Estamos em território minado em que ninguém divulga documento nenhum sem que, primeiro, os advogados o mire à lupa, com mil olhos.
Sabemos que o tema da responsabilidade civil* e as respectivas consequências é o que agora estará a envolver todos intervenientes, e, quando falo em envolver, é isso mesmo: há que ter mil cuidados, pois qualquer ponta que se deixe solta será usada pelas seguradoras, pelos advogados das partes envolvidas, pela comunicação social, pelos partidos, para triturar impiedosamente o primeiro que se deixe apanhar 'a jeito'. É, pois, a altura de mitigar os efeitos dos danos de toda a ordem, nomeadamente os financeiros, os reputacionais, os políticos. Claro que em background estará sempre o drama dos mortos, dos acidentados. Mas isso já aconteceu. Já não há nada a fazer. Portanto, isso estará presente, claro que sim, mas em background. Quem não está habituado a isto, dirá que há muito cinismo, muita hipocrisia nisto. Talvez, sim. Mas não sei se é isso ou se é o instinto de sobrevivência dos intervenientes. Sei bem o stress que, em situações deste tipo (e nunca passei por nenhuma tão grave, nem nada que se pareça), costuma existir sobre todos: reuniões e mais reuniões, com os circuitos todos da gestão de risco a serem seguidos ferreamente.
Quanto ao relatório sobre o que aconteceu, mais do que saber que foi o cabo solto ou a ineficiência dos freios, é importante detectar a verdadeira causa-raiz que levou a que isso acontecesse. Seja o que for, da minha experiência, o que me parece óbvio é o seguinte: por muito que o relatório preliminar seja prudente e tente dar a entender que o que se passou foi uma fatalidade, pois os procedimentos de manutenção foram todos rigorosamente cumpridos e o condutor agiu como devia, uma coisa é certa: em acidentes desta natureza não há fatalidades -- há, sim, uma ou mais ocorrências como, por exemplo, desgaste dos materiais que não foi devidamente acautelado, falta de adequação dos materiais ou dos sistemas às funções, falta de manutenção com a profundidade, a tecnicidade ou a periodicidade devida, ou a não substituição atempada de peças, equipamentos ou sistemas. E um ou vários desses aspectos serão a causa directa. E é preciso identificá-los.
Mas depois há as segundas derivadas: ou seja, porque é que isso aconteceu? Sub-orçamentação, inexperiência ou inaptidão dos técnicos (quer os da Carris que fizeram o caderno de encargos ou que monitorizam a execução do contrato quer os da empresa externa que efectua o serviço), inadequação organizativa (quem monitoriza ou quem decide sobre falhas ou decisões a tomar), inaptidão da gestão da Carris?
Numa perspectiva séria, para apurar todas as razões (e não para alimentar o espectáculo da comunicação social mas, sim, para evitar que voltem a acontecer acidentes desta gravidade), haveria uma comissão de gente séria, experiente e objectiva, a varrer todas estas vertentes.
Não podem ser totós que embarquem em banalidades, que não vão ao fundo da questão, tem que ser gente que saiba desmontar os argumentos, que saiba pesquisar, averiguar:
- Faz sentido manter aqueles elevadores, lindos, com aqueles materiais, com aquela tecnologia, ainda estarem em funções? Não seria mais seguro haver réplicas perfeitas mas robustas, tecnologicamente modernas, seguras, monitorizáveis e controláveis?
- Faz sentido os serviços de Manutenção continuarem externalizadas? Em caso afirmativo, quem define os moldes em que é executada, quais as fronteiras de responsabilidade entre os serviços internos e os externos (por exemplo, quem assegura os serviços de Oficina, a gestão de peças, quem efectua inspecções periódicas, quem assegura a transmissão de conhecimentos e a formação dos técnicos)?
- etc...
E isto de que tenho falado é uma vertente. Mas há outra: não nos esqueçamos, uma empresa tem accionistas que nomeiam a administração e é a administração que leva ao terreno as orientações que recebe. É o accionista que aprova as linhas estratégicas, os orçamentos, as grandes decisões programáticas. No caso, o accionista é a Câmara de Lisboa. E quem está à frente da Câmara de Lisboa não é uma dinastia ou uma família: são pessoas eleitas, são políticos. Logo, antes de qualquer outra responsabilidade, há a de carácter político.
Carlos Moedas não pode esconder-se atrás das saias do falecido Papa, não pode encostar-se a Marcelo ou a Montenegro nem pode continuar a andar a correr atrás da comunicação social para se gabar de tudo o que mexe ou não mexe. Carlos Moeda, por uma vez, tem que se portar como um homenzinho. A menos que não saiba o que isso é.
* Num comentário abaixo, que agradeço, levanta-se a possibilidade de vir a haver também uma questão criminal. Não a referi por admitir que esse caminho não será trilhado pois, a haver responsabilidades dessa natureza, elas provavelmente seriam de tal forma partilhadas que não se chegaria a lado algum. Mas, de facto, nunca se sabe. Estou a lembrar-me de um caso que não tem a ver com acidentes ferroviários ou afins mas com saúde pública e o tema foi aí parar, com muitos dos responsáveis da empresa envolvida sentados no banco dos réus. Portanto...
Tenho cá os meninos em casa em regime de pernoita e, em dias assim, tenho dificuldade em mudar o chip para falar de coisas sérias.
Antes de se ir deitar, o meu marido deixou-me várias sugestões para o que eu poderia abordar no que fosse escrever no blog. Concordei e disse que sim, que o faria. Simplesmente, as minhas mãos estão com dificuldade em falar de concursos públicos, em externalizações, em planos de manutenção, em escassez de mão obra especializada, em gestores políticos de meia tigela.
É que, tal como ele, também eu posso falar destes assuntos, não do caso do Elevador da Glória em particular, que não conheço, mas destes temas em geral. Mas, para eu falar disto, porque só consigo falar com seriedade e rigor, teria que me alongar. E a esta hora, com os meninos a dormirem nos quartos ao fim do corredor, não sei se consigo forçar as minhas mãos a temas sérios quando só me apetece falar da graça das crianças, do menino que chegou a casa, do treino, já às dez da noite, e, depois, ainda foi tomar banho e, depois, jantar, para pouco depois ter que ir dormir pois este sábado tem que estar a pé cedo já que tem reunião e treino antes das dez da manhã, ou do mais novo, arisco, que me deixa abraçá-lo e dar beijinhos, revelando ser um falso arisco, ou a menina, mais alta que eu, já não criança mas uma bela adolescente, que veio carregada com uma valise dentro da qual se encontram dois necessaires, um com produtos para o cabelo, outro com maquilhagens, sempre toda decidida, toda organizada, e que me faz recordar-me de mim com a idade dela.
Por isso, como conseguir fazer a agulha para os temas que estão na ordem do dia e que, de uma maneira ou de outra, farão parte da causa-raiz da tragédia?
Bem.
Vou tentar.
Mas vou ver se abrevio.
Externalizar?
Sempre fui totalmente contra quando se trata de áreas críticas, de utilização permanente e em que a retenção de conhecimento é relevante. Era a favor em sectores indiferenciados, de utilização sazonal, em que não é requerido conhecimento específico do 'entorno' ou da função.
No caso da manutenção, em que os técnicos são sempre necessários ao longo do ano, em que é importante reter o conhecimento para que exista um historial de avarias, do que as provocou, da forma como se resolvem, para que acompanhem os novos investimentos e recebam formação no seu manuseio, sempre fui a favor da não externalização.
No caso da Carris, tendo sido tomada essa decisão há uns anos, e ainda não tendo havido a coragem de a reverter, a única forma de assegurar uma boa manutenção é haver internamente, na Carris, quadros técnicos altamente experientes e conhecedores, que consigam plasmar no caderno de encargos do concurso público, todos os requisitos e, depois, que acompanhem o seu escrupuloso cumprimento: Por exemplo, quais os planos de manutenção preventiva, qual o plano de inspecções, tempos de chegada ao local em caso de manutenção correctiva (e, se já estiverem evoluídos, planos de manutenção condicionada e preditiva). Coloquei entre parêntesis pois temo que os equipamentos do elevadores não estejam ainda sensorizados para emitirem alertas em situações de desgaste, de perda de tensão ou outras situações críticas. Mas o caderno de encargos deve ainda prever de quem é a responsabilidade por gerir os stocks de peças de reserva ou de consumo corrente e de quem é a responsabilidade pelos trabalhos em oficina (está também externalizada? se não, como se integra a sua gestão, num fornecimento externo?). E nos planos dos trabalhos deve estar bem definido o que fazer e com que periodicidade bem como quais as habilitações, formação profissional e experiência dos técnicos que integrarão as equipas. Tudo isto tem que ser, depois, contratualizado e rigorosamente monitorizado.
Como o meu marido referiu ontem, se isto estava tudo bem definido e se nenhuma empresa apresentou proposta no concurso que entretanto decorreu, é porque as empresas concorrentes acharam que, pelo valor base do concurso, não era possível fazer o trabalho. Atendendo a que esse valor é cerca de 20% superior ao que estava a ser praticado, das duas uma: ou a empresa que andou a fazer a manutenção até ao fim de Agosto andou a perder dinheiro, muito dinheiro, ou andava a cortar as unhas, mas a cortá-las muito rentes, ou seja a não fazer o trabalho que devia ser feito, pelo menos de acordo com os requisitos do concurso que ficou deserto.
O meu filho, no dia do desastre, dizia que parecia ter acontecido o worst-case scenario, aquele cúmulo de azares que, quando a coisa dá para o torto, parece que os azares se atraem uns aos outros: parece ter falhado o cabo, o freio, e sabe-se lá mais o quê. Mas vamos ver se, em cima de tudo isso que se traduziu num número tão elevado de mortos e feridos, não aconteceu ainda um outro. Não nos esqueçamos que, quando acontecem acidentes desta natureza, as indemnizações e os gastos de reparações e outros são exorbitantes. As empresas têm uma responsabilidade civil que, geralmente, está segura (leia-se, coberta por um seguro). Mas, para não pagarem prémios excessivos, limitam a responsabilidade coberta. E está tudo bem... até ao dia em que deixa de estar. Portanto, vamos ver qual o tecto da responsabilidade civil da empresa responsável pelo que aconteceu. Vamos ver se, a seguir a toda a desgraça que aconteceu, não começam a surgir outros dissabores. Claro que não há maior dissabor do que uma vida ser ceifada num acidente destes mas, a seguir, começam a surgir as consequências e, neste capítulo, vamos ver se estava tudo bem acautelado.
E aqui um tema que será certamente avaliado: supostamente, a empresa externa que fazia a manutenção vai ser chamada à pedra e vai averiguar-se se os planos contratados foram cumpridos. Se não foram cumpridos, estará encontrada a empresa responsável. Mas se os planos foram cumpridos e o que se conclui é que os planos estavam mal feitos, aí a responsabilidade reverterá para quem os definiu. E aí entrarão as contendas jurídicas, os pareceres, as complicações que, às tantas, se transformam em complicados enredos.
Mas há ainda um outro aspecto: pelo que vi, a empresa MNTC que fazia a manutenção dos elevadores de Lisboa terá sede num prédio residencial na Margem Sul, um capital social de apenas 15.000€ e 30 trabalhadores. Não consegui encontrar o site, talvez não tenha. Não posso questionar a competência e a estabilidade da empresa e dessas 30 pessoas pois delas nada sei. E também não sei se os trabalhadores que faziam a manutenção pertenciam mesmo à MNTC ou se seriam subcontratadas. É que o que frequentemente acontece, nesta perversidade de externalizar e contratar pelo menor preço, é que as empresas a quem é adjudicado o trabalho, para o conseguirem fazer por tão baixo custo, recorrem à mão de obra mais barata que arranjam (muitas vezes pagando parte do ordenado por baixo da mesa, para pouparem na Segurança Social e nos impostos). Não faço ideia se é o caso mas não me admiraria se fosse.
E ainda um outro aspecto: li que o contrato com a MNTC acabou no fim de Agosto. Não havendo empresa para a substituir (dado o concurso ter ficado deserto), a Carris terá feito um ajuste directo com a MNTC para mais 5 meses. E pergunto: fez contrato? Quais as cláusulas do contrato? O contrato está assinado? Em vigor? Certinho. direitinho? Ou foi na base do 31 de boca? É que, numa situação como a que aconteceu, tudo isto faz a diferença -- e as Seguradoras e os advogados das diferentes partes não costumam condoer-se, é o business deles, costumam defender-se com unhas e dentes, e todas as pontas soltas são boas para desmontar pretensões com pés de barro.
Só espero que o worst-case scenario não se aplique também a estes aspectos, senão a dimensão do problema alastrará e de que maneira.
Claro que há muitos intervenientes que, de uma maneira ou de outra, têm a sua quota parte de responsabilidade no que aconteceu: no que se refere a questões técnicas, a questões jurídicas, a questões administrativas, a questões de organização e, claro, a questões de gestão.
Mas, acima de tudo, e convém não a relativizar, há a responsabilidade política. Na forma como as empresas sob responsabilidade municipal se organizam, na aprovação do plano de investimentos e do orçamento de gastos correntes, nas prioridades, nas linhas vermelhas, a primeira e última palavra vai para a Câmara que, no caso, funciona como o accionista, o grande decisor.
Estar à frente de uma autarquia não é ser como o Moedas, esse oportunista que parece achar que se nos aparecer, televisão adentro, a toda a hora, em todo o sítio, como um emplastro, sempre a gabar-se, sempre em bicos de pés -- é ele que faz tudo, é ele que pensa em tudo --, uma figurinha ridícula que se acha o máximo. Não. Ser responsável por uma autarquia é tomar as grandes decisões, é garantir que o que é crucial é seguido à risca (por exemplo, é alguém que traça linhas vermelhas como 'nunca por nunca pôr em risco a vida humana'), é assegurar que há medidas de controlo para monitorizar o cumprimento dos planos. Ser responsável é saber gerir prioridades como por exemplo, ser capaz de dizer: 'não vou cortar na manutenção de equipamentos de utilização pública nem na higiene urbana nem no apoio à recuperação de consumidores de droga; pelo contrário, vou aumentar, nem que, para isso, tenha que cortar em dispêndios exagerados como os das Jornadas da Juventude ou outros folclores de utilidade duvidosa'.
Não sei o que vamos ficar a saber da responsabilidade da tragédia mas temo que conheçamos apenas uma versão superficial das coisas e temo que o Moedas, na sua hipocrisia travestida de beatice, ainda tente reverter o problema, tentando capitalizar a seu favor. Quando, em cima do desastre, o ouvi dizer que Lisboa nunca tinha sofrido uma tragédia desta dimensão (ah não? o terramoto de 1755 não lhe diz nada?) só me fez lembrar o Trump que, na estupidez do seu narcisismo exacerbado, consegue gabar-se da porcaria que faz só porque é uma grande (huge, fantastic) porcaria.
Enfim.
É tarde, daqui a nada a minha maltinha está a pé e, portanto, é bom que eu esteja antes deles. Portanto, fico-me por aqui.
Tenho ouvido com perplexidade e apreensão que agora uma, depois outra, as administrações dos hospitais públicos estão a ser varridas, tudo corrido.
Um dos casos foi notícia no outro dia, mas muito en passant. No verão, depois da contestação que tinha havido em Almada e no Seixal com a demissão, por parte da Ministra, da administração do Hospital Garcia de Orta, ouvi que já havia substituto. Para meu espanto, ouvi agora que o administrador indigitado afinal tinha desistido e que a anterior administração tinha recusado apresentar a demissão (não seria de saber ao certo o que está a passar-se?). E ouvi que a Ministra já tinha escolhido outro, tendo agora a sua opção recaído num outro, dizia o jornalista que 'filiado no PSD'.
E, ao que parece e confirmado pela própria Ana Paula Martins, a onda de 'saneamentos' não se fica por aí. Se calhar, e isto já sou eu a dizer, para lá pôr mais PSDs.
E o que eu gostava de saber é se tudo isto está a obedecer a todos os critérios legais, quer nas demissões quer nas contratações.
Gerir um hospital como o Garcia de Orta mais os vários Centros de Saúde abrangidos é como gerir uma grande empresa. Li que o Hospital tem cerca de 2.900 funcionários. Se somarmos a isso os indirectos que lá estão através de prestadores de serviço, se calhar chegamos ao dobro. Uma coisa em grande. A gestão de pessoal de uma coisa desta dimensão deve ser do mais difícil que há.
Os potenciais 'clientes', li também, são 350.000 e só isso também inspira respeito.
A ser verdade o relatório que vi, o Orçamento anual de funcionamento é da ordem dos 200 milhões de euros.
Provavelmente, como este vários outros.
Gerir uma realidade assim requer um gestor competente e exterior. Isto já corresponde a uma grande empresa. Não é uma chafarica que possa ser gerida por curiosos, com amadorismo.
Os médicos pensam que gerir um hospital é coisa para um médico. Mas isso é muito errado pois os médicos podem e devem estar nas áreas clínicas (bloco, ambulatório, internamento, etc.). Mas não a gerir as finanças, as compras, a área jurídica, a de auditoria, a área de manutenção, etc. Isso é matéria para especialistas das áreas (financeiros, advogados, engenheiros, informáticos, etc.)
Por isso, para saberem lidar com esta realidade complexa e saberem geri-la bem -- e não deixar os doentes sem médicos e não infectar os doentes nas cirurgias e ter equipas escaladas de forma planeada e ter os investimentos programados e bem executados e ter a informática a funcionar de forma eficiente e segura, e ter os contratos bem executados e controlados e para evitar que haja roturas de tesouraria e etc, os administradores têm que ser gente criteriosamente escolhida.
Ou seja, admito que haja regras para o preenchimento dos lugares de gestão nos Hospitais, em especial os que têm este grau de exigência: devem ter experiência, competências, etc, Mas alguém está a verificar isto? Os jornalistas, as oposições, os deputados, sei lá..., alguém está a controlar minimamente o que anda a passar-se?
Ou toda a gente já está a aceitar, na boa, que, por provável má gestão, esta gente que a ministra Ana Paula anda a escolher para gerir as unidades do SNS vá ainda enterrar ainda mais o que todos deveríamos exigir que fosse gerido profissionalmente, com rigor, com extrema qualidade? Um volume brutal dos nosso impostos (que é dinheiro nosso) vai para a Saúde e só por isso já devia haver uma observação atenta, sistemática, pormenorizada sobre o que os governantes fazem com ele. Mas sobretudo, os 'clientes' dos hospitais somos nós, nós os que talvez um dia precisemos de cuidados médicos, quem sabe para nos salvarem a vida, nós os que precisamos que lá haja médicos competentes, que talvez precisemos de exames médicos em máquinas que alguém tem que saber manusear e que têm que ser cuidadosamente mantidas, nós os que talvez precisemos de instrumentos que têm que estar devidamente esterilizados, nós que queremos que as instalações estejam limpas, desinfectadas.
E, note-se, não estou a apontar o dedo em particular a esta ou àquela das escolhas da Ministra: estou apenas a alertar em abstracto, de forma geral. Mas sentir-me-ia mais tranquila se soubesse que as oposições e a comunicação social estão atentas.
Nem de propósito. Quando entrou, certamente, Lady Betty, ou alguém por ela, teve que pagar uma caução. Provavelmente qualquer coisa na ordem dos 2.500€. Portanto, dos 50.000€, na volta, a CUF apenas viu esses 2.500. Isto, a propósito do Caro Comentador Ccastanho ter dito, e eu percebi que estava escandalizado com isso, que, quando foi internado, solvo erro para uma cirurgia, teve logo que pagar uma caução. Pois.
Agora, segundo li, o filho da Senhora Dona Lady está a tentar negociar... Não sei o que é que há para negociar numa conta de hospital. Na volta quer pagar a prestações ou está a pedir desconto. E este é um dos problemas com que os hospitais (tais como muitas outras empresas) se debatem: os calotes.
Abri o vídeo que me aparecia mas, salvo erro, só consegui ouvir até um comentador, de nome Rui Figueiredo, falar pois não consegui ouvir mais. Tirando a Teresa Guilherme que conheço e a apresentadora Maya, não sei que dois são aqueles que ali estão. Qualquer gato-sapato é chamado à televisão para opinar. Assim se (de)forma a opinião pública. Mas, então, dizia o rapaz que não compreendia porque é que a CUF não tinha cobrado logo à saída ou a tinha deixado sair sem pagar. Falava como se quem fosse de censurar não fosse quem se prepara para deixar uma dívida mas, sim, quem vai ficar a arder.
Ora bem.
Em termos práticos. Verbas desta ordem (esteve internada mais de um mês, deve ter feito inúmeros exames, deve ter feito fisioterapia, foi acompanhada até aos Estados Unidos por um médico e por um enfermeiro, etc,, pelo que os gastos devem mesmo ter sido exorbitantes) frequentemente não se conseguem pagar via multibanco. Pode também acontecer que não se tenha toda essa verba à ordem e tenham que mobilizar depósitos a prazo ou outras aplicações. Claro que quem tem um familiar internado num hospital privado deve tratar de tudo isso antes que a pessoa tenha alta. Mas sabemos que este caso é atípico. De qualquer forma, com gente séria, é normal que mandem a factura para casa e que as pessoas as paguem. Mas há gente que não é séria.
Mas, voltando ao espanto, de terem deixado a senhora sair sem ela pagar... O que sugeriria o dito Rui Figueiredo? Que a CUF não lhe desse alta? Que a forçassem, se fosse preciso sob ameaça, a dar o código do multibanco... ? Que a forçassem a ficar internada? A fazer mais despesa...?
Claro que não. Quando a pessoa tem alta tem que se deixar sair até porque as camas fazem falta para outros doentes e, de resto, nestes casos, ficar mais tempo é incrementar a dívida.
Acho que desliguei quando ouvi alguém a interrogar-se porque é que a senhora não tinha um seguro. Mais uma vez, uns pseudo-comentadores demonstrando que não têm vida, mundo, conhecimentos do que quer que seja. Não sei se a Dona Betty tinha seguro, se não tinha. Mas um seguro de saúde tem um tecto para cada tipo de despesa. Para algumas, nem sequer há cobertura. Se ela tivesse seguro, poderia, por exemplo, não cobrir internamento. Ou poderia ter e o limite já ter sido excedido com internamentos anteriores. Ou poderia excluir internamentos por certas condições como, por exemplo, por violência doméstica. Além disso, os seguros são caríssimos para pessoas de idade e algumas seguradoras nem têm sequer seguros para pessoas com mas de 60 anos. Podem ter planos de saúde, que dão descontos em algumas coisas mas não cobrem internamentos.
Ou seja, sabendo que uma pessoa de idade tem algumas probabilidades de ter internamentos e cirurgias o que pode vir a traduzir-se em muita despesa, as seguradoras, que também são empresas que não querem ir à falência, também se cortam.
Ou seja, só o SNS não se previne contra calotes, contra despesas desmedidas. Na prática, é sempre a abrir. De cada vez que há pessoas a fazer cirurgias caras, a fazer tratamentos muito caros, a ter que estar internadas nos cuidados intensivos durante muito tempo, etc, etc, aparece sempre dinheiro para fazer face a qualquer despesa, aparece sempre dinheiro para aumentar médicos, para pagar horas extraordinárias, para pagar fortunas pelos contratos de manutenção dos equipamentos médicos em especial os mais caros como os de imagiologia, para pagar medicamentos, alguns dos quais caríssimos. Mas, ao contrário do que muitos pensam, o dinheiro não sai de um saco sem fundo. Os montantes de que o SNS dispõe para fazer face a todos os imponderáveis não são ilimitados. Parecem... mas não são.
Não será por acaso que uma das maiores fatias dos impostos cobrados vai para a Saúde: 22%
Com uma população envelhecida e felizmente a viver muitos anos (mas com pluri-patologias e a requerer frequentes cuidados médicos), se a área da Saúde não for criteriosamente gerida não apenas vai ter falhas permanentes e cada vez potencialmente mais graves como vai ser um incrível sorvedouro de dinheiro.
[A componente da Protecção Social também é preocupantemente alta. Aqui a demografia é também um desastre: com uma natalidade continuadamente muito baixa, com muita gente nova a emigrar e com uma população muito envelhecida, é imprescindível que haja mais gente a fazer descontos (TSU), mais imigrantes a trabalhar e a fazer descontos em Portugal, é preciso que a economia se aguente e dinamize para haver poucos subsídios de desemprego, é preciso que se auditem bem as actividades que não descontam para a Segurança Social (ou que descontam pelos mínimos dos mínimos) e que se traduzirão em pensões e subsídios para os quais não existiu a contrapartida dos descontos]
Enfim. Um tema inesgotável.
Mas é fim de semana e não vos maço mais. Conto apenas mais duas coisas:
1 - A andar por aqui, sempre encantada (embora levemente apreensiva pois a natureza, quando pujante, tem uma força difícil de controlar), encontrei uma flor inacreditável.
Nunca tal tinha visto. Já coloquei o pé que veem numa jarra aqui na sala. Recorri à app que permite a identificação de espécies e aqui está:lomelosia stellata
A perfeição, a delicadeza, a beleza desta flor parece-me uma coisa do outro mundo
2 - E andava nisto quando vejo, a meu lado, um esquilo a descer do pinheiro ao lado do qual eu ia, depois a andar à minha frente e, logo, a subir o tronco de um cedro mais à frente. A meio do tronco parou, ao alto, e ficou a olhar para mim. Com a atrapalhação, levei tempo demais a desbloquear o ecrã do telemóvel e a encontrar o botão da câmara. Quando estava a postos para disparar já ele tinha subido. Estava lá em cima a olhar para mim. Fofo. Ainda o chamei, bsch-bsch-bsch, como se fosse um gatinho. Mas não o convenci. Não desceu.
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Enquanto escrevo, vejo Marcelo na Suiça e, como sempre, está a dizer coisas. Atrás dele, um a imitar o emplastro. Não sei se viram. Se viram, digam-me se não parecia mesmo.
Enquanto foi gerido por uma PPP (concretamente, no caso, pela José de Mello Saúde) recebeu vários prémios pela excelência dos seus serviços, os inquéritos de satisfação feitos junto dos utentes revelavam uma satisfação considerável.
Ou seja, há por aí muita ideia errada, provavelmente alimentada por infundados preconceitos.
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Num hospital, em especial nos de média/grande dimensão, as Comissões Executivas (sejam quais forem os nomes que se deem aos órgãos de gestão), têm que dar resposta às seguintes vertentes:
Compras (de consumíveis, de serviços, etc),
Recursos Humanos (controlar presenças/assiduidades, escalas, trabalho extraordinário, pagar salários, contratar ou demitir trabalhadores, tratar da formação, comunicação interna, etc),
Financeira (contabilidade, tesouraria, controlo de Orçamentos, etc),
Sistemas de Informação (sistemas, equipamentos, segurança informática, etc),
Serviços Gerais/Infraestruturas (gestão do edifício, limpezas, segurança do edifício, frota, arquivos, correspondência, etc),
Operação/Direcção Clínica (óbvio),
Jurídica (contratos, litígios, protecção de dados, etc).
A coordenar estas vertentes, está o CEO (ou Presidente, ou Director-Geral -- chame-se o que se quiser)
De todas as valências, apenas a de Operação/Direcção Clínica requer conhecimentos na área da Saúde. Todas as demais requerem pessoas com conhecimentos específicos da área (economistas/gestores, advogados, engenheiros, informáticos, etc).
Um Centro de Saúde é uma realidade mais singela a nível de gestão, aliás, não tem nada a ver, mas, mesmo assim, diria que deveria ter à frente um Gestor e não um médico, deixando a vertente Clínica para os médicos e enfermeiros, que trabalho não lhes falta, e libertando-os de tarefas que têm a ver com gestão de contratos de limpezas, de contratos de manutenção de elevadores, de controle de assiduidade, etc.
Ou seja, não estava a falar a nível 'micro', isto é, hospital a hospital (no SNS). No entanto, nos grandes hospitais públicos penso que a gestão deve ser profissional nos termos que acima referi (se calhar já é -- mas não faço ideia). Nos hospitais privados, é assim, isso sei.
No SNS, gaste-se o que gastar, é o Estado que paga. Sejam gastos insignificantes ou da ordem dos milhares ou milhões de euros, o dinheiro sai dos cofres do Estado e é gerido via Orçamento de Estado. Se for preciso gastar mais, haja impostos que os cubram. É assim e ainda bem. Mas tratando-se de dinheiros públicos, diria eu que deveriam ser geridos com mão de ferro para evitar desperdícios, abusos (nomeadamente que pessoas se naturalizem de propósito para vir receber tratamentos milionários que no país deles não conseguem), etc.
Nos hospitais privados não há quem lá meta dinheiro de impostos. O dinheiro para pagar edifícios e equipamentos e respectiva manutenção, para pagar a médicos, enfermeiros, auxiliares, água, luz, comunicações, medicamentos, tratamentos, etc, etc, ... e impostos, só vem de um sítio: do que as pessoas ou as seguradoras lhes pagam.
Acontece que os seguros são limitados e nem sempre cobrem tudo. E, quando não há seguros, ainda mais arriscado há. Um problema grave que os hospitais enfrentam são as dívidas dos clientes. Quando são internados, pagam uma caução. Tenho ideia que, quando a minha mãe foi internada pela última vez, a verba da caução foi 2.500 euros. Tinha um seguro mas o plafond foi ultrapassado ao fim de umas semanas. No acerto de contas, descontando o plafond do seguro que foi esgotado e os 2.500 pagos de caução, ainda houve uma verba considerável a pagar. Paguei, claro. Mas, do que é sabido, há quem se queixe que não tem como pagar e, portanto, deixe uma dívida. Ou seja, a caução é uma forma de minimizar o risco de ser dívida total.
Quando ouço falar nos Privados, algumas pessoas falam como se fosse um bando de bandidos. No entanto são empresas que têm que pagar ordenados (nomeadamente a médicos, a enfermeiros, a auxiliares, a pessoal administrativo, a pessoa de limpeza e de segurança, rendas, empréstimos bancários, licenças software ou outras, enfim, pagar toda a espécie de despesas). Se um hospital privado não conseguir fazer face às suas despesas, não há quem lhe valha, não há orçamento rectificativo, não há nada. Portanto, responsavelmente, têm que ser bem geridos.
Os meus pais estiveram internados quer no SNS quer em hospitais privados. A nível de cirurgias e internamento, há algumas diferenças sobretudo a nível do apoio e da informação à família e a nível do conforto do doente. Mas, de qualquer forma, penso que o problema não está aí. O problema está em tudo o que está antes de se chegar à fase do internamento. A experiência que tenho nas Urgências é diametralmente oposta. No SNS passei horrores, horas e horas, noites inteiras sem saber o que se passava com eles, eles em macas nos corredores. Eu própria já passei uma noite e uma manhã num SO de um hospital público e foi uma experiência abaixo de terceiro-mundista, uma coisa indescritível, desumana. E a nível de ambulatório, é para esquecer (pelo menos nos grandes hospitais). E a nível de Centro de Saúde já ontem falei. Muito mau (pelo menos, nos caso que conheço).
Ou seja, há um problema dramático de gestão, de défice de oferta, de desorganização. Há regiões do país, talvez porque agora têm mais centenas de milhares de habitantes do que quando os hospitais existentes foram construídos, que não têm hospitais que cheguem.
Claro que não é suposto que haja hospitais ao pé de casa. Por isso, quando referi que num estudo há que definir objectivos, mencionei que uma dos parâmetros é a distância razoável a que deve situar-se um hospital. Falei em 50 km como distância máxima a título de exemplo mas é uma distância que me parece razoável. Mas se me disserem que pode ser outra distância, tudo bem, seja.
Quando, há algum tempo, os médicos acharam que eu estava a sofrer um enfarte agudo de miocárdio e activaram o protocolo respectivo, me meteram numa ambulância e me enviaram para um hospital, vi-me numa ambulância a 'abrir', com sirene e luzes a piscar e, à chegada, a ser posta em cadeira de rodas e levada para uma sala de reanimação. Se estivesse mesmo em vias de 'patinar', penso que andar mais do que 50 km seria um risco. Mas estes parâmetros, que serão a chave para desenhar o mapa de hospitais e centros de saúde e para identificas as necessidades das respectivas equipas, são a chave para se obter uma solução equilibrada.
Num estudo destes, que acho que deve ser feito (aliás, que acho quase impossível que não seja feito), devem também ser equacionadas as acessibilidades e a adaptação das actuais infraestruturas às novas exigências. Por exemplo, ter um grande hospital como o S. José encavalitado naquelas ruazinhas ali por cima do Martim Moniz onde os carros quase não cabem e onde basta que alguém deixe um carro mal estacionado para o trânsito bloquear, parece-me um tremendo risco. Isto já para não falar em que, às tantas, nem a construção é resistente a sismos de grande magnitude. Mas, enfim, é um mero exemplo do muito que acho que há a equacionar.
O que acho dramático é ver a barracada permanente de ver tantas Urgências fechadas, de não se saber a quantas se anda, de ver pessoas, nas Urgências, à espera de ser atendidas ao longo de horas infindáveis, de não se conseguir uma consulta num Centro de Saúde, de tanta gente não ter médico de família... e não se pegar no touro pelos cornos, não pôr uma equipa de gente competente a equacionar estes problemas (que, relembro, são problemas típicos que se aprendem a resolver nos cursos de Matemática, nomeadamente no ramo das Aplicadas - Investigação Operacional e etc.).
E, sim, resolver estes problemas (de adaptar a oferta à procura e de optimizar a solução, garantindo o cumprimento de objectivos pré-definidos) tanto se faz na Saúde, nas Redes Logísticas (centros de Produção, Armazenagem e Expedição seja do que for, seja de medicamentos, seja de petróleo, de cimento, de adubo, de mantimentos, etc), nas Redes de Transportes Públicos (nomeadamente na definição de números de 'carreiras', nos locais das Paragens, na definição dos horários, na identificação da localização e número de Postos de Carregamentos Eléctricos, etc, etc. A Matemática, os algoritmos, os modelos, a estatística e as probabilidades têm isto de maravilhoso: aplicam-se a tudo nesta vida.
De qualquer forma, definir os locais ideais para ter unidades clínicas, a respectiva dimensão, as respectivas especialidades, etc, não requer conhecimentos clínicos. Os conhecimentos clínicos são, si, indispensáveis para traçar planos de saúde, para tratar e acompanhar doentes, para prevenir doenças, etc. A medicina é uma arte? Talvez, não digo que não... (embora nem todos os médicos sejam artistas... e embora haja outros que são uns verdadeiros artistas...).
Mas a Inteligência Artificial já faz maravilhas e, em algumas áreas, já suplanta largamente a capacidade de análise humana. O diagnóstico precoce de algumas maleitas (por exemplo, neoplasias) através da imagiologia, por exemplo, parece estar a demonstrar que o facto de a brutal capacidade de computação permitir detectar desvios ao padrão com grande rapidez e precisão parece não ter paralelo com a 'visão humana'.
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Todos os vossos comentários são bem vindos e muito agradeço a vossa generosidade por partilharem as vossas opiniões.
Quando eu trabalhava, usava, por vezes, uma expressão idêntica (salvo as devidas distâncias) à que António Costa usou no outro dia.
Em especial, quando fui responsável pelas Exportações e pelas Compras das Empresas para as quais trabalhava e em que tinha por função comprar e vender nas melhores condições possíveis (baixo preço ao comprar, preço alto ao vender), quando me invocavam relações de longo prazo para obter condições de algum favor ou condescendência, eu dizia: 'um director não tem amigos'.
Numa vez em que comprávamos regularmente uma matéria prima (que, de cada vez que era adquirida, custava a preços de hoje, milhões de dólares), decidi não a comprar ao fornecedor mais usual por não estar a fazer as condições que eu queria. O vice-presidente dessa companhia internacional meteu-se num avião para vir tomar-se de razões comigo e, já o contei aqui, foi uma das raras vezes em que, intimamente, me senti vagamente intimidada. Tínhamos tido, de manhã, uma acesa discussão ao telefone em que ele não conseguia aceitar que eu mudasse de fornecedor. De tarde, sem que eu o esperasse, apareceu-me à porta do gabinete. Muito alto, muito bonito, muito charmoso... e furioso. Estava chocado com a minha decisão e tentou dar-me a volta ao vivo e a cores e, se eu não cedesse, já tinha pedido uma reunião de urgência com o presidente da empresa. Não cedi, claro e toda a minha argumentação se baseou em que 'um responsável por fazer negócios não tem amigos'.
Não teve outro remédio senão encaixar até porque, obviamente, eu estava respaldada. Mantivemo-nos amigos mas, a partir daí, ele passou a tratar-me por 'UJM, la femme infidèle' (claro que, em vez de UJM, dizia o meu nome).
Mais tarde, enquanto membro de uma Comissão Executiva, dizia isso a torto e a direita. Se queriam aumentos ou promoções, aceitação de dilatação de prazos ou o que fosse, e se se posicionavam como sendo nós conhecidos de longa data, tinha que lembrar que a minha função não tinha amigos.
Ou seja, é a função que não tem amigos. No trabalho, temos que ter distanciamento, não podemos tomar decisões com base em afectos ou emoções.
Quando António Costa disse que 'um Primeiro-Ministro não tem amigos' é isso. Enquanto Primeiro-Ministro gere o que tem a gerir com base em critérios racionais, objectivos, e não com base em amizades.
Ele, enquanto pessoa, tal como eu, enquanto pessoa, temos os amigos que temos. Mas não é no patamar da amizade que tratamos de assuntos profissionais.
Contudo, por todo o lado, desde jornalistas descerebrados a comentadores avençados, toda a gente diz que António Costa disse que ele, ele próprio, não tinha amigos. Ora não foi isso que ele disse. Ele não disse: 'Eu não tenho amigos'. Ele disse: 'Um Primeiro-Ministro não tem amigos'.
Creio que apenas sou lida por pessoas inteligentes pelo que terão percebido isso desde que António Costa falou. Mas caso conheçam gente burra, dessa que não consegue perceber a diferença entre uma coisa e outra, peço que façam o favor de encaminhar este meu mail.
No post abaixo, o Leitor Américo Costa contesta a minha opinião de que a gestão das unidades de tratamento (Hospitais e nem sei se também os próprios Centros de Saúde) deve ser entregue a gestores. Segundo ele, é óbvio que não, que quem os deve gerir são médicos.
Porque acho que o tema é relevante, permito-me puxar para aqui o que ele diz e, de seguida, fundamento a minha opinião.
Cara UJM
Essa frase, "a gestão do SNS devia ser para gestores" deixa-me em polvorosa. Eis os meus conflitos de interesses: médico, Pneumologista do SNS em exclusividade há 41 anos. Desde 1983 que noto os mesmos problemas no seu funcionamento. E não foi por existir gestores que eles desapareceram. Até acho que, com a sua entrada e o facto de se equiparar a saúde como se fosse bananas ou sacos de cimento, que as coisas se deterioraram mais. A medicina é uma arte, não um negócio. O que o SNS precisa é de inteligência emocional e não de gestores. O que o SNS precisa é de elevarmos a literacia em saúde das pessoas, médicos com tempo de conversar com elas e não de cálculos matemáticos ou computadores XPTO. Voltar às origens. Estou cansado desta coisificação da doença, de sopesar os ganhos a torto e a direito, de tratar a doença como se fosse um tijolo que se partiu numa obra. Sejamos claros, cara UJM: fomos nós, médicos e enfermeiros que demos cabo do SNS. Só pensamos em dinheiro (e vejam hoje o motivos das greves : salário, aumento, dinheiro). Portanto, e desculpe a ousadia, teve azar. Não encontrou um médico, mas sim um gestor; não encontrou alguém que lhe resolve-se o problema, mas sim alguém que só espera o fim do mês para receber. E na privada, com dinheiro, vai encontrar de certeza. Vamos destruir o SNS com a nossa ganância.
Abraço
Américo Costa
E, então, agora exemplifico eu com algumas coisas que funcionam mal e que, com um gestor qualificado e competente, facilmente seriam resolvidas.
Exemplo 1
A minha mãe tinha uma consulta marcada para o hospital para um certo dia que a mim não me dava jeito pois coincidia com um compromisso meu.
Alterar o dia deveria ser coisa simples, não é?
Errado. Um calvário.
Liguei e liguei. Nada. Ninguém atendia. Tocava, tocava até que atingia o limite de tempo, deixava de tocar e a chamada era interrompida.
Como temos um número directo para o serviço, resolvi ligar para lá.
Fui atendida por uma pessoa que, quando eu disse o que queria, me deu uma desanda, que aquele número não era para tratar de assuntos administrativos. Quando lhe disse que do outro número ninguém atendia, ela disse que sabia disso mas que eu fosse tentando. Respondi que estava a tentar há dois dias. Então, disse-me que, por uma vez sem exemplo, lhe dissesse o que queria que ela transmitiria aos serviços.
Fiquei à espera que alguém dos 'serviços' me ligasse. Nada. Fiquei sem saber se sempre iam mudar ou se mantinham. Voltei a ligar e ligar e ligar... sem que alguém me atendesse.
Até que a minha mãe recebeu uma carta com nova marcação. Felizmente não coincidiu com nenhum compromisso. Mas... e se coincidisse? O que é que eu fazia...?
Não seria mais fácil terem um serviço de atendimento em que agendassem as consultas em consenso com os interessados, sendo depois a data confirmada por sms automático como acontece nos hospitais privados?
Não senhor, escolhem eles as datas, mandam cartas, envelopam cartas, expedem correio (ou seja, gastam tempo e dinheiro) para prestar um mau serviço.
Reparem: nada disto tem a ver com temas clínicos. Isto é um mero assunto que um gestor saberia como resolver.
Exemplo 2
Outro caso. Numa das últimas vezes de consulta de acompanhamento, chegámos lá, tirámos a senha, depois fomos chamadas para a inscrição. Algum tempo depois, na nossa vez, a enfermeira chamou a minha mãe, colheram sangue, viram-lhe a tensão, etc. A seguir mandaram-na para a sala de espera, que o médico já chamava. Até aqui tudo bem.
Nestes dias, levanto-me bastante cedo para ir buscar a minha mãe e para estarmos lá cedo pois aquilo é por ordem de chegada.
Só que nesse dia a demora foi superior ao habitual. Passou uma hora, passaram duas, e nada. O médico não chamava. Nem a minha mãe nem ninguém. Fui lá dentro espreitar. As enfermeiras zangaram-se, que eu não podia ir lá sem a minha mãe ser chamada. Entretanto, o médico estava no gabinete, sozinho. Das vezes em que o vi, estava a olhar para o computador. Numa das vezes estava a escrever ao computador. Interpelei-o. Ficou varado. Disse que estava ocupado, tinha que acabar uma coisa e que esperássemos lá fora.
Lá fora, a minha mãe desesperava, enervada, que não se admitia uma coisa assim. Creio que já passava da uma da tarde. Uma outra senhora dizia que era diabética, que não podia estar tento tempo sem comer, que já estava a sentir-se mal.
E ninguém chamava ninguém.
Às tantas a senhora diabética foi-se embora, revoltada, 'Não há direito, saí eu tão cedo de casa, a que horas vou chegar a casa? Não estou nada bem...'. E foi-se embora. Ia a andar um bocado de lado, não sei se já meio cambaleante.
Quando chegou a nossa vez, eu disse ao médico: 'São horas a mais à espera, não lhe parece...?'
Resposta dele: 'Para a próxima não venha para aqui espreitar. E se não chamei ninguém foi porque tinha outra coisa para fazer!'
Respondi-lhe: 'Mas será que o atendimento de doentes, ainda por cima o tipo de doentes que é, não será prioritário? Olhe, uma senhora até teve que se ir embora...'
Resposta dele, interrompendo-me: 'Foi-se embora? Fez bem. Melhor assim. É menos uma...'
Fiquei furiosa: 'Acha...? Se ela se foi embora depois de horas à espera é porque estava a sentir-se mal...'
Já não respondeu nada. No fim, meio entredentes, pediu desculpa pela demora.
Ora, agora digo eu: se houvesse algum controlo automatizado e realizado em permanência para ver, por serviço ou por médico, quanto tempo os doentes estão à espera para serem atendidos, talvez os médicos gerissem o seu tempo e as suas tarefas de outra maneira. Assim, estão à vontade. Pode um médico deixar os doentes três horas ou mais à espera que ninguém o chamará para se explicar.
E nós que esperemos. E se não quisermos esperar, pelos vistos, melhor para eles, sempre somos 'menos uns'.
Exemplo 3
Outro exemplo.
Numa das vezes em que fui com a minha mãe para as urgências, no hospital, fomos ao início da tarde. Foi vista, fizeram análises, rx. E ficou à espera. Eu cá fora, ela lá dentro. Ia-lhe telefonando. Estava à espera. O tempo foi passando e ela à espera. Depois repetiu análises. E ficou à espera. Às tantas tinha anoitecido.
Pedi informação ao chamado Gabinete do Utente. Resposta: tinha feito exames, estava à espera dos resultados. Depois estava à espera de ser vista outra vez pelo médico.
Abreviando: já era de madrugada e nada. O Gabinete do Utente fechado. Ia-me contactando com ela por telemóvel mas a bateria do telemóvel dela estava quase esgotada e ela enervada por não ter onde carregá-lo e eu enervada não fosse ela ficar incontactável e eu ainda mais às cegas.
É que, com isto, eu continuava cá fora sem saber se a mandavam para casa, se quê.
Bem de madrugada, nem sei a que horas, finalmente chamaram-me. A minha mãe ia ficar em observação. Estava eu ao pé dela, lá dentro, para ela me dar os pertences todos, quando apareceu outro médico que ficou muito admirado por eu estar ali àquela hora. Disse-lhe que só então me tinham chamado para dizer que ela ia lá ficar. Ficou ainda mais admirado. Com a idade dela e aquelas patologias e sintomatologia, desde que entrou que era óbvio que ia ficar em observação e que o mais certo era ficar internada. Não percebia porque não me tinham informado logo que a viram à tarde.
Estive seguramente mais de 12 horas à espera.
Ora custaria muito terem respeito pelos acompanhantes e informarem-nos? Não se trata de actos clínicos mas de ter um processo que informe atempadamente os acompanhantes. Assim não.
Não nos deixam entrar, não nos informam. Aceitam como normal que as salas de espera e as entradas das Urgências estejam pejadas de gente que espera por notícias dos que estão lá dentro.
Exemplo 4
Este não tem directamente a ver com os exemplos anteriores. Mas conto na mesma. Em 2021 enviei para os serviços da Segurança Social um relatório médico elaborado pela Médica de Família dela por a minha mãe ter tido um problema oncológico e por outros problemas para que emitam um atestado de incapacidade que lhe permitirá ter um certo abatimento no IRS. O passo seguinte seria chamarem-na para uma Junta Médica. Meses depois, nada. Enviei um mail. Responderam que as Juntas Médicas estavam atrasadas. Mais de dois anos depois, voltei a contactar dizendo que o estado clínico da minha mãe era agora mais complexo. Informaram-me que agora estão a chamar os processos que entraram em 2020. E que enviasse novo relatório. Não sei quando será chamada.
Ora, pergunto eu: para que tem um doente que se sujeitar a uma Junta Médica se o médico de família já atestou o seu grau de incapacidade? Quando foi do meu pai, que tinha uma incapacidade superior a 90%, sem andar, sem ver, sem falar, sem se alimentar sozinho, estivemos para não o sujeitar a isso. Foi uma violência. Uma violência desnecessária. Mas tinham gastos mensais tão pesados que era também disparatado não pagarem um pouco menos de IRS. Mas, pergunto: para que andam os médicos, que são tão poucos, a perder tempo para atestarem o que está no relatório do Médico de Família? Para que sujeitam à situação de quase humilharem os doentes? Não deveriam ser os médicos a demonstrarem à Segurança Social que deveriam estar a exercer medicina e não a fazerem figura de verbo de encher, sacrificando os doentes e respectivos acompanhantes?
Ou seja...
O penúltimo caso aconteceu já comigo reformada. Mas quantas noites inteiras, directas mesmo, já eu ali fiz (nomeadamente quando o meu pai tinha pneumonias), sem saber se o mandavam para casa ou se ficava lá ou se me iam chamar? Por acaso não sou de faltar ao trabalho e ia a casa tomar banho e seguia para o trabalho. Mas quantas pessoas muito justamente não traziam um papel e faltavam ao trabalho? Que impacto na produtividade e na qualidade de vida se poderia conseguir com medidas simples como informar atempada e respeitosamente os acompanhantes?
Um gestor olha para estas coisas e põe-se logo a pensar que processos e sistemas se poderiam montar para que tudo fluísse melhor, e que processos se deveriam montar para monitorizar o bom funcionamento e o grau de satisfação dos doentes e acompanhantes?
Assim, são médicos que estão na sua luta, muito justamente com motivações clínicas, descurando completamente todos estes aspectos que, a eles, lhes parecem acessórios.
E isto são pequenos exemplos, ínfimos exemplos.
Por isso, volto a dizer: a gestão das unidades clínicas deve ser entregue a gestores. A direcção clínica, sim, claro, deve ser entregue a médicos.
E, repare-se: não falei uma única vez em lucros. Falei apenas num bom serviço.
Mas, se estou errada, queiram, por favor, pronunciar-se. Sou toda ouvidos.
Houve uma altura em que, no Grupo, se desenvolveu a ideia que, na altura, muitos tomaram por peregrina mas que veio a revelar-se estratégica, de uniformizar sistemas contabilísticos, sistemas de controlling e de planeamento entre todas as empresas.
Isso desencadeou sentimentos bairristas, territorialistas como se fosse questão de credo ou clube de futebol. Não apenas os mais conservadores mas também os que se julgavam revolucionários, todos eram contra. Todos queriam defender os seus sistemas e todos achavam péssimos todos os outros. O núcleo que defendia que se avançasse apesar de toda a oposição, em que eu me incluía, sofreu toda a espécie de destratamentos. A oposição era intensa e vinha de todos os lados. Ir para a guerra sem ter aliados é coisa suicida. Mas eu e mais uns dois ou três éramos assim: acreditávamos nas coisas e atirávamo-nos de cabeça.
O grande salão era pequeno para que todos os CEOs mais os respectivos Directores Financeiros e Directores de Planeamento, Estratégia e Controlling, entrincheirados e coordenados entre si, atirassem a matar sobre os pobres indefesos que queriam que eles abdicassem das suas idiossincrasias e passassem a falar a mesma linguagem.
Todas as semanas, uma vez por semana, havia uma tortura daquelas. As reuniões começavam às duas e acabavam quando acabassem, sempre muito tarde.
Um dos que estava do mesmo lado que eu passava-se. De rastilho curto, volta e meia enervava-se, ficava branco, gritava, quase espumava e nós todos ficámos à espera que ele acabasse estendido, vencido por uma apoplexia.
Pessoa de muitas actividades, quer no meio empresarial quer no académico quer, ainda, no político, em dias em que já não aguentava mais, inventava uma desculpa, um compromisso inadiável (embora inexistente) e pirava-se.
Sendo pessoa conhecida, vou mudar-lhe o nome. Digamos que se chama José Pires Oliveira.
Um dos piores era um que nós dois achávamos intelectualmente um bocado limitado mas que falava pelos cotovelos, invocando argumentos sobre argumentos, cada um mais disparatado do que o outro. Víamo-nos aflitos para rebater as parvoíces que ele dizia, sempre com ar exaltado, como se estivesse a defender a pátria. Este tinha dois nomes em comum com o meu aliado. Digamos que se chama José Oliveira.
Num desses dias, o meu 'sócio', José Pires Oliveira chegou-se a mim e disse-me ao ouvido que ou matava o outro ou se raspava. Raspou-se.
No dia seguinte de manhã cedo, estava eu no trânsito, um trânsito congestionado, eu estafada da canseira da cena da véspera e estafada do trânsito, recebo uma chamada. (Estava em alta voz, claro). Vi José Oliveira. Ao meu 'sócio' eu tinha-o, nos contactos, como José P. Oliveira.
Era normal, quando se pirava, o José P. Oliveira ligar-me logo na manhã seguinte para saber como é que a coisa tinha acabado. Já estava à espera da chamada dele.
Portanto, mal atendi comecei logo a desbobinar: 'Olhe, fez bem em pirar-se. Não perdeu nada. Uma seca das valentes. O chato do José Oliveira sem se calar, só a dizer disparates, uma pessoa não consegue avançar um milímetro porque aquele atraso de vida não dança nem sai da pista, não faz ideia do que diz mas não se cala, e a gente que o ature. Não dá. Alguma coisa temos que fazer porque assim, com retrógrados destes, a gente não vai a lado nenhum'
Estranhei o silêncio pois, em situações normais, ele estaria a rir e a chamar burro ao ao outro. Mas nada. Silêncio. Então perguntei: 'Está? Está a ouvir?'
E então aconteceu o pior. O José Oliveira, o burro, respondeu: 'Estou, estou...'.
Não sei se conseguem imaginar a aflição... Sem ter como escapar, enfiada no carro, por um momento fiquei siderada, congelada. Depois respirei fundo e assumi: 'Não leve a mal mas ontem saí de lá muito cansada, estou farta de reuniões que duram horas e em que não se consegue avançar. Tanta resistência por causa de uma coisa que todos deviam abraçar pois todos fazemos parte do mesmo Grupo. Mas, pronto, não vamos reatar a discussão de ontem. Ligou-me para...?'
Ele deve ter engolido em seco e conversou como se nada se tivesse passado.
E nunca mais tocámos naquele triste episódio.
E hoje lembrei-me disto ao ver e ouvir o vídeo abaixo. Na altura, quando se percebe a gaffe, quem vive uma destas só quer enfiar-se por um buraco adentro. Mas, reconheçamos, visto de fora, é um pratinho daqueles...
Heloísa Périssé ligou para o ginecologista, mas...
Nem vale a pena eu aflorar pois parecerá que estou para aqui a armar-me ao pingarelho. Ou bem que era precisa e explicava mesmo a complexa situação (que, a não resolver-se, terá pesado impacto económico e mediático) ou mais vale ficar calada.
O que posso dizer é que foi desde que me levantei até há pouco. Telefonemas a atropelarem-se, danças e contradanças, gente que se compromete para logo se descomprometer -- foi obra. E o complicado é que nada ficou resolvido. Por isso temo que me estraguem o feriado.
Ao longo da minha vida profissional tenho passado por momentos em que me vejo em becos sem saída. Nunca é fácil. Mas mais difícil é quando se está com uma equipa em que não se tem confiança a cem por cento. Imagine-se, então, quando, ainda por cima, há muitas frentes abertas em simultâneo e a gente tem forçosamente que delegar (porque é fisicamente impossível estar em todas) e quando a gente sabe, porque sabe, que alguns não vão dar conta do recado. Fica uma danada sensação de insegurança.
Nunca mais consegui ter tempo para pegar num livro, nunca mais tive tempo de me sentar no cadeirão lá de cima de onde vejo a copa das árvores, nunca mais tive tempo para ter tempo para mim.
É muito absurdo isto de passar um dia e outro e outro e a gente deixar o tempo escorrer para o fim dos tempos sem conseguir agarrar nem um bocadinho dele.
Faz tempo comecei um diário. Depois de andar há anos a pensar deitar mãos à obra, nesse dia pensei que era o dia certo para começar. Pois nunca mais tive disponibilidade nem disposição para retomar.
No inverno ansiava pelos dias grandes, pensava que as horas de dia a mais bastariam para me dar a mim as horas de fazer coisa nenhuma por que eu tanta ansiava. Não tenho tido essa sorte.
Enfim. Adiante.
Tinha deixado as almofadas nas espreguiçadeiras e, apesar de estar a ouvir como que um longínquo ribombar e apesar de ver o tempo a escurecer, não dei logo conta da chuva. Quando dei por ela, fui a correr lá fora mas já as almofadas estavam ensopadas. Trouxe-as para debaixo do terraço e pu-las a ver se escorrem, sobre as costas de outras cadeiras.
Ao fim do dia fomos até à praia. O carro estava todo sujo. A chuva devia estar cheia de terra. E estava frio, vento, humidade. A pequena fera toda agitada com os pelos em remoinho pelo vento.
Não tinha levado agasalho, tinha pensado que ia gostar de sentir na pele a aragem fresca e molhada. Mas estava para além disso e senti algum frio.
Vimos aquele senhor simpático que tem um cãozinho parecido com o nosso mas em ponto mais pequeno, um rafeirinho arraçado de urso felpudo, uma coisa muito fofa. No outro dia veio falar connosco, veio confirmar que o nosso é um Serra de Aires, diz que sempre gostou de Serras de Aires. O nosso gostou muito do mini me e foi amizade recíproca. Também achei o senhor uma simpatia.
Vimos também um grupo animado. Riam-se, abraçavam-se, chegavam-se uns aos outros, faziam poses. Um outro, com equipamento profissional, filmava-os. Uma outra dava instruções. Reconheci um conhecido actor. Se calhar era o elenco de alguma telenovela. Há tantos novos actores e actrizes que não conheço que já começo a sentir-me um bocado fora deste mundo. Digo-o sem nostalgia mas com um sentimento bom de liberdade,
À hora de almoço fui dar uma volta com o urso felpudo, num instante, entre reuniões, em passada involuntariamente aeróbica. Voltei a passar pela casa em que os donos andam junto ao chão com um regador pequenino, um sachinho, uma pazinha a amanhar os pequenos canteiros. Em volta de cada árvore há uma fiada de amores-perfeitos, depois uma fiada de pequenos seixos brancos. Há um pequeno lago com fetos em volta, pedrinhas, mais amores-perfeitos. Tudo mimoso. Reparei que, num recanto, quase escondido, há um caracol colorido em cerâmica pintada. Kitsch e inocente. O senhor lá estava de joelhos, as mãos na terra, boné na cabeça apesar de estar à sombra. Enterneço-me sempre que passo por lá. Tudo ali mostra o amor e o vagar com que aquelas mãos tocam e tratam de tudo.
Há uma outra casa em que estão a arranjar uma zona do jardim. Estão a fazer não sei se será um jacuzi ou um lago. É pequeno mas fundo. No outro dia, a dona, uma mulher jovem de rabo de cavalo, estava lá dentro a colar pastilhas cerâmicas, uma a uma, à mão. Hoje vi que a superfície interior está quase coberta. Há quadradinhos azul turquesa, outros verde água. Antes das obras, estavam lá sempre dois cães que faziam uma dança de desafio e sedução com o nosso urso que correspondia, encavalitando-se na vedação, ladrando lá para dentro, saltando e dando ao rabo. Agora os cães desapareceram e o ursinho não compreende. Encavalita-se, espreita, anda de um lado para o outro a ver se os vê. Mas não. Não sei deles. Devem estar na parte de trás ou dentro de casa ou noutra casa. Engraçado, isto. Conhece ele melhor os cães vizinhos do que eu conheço as pessoas.
E é isto. Nada mais a declarar. despeço-me com dois vídeos que vi e que mostram casas cheias de harmonia e natureza. Mesmo que se viva num andar, há-de haver maneira de levar a natureza até lá. As casas não podem ser tristes, soturnas, desligadas dos ciclos da vida. Pelo contrário devem ser acolhedoras, luminosas, amistosas. A vida das pessoas é mais feliz se a casa em que vivem for uma casa clara, tranquila, simples. E no outro dia li que mesmo umas bonitas flores artificiais transmitem a sensação florida e serena tão útil numa casa. Há solução para (quase) tudo.
A flood-proof home that looks to the river Thames for inspiration
Take a tour of former professional dancer and teacher Elizabeth Rose’s innovative stilt house. Sitting pretty above the flood plain on the banks of the River Thames, the timber-clad house, designed by Knox Bhavan, is a lesson in future-proofed architecture that takes cues from its natural surroundings.
How to Use the Principles of Biophilic Design in Your Interiors
Wildwood Spa is a private and secluded spa in the forest. This luxury one-bedroom self-contained spa sleeps two and is located in the picturesque village of Lee near Ilfracombe. It is nestled amongst 12 acres of private woodland on the North Devon coastline.
It is a glowing example of how the principles of Biophilic Design can be applied to our interiors to create homes that are inspirational, restorative and healthy.
Studies have shown that biophilic design can provide opportunities for mental and emotional restoration by reducing stress, tension, anxiety, anger, fatigue, and confusion. It can also improve cognitive function and creativity. It can help to improve our physical well-being by relaxing our muscles, lowering our blood pressure and reducing stress hormone (cortisol) levels in the bloodstream. It can also speed up healing.
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Pinturas de Nazmi Ziya Güran.
Crying of Earth. OLOX duo com Gennady Tkachenko-Papizh, Jivan Gasparyan & Jivan Gasparyan JR
Em tempos aprendi alguns conceitos e algumas técnicas que tinham cá chegado, luzindo e reluzindo com as cores da eficiência japonesa. O JIT, Just in Time, foi um deles. Não haver stock. Reduzir o capital empatado em stocks. Todas as empresas que lidavam com cadeias de abastecimento ou sistemas produtivos se mobilizaram para serem tão boas como as melhores. Os números não enganavam. Ter armazéns cheios de stocks já era. Coisa do passado. O que era preciso deveria chegar quase na hora, quase em cima do acontecimento.
Uma vez fui visitar uma fábrica de automóveis em Espanha. Era a fábrica europeia de uma grande marca mundial. Uma fábrica grande, a perder de vista. Praticamente sem pessoas. Um orgulho para a gestão da fábrica. Pessoas quase que só no controlo de qualidade, na recta final da linha de produção, o carro já praticamente pronto. A montante só robots. Tudo robotizado. E carrinhos robotizados atravessavam a fábrica para levar as peças do armazém para a linha de produção. O armazém robotizado praticamente apenas tinha as necessidades do dia. Vá: da semana. Tudo na base do just in Time. Os diferentes fornecedores abasteciam a moderna fábrica de acordo com sistemas chamados MRP, Material Requirement Planning. Tudo calculado ao dia.
Isto obviamente passou-se no século passado, numa era em que havia yuppies, executivos deslumbrados consigo próprios.
Se calhar fiz parte desse grupo mas, felizmente, nunca falei como eles, nunca me vesti como eles, nunca me deslumbrei com o que a eles os deslumbrava.
Mas, nessa vez, cheguei lá de limousine. Éramos uns cinco ou seis, nem sei bem. Para lá chegarmos, em vez de irmos em carros separados, alguém achou que o ideal seria arranjar-nos uma limousine com chauffeur. Nada de mais. Mas o carro era aparatoso, um luxo.
Hoje a indústria automóvel é daquelas que se torcem e retorcem por não terem stocks e por, de vez em quando, terem que parar as suas linhas de produção. Falta-lhes sobretudo os chips e outros componentes vindos de longe, de onde também muita coisa escasseia.
Mas se fosse apenas a indústria automóvel a debater-se com a escassez de materiais...
Querem crer que só agora, ao colocar aqui a fotografia é que vi que o prato está deitado quando deveria estar ao alto...? Ele há coisas....
De vez em quando a malta apanha uns sustos e percebe que os modelos estratificados em que todos dependem demasiado uns dos outros apresenta muitas vulnerabilidades. E não apenas de outros mas de outros noutros países, sujeitos a dificuldades, prioridades ou necessidades que não necessariamente as mesmas que nós.
Os consultores que vendem a gestão de risco e os departamentos das empresas que se ocupam disso bem identificam os pontos de fragilidade e constroem planos de contingência. Tudo bonito para enfeitar power points. Quando os motoristas fizeram greve e as estações de serviço ficaram sem combustíveis e toda a gente, em especial nas empresas, ficou a roer os dedos a ver a vida a andar para trás, poderia ter-se aprendido alguma coisa. Mas não. Não se aprende nada. Nem aqui nem em lado nenhum. Os modelos de eficiência aplicados cegamente, ensinados nos bancos da escola como se fossem axiomas (inquestionáveis, portanto), moldaram a sociedade de cabo a raso.
Nem sei se isto da pandemia nos mudou alguma coisa de verdade ou se foi apenas uma abanão de nada, um abanico.
Era bom que a sociedade se mobilizasse para discutir algumas coisas, para colocar algumas ortodoxias e dados adquiridos em perspectiva. Não sei como se pode fazer isto. Era bom que voltasse a haver tertúlias, locais de discussão, fóruns abertos em que se equacionassem novas maneiras de estar na vida (e nos negócios), maneiras mais sustentáveis, mais equilibradas. Como sociedade civil temos que ser mais activos, mais participativos. Não podemos andar, passivamente, a reboque do que os 'outros' decidem por nós. Parafraseando JFK, não perguntemos o que os outros podem fazer por nós mas, antes, o que nós podemos fazer pelos outros.
Mas, em concreto no que se refere à escassez de alguns bens em alguns sectores, o vídeo que aqui partilho convosco explica o que se passa.
The global supply chain seems to be in a perpetual state of crisis. Whether its groceries, petrol or micro-chips for electric vehicles, everything just keeps running out. But why does it keep happening?
The crux of the matter lies in the way our global supply chain works, and how companies have come to rely on a unique system of efficiency, dubbed 'just in time', which developed in Japan in the late 1960s and early 70s. Josh Toussaint-Strauss explores how the prevalence of just in time supply systems are contributing to a global supply chain crisis