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domingo, abril 23, 2023

Entre o bafo quente da multidão

 

Na altura das eleições no Brasil disse aqui que obviamente desejava que houvesse um grande não a Bolsonaro. Mas que o meu entusiasmo com o Lula era reservado. Na lógica do mal o menos, ok ao Lula. Mas com muita pena que não haja melhor no Brasil. Um país enorme e complexo como o Brasil para ser bem governado e para ser respeitado interna e externamente tem que ter um presidente bem capacitado, consistente, com uma visão modernista, humanista. Lula está longe disso.

Por exemplo, a posição do Brasil sobre a Rússia a propósito da invasão criminosa da Ucrânia não é apenas dúbia. É também cínica, hipócrita, incoerente. Não sei se estas flutuações de posições, ajeitadas consoante o interlocutor, se devem ao seu caráter pouco consistente ou se Lula é simplesmente uma pessoa pouco informada. Ou se é a lógica interesseira do videirinho que quer fazer negócio e disfarça a coisa com conversa da treta julgando que os outros são mais parvos que ele. Não sei. Seja como for não é uma boa coisa.

E o que sei também é que, por tudo isto, Lula não me merece grande respeito.

Continuo a dizer: entre Bolsonaro e Lula, Lula. Mas que o Lula está aquém, mas muito aquém, do que o Brasil precisa, isso parece-me uma evidência.

E se pensarmos que o Brasil deveria ser um aliado de peso para Portugal, o que me ocorre é esquecer os interesses diplomáticos (que são incontáveis) e mandar bugiar o Lula. Ter um aliado como Lula é pormo-nos a jeito para vários tiros nos pés. Mas porque o Brasil é mais, obviamente muito mais, do que quem o governa, pois que se feche um bocado os olhos ao nonsense em forma de gente que é o Lula. 

(Num aparte, completamente aparte, também devo dizer que não percebo a que propósito é que anda em todo o lado, mesmo nos encontros institucionais, com a mulher a reboque). 

Enfim, uma tristeza.

Mas haja esperança. Por entre o bafo quente da multidão que acarinha gente como Bolsonaro, num quadrante, ou Lula, num outro, pode ser que surja uma consciência, uma voz que se erga. Muda como a exactidão   como a firmeza    como a justiça. Brilhando indefectível.

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Partilho um vídeo Cine Povero que me encanta, um remake de um anterior

Jorge de Sena :: Uma pequenina luz / Por Pedro Lamares


Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Ideias claras. Paz.

quarta-feira, janeiro 11, 2023

O Sargento-Tenente-Major Peçanha analisa o que se passou em Brasília e dá uns conselhos à Polícia Militar de lá
[Post impróprio para ouvidos sensíveis]

 

Parece que ao outro lá já passaram as dores de barriga. Dizem que nada de grave. Na volta era flato. 

Pior foi mesmo o que os desinteligentes que o seguem fizeram por lá, por Brasília. Uma carneirada acéfala e desencabrestada. Faz impressão ver o estrago que fizeram. Gentinha mais bronca aquela.

Percebe-se, pois, a reacção do grande Major Peçanha. Diz ele que, com ele, nada daquilo teria acontecido. Ah pois.

ESPORRO NA PM DE BRASÍLIA

Por que não contrataram o Sargento-Tenente-Major Peçanha pra ser o interventor de Brasília? 


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E queiram, por favor, descer e ver a mulher que se enfiou numa máquina de lavar e ficou com o rabo de fora

segunda-feira, janeiro 09, 2023

E para qualquer coisa de diferente...

 

As televisões estão tomadas pela cena do Capitólio dos Pequeninos. Os bolsonaristas a brincar aos trampinhas. 

Não sei no que vai dar mas, muito sinceramente, o meu organismo não aguenta mais overdoses. 

Desde o defunto Santo Emérito que calçava Prada a ser borrifado e exibido durante dias e dias mais os cortejos do finado Pelé e mais o CR7 e família a serem apresentados à turbamulta e mais a mega suite em que se instalam, isto não falando nos nossos supersónicos secretários de estado que entram e saem à velocidade de estrelas cadentes, tudo à mistura com chuvas extremas, inundações e impermeabilizações, de tudo o vespeiro de comentadeiros nos tem impingido goela abaixo. E agora isto, dos doidos varridos dos bolsonaristas que se armaram em parvos. Que se armaram em parvos, não. Corrijo. Ainda em mais parvos.

Estou até aos gorgomilos. Quero ver um bocado de televisão e é isto. Uma saturação. Gente que diz as mesmas coisas sobre as mesmas imagens. Em todos os canais. A toda a hora. Não consigo.

Mais: não estou nem aí. Apetece-me algo. 

Não sei bem. Talvez algo de diferente. De inusitado. De inexplicável. De louco. De arriscado. De belo. Com um toque de místico. Colorido. Corajoso.

Qualquer coisa como isto.

Mulheres e homens voadores




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Uma boa semana
Saúde. Cabeça arejada. Paz.

segunda-feira, outubro 31, 2022

Segredo para um coração feliz

 


As romãs estão grandes, pesadas. Tenho que as ir apanhando apesar de a casca ainda não estar bem tingida. Como estão tão grandes e pesadas, a casca de algumas abre e vão caindo bagos. Outras tombam e rebentam na queda. Mas já estão boas. Levei outra vez à minha mãe. Disse que ia dar uma grande ao meu tio. Fui agora pesar uma delas para não escrever aqui uma coisa fora da realidade. Pesava 538gr. 

De manhã, ao pequeno-almoço, junto bagos ao abacate, ao muesli e ao kefir. Ao almoço ou o jantar junto bagos à salada. Gosto bastante. Dão frescura e crocância. Comer só romã não tem muita graça, acho. Mas misturada é uma bela mais-valia.

As laranjas também vão caindo. Ainda pouco maduras, impossíveis de aproveitar. A casca também abre e caem deixando os gomos desfeitos no chão. Se calhar estão desabituadas de tanta água da chuva.

Com as limas a mesma coisa mas caem intactas. Uso-as para fazer chá e para temperar em vez do limão. Gosto muito de limas, são sumarentas, cítricas e com um toque a canela.

O jardim está muito verde, viçoso, húmido, e todos os dias temos que ir à socapa inspeccionar a aparição de mais cogumelos. Rebentam e crescem de um dia para outro. Há-os brancos, pequenos, pé filamentar, alguns mal se vêem, parecem pintinhas brancas, mas também os há castanhos, grandes, gordos. E há uns muito dissimulados, espessos como madeira, colados aos troncos. Temos sempre medo que o cãobeludo lhes chame um figo e não fazemos ideia do efeito que produziriam.

E hoje à tarde finalmente pusemos umas novas iluminações solares que, no outro dia, comprei. 

Uma é uma grinalda com bolas brancas de papel que, quando se iluminam, ficam com uma cor quente, bonita. A outra é um projector com sensor. E a terceira, a mais controversa, é uma fita daquelas que se ilumina em pontinhos corridos. 

O meu marido, se, em geral, tende a ter mente aberta, nestas coisas é assaz conservador. Conservador e minimalista. Isto de eu querer ter grinaldas ou fitas luminosas no jardim tira-o do sério. A mim não. Sou toda a favor de energias renováveis; e ter luzinhas que se acendem à noite depois de terem acumulado energia durante o dia parece-me muito bem. Acabei eu por colocar quase sozinha a grinalda e a fita pois ele teme que o jardim fique a dar-se ares de natal. Não gosta, é avesso a excessos, a pimpineirices, a gracinhas. Não gosta nada. Sobriedade é o seu nome do meio. Como não adoptei para mim nenhum dos seus nomes, sobriedade comigo não consta. Pelo menos, nestas coisas.

A grinalda ficou junto à vedação no terraço da cozinha. Assim há sempre luz. E acho que até fica com um ar bem bonito e acolhedor. O projector foi pacífico, ficou a apontar para a porta lateral e foi ele que o pôs.  O que deu luta mais a sério foi a fita das luzinhas. Quando comprei, pensei que fossem luzinhas brancas e só quando cheguei a casa é que, vendo a embalagem, fiquei na dúvida se não serão luzinhas às cores. Resolvi ir trocar. Ele disse que não era preciso, que se poriam pelo natal. Mas eu acho que não, se não é para trocar, vamos esperar pelo natal porquê? No corredor lateral que dá acesso ao jardim das traseiras, perto da porta do lado, achei que se poderia colocar no muro, entre floreiras suspensas. Creio que nem se vê da rua. Nem assim ele queria pôr. Pus eu. Consideremos que está ali a título experimental. Se se vir da rua e for feio, retiro e logo se vê. Mas agora quero ver como fica. As outras, entretanto, já estão acesas. Presumo que o botão da fita não ficou ligado. Amanhã tratarei disso.

Tenho ainda a reportar que enquanto dava atenção ao francês que a minha menina linda estava a praticar, o mais novo foi para o meu computador. Disse que ia jogar ou ver vídeos. Deixei, claro. Passado um bocado vi-o a teclar furiosamente. Perguntei o que estava a fazer. A irmã disse: 'está a ver se descobre o teu código de acesso'. Fui ver. O teclado bloqueado. Tanto para mexeu e carregou que o teclado bloqueou, não tugia nem mugia. E foi ela, sozinha, que resolveu tudo. Apenas fui solicitada para escrever a password de desbloqueio de ecrã no teclado virtual que ela invocou, indo depois às definições de teclado.

Gera-se sempre uma tal dinâmica que cada um chama e mexe para seu lado. Quando damos por ela já fizeram das suas. O meu marido diz: deixa-los mexer em tudo, fazem o que querem, por isso não te admires. O mais novo, então, é exímio em deixar-nos às escuras. Já por duas vezes nos deixou sem conseguir ver televisão tal a jardinagem que fez nos comandos da box ou da televisão.

Em contrapartida, a irmã está cada vez mais decidida: ela põe a mesa, ela serve os pratos, ela arranja a comida ao irmão mais novo e, no fim, quer ser ela a lavar a louça. E lava tudo com rapidez e perícia, mesmo tachos e frigideiras. E acelera-me para eu ir limpando e arrumando ao ritmo a que ela lava. Ao lanche também quis ser ela a tratar de tudo e, quando resolveram querer ovos mexidos, quis ser ela a fazê-los. Batidos com água, conforme aprendeu com o pai.

Pelo meio, houve pinturas de halloween e não apenas fui a pintora como eu própria acabei com cara de bruxa. Os trabalhos de casa que eram para ser feitos e o estudo que era para ter acontecido ficaram um pouco comprometidos, claro. Não consigo arranjar determinação para os forçar ao que quer que seja. Já dei para esse peditório. Agora é a vez dos pais deles.

E este domingo de manhã, aproveitando a aberta do bom tempo, fomos passear e apanhar sol para a beira-mar com a minha mãe. Muita gente, muita vida. As pessoas começam a curtir o ar livre. Adoro isso. E a minha mãe, toda jovem e fresca, lesta na passada, conversadora e animada, também gosta.

Há bocado, ao fim da tarde, já hora nova, fui para o terraço onde habitualmente nos juntamos para tomar as refeições ao ar livre ou conversar. Fui ver anoitecer, ver as luzinhas solares (que ali estão desde o verão e que, na altura, também deram bastante luta) começarem a iluminar o espaço. Estava sozinha com o computador a ver se via o The Good Doctor. Mas distraí-me e não vi. Fiquei-me pela contemplação do momento. Um pássaro passou por ali. Silêncio. Anoiteceu. Soube-me tão bem estar ali, uma tranquilidade total. Pensei que me sinto bem, que os meus se sentem bem -- e que não peço muito mais que isso. Pensei também que, se um dia me der para tentar meditar, naquele momento em que é suposto pensarmos em situações ou lugares aprazíveis, vou pensar em instantes assim, instantes de serenidade e paz.


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Tenho pena que o vídeo abaixo não tenha legendas em português. A experiência de vida de Lize Venter é impressionante e um exemplo. Depois de uma infância marcada por um sofrimento obscuro, violada por um irmão mais velho, eis que agora consegue o apaziguamento que lhe permite ter o coração feliz. Muito bonito.

Secret to a happy heart - Finding Wonderland

Trigger Warning - This film contains reference to sexual abuse, which may be triggering for some viewers.  If you have been affected by a similar issue and you need someone to talk to, please reach out to an organisation or individual near you for help.  Take care.

“The secret is to surround yourself with people who make your heart smile. It’s then, only then, that you’ll find Wonderland”

Our relationships teach us about so much more than the hearts of the ones we love - they teach us about ourselves.  Relationships show us how to love and be loved, as well as who we want to be in life and who we don't. 

Surround yourself with those who bring out the best in you. The ones who not only want to see you smile but also try to make you smile when you’re down. The ones who try to make your day brighter. The ones who know your value and your worth and remind you of it. The ones who help you bloom.

And have the courage to be a good friend to those who choose you.


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Nesta noite de eleições brasileiras, as imagens são pinturas de Tarsila do Amaral e vêm ao som de Choro N° 1 (Heitor Villa-Lobos) pelas mãos de Turibio Santos

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Nota: Obviamente ficaria angustiada, desgostosa e preocupada se ganhasse o troglodita do Bolsonaro. É um Trump em versão ainda mais abestalhada e ainda mais ignorantão. Uma calamidade para o Brasil e para a humanidade. Foi, pois, com alívio que vi que foi derrotado. Que não volte. Que não faça estragos nem alimente ódios agora que se foi.

Mas tenho que ser sincera: não fico especialmente feliz com a vitória de Lula. Acho que o Brasil mereceria melhor. Não percebo como um país tão grande, tão incrível e diverso como o Brasil não consegue melhor do que um Lula para se posicionar contra o obscurantismo populista, violento, grosseiro e perigoso de um Bolsonaro. 

Mas, enfim, é o que é. 

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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Serenidade. Felicidade. Paz.

sexta-feira, junho 26, 2020

Quase tão bom como o guru...? Ou quase a conseguir ultrapassar o guru...?
Venha o diabo e decida.


Vê-se e mal se acredita. Aliás, só se acredita porque se tem assistido à trajectória tendo-se chegado já àquele ponto em que se admite que tudo é possível. 

"Queria aproveitar o Gilson aqui. Sei que muitos programas de rádio tocam a 'Ave Maria' a esta hora. Queria então prestar uma homenagem a todos os que se foram vítimas do coronavírus e pedir para o Gilson tocar a 'Ave Maria'", disse o chefe de Estado. 
Com os 1.141 mortos registados nas últimas 24 horas, o Brasil totaliza agora 54.971 vítimas mortais devido à covid-19, segundo o Ministério da Saúde do país. Em relação ao número de infetados, o Brasil contabilizou 39.483 novos casos, num total de 1.228.114 pessoas diagnosticadas com o novo coronavírus.


terça-feira, maio 26, 2020

Plantananã -- ainda sobre a tal reunião ministerial, tudo o que há a dizer


Nestes dias bons, quentes e alegres, não tenho conseguido ver noticiários. Às oito é hora de banhos, de pôr a mesa, de janta. A minha filha diz que os meninos são o meu consolo. Comem de dar gosto e eu gosto de mesa farta e de quem saiba apreciar o meu tempero e coma com vontade, sem ser de biquinho. Gostam da comida, têm um apetite de lobos, gostam de estar à mesa a descobrir sabores. O ar do campo dá-lhes boas cores, dá-lhes robustez, energia para dar e vender. Dá gosto. Faço tachadas de comida, uso os maiores tachos, penso que estou a fazer a dobrar. No fim, sobra coisa de nada. 

Depois da cozinha arrumada, assentamos arraiais na sala da televisão, os meninos têm uma bocado licenciado para jogarem aquele jogo de que agora não me lembro o nome ou verem o Friends, série que descobriram e adoram, e nós papamos a nossa dose de Grace and Frankie. Quanto levantam a tenda para debandarem para o estúdio -- os meninos sempre pedindo para ficarem mais um bocadinho, que não têm sono, e a gente a ver-lhes o olho gordo, pálpebra já com vontade de cama, o sono já instalado, rostinhos rosados e fofos como bebés bem nutridos -- eu pego no computador e o meu marido começa a fazer zapping. Um pouco depois estamos os dois perdidos de sono. Por vezes tentamos a RTP 3 mas aparecem umas múmias comentadeiras e debandamos como se víssemos assombração. No nosso mundo actual já não entra gente que vende comentário a metro e diz treta reprocessada. No nosso mundo há é céu limpo e muito estrelado, bicho andando em liberdade, canto de pássaro a toda a hora, pé descalço sobre a caruma, sombra de figueira, orégãos ficando floridos. 

Portanto, se eu quiser falar de notícia eu não sei. Apanho, atrasadas, algumas que já deram muitas voltas ao mundo.

Uma é aquela de um grupo de bandoleiros, chifrudos, macacos irracionais, trapaceiros, iletrados, gente sem eira nem beira sentados a fingirem que são ministros.

Ao meio do bando desclassificado, o pior de todos, um burro cagão, papalvo de meter nojo, sabujo e ordinário, bronco, palerma de dar dó.

Vi e ouvi e fiquei na mesma, sentada em cima da minha indiferença. Gente burra elegeu o mais burro de todos. Tenho pena é dos outros, dos que até devem ter vergonha de pôr o pé fora de porta e haver quem veja que são brasileiros, povo que tem dentro de si um little povãozinho que elegeu um lorpa sem explicação.

Resolvi, portanto, que não era tema com que interrompesse o meu sono. Mas hoje, os brothers da Porta dos Fundos, essa turminha maneira, convenceram-me. 

Aqui vai. Com vossa licencinha, o Plantananã. Bom demais.



As imagens animadas, ali em cima, são de outras ocasiões em que o Jair também mostrou que é bom a valer. 

Chiça.

quinta-feira, abril 09, 2020

Quarentena com a Dona Helena -- como fazer Cloroquina em casa


Nestes dias de quarentena, teletrabalho puro e duro desenvolvido em regime de confinamento, pouco tempo sobra para a informação séria. 

Sempre que consigo espreito essa coisa do Lancet ou o tal de John Hopkins e outro de que agora, dado o adiantado da hora, não lembro o nome. Coisa sofisticated, super fashion. Quem quer estar in tem que seguir. Quando sobra disposição, dou um alôzinho a sites mais simplinhos, o WHO ou a secção do corona da DGS, saitinho ainda mais caseirinho.

Contudo, aqui o confesso: tudo coisa muito prosa, Darwin para escambau, coisa e tal de dna's e outras frescuras que não estão com nada, bobeira de gente desocupada. Inspiração da boa eu colheria nas reportagens do Bolsonaro ou do Trump que esses aí fiam-se na virgem, são crentes dos bons, não correm nem nada, que macho que é macho, para além de tomate coração-de-boi mas em negro, tem coragem para enfrentar o merdinhas, não foge a esconder-se em casa, não põe trapinho na cara e, se tiver que pôr para não dizerem que não liga, põe-no é no queixo ou na testa, mostra que não tem medo que o corona entre pela boca, porque se o cara tentar morre logo é estraçalhado à dentada.

Mas, hélas, o teletrabalho invade o meu ser, toma conta do meu tempo e, infelizmente, não tenho disponibilidade para me informar nem para me inspirar. Por isso, raciono. Raciono muito, por estes dias. Cinjo-me ao que realmente importa. Mezinha. Dica. Diz-que-diz-que. Não vou em qualquer cantiga. Selecciono as boas fontes, ouço com atenção as que que se vê à légua que sabem do que falam. Sou fã de guru.

Dona Helena é uma das que sigo religiosamente. Um dia esculpo uma imagem dela aqui num tronco, mando o meu marido benzer e ponho num altar com velinha de sebo a alumiar. Dona Helena promovida a Santa Helena. (Mas escondo não vá algum napoleão vir isolar-se para aqui. Era o que me faltava, o mal de estômago ainda se lhe pegava à barriga e me esgotava o stock de papel hisgiénico. Era o que faltava.)

Bem, dizia eu de que.

Dona Helena, que está de quarentena, faz uns vídeos para a família a que eu consigo acesso, não perguntem como. Fá-los de noite, escondida na cisterna, às escuras que é para o bicho não a pegar. Faz bem. Toda a gente devia seguir o exemplo. Mas isto há gente que não tem tino, que mal faz sol vai fingir de atleta para o paredão, vai ao shopping da feira de Matosinhos, foge para festejar a Páscoa no Algarve. Coisa assim, coisa de quem não tem noção. Gente sem noção é coisa que não se atura.

Ponho, então, aqui, o vídeo da Dona Helena para vosselências verem com os vossos próprios olhos. Eu sigo os conselhos todos dela, todos. Este aqui, hoje, é dos bons. Sabem aquela coisa que o Trump anunciou faz tempo que cura? A cloroquina? O Trump e o seu devoto Jair, bem entendido. Dona Helena sabe como se faz e ensina. Se houver ingredientes que vosselências não tenham -- eu não tenho alguns -- podem trocar. Eu já fiz a minha poção com ingredientes daqui mesmo e já provei. sabe bem e faz bem. Sinto-me até trinta anos mais nova. Posso ensinar:
Duas gotas de hipoclorito com cheirinho (o hipoclorito é da família do cloro e vende-se em garrafão e garrafinnha), uma colher de café de sal refinado, uma colher de chá de açúcar mascavado, uma colher de sopa de óleo de benzedura, uma gota de mata-piolhos, dois olhos de boga esmagados, três teias de aranha (mas sem mosca lá presa), uma colher de sopa de licor beirão (eu já tinha falado nisto), uma colher de sopa de enxúndia de perua e uma colher de sopa de banha de porco. Coloca-se num cadinho sobre lamparina e mexe-se com pata de galinha, mas pata sem unha arranjada, até tudo se derreter e misturar. Depois de arrefecer e coalhar, separa-se em pequenas doses. Coisa homeopática, que é como a ciência é mais eficaz. A seguir deve fazer-se dez vezes o sinal da cruz em cima para fechar. É melhor guardar em lugar fresco, cada dose em papel de prata, coisa parecida com Dom Rodrigo mas em versão farmacêutica na base do 3D, coisa fina.
Todos os dias, antes do pequeno almoço, depois de dar três voltas de joelhos em redor da casa e de levantar os braços ao céu gritando aleluia, logo seguido de cinco valentes cabeçadas no chão, deixa-se derreter lentamente na boca uma porção de mezinha anti-corona. 

Com este tratamento não há merdinhas que entre no corpo da gente.

Agora vocês vejam a receita de Dona Helena e vejam com que ingredientes melhor se identificam, se com os dela se com os da vossa vovó UJM. No efeito são equivalentes, isso garanto.

Já registei patente e até já tenho o Trump a querer comprar-me mas eu não estou à venda, ora essa.



Vou

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E um dia bom também para vocês. Saúde.

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Fui

sábado, agosto 31, 2019

Uma realidade de que não se fala





Há não muito tempo o The Guardian contava How self-love got out of control interrogando-se sobre se o narcisismo seria o novo normal.

Vi uma conferência na qual a oradora revelava o crescente aumento do número de narcisistas na sociedade [Managing A Narcissist: Ann Barnes]. As razões serão muitas, desde o enfraquecimento da disciplina parental, passando pelo crescente isolamento pessoal até ao uso cada vez mais intensivo das redes sociais que acarreta uma permanente necessidade de aprovação e reconhecimento. 

Referia ela um estudo levado a cabo ao longo de trinta anos junto de estudantes. No início, nos anos 80, cerca de 30% da população estudada era narcisística e 70% empática. Cerca de 30 anos depois, em tempos já recentes, o que se verificou foi exactamente o oposto, apenas 30 % revelavam traços gerais de empatia. E isto é tanto mais preocupante quanto, a manter-se esta tendência, daqui por uns anos viveremos tempos complicados, com uma população cada vez mais narcisísica e menos empática. O que se tem visto a nível sindical já o demonstra bem: classes profissionais que exigem tratamento de excepção, custe o que custar junto de quem for, seja sacrificando doentes, seja prejudicando um país inteiro. Cada um acha-se com direito a tratamento privilegiado porque se acha o mais imprescindível, o mais importante de todos -- ou isso ou porque, simplesmente, se está nas tintas para os outros. 

Narcissists are everywhere — 
but they may not be the people you think they are
in The Washington Post


Claro que nem todos os narcisistas são iguais.

Segundo aprendi, estima-se que 1% da população seja composto por narcisistas psicóticos. São casos geralmente graves -- e nem vou deter-me na frieza com que alguns narcisistas criminosos agem, achando-se com direito a tudo fazerem sem quererem saber do mal que causam.

Depois há o grupo dos narcisistas extremos, cerca de 6 a 10% da população que, não sendo patológicos, são tóxicos, extramente tóxicos. A oradora compara-os a uma hera venenosa e diz que devem ser deixados sozinhos e 'untouched'. São também um perigo porque dissimulam a sua personalidade e manipulam os sentimentos e a mente dos que lhes estão próximos.

Há depois os outros, a maioria, os que são sobretudo uns maçadores, uns chatos, uns auto-centrados, com dificuldade numa boa integração, sempre propensos um clima de conflitualidade, a intrigas, uns passa-culpas, ou, então, uns eternos adolescentes, com aspirações pessoais que se sobrepõem geralmente às da equipa em que deveriam sentir-se inseridos.  Em ambiente profissional ainda se conseguirá fazer alguma coisa deste grande grupo de narcisistas moderados mas não é do melhor que se pode ter como colega de trabalho ou como amigo.

O problema sério reside, pois, no 1% de narcisistas pscicopatas e nos 6 a 10% de narcisistas tóxicos,

E se a nível pessoal, lidar com um narcisista pode desgastar e, mesmo, anular a personalidade de quem lhe está mais próximo (e, talvez por isso, os especialistas se refiram a essas pessoas como 'vítimas de abuso narcisista'), a nível social é um factor de corrosão que pode pôr em risco os fundamentos da democracia.

Tem-se visto o que tem sido não apenas a nível sindical mas também a nível político em que narcisistas doentios têm manipulado emocionalmente os eleitores, conseguindo fazer-se eleger e, uma vez lá, tem sido o fartote  que se tem visto um pouco por todo o lado (Trump, Bolsonaro, Boris, Salvini, etc). Dizem e fazem o que lhes dá na gana porque se acham os maiores, com direito a tudo -- e que se lixem os que não gostam deles, que se lixe o país, que se lixe o mundo.

Pessoas narcísicas encontram terreno fértil junto de pessoas carentes, pessoas que sentem sempre necessidade de apoio, que acreditam que, com eles, se sentirão mais seguras, melhor acompanhadas. 

Segundo li, os narcisístas são muitas vezes suportados por codependentes, pessoas que, justamente, temem ser rejeitadas e que fazem de tudo para se sentirem amadas, protegidas, apoiadas, acompanhadas.
Não sou especialista pelo que o que vou dizer é mera conjectura mas talvez seja essa a razão para que exactamente os sectores mais vulneráveis da sociedade sejam os que mais apoiam os narcisistas, acreditando em tudo o que dizem, votando neles, defendendo-os, até com violência, contra todas as evidências.
O vídeo que abaixo partilho é muito interessante e, apesar de ter a duração de dezassete minutos, vê-se de bom gosto. Foca muito as relações interpessoais e a forma de actuarem das pessoas com estas características. Não são apenas os especialistas na área que têm a palavra: são também as vítimas e é também um exemplar dessa espécie com a qual a sociedade tem sido condescendente ao ponto de os ver multiplicar-se na maior impunidade, alastrando como uma erva daninha.

Narcissistic Abuse: An Unspoken Reality



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E queiram aceitar o meu convite e ver como o fantástico Randy Rainbow lida com o mais estuporado narcisista da actualidade, o Cheeto Christ Stupid-Czar

terça-feira, agosto 13, 2019

O que pretende Pedro Pardal Henriques?
Lançar a confusão no País? Abrir espaço à limitação dos direitos dos trabalhadores?
Ou isto não passa de rampa de lançamento para ir armar confusão na campanha eleitoral? E, a seguir, na Assembleia da República?
Corremos o risco de, um dia destes, o termos a desgraçar e a envergonhar Portugal?
Pergunto.


O mal de gente assim é que não tem limites. O normal pudor e o respeito pela verdade com pessoas assim não existem. 

Trump todo contente e galhofeiro
enquanto a mulher pega ao colo um bebé orfão,
cujos pais foram assassinados no tiroteio de El Paso

Veja-se o Trump. Não têm conta as insensibilidades que pratica ou as mentiras que já disse desde que é Presidente. Diz mentiras absurdas. Logo a seguir a comunicação social prova que mentiu, o mundo inteiro troça. Mas ele, descarado, diz que as denúncias das suas mentiras são fake news. E as pessoas que o apoiam, apesar de ele ser racista, misógino, xenófofo e sobejamente ignorante, continuam a apoiá-lo, diga ele as barbaridades que disser.

É como o Bolsonaro. É tão básico, tão ignorante, diz coisas tão ridiculamente absurdas que quem o ouve e tem dois dedos de testa pasma. E, no entanto, em vez de perder 100% de apoio no dia seguinte, continua a ser apoiado. Quem votou nele perceberá agora em quem é que votou?


Apoiam esta gente as seitas que odeiam a democracia, a liberdade, a inteligência, a cultura, o direito à igualdade de oportunidades, seitas estas que assentam em interesses escusos, que sobrevivem à custa da corrupção e da exploração dos ignorantes, dos indefesos e dos medrosos que, regra geral, também os apoiam. Numa fase incipiente apoiam-nos ainda os partidos ditos de esquerda popular, pequenos partidos que alavacam o seu crescimento em conversa simpática, igualmente próxima do populismo, partidos sem um verdadeiro programa de governação e que são abstractamente do contra, em especial contra esse vago cadavre exquis composto por ricos e poderosos que serve para adubar qualquer discurso demagogo.

Toda esta gente sinistra chega onde chega com base num linguajar que toda a gente percebe, palavras simples, conversas básicas, com base em aldrabices ditas num mamar doce, como se defendessem os trabalhadores, como se fosse contra os políticos em geral, contra os ricos e poderosos, contra os bancos, como se estivessem ali para defender os pobres, ao lado dos explorados contra os corruptos e os compadrios. E a malta, cansada e de cabeça feita pela comunicação social, acredita e vai na conversa deles. A malta não vê que aquilo é conversa de tipo música para ouvidos ingénuos, não percebe que aquilo é pura demagogia, não vê que aquilo espremido vale zero. E não vê que, uma vez instalados, começam a nomear os filhos e os genros para toda a espécie de cargos mesmo que não tenham as competências mínimas e façam o mundo sofrer de vergonha alheia.

Ivanka, a filha de Trump, feita emplastro, a meter-se na conversa de gente que nem quer acreditar naquilo


Abaixo, Caetano Veloso perdido de riso com a entrevista, na Fox, ao filho de Bolsonaro (possível embaixador dos Estados Unidos que apresenta como credenciais o ter experiência de mundo e o ter fritado hamburgueres nos States)


E nem falo do Salvini, esse falso bon vivant que vai fazer comícios na praia, que (literalmente) dá música e que, com a mesma cara de pau, manda prender quem tenta ajudar os que estão à beira de naufragar. Matteo Salvini não descansará enquanto não estiver à frente de um governo de ultra-direita. E que, claro, está a contar com o apoio de Bannon.


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Vamos ver onde estará Pedro Pardal Henriques daqui por uns anos
(isto se estiver em liberdade, claro)

domingo, janeiro 06, 2019

As implacáveis Procuradoras: a Santa Mana Joana e a Manuela Boca Guedes
[E Marcelo e Bolsonaro e o tal da TVI que convidou um criminoso fascista e etc]





De passagem pela SIC vejo anúncio à Procuradora Manuela Moura Guedes. Espuma raiva. Acusa, condena, decreta penas. Implacável. Com ela não há inimigos que lhe escapem. Não precisa de provas nem de contraditório. Com ela é assim mesmo: chateaste-me, já dançaste. A cartilha lida, o destino traçado num piscar de olhos, num retorcer de boca.

Foi-se a Santa Mana Joana e ficou a Moura Guedes. Estava a vê-la e a pensar na implacável Santa Mana a quem também ninguém escapava. Só escapavam os que, lá de dentro, enviavam informação, gravações, vídeos e o que calhasse para o Correio da Manhã e Lixeiras associadas.

No pontificado da Santa Mana, muita gente tombou. Gente importante. Tombaram e todos nós assistimos ao seu tombo. Vimo-los humilhados. Era chegado o tempo de dar cabo dos corruptos. Lemos as transcrições, ouvimos as gravações, vimos imagens que comprovavam que eram culpados. Corruptos da pior espécie finalmente vergados. A Santa Mana até foi canonizada em vida, tantos os seus bons feitos: com ela não ia ficar pedra sobre pedra e pena era que não ficassem logo presos mal os investigadores lhes punham os olhos em cima.


Até que agora veio o desfecho de um caso, o dos Vistos Gold. Afinal quase todos inocentes, os processos sem ponta por onde se lhes pegasse. Entretanto, durante anos a vida destas pessoas devassada, a vida pessoal e profissional sacrificada. E por nada. Apenas porque a Santa Mana e a sua malta resolveram que sim. 

Arrependimento pelo que vão destruindo à sua passagem? Estou em crer que nenhuma. São implacáveis, estas duas Procuradoras. Estão bem uma para a outra. Com elas não há inocentes, só culpados, e ainda bem que elas estão atentas e são como são.

Um dia destes a Procuradora Boca Guedes voltará à política. E será bem sucedida. Todo o palco que a SIC lhe está a dar é uma boa rampa de lançamento. Haverá muita gente a achar que sem elas os corruptos continuariam à solta. Há que ter Procuradoras justiceiras e poderosas para que o mundo fique mais limpo. Se, pelo meio, destroem uns quantos inocentes, azarinho.


Entretanto, na TVI um tolo que não faço ideia quem seja resolveu levar um criminoso com ideias racistas e fascistas a divulgar as suas ideias. E há quem ache que isso é liberdade de expressão. Um dia destes, alguém dará mais um passo e convidará o criminoso a ter presença cativa num programa de televisão, que é um lugar bom para lançar na política os alarves, os boçais, os populistas. E, se for a votos, capaz de muita gente votar nele, não sabendo ou não querendo saber dos seus antecedentes, e achando que ele é dos bons, que diz as verdades, que é justiceiro, que é dos rijos.


E há também aquilo de Marcelo 'normalizar' o bronco e perigoso Bolsonaro, tratando-o como irmão e dando um passo maior de aproximação, convidando-o a visitar Portugal. Dadas as circunstâncias históricas e dadas as comunidades de portugueses lá e de brasileiros cá, que mantivesse um relacionamento diplomático discreto parecer-me-ia razoável -- mas que Marcelo não tenha arranjado uma forma diplomática de se demarcar das ideias anti-democratas de Bolsonaro deixa-me francamente incomodada.


Caminhamos sobre areias movediças. Há perigo rondando as nossas vidas e vem de onde menos se esperaria -- das instituições que deveriam zelar pelo cumprimento da lei e que, afinal, em puros exercícios de paranóia ou vingança dão cabo de muita gente, dos órgãos de comunicação social que promovem difamadores, demagogos, fascistas, de políticos que elegemos sem cuidar de escolher bem. A  qualquer momento um inocente pode ver a sua vida desgraçada sem nada de mal ter feito. As instituições democráticas são frágeis.

É obrigação de todos nós e das instituições que nos representam zelar activamente pela qualidade e sustentabilidade da democracia. E isso tem que começar a ser ensinado e praticado nas escolas, desde a infantil ao ensino superior (no dia em que isso acontecer, de certeza que praxes humilhantes acabam naturalmente -- só para dar um exemplo) e também é bom que comecem a existir, nas estações públicas, programas (criativos, interessantes) que ensinem e fomentem a cidadania livre, exigente, democrática. E é bom que os deputados se debrucem sobre todos estes riscos e engendrem formas de os evitar ou, pelo menos, mitigar.


É que uma coisa é certa: não podemos estar à mercê de Procuradoras como a Guedes ou a Vidal e é bom que por aí, em lugares de influência, não esteja gente estúpida, ávida de protagonismo ou ignorantes que abram a porta às serpentes que devoram a democracia. Nem devemos pôr-nos a jeito para que haja alguma vez o risco de virmos a ter por cá um anormal como o Bolsonaro ou o Trump. É essencial que nós, os inocentes, possamos viver uma vida descansada e que o país em que vivemos não seja um lugar perigoso.

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As imagens mostram trabalhos de James Turrell.

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E agora, caso ainda não estejam ao corrente, queiram ver a minha resposta muito a sério ao Anónimo e Meio. É já a seguir pelo que queiram descer um pouco mais.

segunda-feira, outubro 29, 2018

Jair é massa, inda bem que ganhou ele
Papo entre Irís e Duca que também votaram em Bolsonaro




Irís sobe, sacola ao ombro, nails em pink com estrelinhas douradas. Diz à amiga que a acompanha que o ónibus vai cada vez mais cheio. A amiga sorri e diz: 'Cada gringo mais lindo que o outro'. Irís olha, apreciadora, e diz que sim, que dá gosto ver.

Duca abre a bolsa, tira o espelho pequeno, tira o lápis azul e ajeita a sombra que a deixa com um olhar cor de céu. Morena de dar gosto mas com cabelo tingido de louro, gosta de sombrear a pálpebra com um céu limpo. Traz boné de feltro vermelho a puxar ao tom do lábio e toda ela se sente gostosa.

Irís faz o mesmo, tira o espelhinho e o gloss da sacola, reforça o pink dos lábios. Olham uma para a outra com ar aprovador. Bonitas, produzidas. Se têm canseira lá dentro, por fora não se nota é nada. As más línguas diriam que são duas piriguetes de se lhes tirar o chapéu e elas não estariam nem aí.

Depois da beleza posta em ordem, Duca comenta: 'Morreu o caçula de Pedrinho. Sabia? Mataram ele.' Tom indiferente. Íris também tem indiferença na voz: 'Foi, não foi? Minha tia já tinha me contado. O meu primo no outro dia escapou por pouco, sabia? Tiraram tudo. Bateram nele, ficou de dar dó. Fez selfie e me mandou. De dar dó, amiga, todo amassado'. Depois encolheram os ombros. Assunto banal.

Duca lembrou: 'Não perguntei. Tá contente lá na loja nova, Iry?'. Íris voltou a encolher os ombros. 'Muita sujeira, muita desarrumação. Primeiro que fique limpo... nem queira saber. Mas a grana é boa. Dá pra mandar para Lindinha se vestir, para Tiquinho ter livro pra escola. E ainda sobra. É bom. Na loja à noite, nos advogados logo pla manhã, na pizzaria ao almoço. Dá pra tirar uma boa grana. Ainda ontem fui na Primark e me aviei, nem queira saber, olhe este top veio de lá, não é lindo?'

Duca diz: 'Lindo, mesmo. Olha, nem sei como não te vi lá. Também fui ontem, tá com coisas lindas de morrer, a nova colecção tá de mais, a gente se tenta mesmo, não é, não?'.

E sorriem, felizes.

Duca continuou: 'Já mandei minha mãe vir. E pode trazer meu mano piqueno. Arranjo trabalho pra ela, escola pró caçula e casa pra todos. Aqui é bom. Tá ficando caro, a turistada faz subir o preço da casa, mas a gente se vira, né? Tenho medo que um dia alguma bandidagem leve algum deles lá. Não descanso enquanto não tiverem cá comigo. Mas me desdobro, amiga, me desdobro. Chego à noite toda derreada, nem sabe. Mas vale a pena.'

Íris não diz nada. Sabe que Duca trabalha nas limpezas de manhã mas faz programa à tarde e à noite. Também ela já foi sondada pra fazer. Mas não quer. Acha que não ia conseguir. Tem medo de ser maltratada, de encontrar cliente bruto que faça doer, que não seja lavado, que tenha mão pesada, com pouco carinho. Sente admiração por Duca. Sempre foi corajosa, sabe se fazer valer, saberá se defender se for preciso. 

Duca sabe que Íris sabe mas não fala disso, falar pra quê?, nada pra dizer, melhor assim. Cada uma vira como se pode. E, depois, tanta coisa pra trás -- bem pior antes, lá longe, em casa, tanta necessidade, tanta maldade, tanta coisa má que nem é bom lembrar. 

Duca desvia, pois, a conversa: 'Olha, Íry, que diz da vitória de Bolsó?'. Íris diz: 'Não sei dizer nada, não, amiga. Não sei nada de política, não. Votei nele porque não é político. E li no Face coisas dos outros, muita malandragem a dos outros, não sei te dizer o quê que não ligo pra isso, só digo o que ouço. Sei é que Jair diz que é de família, que com ele malandragem não tá é com nada, que vai acabar com bandidagem. Ele é massa, viu?'

Duca confirma: 'Também eu, amiga, também escolhi ele. É massa mesmo. Lá na igreja apoiam ele, diz que é do bem, diz que vai pra lá pra defender o povo da bandidagem, que com ele bandido vai é na bala. O pastor lá diz que Jair tem o voto de deus. A ver se é desta, né amiga?, que a gente vai ter alguém do bem pra olhar pra nós, né mesmo?'.

Íris diz que sim, que tá contente. Depois pensa, mas não diz nada, que o broder mais velho de Duca é gay e que Jair diz que não quer nada com bicha. Melhor nem lembrar isso pra Duca -- pra quê preocupar ela, coitada? -- até porque Jair tem tanto bandido, comuna e negão para dar conta que deve deixar bicha pró fim.


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A história que acabei de escrever poderia muito bem ser mais uma das historinhas do halloween que tenho vindo a escrever (a saber: a da advogada, a do olho e a do gato). Mas não. Esta é de terror a sério.