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sábado, julho 26, 2025

Marcelo, até que enfim
-- A palavra ao meu marido --

 

Finalmente, depois de andar a aparar o governo do Montenegro desde o início, o Marcelo deu um ar da sua graça e confirmou que o governo do dito não respeita a Constituição, não respeita as crianças, não respeita os mais elementares valores comuns às pessoas de bem, segue a agenda do Chega e só tem o objetivo de cavalgar a onda para ganhar votos, não olhando a meios para justificar o objetivo. 

Finalmente, o Marcelo esteve bem. Confirma-se também que o Montenegro mentiu. O "não é não" passou a "sim, sim". 

Aliás, após o Montenegro dizer que não tinha acordo com Chega veio o ministro da presidência dizer que o acordo existe. Um deles mentiu e dá-se um doce a quem adivinhar qual foi. 

Temos assim,  a coligação ADEGA (na feliz designação que alguém criou e que o Daniel Oliveira referiu no Eixo do Mal) formada pelo AD e pelo Chega. Pelo exemplo da lei dos estrangeiros, não sabem o que fazem e não respeitam nem as pessoas nem as leis. 

Ao que "chegou" o PSD!

terça-feira, março 05, 2024

Em dia de ida a dois médicos, algumas conclusões
(e, a despropósito, pessoas que não existem e outras cenas de AI que são de um outro mundo)

 


Devido àquela bizarra situação que fez com que activassem o protocolo dos enfartes, chamassem o INEM, me enfiassem numa ambulância que me levou para as Urgências, lá chegada me tivessem levado, de cadeira de rodas, para a Reanimação e me tivessem feito lá estar até ao princípio da tarde do dia seguinte, agora uma vez por ano tenho que ir ao Cardiologista.

Era para ser no fim do ano passado. No fim do verão liguei para marcar a consulta (num hospital privado). Como afinal a escassez de médicos parece ser geral e não apenas no SNS, só consegui consulta para hoje. 

Entretanto, estando reformados e querendo começar a ir ao médico de família, depois de uma primeira consulta creio que no fim do verão e tendo ele mandado fazer alguns exames, tentámos marcar consulta para o fim do ano. Debalde. Fomos tentando. Debalde. Até que, finalmente, lá nos ligaram a propr uma data. Ora bem. Qual data? Pois. Justamente, também hoje. Com duas horas de intervalo e vários quilómetros e muito trânsito de permeio. 

Ou seja, cheguei a uma das consultas à tangente. Aliás, um pouco atrasada.

Primeira conclusão

Na sala de espera do Centro de Saúde, no espaço da Saúde Infantil, todas as crianças que vi, todas, eram filhas de imigrantes. Várias. 

Uma alegria. Já que os portugueses de gema não se reproduzem, ainda bem que os imigrantes o fazem. Só desejo que sejam felizes por cá, que por cá fiquem, que por cá trabalhem, que por cá efectuem os seus descontos. 

Portugal só tem a ganhar com esta situação.

Segunda conclusão

O carro tinha ficado estacionado no parque de uma superfície comercial. Quando lá fomos buscá-lo assistimos a uma grande confusão, muitos gritos, muito barulho, grande correria. Um rapaz tinha sido agarrado pelos Seguranças, gritava como um capado, e, ao correr tinha derrubado várias pessoas e várias coisas. O rapaz era português. Ou seja, se houve aqui um episódio que deixa as pessoas inseguras, ele não causado por nenhum migrante.

Terceira conclusão

O trânsito das cidades continua intenso e para quem, como eu, vive geralmente afastada da confusão, isto já fere, e muito, a minha qualidade de vida. A sociedade, no seu conjunto, deveria zelar por retirar stress ao movimento nas cidades. Mais transportes públicos, muito mais teletrabalho, horários mais desencontrados, quiçá horários mais leves... Muito deve ser feito para retirar trânsito e confusão das ruas. Ainda por cima, apanhei um grande acidente, muitos carros completamente espatifados, polícias. E, noutro ponto, muito trânsito resultante de um outro acidente. É o resultado do stress, tantos acidentes. 

E não continuo com as conclusões porque ou paro já ou continuo até amanhã de manhã

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E, para além disso, continuo às voltas com os temas burocráticos em torno de cenas que deveriam ser simples mas que, para mim, são chinês em estado puro. Volta e meia concedo-me uma pausa nestas coisas pois parece que fico bloqueada. Mas vou ter que voltar a tratar disto. 

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E aqui chegada acho que devo partilhar um vídeo do Guardian que me põe doida, que me faz apetecer hibernar, que me dá volta ao miolo.

How AI creators cement outdated beauty standards

Images created by AI are getting exponentially better, to the point where many people are unable to separate them from the real thing.

As this technology continues to develop, challenges to our perception of what is real are immense, and our trust in what we are seeing is eroded. These fake people are already changing industries such as modelling and marketing, but can they offer a more diverse reflection of humanity than has historically been available - or are they destined to reflect the narrow standards of beauty these industries have long been drawn to?


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Sobre a fotografia lá acima, em minha opinião, muitto linda, retirada do GuardianA photograph by Melbourne artist Atong Atem, ‘Adut and Bigoa, 2015’ which will show at the NGV as part of a local component of Africa Fashion, an exhibit travelling to Australia from London’s V&A. Photograph: Courtesy Mars Gallery, Melbourne

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Um dia feliz

Saúde. Leveza. Paz.

quinta-feira, junho 22, 2023

O Titan.
E as embarcações sem nome.

 

Hesitei. 

Hesitei até em falar aqui em casa. O meu marido disse-me que também já o tinha pensado mas que não falou pois temia que o seu pensamento fosse populista.

Também eu. Penso e quase me censuro por pensar.

Mas penso.

E, por isso, com vossa licença, vou dizer.

Mas, primeiro, quero que se saiba que gostava que as cinco pessoas que estão no Titan sobrevivessem. Claro que sim. Que não subsista dúvida sobre isso.

Mas espanta-me a desproporção de atenção, de esforço, de meios postos à disposição (de investimento, em suma) que o tema está a merecer.

As nossas televisões, então, andam desvairadas. Não deve haver comandante e marinheiro de submarino que não tenha sido convidado para dar palpite. Quantas horas de oxigénio? Já piraram os cinco? Já estão mortos? Os entrevistadores salivando perante o cheiro a desgraça.

Contudo, repare-se: parece que o mini-submarino não estava certificado, que tinha diversos problemas técnicos (para além de desconfortável) e que o método de descida não foi devidamente monitorizado. Li também que cada pessoa pagou cerca de duzentos e cinquenta mil euros. Ou seja, segundo me parece, é daquelas excentricidades ao alcance de quem não sabe o que fazer ao dinheiro e resolve fazer coisas malucas.

Em contrapartida, não vejo reportagens próximas, não vejo comentadores, não vejo investimentos de alta monta e proporcional para salvar as centenas de pobres desgraçados que correm riscos enormes para, em embarcações precárias, atravessarem os mares -- não por excentricidade mas por sobrevivência, tentando chegar onde possam viver sem guerra, sem pobreza extrema, com casa, com água, com trabalho.

O fundo de alguns mares está pejado de cadáveres de gente miserável, de crianças, de gente que empenhou rendimentos futuros, que suporta a fome, a sede, o desconforto total, o medo, o risco de morte, o risco de ser recambiado para o local de onde vieram. 

Alguém vai ao fundo do mar para ver isso? Alguém acompanha aquela gente e vê como morrem pelo caminho e como reagem os que continuam vivos? Alguém acompanha os que chegam a terra, esfomeados, sedentos, e fogem e se escondem e tentam sobreviver num território estranho de que não conhecem a língua? Alguém acompanha os que, tendo passado por tudo o que passaram, são mandados de volta para a miséria e para a guerra da qual tinham tentado fugir?





E não digo mais pois isto perturba-me muito.

[Além disso, é um tema tão complexo que não pode ser visto sob a lente da emoção]

quinta-feira, dezembro 01, 2022

Três valorosos cidadãos do mundo - corajosos, sonhadores, resistentes, poderosos

 



Parece que não é a primeira vez que acontece. Talvez alguns não tenham sobrevivido. São pessoas como eu. E, no entanto, quantas mil vezes mais destemidos, mais lutadores, mais fortes, mais intrépidos que eu.

Três homens andaram 11 dias em equilíbrio sobre o leme de um enorme cargueiro, rente ao mar. Partiram da Nigéria e foram resgatados ao largo de Las Palmas. [Men survive 11 days on rudder of ship travelling from Nigeria to Canary Islands]

Fugiam de um destino com que não se conformam e sonham com um futuro melhor e, para o atingirem, arriscam a vida de uma forma que me comove muito. 

Quando foram resgatados estavam desidratados e em hipotermia. Não sei como conseguiram sobreviver onze dias apoiados num espaço tão, tão, pequeno, tão, instável, rente à água fria, dobrados. Não sei se tinham o que comer ou beber mas, se o tinham, seria tão pouco. Nem sei como conseguiram descansar, como conseguiram manter a coragem quando as águas se agitavam, quando conseguiram superar o medo quando caía a noite, quando duvidavam se conseguiriam sobreviver até chegarem ao seu destino. 

Nem sei o que imaginam para a sua vida. Clandestinos, sem documentos, como poderão alcançar uma vida segura e feliz? 

Mas há muitos que conseguem e tomara que estes venham a ter uma vida longa e feliz, à medida do que sonham. 

Todos os países, em especial os países envelhecidos e em especial aqueles em que há falta de mão de obra, deveriam acolhê-los de braços abertos, dar-lhes casa, ensinar-lhes línguas ou ofícios ou o que eles queiram estudar, arranjar-lhes documentos, trabalho, ajudá-los a formar família, ajudá-los a construir o caminho para o futuro com que sonharam. 

E deveria ser mandatório fazer-lhes uma estátua em cada cidade para que todos tenhamos sempre bem presente o quanto se arriscam os que vêm de longe almejando uma vida como a nossa, o quanto sofrem para terem aquilo que tantas vezes desprezamos, o quanto todos tanto lhes devemos.

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Um bom dia feriado
Saúde. Solidariedade. Paz.

quinta-feira, junho 27, 2019

Oscar e Valeria e todos os outros que tentam atravessar montanhas, desertos, rios e mares na esperança de alcançar um mundo melhor


É fácil a gente comover-se. Daí, é fácil a gente evoluir para a revolta. E ,se muita gente se comove e revolta, mais fácil é sentirmos que fazemos parte de um movimento colectivo que se comove e revolta com a situação, sentimo-nos confortáveis com a causa comum. E a causa comum esgota-se nisso, em comovermo-nos e em revoltarmo-nos. Ou seja, na realidade é uma causa inútil.

Difícil é sermos racionais, consequentes. Difícil é percebermos que escolhas devemos fazer para poiarmos quem saiba evitar que situações como as que nos comovem e revoltam voltem a acontecer.

Falo, neste caso, em defendermos, no nosso país, políticas de acolhimento de refugiados, falo em termos programas de acolhimento para crianças sem família, falo em termos políticas articuladas e sérias de imigração. Falo em não cedermos a populismos, em não ficarmos revoltados se o Correio da Manhã fizer reportagens a dizer que os nossos impostos servem para pagar casas para estrangeiros, sem cuidarmos de saber que os estrangeiros em questão são, afinal, corajosas pessoas que fugiram da guerra, da fome, da violência. Falo em escolhermos quem nos represente na União Europeia para defender a mesma coisa em todos os países da UE. Falo em apoiarmos quem, na UE, quer fazer frente aos Salvinis deste mundo. Falo em transformar a nossa comoção e revolta em coerência.



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Volto aqui para dizer que, depois deste, comecei a escrever outro post dedicado aos livros mas, à medida que ia escrevendo, ia pensando que não deveria publicá-lo senão este iria já lá mais para baixo. Há alturas em que temos que pôr de lado o nosso egoísmo. Apetecia-me escrever mas, na realidade, estaria a relativizar a importância do tema deste post. Não a importância do post que os meus posts valem zero. Mas o tema, esse, sim, é importante. Sem a nossa atenção, cuidado e alguma abnegação tudo continuará igual, imensas correntes de gente a enfrentar o perigo, tantas vezes soçobrando pelo caminho, tantas vezes devolvida como mercadoria indesejável, tantas vezes agredidos, tantas vezes separados dos seus. Por isso, é com este post que termino a minha jornada: desejando que o mundo rico acorde para a necessidade de acolher os que fogem da guerra, do medo e da pobreza.


terça-feira, novembro 06, 2018

E, enquanto isso*, a família Lopez mantém a sua comovente esperança num mundo melhor


* O asterisco tem a ver com o post que escrevi antes. Enquanto acontecem coisas como abaixo refiro e enquanto estupores encartados, populistas demenciais e perigosos, fazem da vida dos desesperados uma bem sucedida bandeira eleitoral -- desesperados esses que apenas tentam alcançar algum refúgio ou um El Dorado que há muito é apenas uma miragem --  as estradas enchem-se. É a caravana. E são pessoas, tão pessoas como nós que ali vão. No caso que aqui mostro, tentam chegar aos Estados Unidos. Vêm das Honduras, de El Salvador e da Guatemala e querem trabalhar, querem uma vida melhor. 
E eu, vendo esta gente, não consigo deixar de me admirar com o seu optimismo, a sua coragem, a sua resistência física. É comovente como conseguem manter o aprumo. Uma das raparigas que fala, sorrindo enquanto fala, tem brincos, está bem penteada. Lavam-se na rua, banham-se se encontram um rio; e lavam a roupa pelo caminho, riem, caminham, caminham, e mantêm a chama da esperança bem acesa. As crianças são uma ternura. E é enternecedor ver como os mais velhos acarinham as crianças de colo. Quanta valentia, quanta resistência física.

Vêm de países dominados por cartéis de droga e bandidismo, vêm de países governados por doidos varridos, de países sem lei. E não há instância que consiga ajudar estas populações. Escorraçados dos seus países são impedidos de tentar a salvação. Destinos cruéis. E quem os poderia ajudar, faz deles bandeira contra a ajuda, contra a inclusão.

Que mundo perigoso este. Vejam, por favor. 



Entretanto, à sua espera, eis o que está a ser preparado para os impedir de entrar. Uma angústia.


terça-feira, outubro 25, 2016

E se fosse consigo...?
E se fosse consigo...?
E se fosse consigo...?


Não posso olhar apenas para o hoje. Em todas as eras houve maldições, êxodos, desesperanças. E se alguma coisa me causa estranheza é apenas que a espécie humana, ao contrário de outras, nada aprenda.

O aperfeiçoamento natural, fruto de experiências anteriores, não acontece com as pessoas. Encontramo-lo em animais que vivem no fundo do mar, nas mais inóspitas escarpas, em grutas onde o ar mal circula. Mas não nos humanos. 

Em nome de religiões, de racismos, de guerras fraticidas do passado, em nome de qualquer coisa, os homens viram-se uns contra os outros, esquecem séculos de civilização (e falo em séculos porque sei como a memória é curta, senão diria milénios) e, sem pesos na consciência, regridem aos tempos da escravatura, da barbárie, da mais rudimentar selvajaria. A espécie humana é autofágica.


O que se passa com os refugiados é disso prova. Pessoas como nós fogem à guerra e à miséria, despojados dos seus bens, dos seus familiares, de afectos, de tudo, atravessam mares, caminham pela noite. Procuram a paz, esperam encontrar o futuro. E nós, os que ainda não fomos tocados pela gangrena da miséria absoluta, indiferentes.

Sujeitos à abjecção, tratados como indesejáveis animais, deitados pelas ruas, ao frio e à chuva, acantonados em tendas, vendo frustrado o sonho em nome do qual arriscaram a vida, os refugiados vivem o grau zero da dignidade humana. E nós, os locais, indiferentes.

Nem imagino o que estas pessoas sofrem. Nem imagino. 

E ver o sofrimento -- humano, tão humano -- destas pessoas reconduz-me à minha condição de cúmplice. Envergonho-me de mim.


A solução para um problema desta dimensão não a conheço. Tem que ser construída. Se fossemos gente de bem, unir-nos-íamos para estudarmos como pôr fim a tamanho sofrimento. Saberíamos ajudar estas pessoas no seu país ou, se impossível, saberíamos acolhê-los com humanidade.

Não são gestos individuais que podem travar esta calamidade -- todos os dias a morrerem nos mares, todos os dias a virem em carrinhas sem condições, vítimas de um asqueroso comércio. Sinto que as minhas lágrimas de nada servem quando vejo as lágrimas indefesas de gente igual a mim. 

A selva de Calais está, e bem, a ser esvaziada. Aquele era um zoo imundo em que se enjaulavam pessoas que, coitadas, se tornavam violentas, más, perigosas. 


E aqueles milhares de pessoas, que deixaram a vida para trás e sofreram todas as dores para chegarem até lá na esperança de alcançarem um imaginado el dorado, um reino unido que os receberia de braços abertos, vêem-se agora divididos em grupos e transportados para outros alojamentos, mais longe da fronteira dos seus sonhos. Voltam a separar-se de amigos, voltam a ver o seu destino à mercê nem sabem de quê. 


Na despedida da selva, abraços e lágrimas. Arrastam malas com mudas de roupa e agasalhos que lhes foram doados. Uns partem para uma nova paragem do desconhecido acreditando que a sua vida um dia fará sentido, outros vão tristes, sem asas, sem amparo, temendo novos perigos.

E nós aqui sem querermos saber de nada.

Mostram-lhes um mapa de França, pedem-lhes que escolham e, consoante a escolha, assim são encaminhados.
Muitos escolhem ao acaso

(Na madrugada do do 1º dia da evacuação de Calais)



Desespero e esperança no campo de refugiados de Calais


(17 de outubro de 2016)



Evacuação da 'jungle' de Calais: a manhã de segunda feira


(24 de Outubro de 2016)


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Para um registo completamente diferente (e para o caso de serem como eu -- assistir ao sofrimento é tão insustentável que, perante a minha humilhante impotência, sinto necessidade de mudar de assunto), desçam por favor para verem o que é uma declaração de amor a preceito.

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terça-feira, setembro 27, 2016

Uma terra quase fantasma... até à chegada dos refugiados
&
De bónus, o vídeo com a análise de Stephen Colbert ao 1º debate 'Hillary Clinton vs Pato Donald'



Ora bem. Não é que já esteja acordada ou atilada. Não: estou na mesma. Portanto, não é daí que me vão vir melhoras. A questão é que, depois de ter partilhado convosco um momento de pura sabedoria taoísta, ao pôr-me a ouvir uma música muito bela, senti como que uma espécie de uma elevação. 
Riam-se à vontade os que já se acham num patamar elevado. Confirmem: é mesmo verdade. Eu sou assim, animal-animal mesmo. Só não me ponho estendida na beira no rio, os pés na água, a olhar para o rodar do sol por entre as árvores e a ouvir a quarta tocada por um bando de pássaros porque ainda não descobri o lugar certo. Senão a ver se me punha para aqui armada em esperta a falar de impostos ou sigilos bancários. Que isso se fosse catar seria o meu desejo. Mas isto é só até descobrir o rio de leite e mel em cujas margens descansarei a minha cansada mente.
Bem. Adiante.
Dizia eu que.


E, portanto, elevada até ao patamar em que o animal-animal dá lugar ao animal-levemente-pensante, procurei temas menos eco-epicuristas. Como vos dizia, as cordas tangiam e o meu coração sentia-se envolto em harmoniosos laços enquanto as minhas mãos procuravam mais beleza.

E encontraram-na.
Podem pensar que estou no gozo. Não estou. Quando se me varre a censura interna, fico assim. Zen. Zeníssima.
Mas, portanto, dizia eu.

A beleza dos gestos, dos afectos, a beleza suprema da generosidade. Penso que a felicidade maior vem da generosidade e do contacto com a natureza - e de nos sentirmos próximos (física ou mentalmente) de quem amamos.

Mas pronto, filosofia à parte que a hora não está para os clássicos.

Dizia eu, então, que.

Nem sei como fui parar onde o meu coração se aconchegou. O mundo como um abrigo e não como um lugar perigoso. 
Centuries-old Italian villages were becoming ghost towns. Refugees were fleeing conflict and seeking new homes. The needs of each have come together in Camini, a 12th-century town whose population has dwindled to about 280 people—a quarter of what it once was. In hope of breathing new life into deserted neighborhoods, Camini has welcomed more than 80 refugees and immigrants from Africa and the Middle East.

No fundo, a mesma harmonia que a beira do rio, que o amor simples. Procuro a harmonia.
Não gosto de complicações. Se há coisa que me chateia são complicações: livros com páginas e páginas de coisa nenhuma, de prosoleio irrelevante, ou problemas parideiros, problemas dentro de problemas, ou soluções que não se percebem, que cansam só de tentar perceber se são soluções ou mais problemas. Eu não. Para mim só o polinómio depurado, a geometria cristalina, a equação elegante como uma bailarina em pontas, o texto como um sussurro da alma, a música como uma suave carícia na superfície da minha pele.
Coisa assim. 
Mas dizia eu que. 

Acolher os outros. Querer que os outros, os que nada têm, sintam a paz e o amor no seu coração. Abraçar. É bom abraçar.

É o caso que aqui abaixo se vê. Vejam, por favor.

Portugal, com tantas aldeias quase fantasmas, precisa de vida nova.

Mesmo que a cor da pele ou o tom das preces seja diferente.


Cosmano e Assan, pai e filho


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Vi os animais que se estimam como se da mesma família no Bored Panda.

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E antes de deslizarem até ao próximo post, caso não resistam a saber o que Stephen Colbert gozou com o primeiro debate Hillary Clinton versus Donald Trump, eis o vídeo da intervenção de abertura do programa de hoje.


The First Presidential Debate Lives Up To the Hype

The Late Show with Stephen Colbert



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terça-feira, fevereiro 02, 2016

Pertencemos a uma espécie de vida breve





Julgo que a nossa espécie não durará muito tempo. Não parece ter o estofo das tartarugas, que continuaram a existir semelhantes a si mesmas ao longo de centenas de milhões de anos, centenas de vezes mais do que a nossa existência. Pertencemos a um género de espécie de vida breve. Os nossos primos já se extinguiram todos.  E nós causamos estragos. As alterações climáticas e ambientais que desencadeámos foram brutais e dificilmente nos pouparão. Para a Terra será uma pequena perturbação irrelevante, mas não me parece que escapemos incólumes; tanto mais que a opinião pública e a política preferem ignorar os perigos que estamos a correr e enfiar a cabeça na areia. Somos talvez a única espécie na Terra ciente da inevitabilidade da nossa morte individual: receio que em breve devamos tornar-nos também a espécie que verá conscientemente chegar o seu próprio fim ou, pelo menos, o fim da própria civilização.


Como soubermos enfrentar, melhor ou pior, a nossa morte individual, assim enfrentaremos o colapso da nossa civilização. Não é muito diferente. E não será por certo a primeira civilização a entrar em colapso. Os Maias e os Cretenses já passaram por isso. Nascemos e morremos como nascem e morrem as estrelas, tanto individual como colectivamente. Esta é a nossa realidade. 


A que terra podemos chamar nossa,
sem que um desafio nos tenha feito medir as forças com ela
até lhe pedir perdão?
Não falo de vencedores, dos que não são de nenhuma terra
e de todas se apropriam.
Não falo da luta com o Anjo:
o Anjo vence-nos sempre
e não precisa de qualquer luta para nos esmagar.
Falo da nossa dívida à terra,
desta consciência brusca de amanhecer um dia
ao mesmo tempo que o mundo




by Banksy (algures perto de Calais)

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Migrantes: 10.000 crianças desaparecidas, diz Europol


(Já para não falar nas que morrem pelo caminho ou dão à costa como conchinhas vazias)

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O texto pertence ao capítulo "A fechar: nós" do livro 'Sete breves lições de física', de Carlo Rovelli.
O primeiro vídeo tem, de Ennio Morricone, On Earth As It Is In Heaven do filme The Mission
O poema é A Nossa Terra de Luís Filipe Castro Mendes in Relâmpago, Revista de Poesia 36/37
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Convido-vos a descerem até ao post seguinte onde se fala da nossa natureza humana e do que nos une às borboletas ou aos pinheiros larícios

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domingo, janeiro 31, 2016

Um outro tipo de rapariga. Um outro tipo de mundo.




De vez em quando preciso de parar. Não sei explicar porquê. Se me ficar pela superfície, direi que o que conheço acaba por me entediar. Mas sei que não é bem isso. Sei que há uma parte de mim que parece querer viver do outro lado, lá onde me desconheço por entre paisagens e culturas desconhecidas. De vez em quando preciso de rasgar a parede do mundo em que vivo e espreitar o que há para além dele. Apercebo-me, então, de um mundo real, tão real como este meu, apercebo-me de como é finita e precária a realidade que conheço e de como é imenso o que me atrai do outro lado.

Diz Carlo Rovelli,
As imagens que construímos do universo vivem dentro de nós, no espaço dos nossos pensamentos. Entre essas imagens -- entre aquilo que conseguimos reconstruir e compreender com os nossos limitados meios -- e a realidade da qual fazemos parte, existem inúmeros filtros: a nossa ignorância, a limitação dos nossos sentidos e da nossa inteligência, as próprias condições que a nossa natureza de sujeitos, e sujeitos particulares, impõe à experiência. 
Para nós, justamente pela sua natureza efémera, a vida é preciosa. Pois, como diz Lucrécio, "a nossa fome de vida é voraz, a nossa sede de vida insaciável" (De RerumNatura, III, 1084).(...)
Porém, imersos nessa natureza que nos fez e que nos impele, não somos seres sem casa, suspensos entre dois mundos, parte apenas em parte da natureza, com a nostalgia de algo mais. Não: somos a casa.
A natureza é a nossa casa e na natureza somos a casa. Este mundo estranho, variegado e espantoso que exploramos, onde o espaço se esfarela, o tempo não existe e as coisas podem não estar em lado nenhum, não é algo que nos distancie de nós: é apenas aquilo que a nossa curiosidade natural nos mostra da nossa casa. Da trama de que nós próprios somos feitos. Somos feitos da mesma poeira das estrelas de que são feitas as coisas e, tanto quando estamos mergulhados na dor como quando rimos e a alegria resplandece, não fazemos senão ser aquilo que não podemos senão ser: uma parte do nosso mundo. (...)
Por natureza, amamos e somos honestos. E, por natureza, queremos saber mais. E continuamos a aprender. O nosso conhecimento do mundo continua a crescer. Existem fronteiras onde estamos a aprender e onde arde o nosso desejo de saber. Situam-se nas profundezas mais ínfimas do tecido do espaço, nas origens do cosmos, na natureza do tempo, na sorte dos buracos negros e no funcionamento do nosso próprio pensamento.
Aqui, na margem daquilo que sabemos, em contacto com o oceano do que não sabemos, brilham o mistério do mundo, a beleza do mundo, que nos deixam sem respiração.
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E, abaixo, pode ver-se o mundo tal como Khaldiya Jibawi, a jovem síria de 17 anos, o vê nesta realidade em que agora vive, no Za'atari Refugee Camp na Jordânia. O pequeno filme (com menos de cinco minutos) que abaixo se vê ganhou o galardão juvenil 2015 UNAOC PLURAL+ Free Press Unlimited pela excelência de jornalismo e informação. Apesar do prémio concedido e de já ter sido divulgado no youtube há cerca de dois meses e meio, à data a que escrevo isto, ainda teve apenas 237 visualizações.


Mas, apesar da indiferença do grande mundo, o que vale é que, apesar de tudo, há sempre alguém em quem brilha a alegria de viver e em quem habita o maravilhoso dom de ver luz para além das sombras.


Another Kind of Girl


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As duas fotografias de pequenas bailarinas debaixo de água são da autoria de Alix Martinez

Lá de cima puderam ver  as·phyx·i·a, um vídeo experimental, da autoria de Maria Takeuchi & Frederico Phillips.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

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terça-feira, dezembro 22, 2015

Na base de tudo




Nos outros anos, nas vésperas de natal, eu gostava de, aqui, me dirigir a cada uma das pessoas que me escreve ou que comenta, queria que soubessem que me lembro de cada uma. Contudo, este ano não vou fazê-lo. Lembro-me de todos, mesmo daqueles Leitores com quem há muito tempo não falo. Não me esqueci de ninguém mas creio que basta dizer que me lembro, que agradeço a companhia, que gosto muito de cada pessoa que, ao longo destes cinco anos e tal, me tem escrito mails ou comentado.

Não vou mencionar, uma a uma, cada pessoa pois quero falar de uma forma mais geral pois, mencionando aqueles cujos nomes conheço, estou como que a deixar de fora aqueles que me acompanham de forma silenciosa e cujos nomes desconheço.

Não sei se na véspera de natal vou conseguir tempo para cá vir e, por isso, vou já adiantando alguns pensamentos que, nesta altura, por aqui gostaria de deixar.
...

Enquanto escrevo estou a ver na RTP 2 um programa sobre raparigas institucionalizadas. Sentem falta das famílias, das mães. Vejo-as e sinto uma pena infinita. Escondem dos outros a sua situação. O programa mostra-as a fazer um filme, a ler os seus textos. Uma fala em cadeiras vazias viradas para a porta, a espera sem sucesso, a mãe que não aparece, o abandono. Um programa comovente. Penso nas crianças que sofrem com essa sensação de abandono cravada nos seus corpos. Mas penso também nas mães e pais que, por algum motivo, deixaram os seus filhos para trás. Podem, talvez, não o demonstrar mas imagino o vazio que sentem no seu coração quando lhes vêm à memória os filhos que não conseguiram manter na sua vida.


E lembro-me de uma coisa de que creio já aqui ter falado. Numa altura em que não tinha máquina de café em casa, ia à rua para o tomar. Não passo sem café de manhã, a minha tensão baixa provoca-me dores de cabeça. No dia de natal só dois dos cafés do largo estavam abertos. Aquele a que nós íamos servia refeições. Como não me levantava cedo e depois havia a abertura dos presentes e a arrumação e tudo isso, só íamos à rua perto da hora do almoço. E havia uma situação que me incomodava muito: havia sempre pessoas, sentadas, sozinhas, almoçando uma refeição ligeira ou uma sandes e um galão. Fazia os possíveis para que não vissem que eu as tinha visto. Imaginava que se sentiriam sozinhas, imaginava que não quereriam que os outros se condoessem da sua condição, imaginava que pudessem sentir-se humilhadas se os outros, os que aparecem com ar de festa, as olhassem. Mas depois ficava inquieta: e se as pessoas gostassem de receber um olhar de atenção ou um sorriso? Ainda hoje não sei como agir. A minha vontade, quando vejo alguém que se percebe que não tem com quem passar estes dias em que se pensa em família, é aproximar-me, é, como quem não quer a coisa, pôr-me à disposição para que conversem, se isso lhes apetecer. Mas sou cobarde, fico com medo que interpretem mal, que achem que estou a perturbar o seu sossego.


Também me lembro de uma colega minha que um dia tinha ido trabalhar com um colaborador meu. Como geralmente faço, fui ter com ela, cumprimentei-a, e, sentindo-a menos alegre do que era costume, sentei-me um bocadinho ao seu lado, perguntei-lhe se estava tudo bem. Disse-me que estava um bocado preocupada porque a filha, universitária, estava mal disposta, já na véspera tinha ido com ela ao hospital, que não lhe tinham achado nada, tinham-na mandado para casa mas que tinha ligado para casa e que ela estava outra vez a sentir-se mal, que não estava bem. Pareceu-me inquieta. Disse-me que se calhar ia para casa, para a levar outra vez ao hospital. Sosseguei-a: alguma coisa que tinha comido, alguma virose, coisa banal. Mas ela estava preocupada. Nessa tarde fui ter uma reunião noutro edifício da empresa. Quando acabou, vi as secretárias consternadas. Tinham acabado de saber que a filha da tal colega tinha morrido. Fiquei paralisada. Não percebia como podia ter acontecido uma coisa assim. Não conseguia imaginar como estaria a minha colega. Quando no dia seguinte fui à capela mortuária não sabia o que lhe dizer. Não fui ter com ela, receava não conseguir dizer a palavra adequada, queria saber dizer a palavra que a ajudasse a suportar a dor e sentia que não era capaz.

Quando, estando eu cá fora, ela saíu da capela, viu-me e veio ter comigo dizendo, 'Morreu a minha filha...' e abraçou-me e eu abracei-a e ali fiquei com ela a chorar e eu aflita, com vontade de chorar, incapaz de dizer o que quer que fosse. Depois, por fim, lá consegui; mas, em vez de ter uma palavra de consolo, o que me saíu foi uma pergunta: 'Mas o que foi? como foi possível?' e ela, a chorar, 'Dizem que foi uma pneumonia. Não acredito, não acredito. Morreu a minha filha. Não acredito'. E eu, olhando para ela, incapaz, incapaz de dizer a palavra certa. Depois ela segurou-me numa mão e ali ficou, a chorar e eu em silêncio. Não me esqueço disto. Foi sobretudo a tristeza que senti, uma tristeza imensa por ela, pela perda da filha, mas foi também a minha incapacidade para  ajudá-la, a minha inutilidade. 


Vi também há bocado imagens de mais um grupo de refugiados. Um tremia, olhar absorto. Outros tinham morrido e alguns estavam desaparecidos. Tinham vindo numa pequena embarcação, sobrelotada, sem coletes salva-vidas. Um jovem descrevia a situação. Que coragem, que desespero, que caminhar sobre um terreno revolto, feito, todo ele, de incertezas, sustos, medos. Vêm a fugir da morte ou da ausência de futuro e arriscam a vida, vindo ao encontro de um labirinto do qual podem não conseguir escapar. Morrem nas praias, desgastam-se em acampamentos ultrajantes, penam por estradas, correm mil riscos, são gente sem identidade - de quem desviamos a atenção: já cansa tanta imagem de refugiados, já não é tema. A nossa indiferença mata-os. Tal como a nossa cobardia. Tal como o nosso comodismo.

Podemos não saber qual a palavra, podemos não saber o que fazer, mas acho que não devemos esquecer. Não conseguiremos nunca chegar a todos quantos precisariam de um gesto mas talvez possamos estar atentos, talvez possamos arriscar e tentar aproximar-nos de quem sente a falta de algum apoio.


Há muita solidão em quem está desempregado, doente, em quem se sente deprimido, pouco amado, sem perspectivas. Talvez alguns dos meus Leitores se sintam assim e tomara eu agora encontrar a palavra certa. Mas não sou boa nisso. Por isso, digo apenas que, mesmo quando me apresento na maior folia e destempero, no fundo de mim está sempre presente o amor pelos outros, a compaixão por quem precisa, a solidariedade para os que pouco têm, pelos que sofrem. Se mais vezes não o digo não é por nada, é talvez apenas porque não sei dosear a expressão dos meus sentimentos, ou é tudo ou não é nada, ou porque não sei como melhor chegar a quem não sabe fazer-se ouvir e cala a sua solidão.

Por isso, não sabendo se na véspera de natal consigo escrever alguma coisa, aqui vos digo que, nestas alturas de festa, quero, sobretudo, que saibam que o meu pensamento vai, em primeiro lugar, para todos os que não sentem vontade de sorrir - e que muito gostaria de pensar que o calor do meu coração de alguma forma chegará até eles. É que, na base de tudo, acredito eu, tem que estar o afecto.

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A música é de Tchaikovsky: None, but the lonely Heart

As fotografias provêm do Bored Panda


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E, por favor, desçam até ao post seguinte caso queiram saber o que acho de mais esta pouca vergonha do Banif -- e do Carlos Costa que, supostamente, está a ser pago para gerir a instituição encarregada de regular o sector financeiro e evitar que tanta castanha quente nos rebente nas mãos.


quinta-feira, dezembro 03, 2015

Tantas casas vazias nas grandes cidades. Os centros das grandes cidades tão despovoados. Todas essas casas a serem compradas por chineses, russos, angolanos. Tantos sem-abrigo a dormir ao relento. Em Lisboa. Em Nova Iorque também.




Frances Ann "Fran" Lebowitz (nascida em 1950), uma das fotografadas para o Calendário Pirelli 2016, é uma autora americana e uma oradora controversa. 

A sua vida tem sido pontuada por actividades distintas em que sempre deu nas vistas - de resto, o seu hábito de se vestir ostensivamente com roupas masculinas, só por si, já a tornaria um pouco diferente.

Lebowitz é conhecida pelos seus sardónicos comentários sociais sobre o estilo de vida americano, comentários esses filtrados segundo as sensibilidades de Nova Iorque. Há quem a chame a Dorothy Parker actual.

No vídeo abaixo, feito para a Vanity Fair, Fran Lebowitz que nunca se intimidou perante temas polémicos, fala sobre o problema dos sem-abrigo e dos imigrantes em Nova Iorque.


Pode dizer-se que há aqui uma visão ingénua, talvez populista, talvez simplista - e não sei julgar se ela profere o que profere por provocação, se por convicção, se por um misto das duas coisas - mas a verdade é que, se muitas vozes respeitadas não se cansarem de apontar o dedo a situações que, se bem vistas, são aberrantes, contrárias à ordem natural das coisas, talvez as consciências comecem a despertar para as injustiças sociais que levam a que uns tenham tanto, quase tudo e outros, pouco, quase nada.

O vídeo foi hoje colocado no Youtube (à hora a que escrevo ainda tem apenas 250 visualizações) e não tem legendas em português. Mas, porque o acho interessante, aqui o partilho convosco.


Fran Lebowitz sabe o que fazer com todos esses oligárquicos apartamentos 



 
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E desçam, por favor, até ao post abaixo se quiserem saber onde adquirir livros belamente encadernados ou ilustrados.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.
Peace and love, my friends.

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terça-feira, setembro 22, 2015

A crise europeia dos refugiados (e a situação da Síria) - uma explicação em meia dúzia de minutos. Vale a pena ver, ouvir e pensar.


Sem mais, aqui deixo um curto vídeo traduzido em que, de forma simples, se fala de algumas razões que levam à crise brutal a que se assiste, com milhares de refugiados a tentarem desesperadamente entrar na Europa, das motivações de quem se encontra nestas desesperadas situações com pouco mais do que uma mochila, os filhos ao colo e um telefone, das implicações da integração desta gente nos nossos países, dos riscos, dos benefícios, dos deveres cívicos, morais, de solidariedade  - e, até, de razões económicas que justificam uma actuação inteligente e inclusiva.


The European Refugee Crisis and Syria Explained


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domingo, setembro 20, 2015

Uma Europa manietada por acéfalos*




Falava-se de centenas, depois de milhares, pouco depois passámos para as dezenas e centenas de milhares e agora já se fala que cerca de dois milhões e meio de refugiados estão às portas da Europa, preparando-se para entrar; e, mais: que, se os conflitos que grassam como uma peste nos países de onde eles fogem persistirem, poder-se-á falar de doze milhões de pessoas.

Hoje, numa reportagem (fantásticas as reportagens da RTP), um homem dizia que, porque no barco vinham cerca de mais 20 pessoas do que os que cabiam, nove homens se tinham atirado ao mar para que os outros sobrevivessem. Ouvi isto e fiquei quase paralisada. Tudo isto tem uma grandeza que vai para além das escalas que eu conhecia.

Todos os dias há naufrágios, mortos, crianças ao colo dos pais percorrendo caminhos, de noite, comboios transbordantes de gente que dorme de qualquer maneira, campos onde gente se amontoa como animais para abate, hordas de famílias inteiras apenas com uma mochila nas mãos. Uma invasão de gente que, fugindo da morte, tudo enfrentará. No outro dia, ouvi uma mulher dizer, numa outra reportagem, que lhe levassem ao menos a filha que ela, caso não pudesse acompanhá-la, voltaria para a Síria (certamente, para morrer na Síria). Ouve-se isto e percebe-se a dimensão sobre-humana da coragem desta gente.

E, enquanto isto, nas caricatas instâncias europeias, agendam-se cimeiras com semanas de antecedência, porque é tudo gente com agendas muito preenchidas: cimeiras em que se reúnem os ministros das pastas respectivas em cada país.

Neste caso não é de finanças que se trata, é de segurança (acham eles). De Portugal foi, então, uma senhora que mal consegue falar quando está assarapantada e que parece que ainda não percebeu bem qual o seu papel no meio do filme onde se meteu. Ora, se não consegue dar conta do recado com cabos ou sargentos da GNR, imagine-se o que terá ela ido fazer numa cimeira onde se foi discutir o que fazer com esta vaga imensa de gente desenraizada, cansada, tudo fazendo para sobreviver?

Se todos os outros ministros dos outros países forem do calibre desta Anabela Rodrigues estamos conversados. Como a dita cimeira não deu em nada, agora parece que vai haver uma outra mas subindo na hierarquia. Ora alguém consegue ver que da intervenção do láparo possa nascer algum contributo que se aproveite? Zero. Presumo que não vá para lá tentar habilidades verbais, trampolinices infantis e outras afoitezas com que costuma brindar os seus concidadãos. Por isso, na melhor das hipóteses ficará calado. E não é só ele: pense-se no galarucho do Hollande e nos outros todos que por lá se atrapalham uns aos outros.

Está a acontecer agora o que aconteceu com a crise financeira: nessa altura, uma avalancha a desabar sobre os países e os atrasados mentais que se alaparam por tudo o que é lugar de poder a fazerem avançar os contabilistas para a travar. Os países a caírem que nem tordos às mãos dos especuladores financeiros e os chernes e outros totós de cabeça à nora sem conseguirem fazer o que quer que fosse. Lá apareceu, então, o Draghi que, do mal o menos, pôr a impressora a trabalhar e vá de despejar dinheiro para cima dos países. Claro que, como politicamente a desregulação se manteve inalterável, o dinheiro está a servir para a Alemanha e os outros mais fortes sacarem o seu dos países endividados e para os endividados continuarem a endividar-se alegremente.

Contudo, agora é pior, esta crise é bem pior. Agora, a ineficiência daquelas cabeças ocas traduz-se nas tragédias diárias a que estamos a assistir e que tendem a agravar-se.

Nos países de origem daquela pobre gente nada acontece para se atalhar o problema na raiz: a brutalidade animalesca continua à solta na Síria e em todos esses países cuja instabilidade foi alimentada por estes mesmos totós. E, portanto, o êxodo continua, intensifica-se.

E estes atrasados mentais, em vez de se entenderem e perceberem o problema brutal de que estamos em presença, arranjam soluções para mil ou duas mil pessoas aqui e ali, uns fazem barreiras, outros favorecem a acção de voluntários - ou seja, na prática, brincam aos escuteirinhos.

Não sei como vai isto acabar. Não sei mesmo. 

E, sobretudo, não lavemos as mãos: quem elege aqueles inúteis somos nós, quem permite que a Europa esteja como está, sem liderança, sem alma, sem tino, somos nós.

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*Acéfalo, significando que não tem cabeça, é um adjectivo. Acéfalos, como substantivo, refere-se a uma certa classe de moluscos, de reduzida cabeça. Portanto, parece-me bem assim: substantivo.

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segunda-feira, setembro 14, 2015

Àqueles que um dia perderam o coração


Pudesse eu e acolhia no meu coração todos os que me amam. Pudesse eu e nunca, nunca, faria sofrer quem me ama.

Pudesse eu e deixaria ainda espaço para amar também os que, não me amando, precisam de amor na sua vida.




Pudesse eu e escolheria para governar o meu país e o mundo quem mostrasse ter coração, um coração incapaz de ferir pessoa, animal, árvore, pedra ou palavra, um coração também capaz de acolher todos quantos precisam de um canto onde respirar e amar em paz.

Pudesse eu e partiria pelo mundo tentando que, quem um dia perdeu o coração, o tentasse reencontrar para que, de novo, sentisse o calor dos gestos de generosidade.

Pudesse eu e cuidaria de todos quantos têm o coração ferido. Um dia ouvi dizer que o coração é uma ferida aberta e, apesar disso ter sido dito num outro contexto, nunca mais o esqueci. Uma ferida aberta, que sangra. Essa ferida dentro de peito é fundamental à vida, talvez também para que nunca nos esqueçamos do que é sofrer. Sofrer por amor, sofrer por uma perda, por uma ausência, por tudo o que nunca poderá ser, por uma vida que se deixa para trás.




A minha mãe hoje, ao falarmos dos refugiados, dizia, com ar contristado, que ficam por lá os velhos, os que não conseguem fugir. Imagem talvez ainda mais triste do que a dos que se fazem ao mar ou à estrada, arriscando tudo - mas com esperança. Não tinha pensado nisso: os velhos, os que mal andam, os doentes, os acamados, esses estão a ficar para trás, vendo filhos e netos partir.




Vi há pouco na televisão: ao lado das auto-estradas, filas compactas de gente, crianças ao colo, sacos nos braços, quase nada, quase apenas a vida que lhes corre ainda nos corpos. Agredidos, insultados, os corpos cansados - avançam, nem sei como, avançam, dia e noite, dormindo ao relento, ou dormindo em tendas em campos onde são tratados como animais incómodos. Já não há agora onde os acolher, na Alemanha já estão a ficar em campos de concentração.

A história, qual bicho raivoso, parece que desatou a morder as mãos e o coração das pessoas. Não sei o que é isto. Os deuses vomitam as entranhas, cospem fogo, arrancam os olhos às crianças - a terra está a parir monstros sem coração. Não sei.




Em Portugal também há pessoas que não querem acolher as desgraçadas pessoas que fogem da guerra, da miséria, da loucura à solta. Dizem temer que venham tirar o trabalho aos portugueses ou que, entre eles, haja gente desalmada, terroristas. 

Gente desalmada sempre a há e de algumas pessoas bem falantes, que não têm cara de terroristas (e o que é ter cara de terrorista?) quem diria o poder de destruição que têm sobre um país? E como sabemos se quem, com ar pacífico, está ao nosso lado numa rua, não está a preparar alguma? Não, não é por aí.



E, com os níveis de desertificação humana que há em tantas zonas do nosso país e com a lástima que está a nossa demografia, com tão poucos nascimentos, pode ser uma bênção que entrem mais uns milhares de habitantes no nosso país. Há apoios europeus para acolher refugiados e, as pessoas uma vez instaladas, começarão a desenvolver actividades, as crianças precisarão de escolas e haverá mais trabalho para professores e precisarão de assistência médica e já tantos enfermeiros não terão que emigrar. E arranjar-se-ão estradas abandonadas e arranjar-se-ão casas antigas, e crescerá o emprego. Será bom para a economia e, a longo prazo, até para a Segurança Social. Mas, ó senhores, e que não fosse... Como fechar as portas, os olhos, as mãos, o coração a toda esta pobre gente?




E Portugal é um país que sabe receber bem quem precisa, que respeita as diferenças, que saberá oferecer carinho, protecção e que beneficiará culturalmente. Um país fica sempre mais rico quando pratica o bem, quando é inclusivo em relação a outras religiões, raças, culturas. 

Tomara que os portugueses que hoje se manifestam contra os refugiados encontrem o coração que um dia perderam e venham a acolher com estima, respeito e carinho estas pobres pessoas que deixaram parte do seu coração para trás.



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O apelo de Benedict Cumberbatch a favor dos refugiados




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Permitam que vos informe que, caso queiram mudar de registo e partir para a comédia ao serviço da política, chega via Trump seja via PaF, é descerem, por favor, até ao post já a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros leitores, uma bela semana, a começar já por esta semana.

Felicidades a todos.

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