lua, aluada, corpo, solar, pele, ondular, onda, maré, sonho, som, branco, alvo, madrugada, noite, lobo, montanha, divino, silêncio, desconhecer, transparência, ventre, seio, sexo, nudez, perdão, sorriso, tu, filhos, meus, sangue do meu sangue, maresia, loucura, beleza, infinita, infinda, linda, sedução, galanteio, malícia, poema, sussurro, murmúrio, doçura, leitura, paz. 
Pronto. Acho que, para amostra, já chega. Não vos maço mais. Vou dar uma curva. Para os braços do meu amor.

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  • As fotografias são respectivamente de Andres Serrano, Andreas Gursky, Philip-Lorca Dicorcia, Herb Ritts e Raymond Cauchetier. 
Se tiverem interesse em saber o valor comercial delas espreitem aqui. É para quem pode. E, como se vê, isto do 'valor' é uma coisa relativa -- já os outros lá o diziam, o Ricardo, o Karl e todos esses bacanos.
  • Lá em cima Stacey Kent interpreta You've got a friend. E é verdade. Estou aqui para os amigos,
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E, caso queiram saber o que é que o vosso bolo preferido diz da vossa personalidade, desçam, por favor. É já a seguir.