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terça-feira, junho 08, 2021

Dez sinais de que outra pessoa está atraída por si

 


Não há coisa melhor do que a gente se sentir atraída por outra ou sentir que alguém que nos é especial está atraído por nós.

E, ao escrever isto, hesito: não há coisa melhor? não haverá mesmo...?

Bem, talvez haja. A gente ter saúde é fantástico. A gente ter os nossos também de boa saúde e felizes da vida é ainda melhor. A gente sentir-se realizada e motivada para fazer mais e chegar mais além é também do melhor que há. Ou seja, aquilo ali em cima de não haver coisa melhor não deve ser tomado à letra. Quero apenas dizer que é uma coisa boa. Quentinha de boa. Saborosa. Saborosinha.

Depois de um tranquilo -- e sem televisão -- não tenho notícias para comentar e nem acontecimentos meus para relatar. Ao fim da tarde, no jardim, estive a ver, rever e contemplar as decorações da revista que a minha filha me trouxe e, vendo aqueles ambientes claros luminosos, fiquei a fervilhar de ideias. E ando com aquela atravessada: arranjar uma lata de tinta em spray para me pôr a pintar móveis. 

Abri o youtube para me pôr a ver casas e jardins e eis que me apareceu outra vez a Jamila Musayeva. Pensei: o que será desta vez? como entrar na água do mar sem se arrebitar aos saltinhos aflitos? como pintar flamingos nas nails dos pés mantendo a compostura? Mas não. Para minha surpresa, o tema não tinha nada a ver. Dez sinais na expressão corporal de que outra pessoa está atraída por si. Fiquei curiosa. Pensei: a Jamila sabe estar à mesa e sabe dessas coisas das etiquetas mas... atracção... está bem, está... Mas, cusca como sou, por via das dúvidas, fui conferir. 

E, estranhamente, concordei com tudo o que ela para ali foi desfiando. 

Digo-o agora por minhas palavras a ver se consigo ser tão convincente como ela.

Olha-se para duas pessoas e sabe-se logo se estão atraídas uma pela outra. Ou olha-se alguém e sabe-se, ah sabe-se..., se essa pessoa está afim de nós. Não tem que enganar. 

Sei que há muitas pessoas que têm dúvidas e, portanto, receando estar equivocadas, retraem-se. E o outro, vendo a pessoa retraída, retrai-se também. E o momento passa.

Mas não tem que enganar. 

Pessoas que se atraem estabelecem contacto visual de uma forma íntima, uma pessoa tem vontade de ver o outro por dentro. Têm vontade de estar fisicamente perto. Olha-se e percebe-se que há um braço que se aproxima do outro, uma perna que tem vontade de sentir o calor da perna do outro, qualquer oportunidade é boa para tentar tocar a mão do outro. E as pessoas sorriem abertamente na direcção uma da outra. A felicidade de estar perto do outro faz com que o sorriso se abra só de o olhar. Quem se sente atraído pelo outro sorri e o sorriso é inevitável, é um sorriso que encerra cumplicidades e recorda ou promete malícias, contém insinuações, sugestões, e percebe-se que quer estar fisicamente perto e não consegue deixar de olhar os olhos do outro. E não dispensa a gargalhada. Quem se sente atraído por outra pessoa acha-a divertida. Não há relação que se aguente sem bom humor de permeio. Quem quer atrair o outro, sabe como fazê-lo rir e ri-se com ele. O riso partilhado é essencial, é vitamina, é combustível, é oxigénio, é elixir.

A Jamila fala ainda no rubor, fala no brilho nos olhos, fala no corpo aberto na direcção do outro, sem braços ou pernas cruzadas a marcar a distância, fala nos pés na direcção do outro e não na direcção de quem tem vontade de fugir. E eu concordo. Tudo sinais que há coisa. Que há fumo e há fogo. Que há little birds e butterflies, que há promessas no ar, que há desejo de festejar.

Quando a gente sente atracção por outra pessoa não quer cá proteger-se de coisa alguma, a gente quer é que qualquer barreira seja derrubada, a gente quer é que os pés se aproximem, a gente brilha, os olhos brilham, os lábios abrem-se, todos nós nos predispomos ao prazer da sedução mútua.

E se é fácil a quem está de fora perceber o que rola ou pinta entre dois que se atraem, para os próprios isso deve ser ainda mais evidente.

E qualquer relação só vale a pena se isto se mantiver vivo. Se esta chama se esvai, então adeus minhas encomendas.

Haverá quem dê explicações sobre como ressuscitar atracções extintas mas eu sou um bocado céptica em relação a fenómenos de ressurreições. Talvez haja quem diga que não há paixão nem amor nem coisa nenhuma dessas que requer ingredientes tais como sal, pimenta ou açúcar mas há amizade e que amizade é do melhor que há. Pois, sem dúvida. Mas amizade é amizade, não é amor, nem paixão, nem tem a graça das relações onde há o fogo da atracção, o prazer da sedução, o picante e a doçura do lado jubiloso da vida, não há a beleza e o mistério e o risco de um vulcão.

Mas que entre a Jamila Musayeva, que é mais contida que eu e que, além disso, já publicou dois livros.

Signs of attraction: 10 Body Language Signs That Someone Is Attracted To You


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Maria Zagorskaya, Santiago Rusiñol, Dan Dailey, Gustave Klimt, Marc Chagall mostram como é ao som de Norah Jones com Turn me on

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Um dia feliz

Saúde. Alegria. Vontade de festejar.

segunda-feira, abril 12, 2021

Um dia luminoso

 


Dia muito bom, dia de reunião de família. O menino do meio fez dez anos no outro dia mas, nesse dia, não se podia circular. Reunimo-nos este domingo na praia. Cantámos os parabéns a você com algum vento à mistura. Felizmente a areia não andava demasiado pelos ares.

De manhã fomos buscar a minha mãe. Apesar de estar vacinada, usa máscara: a vacina, tanto quanto sei, evita doença grave mas não evita que uma pessoa vacinada seja contagiada e contagiante. Portanto, usa ela e usamos nós. Em casa, mantivemos as janelas abertas e almoçámos na mesa grande, nós numa ponta, a minha mãe na outra. Por nós e por ela, achámos que deveríamos manter-nos cautelosos. 

Depois de almoço fomos, então, para a praia, ter com os mais novos que já brincavam e jogavam uns com os outros, felizes da vida por estarem juntos. Para nós, havia panos grandes para nos sentarmos em cima mas, para a minha mãe, levei uma cadeira destas aqui do jardim, uma meia espreguiçadeira levezinha. Isto merece ser registado porque, quando vamos para a praia, somos todos minimalistas e, desta vez, dia de festa em tempos covid, até uma geleira levámos. A minha mãe, que fez dois bolos, levou também um saco térmico. Portanto, foi um filme. Geleira e cadeira. Só faltou um chapéu de sol. Aliás, quando viu o sol a descobrir, quando estávamos quase a chegar, a minha mãe disse isso: se calhar eles também não trouxeram uma sombrinha. Claro que não. Nem devem ter. O que lhe valeu foi que tinha vindo prevenida com um chapéu de palha de aba larga, uma verdadeira capeline. De resto, concluiu que a ver se as lojas abrem para ver se arranja um chapéu mais apropriado a sol com vento, talvez um de pano.

Quanto, ao repasto: juntámos os salgados, os doces e os sumos e fez-se a festa assim mesmo. Não exactamente um déjeuner sur l'herbe mas um lanche sobre a areia.

A dada altura estava a olhar para eles, para todos, feliz da vida por estarmos juntos, diz o mais pequeno: tira uma foto. Com o vento e a algazarra deles, nem percebi. Ele repetiu: tira uma foto. Imagine-se, pois, o estado de enlevo em que eu estava para ter que ser o mais novo a chamar-me a atenção para que o momento requeria uma fotografia.

Claro que, em condições normais, da praia viríamos todos para cá. Mas não é prudente, os miúdos andam sempre em cima uns dos outros, entrariam em casa. Espaços fechados, ajuntamentos: ainda não é uma boa ideia. Mas foi o que se pôde arranjar: a gente habitua-se às circunstâncias. Estivemos juntos, bem dispostos, animados. Claro que fiz de tudo para matar saudades deles, abracei-os pelas costas, beijei-os na nuca ou na cabeça ou nas costas, mesmo que com a máscara. Limitações, limitações. De vez em quando ouvia chamar por mim. Era algum dos crescidos a chamar-me a atenção, 'Atenção à Covid!'. O meu filho, então, cada vez que me vê agarrada aos seus dois filhos rapazinhos, diz: 'Cuidado, estão cheios de covid'. A menina usa máscara, é mais cuidadosa. Como os mais novos na escola não têm que usar máscara, é verdade: nunca se sabe. Mas, podendo parecer que não, acho que até sou cuidadosa.

Depois de termos estado a tirar ainda mais fotografias no parque de estacionamento, despedimo-nos. A minha mãe veio para minha casa. 

Era para fazermos o IRS dela mas, afinal, tinha-se esquecido de trazer as passwords. Estive a tirar dúvidas do mail, de como pesquisar mails, etc. E estive outra vez a ensiná-la a tirar fotografias e a partilhá-las por mensagem ou por mail. Mas, cá para mim, amanhã já vai outra vez estar sem saber bem e com receio de se aventurar. Por mais que lhe diga que ouse, que não tenha medo, está sempre com medo de fazer estrago, seja no telemóvel, no tablet, no correio, nas mensagens. Receia apagar indevidamente, estragar, meter-se em trabalhos. Medos, medos. Por isso as crianças aprendem tudo tão facilmente: não têm medo de nada.

E andámos a ver as rosas: ela também nunca viu isto. Rosas do mesmo pé de rosa que ora nascem amarelas, ora cor-de-rosa, cor-de-salmão ou cor-de-laranja. Escandalosas de tão belas e únicas.

Ao fim do dia, fomos levá-la. Ia feliz da vida, dizia que os dias assim grandes são uma alegria. No carro, fomos falando nos meninos, nos pequenos, nos grandes. Tínhamos ido para a mesma praia para onde ela e o meu pai iam com os meus filhos quando eram pequenos. 

Gostou de ter ido. E os meus filhos também ficaram contentes por estar na praia com a avó. Há muitos anos que ela não vinha à praia: se o meu pai não podia ir, ela também não ia, ficava com ele. E agora estava ali, anos depois, já não apenas com os netos mas já com a família que os netos formaram. Uma alegria para todos. Um dia luminoso.


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As rosas são cá de casa e acompanham Anoushka Shankar & Norah Jones em Traces Of You

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Desejo-vos uma boa semana

quarta-feira, fevereiro 24, 2021

Entre um enorme desafio e o raio de um sonho demasiado real

 

Depois de uma tareia de várias reuniões de seguida e depois de ser amargamente contrariada pelo meu marido que não quer arriscar tirar um big vaso do terraço pois acha que é impossível pô-lo a descer a escada, chego aqui e não consigo pensar senão em duas coisas:

1 - Como vigiar de perto uma criatura que está a revelar-se uma encrenca e que fez arrastar uma reunião por mais do que uma hora, sobrepondo-se às seguintes e estragando todo o programa de festas

2 - Como conseguir tirar dali o vaso. Um desafio e tanto.

Sobre o tópico número um hesito entre o desprezo e a vingança.  Mas pior mesmo é o tópico número dois. Já pensei arranjar umas tábuas e pôr o vaso a deslizar devagarinho escada abaixo. O meu marido diz que, grande e pesado como é, o que vou conseguir é que se parta. E recusa-se a tentar.

A questão é que a planta, no verão, secou. Parecia morta. Entretanto, começou a renascer. Umas little folhinhas verdes despontando. Mas primeiro que se cubra de verde vai demorar. Mas o aspecto geral não é maravilhoso, quem olhe com desatenção julgará ser um arbusto quase seco. Já tenho, ali no terraço, outras flores e preferia ter ali vasos de outro género. Já fui à horta, andei pelos cantos a ver se desencantava umas tábuas mas nada. Não sei como resolver isto. É o chamado desafio do caraças.

Acontece que, ainda por cima,  esta noite dormi pouco. 

Acordei lá para as cinco e tal da manhã com um pesadelo e, de tal forma foi que, mesmo acordada parecia que estava a viver a situação. Por mais que pensasse que era sonho, não realidade, não parava de pensar nisso. E, ainda agora, ao pensar nisto, parece que estou a reviver uma situação efectivamente sucedida.

Foi assim: um amigo meu tinha vindo cá visitar-nos. Como combinado, tinha trazido a mulher mas também dois outros amigos nossos. Tinha-me dito, em segredo, à chegada: desculpe lá mas já não sabia o que fazer com estes dois. Um é um grande amigo que ficou viúvo há um ano, uma morte prematura que me abalou muito. O outro é também um amigo que vive sozinho, divorciado. E então o que tinha acontecido é que tudo bem, almoço, conversa, tudo na boa, tranquilo. Depois tinha vindo a hora do lanche e tudo tranquilo. Mas, então, o meu amigo divorciado, que é vidrado em livros, tinha resolvido ir ver as estantes. E, com vagar, andava a vê-los um por um. O outro tinha pegado numa cadeira e estava instalado debaixo de uma árvore a beber uísque, olhando o jardim na maior contemplação. A mulher do meu amigo continuava a conversar comigo na maior animação. Tudo isto é real pois qualquer deles é justamente assim.

Só que o meu marido não é dado a horas seguidas em suspenso à espera que a conversa de um acabe, que os copos de outro também. Tenho muita ideia de outros tempos em que um dos que lá costumava ir a casa com a mulher e que bebia uns atrás de outros, depois ia apanhar fresco para a janela, depois dava-lhe para a risota, depois para o sentimento e contava coisas que o tinham magoado e chorava, chorava, depois ia para a janela fumar, depois regressava à conversa. A mulher, às tantas, encostava-se para trás e deixava-se dormir. O meu marido, podre de impaciência, deitava-se no sofá, como se estivesse sozinho, e punha-se a ver televisão. E eu ficava, sozinha, a fazer sala. Saíam de lá de madrugada. O meu marido, que entretanto, já tinha adormecido, acordava furioso comigo pois achava que se eu não desse troco aquilo não durava até àquelas horas. Mas ia fazer o quê? Punha-me também a ver televisão, feita malcriada? Não sou capaz.

E, então, no meu sonho, ele já estava assim, tal e qual, que não se aguentava. E eu furiosa com ele, como medo que os outros percebessem o estado de espírito dele. E ele: 'Mas ele vai vai ver os livros, um por um, até ao último?!' e 'Mas ele vai ficar ali debaixo da árvore até que horas?'. O meu outro amigo dizia-me, em segredo: 'Está a ver porque é que eu já não os aguentava? Percebe porque tive que trazê-los?'. 

E o curioso é que isto é mesmo tal e qual.

E o meu marido, furibundo, dizia-me: 'Vou para o carro e fico lá à espera'. E eu furiosa com ele: 'Porta-te como deve ser. Estás em casa, com que pretexto te vais enfiar no carro? Estás parvo!'. E ele a ficar cada vez mais impaciente, pronto a armar barraca. 

E aí acordei, atormentada. 

Há bocado, ao telefone com a minha filha, ela bocejava cheia de sono, que não tinha dormido bem. E eu também cheia de sono, contei-lhe o sonho. E ela disse: 'Tal e qual. Podia ter mesmo acontecido isso, estou mesmo a ver o pai assim...'. 

Quando cheguei à sala contei-lhe o que a filha tinha dito. Reagiu: 'Qualquer coisa vos serve de pretexto para dizerem mal de mim'.

Mas a verdade é que volta e meia parece que vem o incómodo que senti com a reacção dele, capaz de me envergonhar à frente dos meus amigos. Claro que eu também estava apreensiva a pensar que se calhar tinha que ir descongelar qualquer coisa para lhes dar de jantar pois não lhes via jeito de quererem desandar. Mas pior era ver o meu marido a ponto de se tornar inconveniente. Gosto de ser hospitaleira.

Uma das vezes em que foram uns poucos casais almoçar in heaven quase aconteceu uma coisa assim: foram para o almoço e saíram nem sei já a que lindas horas da noite. Lembro-me em especial de um episódio disparatado. Um deles já estava mais do que bebido e, então, começou a contar ao meu marido que se divertiam todos muito com as zangas homéricas que eu tinha com um outro que não estava ali. Contou peripécias, imitava-me a mim e imitava o outro, ria, ria. E, às tantas, rindo a bom rir, disse: 'Um tal ódio de parte a parte que estou sempre à espera de os ver aos beijos na boca'. O meu marido deve ter engolido em seco. Zanguei-me: 'Olhe lá! Que conversa mais parva é essa?' E ele a rir a bom rir, a mulher a dar-lhe palmadas no braço, que tivesse tento. Nesse dia contou também como, pouco tempo antes, tinha acabado preso numa esquadra de uma vila alentejana e lá tinha passado a noite até que um amigo lá foi tirá-lo, trazendo-o para Lisboa pois, obviamente, a carta tinha sido apreendida.  Contou as peripécias com todos os pormenores e nem queríamos acreditar. O que nos rimos com isso, incrédulos. A mulher dizia: 'Só vergonhas. Já o avisei: mais outra e ninguém o vai buscar. Nem sequer visitar'. Ele ria.

Mas o meu marido, nessas circunstâncias, já não se aguenta sentado, começa a andar fora e dentro, impaciente, com vontade de ver a malta toda pelas costas.

O pior de tudo foi quando irmãos e primos e respectivos filhos, uma vez, tendo também ido para almoço, acabaram ficando. Não foi a única vez, claro, mas uma vez ficaram o fim de semana todo, eram tantos que tiveram que acampar pelo chão, por onde havia um palmo livre. E nós dois entrávamos de férias na segunda feira. E então alguns deles, sentindo-se à vontade, acabaram ficando a semana toda. Aí até eu já estava doida. Iam à lota de uma cidade não exactamente ao lado e regressavam com caixas de sardinhas e outros peixes, faziam churrascos, íamos ao supermercado e trazíamos sacadas de entrecosto e bifes e desaparecia tudo. Sacos e sacos de carvão e desaparecia tudo. Grades de cerveja e desaparecia todo. E nós dois só pensávamos que tínhamos que ter um plano B para o caso de lá quererem ficar mais uma semana. Mas não. Felizmente na segunda-feira da segunda semana resolveram levantar arraiais e zarparam.

E as impaciências que eu via ao meu marido e as fúrias que tentava controlar mas que receava que, a qualquer instante, explodissem traumatizaram-me tanto que esta noite tive este sonho tão vívido como se estivesse a reviver outra vez aquelas situações.

Mas já chega de sonho, já me basta não ter sido capaz de voltar a adormecer. A ver o dia a ficar dia e eu às voltas na cama. E, mais grave, chateada com o meu marido. O facto de tudo não ter passado de um pesadelo é mero pormenor.

E depois, com reuniões todo o santo dia, não tenho assunto. 

Aconteceu o quê? Andam todos a querer que o Costa desconfine para a seguir irem crucificá-lo porque desconfinou? Não há pachorra. Ou a valente da ministra ainda consegue aguentar-se de olhos abertos e ainda consegue paciência para aturar tanta gente besta? Coitada. Admiro-a. Mil estátuas que lhe ergam e mil ordens e medalhas com que a agraciem será pouco. 

Por isso, depois de ter escolhido pinturas de Pierre Bonnard para aqui alumiarem estas minhas palavras fajutas ao som do sonzinho bom da Norah Jones, com vossa licença vou agora ver casas bonitas, ouvir gente que não fala de vacinas nem de gente que cai escadas abaixo nem de desgraças nem de tretas ou desgostos.

Por exemplo, 

73 Questions with Gisele Bündchen (ft. Tom Brady) | Vogue


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E tenham um dia feliz

sábado, novembro 24, 2018

O caminho do amor




Desde que ganhei consciência de mim que preciso de espaço. O espaço é-me vital.

Penso que já uma vez aqui o contei: numa formação daquelas comportamentais, fizemos uma experiência. Cada um de nós, à vez, vendado, no centro e, à volta, numa roda larga, as outras pessoas da turma. E as pessoas começavam a aproximar-se em silêncio. E nós deveríamos aguentar o mais que pudéssemos. Quando achássemos que os outros já estavam muito em cima de nós e já não conseguíssemos mais a pressão da sua presença, deveríamos dizer que parassem. Quase todos os meus colegas aguentaram até estarmos quase em cima deles. Eu, quando foi a minha vez, mandei-os parar quando ainda não estavam nem a um metro de mim.

Mal acabei de fazer dezassete anos, com o pretexto de não querer perder tempo em transportes, depois de muita persistência e guerra, saí de casa dos meus pais para viver perto da faculdade. Por muito bem que me desse com eles, já não queria estar sob seu controlo, nem dos vizinhos da rua, nem do bairro, nem de conhecidos, sequer de amigos. Quis libertar-me de tudo. Ia a casa ao fim de semana e adorava lá estar mas bo mesmo eram os dias de semana, à larga.

A sensação de liberdade é-me indispensável. Viver num meio pequeno e confinado não é para mim. Viver sob vigilância da família ou de vizinhos ser-me-ia insuportável. Se há coisa de que gosto é de me sentir turista, livre.

Imagino que em meios pequenos não seja fácil conhecer novas pessoas, conversar com elas, jogar os deliciosos jogos da sedução que levam um no sentido do outro, percorrer novos caminhos, ousar descobertas. Mesmo pessoas que vivam solitárias e gostassem de descobrir amores ou paixões terão mais dificuldade em fazer esse percurso de descoberta quando se sabem vigiados e, possivelmente, comentados ou criticados. Mas há que arriscar, soltar as amarras, não deixar a vida por viver.

Em contrapartida, quando uma pessoa tem a certeza de ter descoberto a 'outra' pessoa -- aquela por quem o seu coração bate de uma maneira especial, aquela por quem os seus olhos se enternecem, aquela que passa a habitar o seu pensamento -- a procura de outros deixa de ser tema. 

Mas, mesmo nesses casos, a história não acaba aí. Sabermos de quem gostamos não nos isenta de termos que procurar o ponto de convergência, de tentarmos alcançar o momento em que a fusão acontece, em que os dois corações se tocam. No labirinto que são os caminhos de cada um há aquele caminho, aquele único caminho que conflui no caminho, daquele também único caminho, do labirinto do outro, daquele que amamos. 

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O desenho, que me deu vontade de escrever o que acabaram de ler, é da autoria de Elia Colombo

segunda-feira, novembro 19, 2018

Um vestido by Banksy


Só para dizer que o meu dia não teve nada de nada a ver com a fotografia que escolhi para o ilustrar e que está lá mais abaixo. Só talvez o céu estivesse parecido: pesado, carregado. Tirando isso, zero. Não andei por terras escalavradas, não passei perto de nenhuma árvore derreada e desfolhada. Nem usei vestido, muito menos de verão. Nem estive aluada, zombie nem sou tão magrelinhas. Aliás, apenas escolhi a fotografia porque sim.

Mas bora lá com uma musiquinha. 
Gosto de escrever embalada por uma música que esteja in the same mood que eu.

Que entre Norah Jones com o seu Wintertime.


Tive o pessoalzinho cá em casa e se há coisa de que goste é de os ter cá. Fico feliz da vida. Bem podem fazer barulho, jogar à bola, jogar às lutas -- que não me faz diferença. Gosto de os ter cá e gosto de ver como ficam felizes quando estão juntos. Ainda tentei que o meu marido pendurasse luzinhas a piscar no varão do cortinado da copa, onde almoçámos. Não quis, diz que não é maluco para em Novembro já estar a pôr iluminações de natal. Mas, lá está. Estamos todos carregadinhos de ortodoxias. Porque é que luzinhas pequeninas, ledezinhos amarelinhos, hão-de ser de Natal? - podem ser, simplesmente, luzinhas que dão bom ambiente à casa. Mas não quis. Pronto, também não vale a pena a gente ficar contrariada por isso. Mas não quero saber: dei um pai-natal pequenino de chocolate a cada um. A minha filha admirou-se: 'Mas então... afinal...?' ao que esclareci que eu tinha dito que andava a esforçar-me por deixar que o espírito natalício descesse em mim. Não vejo a hora de ter um pai natal a trepar para o tecto com luzinhas na escadinha, aquele pai natal que, quando cá apareceu, deixou o pessoal maluco por nos ver a alinhar em piroseiras e chinesices. .

Quando saíram, fomos dar um passeio à beira-rio. Uma maravilha. Muito tranquilo. Pouca gente. O rio muito bonito, um azul claro platinado, igual ao céu que anoitecia. Aliás, à volta, já tinha mesmo anoitecido e o rio começava a iluminar-se com as luzes do cais e da cidade. Gosto de andar à beira-rio quando o lusco-fusco vai escurecendo, envolto em névoa.

A seguir, ao chegarmos a casa, fiz uma máquina de roupa, uma panela de sopa e cozi ovos para os nossos pequenos-almoços. Não foi preciso fazer nada mais pois sobrou cozido do almoço.

Agora que aqui estou, já estive a ver as fotografias, já escolhi a toilette de amanhã, já arrumei roupa, já pintei as unhas.

E o pior é que, apesar da hora que é, me está a dar uma soneira para a qual não há explicação. Se fosse mais cedo ia ali para o cadeirão de relax e seria tiro e queda mas já são é horas de jantar, não de fazer a sesta.

A verdade é que até me está a custar estar de olhos abertos. Na volta foi por isso que escolhi esta fotografia.


Ah, sim, acho que a guilhotina do Banksy fez das dele aqui com o vestido da sleeping lady. E, como se vê, não dá jeiteira nenhuma pois as ripas de tecido ensarilharam-se nos ramos secos da árvore. Mas nada que lhe tenha tirado o sono. É como eu: nada me tira o sono. 

E, para já, é isto. Se calhar vou jantar. Ou, então, vou encostar a cabeça e descansar durante uns minutos. 

Mas ainda cá volto. Acho eu -- que isto do tapete é vício da pesada. Uma pessoa fica agarrada a sério.

Ah, outra vez sim, deixem que vos mostre os ramos de uma árvore agora ao anoitecer, iluminado por um candeeiro de rua. Achei bonito.


segunda-feira, julho 30, 2018

Coisas complicadas como a vida da gente.
Coisas simples como limpar a casa em poucos minutos.




Eu gostava de ser capaz de escrever aforismos que me ensinassem as coisas importantes da vida. Em vez disso, escrevo lençóis que não me ensinam nada.

Devia saber destilar as frases, encontrar a essência das palavras. Mas não sei. Em vez disso entreteço longas meadas de coisa nenhuma.


Também gostava de perceber o que os outros tramam sobre a minha vida mas, em vez disso, não presto atenção e estou sempre a ser surpreendida. Eu a pensar que nada e depois chego à conclusão que pensaram e repensaram e chegaram à conclusão que tinha que ser eu. E eu sempre tramada. 


E gostava de saber cavalgar as ondas, esforçando-me menos e aparentando mais. Em vez disso, luto contra a onda, atravesso a onda, enrolo-me na onda. E vejo os outros, frescs, sem mexerem uma palha, a aparecerem todos ladinos, a cavalo nelas. Espertalhões. E eu, burra, toda esfalfada, toda ensopada. Meto água.


Vivo rodeada de gente pouco inteligente que gere a sua vida de forma mais inteligente que eu. E ainda não descobri como se resolve essa curiosa equação. 


Penso às vezes: chegará o dia em que este mundo deixará de ser o meu. Terei que hibernar, deixar-me estar entre livros, entre árvores, entre bichos. No outro dia, um dos meninos disse que queria ser futebolista e ganhar muito dinheiro. A mãe disse que poderia não conseguir ser muito bom e que, assim, não ganharia muito. Ele pensou e disse: Imagina que eu ia para o Arsenal... O irmão, que ouvia a conversa, disse: Podia ser Youtuber. E eu não fui capaz de dizer nada. Não percebi aquela observação do Arsenal e quase me arrepiei com a sugestão do irmão. Coisas estranhas as que se passam à minha volta. Sinal de que os tempos são outros e que talvez eu não esteja a ser capaz de os acompanhar.


Chego a esta hora e não consigo tentar que a conversa pareça ter algum sentido. Sai como sai.

Acabei de ver a repetição do Marques Mendes na televisão. Não consegui prestar atenção. Nada do que ele diz me parece relevante. Fala de gente irrelevante e relata factos irrelevantes. A televisão está cheia de gente irrelevante. Espreito as notícias e é o mesmo. A comunicação social desligou-se do mundo real.


Mas se calhar o meu mundo é que já não é real. No outro dia, uma pessoa que conheço, já de uma certa idade, contou-me que nesse dia, à tarde, ia a um sítio. Que tinha visto no facebook e que, no dia seguinte, para surpresa dele, lhe tinham ligado a convidá-lo. Que ele não sabia o que era mas que ia ver. E estava todo animado. E eu, por dentro, só pensava: Olha que burro. Mas não disse nada porque pensei que se calhar a burra sou eu.


Mas tudo isto são coisas complicadas. Dilemas metafisicos, filosofias de pé descalço, areia a mais. E, na verdade, não chego lá. Só me apetece pensar em coisas simples. Mezinhas caseiras, truques simples e úteis, conversinhas brejeiras ou infantis. Talvez para trazerem alguma coisa fácil para a minha vida que anda tão cheia de reviravoltas e complexidades. Penso: vou transformá-las em coisas boas. Mas não sei como.

Então, entretenho-me a ver vídeos como o do post abaixo (regras de vestuário para homens e mulheres) e como este, já aqui, e aprendo imensas coisas úteis.

20 maneiras de limpar a casa em poucos minutos



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Os animais vieram até mim pela mão de Yago Partal e ao som do Lamento di Ninfa, coisa de Monteverdi [que, quando perceber onde veio parar, deve espernear a valer (lá onde estiver)]

sexta-feira, novembro 03, 2017

Beny e Meninha numa tarde especialmente quente





A mãe queixa-se. Tem dores. É da mudança de tempo, diz. Mas, quando vê a filha preocupada, sorri, diz que também não é nada de mais, que já faz parte, que já se habituou. Sabe disfarçar. Sorri como se tivesse vontade de sorrir. Durante muitos anos, sorrir fez parte da sua actividade. O sorriso bonito ficou-lhe colado ao rosto e sempre a parecer um sorriso genuíno. 

A filha vai sentar-se ao seu lado, pergunta-lhe o que fez durante o dia. Iolanda diz que fez a mesma coisa de sempre e a filha diz que o problema dela é esse, o não ter nada que fazer. A mãe protesta: fez muitas coisas. E enumera: foi ao ginásio, leu, foi ao dentista, dormiu a sesta, orientou a rapariga, viu a lista de compras que ela tinha feito, deu-lhe dinheiro e depois orientou a arrumação, viu televisão. A filha diz: 'Mãe, isso não é nada. Quero estar descansada em minha casa e não consigo, sabendo-te aqui nesta fossa. Escreve. Porque não escreves? Arranja uma rotina, como se fosse um trabalho. Deves ter montes de histórias de quando trabalhavas na televisão'. A mãe faz-lhe uma festa ao longo do cabelo: 'Estou bem, não te preocupes.'. Depois acrescentou: 'Olha, se fosse contar as vezes que fui assediada, enchia um livro. Está na ordem do dia. Dizia o nome dos figurões que mexeram ou quiseram mexer. Mas cá ainda eles é que ficavam bem vistos. Não há paciência'. A filha encolheu os ombros. 'Nunca tens paciência para nada. Isso não é bom'. Mas a mãe parecia absorta. Ou desinteresse ou cansaço. Sem ter razões para se sentir cansada, a verdade é que geralmente mal se conseguia mexer, tanto o cansaço.

Depois pareceu acordar: 'Olha lá, tens estudado? Tu nunca descures os estudos, ouviste? E escuta lá, não gosto nada desse Filipe. Tem má fama, tem mau ar. Não gosto nada, nadinha mesmo, de te saber com esse galifão por perto.'

A filha, com aquele ar ausente que talvez tenha herdado da mãe, levanta-se e sossega-a: 'Tenho estudado, sim. E não tenhas receio: sei tomar conta de mim.'.

Beija a mãe. E fica, por uns momentos, a olhá-la. Tão bonita e sempre tão desmotivada, a mãe. Depressões profundas. Não há muito, um susto. No hospital tinha pedido desculpa, que nunca mais. Tristeza, vergonha e dizia que arrependimento. A recuperação tem sido lenta.

Quando ia já a sair da sala, a mãe chamou-a: 'Benedita'. Depois de um silêncio: 'Tens visto a tua irmã?'. Benedita disse: 'Se não estivesse bem, sabia-se, não é...?' e disse tudo.

Quando ia a sair de casa da mãe, tocou-lhe o telemóvel. Era Meninha. 'Ligou, não ligou, Beny? Estou respondendo'. Benedita: 'Sim. Separei umas roupas, lembrei-me que se calhar lhe assentam bem. Posso dar. Já não uso.' Meninha em silêncio, sem querer acreditar. Benedita: 'Se quiser posso levar a sua casa, estou sem nada que fazer'. Meninha aflita: 'Ui... Não venha não que aqui o bicho pega... Lugar mau, Beny, não vem não.' Benedita: 'Gostava de ir. Nunca fui para esses lados. Não incomodo. Posso nem entrar'. Meninha acabou por ceder, deu a morada.

Passado um bom bocado, Benedita tocou à porta de um prédio degradado, num bairro degradado, com pessoas com mau aspecto à porta. Como ninguém respondesse, subiu a pé pelas escadas e bateu à porta.

Meninha abriu. 'A campainha não funciona. Teve que vir na aventura, não foi não?'. Benedita estendeu um saco. Meninha disse: 'Entra Beny, não vai ficar aí na porta, né..?'.

Estava de shortinho bem curto, blusa sem mangas, cabelo solto, argolas grandes e baratas. Sentindo-se alvo de atenção, explicou: 'Tá calor, não dá p'ra botar muito agasalho, viu...?'. Benedita atrapalhou-se: 'Nada. Não estava a reparar. Também tenho calor.'

O apartamento era pequeno. Decorado à moda de Meninha, com xailes nas paredes, espelhos, luzes, plumas. Um sofá que se percebia ser velho com uma manta colorida e almofadas com missangas e lantejoulas. 

Benedita pensa na vida difícil de Meninha, vinda de tão longe, uma vida de pobreza e violência e agora cá, lutando, sempre falando num mundo melhor, sempre sonhando. Despeja as roupas no sofá. Meninha olha espantada. 'Tem a certeza, Beny? Tudo para mim?'. Benedita confirma: 'Já não uso. Não sei é se ficam bem a si.'.

Meninha disse: 'Se não ficarem, eu arranjo. Sou boa de costura, comigo não fica prega solta ou bainha pendida'

Beny sorriu, acha graça às expressões dela.

Depois disse: 'Experimenta este, acho que em si vai ficar bonito.' Meninha tímida: 'Logo experimento'

Depois, para mudar de assunto: 'Quer alguma coisa? Água?'. Benedita aceita, diz que está cheia de calor.

Depois de beber a água, volta a insistir: 'Gostava de ver como lhe fica. Não quer experimentar? Despe que eu ajudo depois a vestir. O corpete não é fácil de apertar. Mas deixa que eu aperto. E depois fica lindo com capa plissada, em si deve ficar bonito. Trouxe até colar'.

Meninha já nervosa: 'Então vá, eu visto. Mas vou lá dentro, não leva a mal, Beny, sou de pudores.'

Passado um bocado volta e vem radiosa, cabelo mais amansado, e vem fazendo pose, olhar profundo, andar de gazela dengosa.

'Pode fotografar, Beny? Gostava de ver se levo jeito. Quem sabe fico também com ar de wild rose', pede.

'Vou fotografar uma wild rose no seu habitat, aqui onde as wild roses grow', diz Benedita. Usa o telemóvel e fotografa Meninha. 'Para mostrar ao seu namorado, ele vai gostar de ver. Ajeite as maminhas para ficarem mais salientes'

Meninha meio-sorri. Está com ar de vício, de quem quer. 

Beny sente que há um clima no ar mas pensa que é de ter encarnado a personagem que Meninha olha assim para ela. Começa a sentir mais calor. O ar está quente no pequeno apartamento. Bebe água. Então, Meninha, diz: 'Não tem ar condicionado aqui, não. E janela também não tem vidro duplo. Para refrescar só mesmo despir e passar água fria na pele.'

Sem pensar, Benedita despe-se. Deita-se no sofá. E, com aquele seu ar de corpo do qual a alma se evadiu, diz: 'Deite água em mim, Meninha'


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Nick Cave and the Bad Seeds interpreta The Kindness of Strangers

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Este episódio vem na sequência de Wild Rose

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sexta-feira, dezembro 16, 2016

Habitamos a ausência





É uma da manhã. Não sei nada do que se passou no mundo. Liguei também agora a televisão. Até agora, grandes dramas que já caíram na banalidade ou vulgaridades da pequena política debitadas como se de determinantes verdades se tratassem. E prisões. Por suspeitas de corrupção, por posse de armas, posse de drogas. E, que tenha dado por isso, pouco mais nada. Ninguém se lembra de divulgar fulgurantes descobertas, grandes amores, loucuras nunca antes sonhadas. Os jornalistas deixaram de querer descobrir raridades, contentam-se com as trivialidades que todos papagueiam sem se saber já de onde parte a ideia original. Mas também não interessa porque parece que o culto da originalidade é coisa de uma ínfima e desprotegida minoria (na qual se calhar eu me incluo).

Podia descever o meu dia e, melhor ainda, o meu jantar. Podia escrever um senhor post. Mas não devo. Fica a fermentar e, daqui por uns tempos, misturado com outras coisas, logo conto alguns momentos.

Como já no outro dia contei, há situações subliminares, histórias ocultas, dramas familiares que coexistem com momentos de festa. Mas não posso contar. Pelo menos não em cima do acontecimento.


Conto só que o jantar foi num sítio onde nunca tinha ido. O que me valeu, e mal, foi o gps do carro. De noite, a chover, um trânsito do caneco, as ruas alagadas, eu sem conhecer puto, e a menina do gps a mandar-me encostar-me à direita e carros por todo o lado, incapaz de me encostar ao que quer que fosse. E depois, mais à frente, que virasse já e eu não na faixa de virar mas na de ir em frente e depois só um lago e eu sem saber se aquilo era água superficial ou com um metro de profundidade. E sem poder pensar ou equacionar alternativas, tamanha a fila de carros Finalmente, depois daquela confusão de trânsito, chuva e carros, cheguei ao meu destino. 

Second round. Estacionar.

Zero lugares. No meio do trânsito, sem conhecer nada do lugar, e a afastar-me do restaurante e nem um lugar. Nem um. Já só pensava: que se lixe, vou-me embora. Já passava uma hora da hora combinada.

Até que já afastadíssima, vi uma rua estranha que, no meio daquela confusãp, levava a um bocado de terra batida. E lá uns quantos carros. Pareceu-me uma clareira no meio da floresta. Um milagre. Enfiei para lá o carro sem perceber por que raio de carga de água havia um bocado de terra batida no meio de uma babel de prédios e ruas e carros. Marimbei-me. Larguei o carro e fui a pé. A choviscar, longe para burro, passeios de calçada e eu, de salto bem alto, a calcorrear ruas e ruas de um lugar completamente desconhecido.


Pensei que, às tantas, já iam a meio de jantar. Qual quê. Menos de metade. Tudo a relatar o calvário para lá chegar e, depois, para estacionar. Ao longo da próxima hora foram chegando os restantes, tudo com ar meio desesperado, tudo a dizer que tinha sido apenas por uma unha negra que não tinham desistido..

Mas pronto, isso ficou para trás das costas. Habituados e mais que habituados a estes pincéis estamos nós. Portanto, confraternizámos e conversámos e foi bom. 

Agora à vinda, outra vez. GPS. Mas aquele desconforto de conduzir de noite, a chover, em sítios totalmente desconhecidos. E viadutos novos, vias rápidas novas, os carros a abrirem e eu sem estar a ver a estrada e sem perceber o percurso, a ser guiada pela menina que, quando se cala, me deixa na insegurança. Encoste à esquerda, daqui a trezentos metros vire à esquerda - diz-me a menina. Mas como encostar à esquerda se os carros vêm  toda a brida e não se vê nada?

Enfim. Cheguei sã e salva. Aqui estou. Ouço música, escolho fotografias. Sabe-me bem estar a ver as fotografias de Etha Ngabito, um mundo tão cheio de luz, harmonia e silêncio. Agora vejo que na televisão repetem a Quadratura do Círculo mas estou tão bem a ouvir a Bonnie Raitt e a Norah Jones a interpretarem Tennessee Waltz que não me apetece ouvi-los a falarem de corrupção, de prisões que parecem arbitrárias. de impunidade que ainda bem que já não há, de legislação que já chega.

Não, antes a música arrastada que me embala os sentidos e me transporta para as profundezas da noite.


Com isto de andar a escolher fotografias e músicas, o tempo vai passando. Daqui a nada já são duas da manhã. Começa a dar-me o sono. De vez em quando, fecham-se-me os olhos.

Em vez de acabar de escrever e ir para a cama, ponho-me a protelar, a dar voltas inúteis. Depois interrompo e vou ver os mails.

A seguir, espreito as estatísticas. Esta quinta-feira dentro dos valores habituais: 1.384 visitas. Há dias de mais mas, em média, acho que anda por estes números. Se calhar são sempre as mesmas pessoas e já se cansam de eu não falar de neuras ou tristezas que apelem à solidariedade, de casos exorbitantes e, pelo contrário, passar a vida aqui com uma converseta da treta.

E agora, desde a meia noite, já 280 visitas. Eu aqui a escrever e vocês, meus queridos leitores, aí desse lado, se calhar à minha espera.

E estava eu a pensar nisto quando vejo nas estatísticas que uma das expressões que alguém escreveu num motor de busca e que o encaminhou para aqui foi  "nous habitons l’absence". Fiquei maravilhada. Juro. Como se não pudesse acabar melhor este meu tão preenchido dia.  Que palavras extraordinárias.

Fui eu ao google e escrevi aquilo. Fui conduzida até ao poema Configuration du dernier rivage de Michel Houellebecq. Não fui parar ao UJM mas, se calhar, alguma vez referi aquele verso. Não sei. Ou, então, o algoritmo da Google achou que poderia aventurar-se e ofereceu-me estas palavras que talvez descrevam um pouco o que eu, por vezes, sinto. Habitamos a ausência.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma sexta-feira muito feliz.


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sábado, outubro 29, 2016

Mi liga, vai...
And turn me on... vai...Turn lá...



Havia a arquitecta e já dela aqui algumas vezes falei. Uma mulher excessiva, absolutamente livre, destravada em tudo, imoderada, desbocada, divertidíssima. Dos meses em que lidei quase diariamente com ela guardo as melhores recordações.

Não era bonita nem elegante segundo os cânones. Alta, volumosa, descomplexada, tornava-se atraente pelo conjunto, pelo excesso, pelo riso.

Como me sinto mais próxima de pessoas assim do que de gente muito irrepreensível e piedosa, logo se estabeleceu entre nós compreensão e estima.

No meio havia um engenheiro. Eu representava o dono da obra, ela a arquitecta que idealizara o projecto e zelava pela fidelidade da obra à ideia, ele o responsável pela execução.

O engenheiro, um bom homem, preocupado com o orçamento, preocupado com os desafios que as ideias dela lhe colocavam, preocupado com o pessoal a seu cargo -- e ela nem aí, cheia de ideias, que tinha porque tinha que ser e ele que se desunhasse. Ele dizia que desistia, ela dizia que bye bye, ele dizia que deixava a obra a meio, ela dizia que o que não faltava era quem tivesse competência para fazer uma obra banal. Eu divertia-me com a permanente refrega e guardava dentro de mim o registo daqueles momentos tão divertidos.

Uma vez, o presidente da empresa, homem habituado a mandar e a quem meio mundo reverenciava, prestigiado ex-ministro, quis lá ir ver as obras. Gostou, elogiou-a mas, às tantas, disse que uma coisa qualquer se calhar ficava melhor lá de uma determinada maneira. O que ele foi dizer. Não sei porque raio de carga de água ela passou-se, mas passou-se à séria e, furibunda, virou-se a ele, assanhada e, alto e bom som, vociferou: 'Era o que me faltava estar a ouvir palpites. Não há cão nem gato que não me apareça pela frente a dar palpites! Era o que me faltava!'. Ele ficou varado. E, quando ia reagir, vai ela e vira-lhe as costas e sai porta fora. A mim deu-me vontade de rir mas ele ficou lívido. Nunca mais lá pôs os pés e ficou a odiá-la. E ela a ele. 

Mas o engenheiro das obras.

Um dia precisou de resolver lá um problema: onde ela queria abrir uma parede, passavam uns canos e ele precisava de saber se poderiam adaptar a abertura por forma a não ter que mexer na canalização. E ela não atendia o telefone. E era urgente. E eu num dilema: andando ela de namorado novo, provavelmente estava em casa sem vontade de atender um engenheiro a falar-lhe de problemas. Mas se não se falava, também não se ia adulterar a ideia ou, alternativamente, arranjar problemas e gastos extras.

Então, dei-lhe o número de telefone de casa dela. No outro dia, mal me viu, o bom homem veio na minha direcção, escandalizado. Então o que era? Em vez de tocar, aquilo passava para o atendedor de chamadas e aparecia a voz dela, dengosa, falando à brasileira de casa de meninas 'mi liga... vai...' e continuava com palavras convidativas -- de tal forma que ele até tinha tido vergonha de continuar a ouvir. Nem tinha chegado ao ponto em que poderia deixar mensagem.

Quando, nessa tarde, ela apareceu na obra e lhe contei, fartou-se de rir. E eu tinha acertado: estava mesmo com o namorado e queria estar sossegada. Sabia que, com uma mensagem de acolhimento daquelas, quem ouvisse não ia voltar a ligar tão cedo.

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Turn me on


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La maja desnuda (lá em cima) armada em menina de anúncio do Correio da Manhã é tropelia de Kajetan Obarski que não quis cá saber de venerações a Goya.

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E queiram, agora, descer até ao post abaixo.
Conforme queiram.

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sábado, setembro 24, 2016

Are You Lonesome Tonight?


Are you lonesome tonight,
Do you miss me tonight?
Are you sorry we drifted apart?
                                                   - Pergunto



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quarta-feira, junho 01, 2016

Casais


A labuta que tem sido isto para conseguir fazer alguma coisa na porcaria do computador... não dá para acreditar. Num mundo ideal eu seria como a Carolina Patrocínio, aquela jovem que tem um corpinho de atleta e uma empregada para lhe tirar os caroços das cerejas e as grainhas das uvas. Eu disso não precisava, nem do corpinho de atleta (já me habituei à minha generosa carnadura) nem que me tirem os caroços, que disso dou eu bem conta. Mas precisava que alguém me passasse as fotografias para o computador, as seleccionasse, organizasse, limpasse a lixarada que se acumula no disco e impede o computador de se mexer, fizesse cópias de segurança do blog, me servisse de chauffeur, me lavasse o carro, coisas assim. Caraças que não tenho mesmo paciência para coisas dessas.

Bem. Adiante que não é Carolina Patrocínio quem quer mas quem pode.

A ver, então, se finalmente mostro os pares que, mesmo de costas ou nos seus pequenos gestos, a gente vê que são casais.





Embora a grande maioria das fotografias que tiro não se refiram a pessoas
(é aquela minha velha dúvida do que é ou não é legítimo fazer: se peço autorização, o mais certo é as pessoas mandarem-me dar uma grande curva ou, mesmo não mandando, perder-se-ia a espontaneidade; se não peço, não quero que as pessoas sejam facilmente identificáveis pois podem não querer ver-se expostas; de qualquer forma, se as 'apanho', não as 'apanho' em situações desagradáveis mas, ainda assim, prefiro ter cuidado) 
a verdade é que o que eu gosto mesmo, mesmo, é de fotografar são pessoas. Se eu soubesse que daí não vinha mal ao mundo, passava a vida a fotografar gente.

Desta vez, apeteceu-me comprovar que os membros de um casal, ao fim de algum tempo, adquirem uma qualquer parecença ou afinidade de gostos e gestos, que, mesmo de costas, a gente percebe que são duas metades de um casal que ali vão.

Claro que, ao pensar nisto, penso em mim.
De mim e do meu marido, alguém que fizesse a mesma análise, o que diria? Geralmente vou eu, com a minha câmara, olhando para o mar, para os veleiros, para as gaivotas, para as pessoas, fotografando, tentando não molengar muito mas, ainda assim, é um pára-arranca; e, lá bem à frente, em passo regular e estugado, vai ele. A espaços vira-se, abre os braços, e eu sei que ele está a dizer para me despachar. Quando vai distante, volta para trás, vem até mim, pede que deixe de tirar fotografias a tudo o que mexe e não mexe e, dado o sermão, segue viagem e, passado um bocado, já lá vai outra vez à frente. 
Por isso, não sei que conclusão alguém que observasse retiraria deste casal meio atípico. Mas se calhar é sempre assim quando um dos membros do casal gosta de andar com a cabeça na lua e o outro prefere andar com os pés na terra.

Bom, mas então, deixem-me lá mostrar alguns dos casais que fotografei a ver se não concordam comigo.

1
Um pico no pé (fatos de banho no mesmo tom)

Assunto resolvido
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2
Beautiful conchinhas (fatos de banho da mesma cor e tipo)

E siga viagem
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3
O mesmo género de roupa, o mesmo tipo de andar
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4
As havaianas na mão, o mesmo tipo de marcha e cores do mesmo tipo
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5
Roupa idêntica, sapatos na mão, andar idêntico
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6
Sincronizados, mãos atrás das costas, olhar baixo
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7
Com alguma dificuldade de locomoção mas muito bem dispostos, sintonizados
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8
Os mesmos tons, simétricos, sincronizados
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9
As mesmas cores, chapéus idênticos, conjugados no andar, nas expressões 
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10
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I carry your heart de E E Cummings lido por Tom O'Bedlam

(...)
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life;which grows
higher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart(i carry it in my heart)


Lá em cima Norah Jones interpreta Come Away With Me

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