Sabem os meus Leitores que não sou dada aos mundos do futebol e que os seus ases a mim pouco me dizem. Não me lembro de os ver ou ter visto em acção, não presto atenção às suas movimentações entre clubes, não sei quais os seus pontos fortes e fracos.
Apenas os distingo pela sua beleza ou aparência de virilidade. Já aqui falei do Zidane, do Bruno Alves: gosto de os ver (gosto ou gostava porque um acho que já não joga e outro anda por fora).

Mas, é claro, sei bem quem foi o Eusébio, a fabulosa Pantera Negra, e sei bem como é uma figura em torno da qual se ergue a unanimidade dos portugueses. Ou seja, sei que é um símbolo nacional.
Ora, o que me interrogo hoje - quando as televisões parecem não ter outro assunto, uma coisa obsessiva, doentia, e toda a gente recorda quando o viu, quando falou com ele, e tudo o mais que, nestes coros de RIP, sempre se diz - é o porquê de tudo isto.
Claro que o futebol mexe com as emoções das pessoas e é também claro que as pessoas, hoje em dia, se sentem carentes, órfãs (talvez porque a segurança que atribuíam ao Estado tem vindo a ruir) - e isso, só por si, talvez possa explicar o ataque quase apopléctico de emoção colectiva que as televisões parece quererem estimular.
Mas o que me parece que também acontece com o Eusébio é que foi alguém que personifica a fidelidade absoluta a um clube, a um ideal, um símbolo de dedicação total a uma causa - coisas raras nos tempos de globalização e futilidade que vivemos.
Que eu saiba, Eusébio sempre jogou no Benfica e, até ao fim, vimo-lo associado ao Benfica e ao futebol português. Do que eu sei, apesar da sua grande qualidade, não se vendeu, não se deixou mercantilizar. É certo que, nos seus tempos áureos, talvez não houvesse este mercado activo que hoje cerca os futebolistas.
Mas, seja como for, sempre o vimos a acompanhar os jogos do Benfica e os da Selecção. Uma presença simpática e dedicada, uma vida inteira a acarinhar os seus.
(Já o mesmo tinha acontecido com Amália que se manteve fadista e artista portuguesa, a viver em Portugal, até ao fim e que, quando partiu, desencadeou também uma comoção generalizada.)
Revêem-se em quê, em quem? Os jogadores chegam de outros clubes, outros são emprestados, outros são vendidos e ora jogam num clube, ora no clube rival, ora partem para outros países, ora regressam quando são mais velhos para outros clubes que não aqueles de onde partiram.
Há uma mercenarização que a mim me incomoda.
Parece que esta gente do futebol vive alienada das suas raízes e que não conhecem outros valores que não os do dinheiro.
O mundo do futebol, não fora as verbas milionárias envolvidas, parecer-me-ia um mundo de negreiros e escravos. Não me agrada nada. Devo até dizer que me causa um certo asco.
Os jogadores são autêntica carne para canhão, fazedores de dinheiro, proporcionadores de comissões, alimentadores de franchisings, embaixadores de marcas comerciais. Têm agentes que os conduzem ao longo desse percurso apátrida e, pelo meio, vão jogando futebol, ora aqui, ora ali.
Os jogadores são autêntica carne para canhão, fazedores de dinheiro, proporcionadores de comissões, alimentadores de franchisings, embaixadores de marcas comerciais. Têm agentes que os conduzem ao longo desse percurso apátrida e, pelo meio, vão jogando futebol, ora aqui, ora ali.
Além do mais, saber que os grandes clubes - que compram e vendem jogadores por milhões - são, depois, grandes devedores ao fisco e que, enquanto um qualquer zé ninguém, se não paga uns tostões de impostos, vê a sua vida devassada e o seu ordenado penhorado, os clubes são contemplados com perdões fiscais, revolta-me.
E o que há que reconhecer é que Eusébio, que eu saiba, nunca se deixou envolver em esquemas, em jogadas, em manobras, em compromissos espúrios. E nisso, concordo, é o símbolo de um futebol-desporto que já não existe e do qual, talvez sem o perceberem, as pessoas sintam saudades.
De resto, custa-me ver como as pessoas mais depressa se mobilizam para chorar os que morrem do que para lutarem pelos que vivem - mas isto é bem capaz de fazer parte da idiossincrasia lusitana.
Ou seja, hoje, para além do que resulta da manipulação da psicologia de massas (as televisões dão ininterruptamente testemunhos, choros, recordações, imagens de pessoas que vão deixar flores, cachecóis - um exagero), penso eu que, nesta manifestação colectiva de pesar pela morte de Eusébio, há muito de reconhecimento por essa pureza de princípios, pela singeleza, pela lealdade a uma causa, a uma casa.
De resto, custa-me ver como as pessoas mais depressa se mobilizam para chorar os que morrem do que para lutarem pelos que vivem - mas isto é bem capaz de fazer parte da idiossincrasia lusitana.
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