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terça-feira, junho 19, 2018

Retrato de mulher com marido
[Ou quando o casal maravilha vai divertir-se à grande e à francesa para o Louvre]
>>>>>> Apeshit <<<<<



Dou-me lindamente com o meu marido apesar de já viver com ele há séculos e séculos. Na origem de tal fenómeno estará a atracção, o afecto mútuos mas, não menos importante, está o respeito pela liberdade e privacidade mútuas: um não invade (demais) o espaço um do outro. Cada um trabalha em seu sítio, cada um tem seus gostos, cada um tem seus horários. Coexistimos a espaços e, acho eu, de forma não intrusiva nem evangelizadora.

Já aqui falei de uma prima, bonita, elegante, altamente apaixonada pelo marido, e que, por ele fazia tudo -- e esse tudo incluía querer tomar conta dele, querer controlá-lo, fazer-lhe todas as vontades. Quando ele chegava ao trabalho, ela exigia que ele lhe ligasse a dizer que tinha chegado bem, se ele estava ao sol, ela ia a correr pôr-lhe um chapéu, se ele andava ao frio, ela ia a correr buscar-lhe um casaco. Claro está, que ele não descansou enquanto não arranjou outra. Agora vive com uma horrososa, mal encarada e mal disposta e que se está nas tintas para ele. E a minha prima vive ainda sozinha, incapaz de substitur o grande amor da sua vida.
Também já contei sobre a minha amiga vistosa, toda giraça, que era casada com um homem mais baixo que ela, meio encurvado, feio e mal jeitoso (apesar de simpático e bom coração). Pois bem, ela tinha uns ciúmes loucos dele. Fazia cenas, vigiava-o, controlava-o. Uma coisa sem explicação. A paciência que ele tinha que ter para aturar aquela maluquice não tem explicação. Claro que, depois de uma parte final tempestuosa, acabaram separados, inimigos, a espumar ódio por todos os poros.

Não sou exemplo para coisa nenhuma e nisto ainda menos. Mas o que queria dizer é que, volta e meia, quando estou com o meu marido muito tempo de seguida aqui na casa da cidade, acabo por me enervar um bocado e inevitavelmente alerto-o para o facto de que, um dia que estejamos ambos reformados, ele que nem tente disciplinar-me, educar-me, ou, de qualquer forma, condicionar-me. No campo esta é questão que não se coloca: há largueza e ocupação que chega e sobra para que não tenhamos que andar a encalhar um no outro. Mas, aqui nesta casa, a conversa é outra e presta-se a que ele ensaie tentar fazer de mim uma mulherzinha de bons hábitos, bem comportada e bem mandada. Coisa fatal. Tudo menos isso.


Mas há os casais estóicos que conseguem conviver airosamente, do levantar ao deitar, dia após dia, ano após ano, seja a nível pessoal, seja a nível profissional. Conseguem fazer uma equipa sempre bem articulada, sempre tolerante e sempre prontos para mais. Quando penso nisso, não sei porquê ocorre-me que, quando isso acontece, na volta acabam mais companheiros, quanto muito amigos coloridos, do que amantes. Mas não sei. Sabe-se lá da vida de cada um.


O que sei é que o vídeo que a Beyoncé e o marido, Jay Z, acabaram de lançar é qualquer coisa de espectacular. Nem um nem outro fazem o meu género (aliás, acho que é a primeira vez que vejo um vídeo que qualquer um deles do princípio ao fim) mas, a sério, tiro-lhes o chapéu. Para dizer a verdade nem foi à letra nem à música que prestei mais atenção. Nem à interpretação. Foi mesmo ao vídeo. Espectacular. Ela linda, hot, uma deusa parideira, toda sinuosidades e convites, ele todo dengue, malandrice, disponibilidade. E há ali cumplicidade. Vê-se que se divertiram, que há criatividade, empatia e convergência de vontades, de estilos, de vida. Ousaram e ousaram em grande. Ousaram em grande estilo. Com arte. Com muita pinta.


A coisa dá-se no Louvre e, vão por mim: é espectacular. Vou ouvir outra vez a ver se me dá vontade de dançar. Ou de ir até ao Louvre.


Beyoncé e Jay Z em "Apeshit"  do álbum"Everything is love"



terça-feira, janeiro 10, 2017

Se isto não for perversidade vocês, por favor, desculpem-me, ok?
[Mas é que eu também tenho o direito a enganar-me]





Já estou um pouco cansada, não posso alongar-me em conversetas -- para além de que esta terça-feira tenho muito que fazer. Só espero é, daqui a nada, quando sair, não encontrar, de novo, o aparato de há pouco com carros parados pela polícia, as pessoas a terem que sair dos carros para se identificarem e serem revistadas, etc.
Pergunto: mas o que vem a ser isto? Dizem-me, com ar normal, Com tudo o que tem acontecido, agora há muita vigilância. Bonito. 
Mas eu sou daquelas que dou um passo e automaticamente deixo para trás das costas o que enfrentei no momento anterior e, portanto, ao fim de dois dias já nem reparo nos omnipresentes polícias armados até aos dentes, nas carrinhas da polícia, na polícia a cavalo. Faz de conta que faz parte do folclore do lugar.

De noite, um frio cortante. De dia, um fresquinho bom. Dentro dos lugares, um calor abrasador. Dói-me a garganta e deve ser por isto. A gripe curou-se sabe-se lá como e agora, com as defesas certamente ainda a meio gás, vou do calor tropical ao frio antártico a toda a hora. Enfim, com estas pastilhas que eucalipto e mel que tenho andado a chupar, pode ser que amanhã já nem me lembre que tenho garganta.

Adiante. Depois de no post abaixo ter andado outdoor, na soi-disant street art, recolho a céu coberto. Ou seja, volto indoors para retomar o tema da arte mas agora para repescar gente que me parece ter o seu quê de perversidade. Tinha estado a escolher Nossas Senhoras em fundo dourado, relicários, arte sacra de fina têmpera mas, às tantas, deixei cair os pios propósitos de que estava possuída para me deixar levar, num inesperado twist, para os descaminhos que os meus maus instintos tanto requerem.

Em alguns casos, nem se vê malícia, escarninho, provocação ou malvadez. Parece, até, haver doçura e ingenuidade. Mas a minha mente perversa fareja malandrice a milhas e, portanto, se estes aqui abaixo ainda não tinham feito, iam fazê-la.

Vejamos.

Este mancebo. Parece um santinho, cabelinho aos caracolinhos, olhinhos suaves. Mas, meus Caros, o corpinho bem musculado é o de quem já caminha para os maus bocados desta vida e sempre com ar de quem um dia destes ainda perde a sua recatada virgindade.


Aqui, oh senhores, é o bebé... Tem cara de sabido, de safadinho. Não sei que escolha foi esta... onde é que se viu um Menino com uma cara destas...? A sua mãezinha com ar de pura donzela e o pestinha com ar de quem se prepara para fazer uma safadeza.


E aqui é o ar de danado do Adão... Um calmeirão mal intencionado, todo ele lascívia... A Evinha ali tão branca e fofa e ele, dengosão, com ar de quem se prepara para fazer perigar a castidade da moçoila (que, repare-se, na época, já tinha aderido à depilação brasileira...)


Este cavalheiro aqui abaixo não é que seja perverso. Nem sei que diga dele. Com esta cara, deve ser ascendente da Cristas. Mas aqui a atenção não recaíu na cara mas, sim, nas leggings. Uau, que elegância. E que bem fornecido o cavalheiro parece ser... Eu sei que mulher casada não devia ter olhos para estas pudibundícies. mas, credo, perante tal exagero até a pastorinha Lúcia deitaria um coup d'oeil -- quanto mais eu que não sou dada a aparições em cima de azinheiras.


E aqui é a menina que tem cara de viciosa, de sacaninha. Ele é que esconde o jogo mas ela é que a sabe toda. Esta menina é daquelas que cuidado com elas.


Esta aqui ao espelho tem cara de danada para a brincadeira, ar de doidona. Vestida deve parecer uma tia beata, uma daquelas que não parte um prato. Mas, quando se desenvencilha da roupagem e põe as mamocas ao léu, há toda uma fera que se solta de dentro dela. Deve devorar um incauto em três tempos. E a seguir recompõe-se, pega no terço e continua a novena.


Esta madame aqui em baixo é outra que tal. Com a fotografia do maridão carrancudo à cabeceira para impor respeito mas olhem bem para ela, toda ela oferecida às tentações: o corpo, o fruto, o mamilo, a púbis, a boca carnuda, as rosas da tentação. Um espécie de candaulisme avant la lettre, na volta.


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E, por agora, por aqui me fico.
E vão descendo que isto hoje é uma farturinha: há para todos os gostos (digo eu).


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segunda-feira, outubro 03, 2016

Boat watching e a new museum in town


Outubro suavemente outonal, quase veranil. O Tejo vai azul e em boa companhia. A única gaivota descansa junto à margem. 

Lisboa desenha-se luminosa e é o cenário perfeito para as cores deste dia em tons tão amáveis.








E depois há a margem que ondula mais acima, junto à margem. É o MAAT que vai nascer a 5 de Outubro junto à fundação EDP onde funciona o Museu da Electricidade. Curiosa, curiosa. Do que vi e ouvi parece-me lugar de visita obrigatória e frequente.


Para já ouço com impaciência esse pedante disfarçado de blasé que dá pelo nome de António Mexia. Ganha verbas obscenas, fruto dos resultados que foram parar a mãos chinesas, mas, vá lá, ao menos devolve ao País um pouco do muito que o País lhes dado a ganhar.


Adiante.


A cidade vibra em beleza e oferta cultural. A cada dia o perfil urbano aparece diferente, mais bonito, a querer ser descoberto. Estão de parabéns todos quantos ousam fazer diferente, apostando na qualidade e na modernidade. A paisagem natural e o património histórico são terreno fértil para que floresçam iniciativas que tragam ainda mais diversidade e riqueza à cidade.

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E queiram descer até ao mar mais a norte, onde se faz refeência à rábula 'Maria, encolhi o IMI'.

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sexta-feira, agosto 26, 2016

Paris, mon amour



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Digo que não gosto de Paris no verão mas estou aqui e só me dá para me lembrar dos seus lugares. Não dos lugares turísticos mas dos jardins, ruas e pracinhas, das esplanadas, das pessoas diferentes com que nos cruzamos, da vista da belíssima cidade a partir de alguns telhados, dos passeios pelos boulevards, das bancas de livros e estampas na beira do rio, das livrarias.

E agora estou a lembrar-me de uma coisa que não sei se já aqui contei. Éramos dois casais e andávamos quase sempre juntos mas um dia fomos cada casal para seu lado, acho que eles iam visitar algum amigo num arredor qualquer. Encontrámo-nos à noite e ele vinha com um blusão de pele novo, giríssimo. Nós admirados, não eram o género de pessoas que fossem às compras de roupa, muito menos ele. Mas estavam pouco convencidos. Então o que tinha sido? Não me lembro já bem de todos os pormenores, tenho ideia que, no comboio, tinha entrado um fulano com um malão. Então o fulano, que tenho ideia que era italiano, tinha dito que tinha estado a expor artigos de pele numa passagem de modelos ou exposição, não me lembro bem, e que tinham sobrado umas peças e que não lhe dava jeito ter que expedir aquilo por avião e que se conseguisse vender tudo, melhor. E que, então, tinha proposto vender um blusão por tuta e meia, não me lembro se uns 20 ou 25 euros. E que eles acharam aquilo muito suspeito e que o fulano ainda tinha feito um desconto. E, a modos que contrariados e desconfiados, ficaram com o blusão.

Ora o blusão era um espanto, bom mesmo, uma boa pele, um bom forro, um bom design. Chegaram ao hotel, reviraram o blusão, apalparam, sacudiram, pensando que tinha droga escondida, qualquer treta. Nada. Nem sabiam se o ele o havia de vestir, pois mais do que certo era material roubado e ainda eram apanhados

Mas então ele lá se afoitou e lá o vestiu. Um espectáculo de blusão. Ainda me zanguei por ele não ter trazido também para nós. Eu, que acho que desencanto pechinchas por onde passo, nunca consegui coisa assim.

Mas, pronto, isto foi uma derivação.

Estou aqui na sala, a escrever deitada no sofá, e a olhar para a estante baixa, funda e comprida, onde tenho livros e tralha e, por cima, a televisão e mil molduras.

Uma vez, o mais pequeno abriu a estante e começou de lá a tirar as figurinhas do presépio, os anjinhos, as caixinhas de porcelana, a caixinha com a bússula, a caixinha de música e outras coisas do género. E então, apressadamente, o mais crescido puxou-o por um braço e disse: 'Não mexas no museu da Tá!' e eu achei um piadão porque vi que eles olham essas minhas pequenas preciosidades como objectos de museu. Mas uma das peças trouxe-a eu de lá, há muitos anos, eram os meus filhos muito pequenos, ainda me lembro do meu marido andar com o meu filho às cavalitas: é um bule muito bonito, estou a olhar para ele, tem umas cores suavíssimas, e tem forma de elefante (se não estivesse cheia de preguiça, ia fotografá-lo para o mostrar). Nessa vez trouxe também uns copinhos pequeninos de vidro pintado à mão, com flores douradas e cor-de-rosa velho. Tinha muito medo que se partisse aquilo no avião, tive mil cuidados, e o meu marido sem querer saber, achava absurdo que eu trouxesse aquilo, se se partisse acho que ele até acharia que era bem feito para eu não ter ideias daquelas. Mas chegou tudo intacto. E não sei como, com mudança de casa pelo meio, com tanta miudagem sempre cá em casa, ainda resiste tudo. Nunca os usei, sempre os mantive a bom recato, porque são umas peças mesmo bonitas. Olho para elas e lembro-me de Paris.


E nessa vez, em Montmartre, os miúdos posaram para serem retratados a carvão. Mesmo bonitos. Quando lá voltámos, já mais crescidinhos, no mesmo sítio, posaram para uma caricatura. As mesmas feições, engraçados. Mas cansavam-se, muito museu, muita caminhada. No entanto, divertiam-se. 

Também acho que já contei. Uma vez fomos jantar para a zona Des Halles, íamos à procura de um certo restaurante. Mas os miúdos estavam estafados e o meu marido impaciente, quando chega a uma rua com restaurantes, por vontade dele entra no primeiro - e, então, vimos um com uma decoração muito bonita, em tons de violeta e preto, com uns castiçais entre o design e o romântico, com umas flores altas muito bonitas. Pronto, ficamos é já aqui.


Pedimos - sempre aquela festa, os miúdos a quererem experimentar tudo - e nem reparámos em nada. Até que, instalados, os amouse-bouche já a sossegar a impaciência, começámos a ver o que se passava à nossa volta. Só homens, alguns muito in love, de mão dada ou aos beijos na boca, outros a darem palmadas no rabo dos empregados, um a beijar na boca um empregado. Nós ali os quatro completamente deslocados. Os miúdos parvos com aquilo, nunca tinham visto por cá nada assim. Depois chegou um todo maquilhado, grandes pestanas, umas calças completamente justas e todo provocante e os outros todos a meterem-se com ele. Os miúdos faziam sinais um para o outro. O meu marido furioso connosco, a não querer que olhássemos ou ríssemos, a dizer que ainda arranjavamos chatice. 

Quando cheguei ao hotel, ao ver os folhetos turísticos, vi que aquele restaurante era um dos mais carismáticos do roteiro gay. Estava explicado.

E a bailarina enorme, completamente gorda, toda Toulouse-Lautrec? De tutu, tules cor de rosa, em pontas, a circular dançando nos Champs Elysées? Ainda hoje a minha filha fala nela.

E quando fomos os dois, romanticamente, em Wagon-Lit? Que viagem tão linda. Gostei tanto.

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E não vos maço mais com estas recordações, ainda por cima em modo repetex. Isto é falta de férias. Tenho é que lá ir um dia destes.

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E, para quem não conheça, um vídeo divulgado esta quinta-feira, muito bonito, com Paris num pas de deux com Victoria Dauberville, uma bailarina dos Dot Move.

Transcrevo parte da apresentação:

C’est l’histoire d’une danseuse seule face à son destin, en proie au doute mais déterminée à réaliser son rêve coûte que coûte : danser à l’Opéra de Paris. 

Pour illustrer ce conte moderne, DOT MOVE a relevé le pari de rendre Paris complètement désert pour en faire un terrain de jeu idéal d'une danseuse classique.

Le film est illustré par « Rêve d'Opéra », extrait du conte musical les « Souliers Rouges » écrit par Fabrice Aboulker et Marc Lavoine

RÊVE D'OPÉRA




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Lá em cima era Jacques Brel interpretando Les prénoms de Paris

As imagens mostram pinturas no museu de que mais gosto e que visito de cada vez que estou em Paris: o Musée d'Orsay.

Os autores são, respectivamente: Jean-Auguste Dominique Ingres, Paul Gauguin, Claude Monet, Auguste Renoir, Toulouse-Lautrec, Gustave Courbet e, finalmente, os jovens gregos são de Jean-Léon Gérôme, 
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domingo, fevereiro 28, 2016

Arte no museu
[Post 1 de 3]


Visita às exposições do Centro de Ate Moderna da Gulbenkian, lugar a que sempre volto. O tempo passa mas passa em mim, não neste lugar de intemporalidade. É um espaço de luz e cor, de descoberta, por vezes de subversão, por vezes de ternura, onde apetece estar sempre. As crianças adoram os filmes incompreensíveis, gostam de ficar a ouvir o que não percebem. Sentam-se e ficam de gosto. Por mais estranho que seja o que vêem, não estranham. Assim vão aprendendo a habituar-se à diversidade do mundo. Se chove lá fora, cá dentro o espaço fica ainda mais bonito. Os verdes que entram pela janela trazem luz e vontade de ficar a olhar as figuras, os desenhos, as cores. E de voltar. Sempre.
















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sexta-feira, novembro 13, 2015

Quando contei, só estavas tu... mas quando olhei, só vi uma sombra* - ou quando os beaux esprits se juntam


Quando escrevi o post abaixo estava ainda sob o efeito das notícias do dia, laparices de última hora, trampolinices do irrevogável, ameaças soezes aos socialistas, uma venda da TAP feita a correr, a comunicação social ao serviço dos pafiosos, sei lá. 

Mas agora já exorcizei do meu pensamento esses demónios que por aí andam à solta e que, se não nos acautelamos, se aproximam de nós, deixando a sua baba infecta no espaço que pisamos. 

Tinha umas quantas ideias em mente, para ainda aqui escrever, mas esta semana tem sido brava e, a esta hora tardia, eu estou cansada. Talvez amanhã fale, então, de gente rica, mas mesmo muito rica, pornograficamente rica, ou fale de poesia e de poetas e de mulheres que inspiram poetas. Ou talvez me ponha para aqui a ficcionar, ando com vontade de desligar o filtro da realidade e deixar a imaginação descobrir, sozinha, os caminhos por onde gosta de se perder. Ou talvez fale de um bosque cujos pinheiros ajoelharam ao ver a luz do dia.

Mas não hoje que hoje tenho que ir descansar. Mas, antes de ir, quero aqui partilhar a notícia boa de que o regime iraniano, aos poucos, começa a dar sinais de alguma abertura e que, como geralmente acontece, esses sinais chegam do lado da arte.

À esquerda, Mark Rothko, Sienna, Orange and Black on Dark Brown, 1962;
À direita, Andy Warhol, Suicide (Purple Jumping Man), 1965.
Cortesia do Tehran Museum of Contemporary Art



Uma colecção de arte ocidental, obras escolhidas por Farah Diba Pahlavi, estava praticamente escondida desde a revolução de 1979, quando o marido, Reza Shah Pahlavi, foi deposto. Dessa colecção fazem parte, entre outras, obras de Andy Warhol, Claude Monet, Roy Lichtenstein, Jackson Pollock, Alberto Giacometti, Willem de Kooning, René Magritte e está avaliada em cerca de 3.000 milhões de dólares.


Francis Bacon, Reclining Man with Sculpture, 1961


A exposição tem o nome de Farideh Lashai: Towards the Ineffable. Farideh Lashai foi um espírito livre, uma mulher moderna -- uma artista iraniana que morreu em 2013 com 68 anos. Na exposição, as referidas obras ocidentais enquadram as suas obras. Há também obras de outros artistas iranianos. A ideia do curador é tecer uma aproximação intercultural - e, mesmo sem ver, já acredito que esta exposição seja um acontecimento fantástico.

Farideh Lashai, I Come From the Land of Ideology, 2010


Claro que já há museus interessados em exibir partes desta exposição pelo que, quem possa e esteja de água na boca mas não esteja com muita vontade de ir até àquelas bandas, poderá vir a encontrar, mais tarde, algumas destas obras em exposições em Washington, D.C., Berlim ou Frankfurt.

Farideh Lashai, When I Count, There are Only You… But When I Look, There is Only a Shadow , 2012-2013

[* - Do título deste quadro fiz o título da mensagem.]


Se eu não estivesse como estou, quase a adormecer, traduziria parte do artigo da Vanity Fair ou do The Art Newspaper -- mas não consigo. Por isso, deixo-vos apenas os links e as imagens de algumas obras.

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E, porque um conjunto tão significativo de obras pede, como acompanhamento, um desempenho musical fora do comum, junto um vídeo que mostra um momento ímpar: em volta de um único piano, um grupo de uma dúzia de conceituados pianistas improvisa uma inspirada orquestra. Só vendo. Ou melhor: só ouvindo. Uma festa.


Washington Conservatory : What is the sound of E. Pluribus Unum?


Maravilhamentos.
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E agora, se vos apetecer emoções fortes, sigam, por favor, até ao post já a seguir.
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sábado, junho 27, 2015

O amor ao espelho. Like a painting.








Estava sem saber o que fazer, agora que estás longe. As minhas irmãs vieram fazer-me companhia, tentam sempre animar-me. Animada eu estou, sinto é a tua falta, parece que nada faz muito sentido sem te ter aqui comigo. Durante o dia penso que te devia contar o que pensei, contar-te sobre a música que ouvi, relatar-te as conversas que tive. Mas, depois, ao falar contigo, não ia maçar-te com isso e ficava com tanta coisa dentro de mim, sem as partilhar contigo. Parece que nada vale muito a pena se é para ficar apenas comigo. Há uma dimensão que se acrescenta ao que se vive, que é a que resulta da partilha com quem conhece o nosso coração.

Então elas vieram, buliçosas, e as três escolhemos vestidos de verão, e os vestidos que escolhemos não tinham alças e mal cobriam o peito e então escolhemos blusinhas justas para vestir e despimos os soutiens, e vimos como os nossos seios permanecem iguais, pequenos, mamilos pequenos, peitinhos de adolescente, e rimos, e dissemos graças maliciosas, e depois escolhemos laços para pôr na cintura, cada laço de sua cor, e sapatilhas bordadas com brilhantes, e penteámo-nos umas às outras, e pusemo-nos com ar de noivinhas antigas e, rindo, saímos para o jardim e fizemos uma roda em volta da árvore e cantámos e dançámos. E voltámos a ser meninas, as manas sorridentes, as meninas com uma vida feliz pela frente.

Depois sentámo-nos na varanda, cansadas, e, ao verem-me calada, logo se puseram em minha volta, e desfizeram-me o penteado, e contaram-me histórias, tentaram fazer-me rir. Ri-me para não as preocupar, para que se fossem embora. Sei fazer de conta que estou contente. Mesmo elas, que me conhecem tão bem, não percebem, julgam que desviam o meu pensamento para sítios onde tu não existes. Deixo-as julgar, rio-me com elas.

Vendo-me alegre, foram. Vi-as saírem, conversando, de braço dado, cabelo solto, disponíveis para serem felizes. Viraram-se, fizeram adeus, atiraram-me beijos no ar. Retribuí, rindo.

Mal se afastaram, voltei para dentro. Olhei para o relógio. Vontade de falar contigo. Vontade de saber de ti, vontade de te ouvir a contares-me o que fizeste. Podias dizer coisas simples, assim: atravessei a rua, a árvore ao pé do semáforo está florida, almocei numa esplanada, pensei em ti, depois o sol batia-me na cara, não consegui ler, pensei em ti. Podiam ser coisas assim, simples, que eu ouviria com interesse, como se fossem histórias raras. Mas a esta hora podes estar a trabalhar ou em casa, não posso ligar-te. Tenho que esperar que me ligues, que me escrevas, que te lembres de mim.

Despi o vestido das flores, despi tudo. Fiquei nua. Olhei-me ao espelho, a pele branca, macia, sem préstimo. Senti a falta do teu olhar que acariciava a minha pele, que procurava o meu olhar. Querias perceber se eu te queria tanto como tu me querias. E depois olhavas o meu corpo que dizias que tinha sido feito para ti. Lembras-te de como olhavas o meu corpo? Lembras-te de como querias que eu me despisse devagar para olhares? Lembras-te de como querias aproximar-te e eu te afastava até que não aguentasses mais? Ah, como eu gostava de me despir para ti, de deixar que o sol entrasse para pousar no meu corpo, para que me visses envolta em luz. E tu dizias, afasta-te da janela, ainda te vêem e eu provocava-te, aproximava-me ainda mais, e dizia, pois que me vejam, que vejam como me dispo para ti, para que me vejas nua, tua. E fechava os olhos, e dizia, se eu não vir, também não me vêem a mim, e tu dizias, eu vejo-te, e eu dizia-te, ah, mas eu quero que me vejas, é para ti que danço ao sol, e o sol dançava na minha pele e tu que eu fosse mas é para perto das tuas mãos. E eu dizia, já vou, quando o meu corpo não puder esperar mais, quando as tuas mãos não puderem esperar mais. E tu dizias, já não posso esperar mais. Ainda te lembras?

E, como eu não fosse logo, insistias, vem, traz o teu corpo para os meus braços, vem, vem que não vivo sem o teu corpo junto ao meu, vem que os meus braços ficam vazios sem o teu corpo, vem, vem.

E, então, eu ia, e ia devagar, e ia antecipando o prazer de me ter entre os teus braços que me abraçavam com tanto amor, como se não fossemos separar-nos nunca. Lembras-te?

E assim estive, envolta em lembranças, em silêncio e saudades, em frente do espelho, até que a tarde tombou e trouxe o véu que prenuncia o anoitecer. Sozinha, num quarto quase sem luz, sem a tua voz, sem o teu olhar, olhei o meu corpo inútil. Podia ter tido pena de mim. Mas não tive. Já não te lembras de mim. Não mereces estas minhas tão fundas saudades.

Depois tive uma ideia: vesti o vestido com que um dia me sonhei, e assim, vestida de branco, voltei ao jardim, entrei pelos fetos macios, deitei-me como numa cama feita para o amor, acariciada pelas folhagem macia como os teus dedos. Que saudades tenho dos teus dedos, eu era uma dócil harpa nos teus dedos, lembras-te?

Esperei a noite, que a noite esconde segredos, por vezes traz mistérios que se desvanecem pela aurora. Se me ligares ou escreveres não me encontrarás. Pensei: se um dia voltares a lembrar-te de mim, talvez já eu não me lembre de ti, talvez já me tenha apaixonado pelos mistérios que a noite esconde.

Fechei os olhos e deixei que o sono ou o sonho ou os segredos tomassem o meu corpo. O meu corpo é o corpo de uma mulher livre. Lembras-te disso, não te lembras?



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As fotografias fazem parte da exposição 'Vogue: Like a Painting' que pode ser vista no Museo Thyssen-Bornemisza em Madrid  entre o próximo 30 de Junho e 12 de Outubro.



A primeira fotografia é One enchanted evening, Taormina, Sicilia de Peter Lindbergh, 2012. 
A segunda não sei.

Maria Callas interpreta Madame Butterfly de Puccini

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E, por falar em liberdade, desçam, por favor, até ao post seguinte. 
Ali fala-se da liberdade e da dignidade no berço da democracia e junta-se um link para um magnífico post onde se desvendam alguns mistérios.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um sábado feliz, sereno.

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domingo, maio 17, 2015

Noite dos Museus em Lisboa - Jantar no Jardim do Museu de Arte Antiga [1º de 5 posts]


Este sábado à noite foi a Noite dos Museus. Visitei o Palácio da Ajuda e o Museu de Arte Antiga, ambos amores de sempre, em especial o segundo. Fiquei admirada por haver tanta gente. As pessoas gostam de cultura, assim se sintam convocadas. 

Não têm conta as vezes que visitei estes dois espaços ao longo da minha vida. O meu marido, na brincadeira, disse que devíamos ter levado 'as crianças' para ser uma visita igual a tantas às quais foram sujeitos quando eram pequenos em que, a certa altura, já só queriam eram pirar-se dali para fora. 

Nem têm conta, também, as vezes que estive no maravilhoso jardim sobre o Tejo, onde há uma pequena esplanada, onde se pode almoçar, onde se pode preguiçar o olhar, deixar que se espraie pelo rio, pela outra margem.

Esta noite, ao ar livre, foi aqui que jantei depois de ter visitado, mais uma vez mas sempre com igual prazer, descobrindo tantos aspectos novos, o Museu de Arte Antiga.

Se eu gosto de tomar as minhas refeições ao ar livre, muito mais gosto de esplanadas with a view ou assim, num jardim tão bonito como este. Numa noite quente como a que estava, uma brisa suave a subir do rio, as luzes, as estátuas no jardim, tudo tão agradável, estava-se tão, mas tão bem. Podia ter ficado ali até ser madrugada, a olhar as luzes do rio, a escuridão das árvores, a sentir a aragem, a pensar em coisas boas.




A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra, 
tu a colhes, mulher, a distribuis 
tão generosa e à janela do mundo. 




O sal do mar percorre a tua língua; 
não são de mais em ti as coisas mais. 




Melhor que tudo, o voo dos insectos, 
o ritmo nocturno do girar dos bichos, 
a chave do momento em que começa o canto 
da ave ou da cigarra 
— a mão que tal comanda no mesmo gesto fere 
a corda do que em ti faz acordar 
os olhos densos de cada dia um só. 




Quem está salvando nesta respiração 
boca a boca real com o universo? 




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O poema é A luz que vem das pedras de Pedro Tamen

Catrin Finch interpreta Clair de Lune de Debussy

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

Que se sintam felizes é o que muito sinceramente vos desejo.

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Noite dos Museus em Lisboa - Obras marcantes [2º de 5 posts]


Este é o papel singular da alegria 
a lei errante do país 
é o maior dos silêncios. 

Caminhei por entre rios pontos de água 
estações de novembro 
pequena razão dos ventos da manhã. 




Não trafiquei não porque seja forte 
mas porque falo da alegria do estar sobre vós 
nestes pontos de água 
na acidez da flor 
neste país frequentado 

algumas coisas nunca mudarão. O rigor 
da luz torna invulnerável o desejo de perder 
esta pressa de verão. 




Algumas coisas serão sempre as mesmas: manhã 
encosta o teu ouvido sobre a porta escuta 
era a voz os cavaleiros roubados a Ucello 
longínquos. 




(Profanamos a casa não o corpo 
esta forma desenhada ruga a ruga 
esta cor amarela sobre a praia.) 



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A primeira fotografia mostra, no Museu de Arte Antiga, os Painéis de S. Vicente de Fora de Nuno Gonçalves.

As duas seguintes mostram, no mesmo museu, partes de Tentações de Santo Antão do pintor holandês Hieronymus Bosch

O poema é Este é o Papel Singular da Alegria de João Miguel Fernandes Jorge

Lang Lang interpreta Serenade de Schubert

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Noite dos Museus em Lisboa - Arte e Decoração [3º de 5 posts]


Primeiro abre-se a porta
por dentro sobre a tela imatura onde previamente
se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente,
a mãe para sempre morta.





Anoiteceu, apagamos a luz e, depois,
como uma foto que se guarda na carteira,
iluminam-se no quintal as flores da macieira
e, no papel de parede, agitam-se as recordações.




Protege-te delas, das recordações,
dos seus ócios, das suas conspirações;
usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos:
o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.




Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso.






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As fotografias mostram salas do Palácio da Ajuda

(A última mostra o grande salão dos banquetes oficiais oferecidos pelo Presidente da República)

O poema é de Manuel António Pina de Como se desenha uma casa

Yo-Yo Ma interpreta Bach Cello Suite No.1 - Prelude

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