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quinta-feira, julho 30, 2015

Ver a lua a fugir por entre as nuvens numa noite nos jardins ao som da Melody Gardot


Depois da uma da manhã, chegada a casa, já mais para lá do que para cá, não é altura para me pôr com grandes efusões ou com reportagens fotográficas feitas com telemóvel.

Passei umas duas ou três fotografias para o computador e não se pode dizer que estejam famosas. Não me apeteceu levar a máquina fotográfica porque, se é para curtir o momento, não é para estar, ao mesmo tempo, a registá-lo. Mas tive pena pois não resisti e os meios eram completamente desadequados.




Tirando isso: os jardins do Palácio Marquês de Pombal são muitos bonitos e todo aquele espaço merece ser visitado. 

Chegámos antes das nove e ainda não tinha anoitecido. A frequência do concerto era praticamente toda na base  -- como hei-de dizer? -- do casual-chic, do urban-soft-jazz, do cool-executive, alternative-teacher, ou seja, tudo na boa e com um certo bom ar. Aliás, já quando estávamos a escolher restaurante no centro da cidade, víamos nitidamente quem é que, a seguir, ia curtir o som e o ambiente Melody Gardot.

Mas pode ser impressão minha, pode ser que também por lá houvesse muitos intelectuais-depressivos, jet-set da blogosfera, nerds jururus ou directores de informação de canais televisivos (por acaso, vi lá um desta última espécie mas também encaixa bem nos que acima referi, de malta na boa).

O espaço dedicado ao cool-jazz-fest está apelativo, bem arranjado, e a zona dos comes, bebes e relaxes está bem conseguida. De resto, todo aquele espaço, mesmo sem arranjos especiais, convida ao estar-se por ali, na boa.




Ainda comi um gelado Santini de chocolate e maracujá que durou enquanto dei um passeio pelos outsides do Palácio. E só então depois nos dirigimos à zona do concerto.

As iluminações traziam magia às árvores -- e isto, dito assim, pode soar-vos a gongorismo bacoco. Talvez o seja. Mas a verdade é que as árvores ora azuis ora roxas ora verdes ou encarnadas pareciam árvores encantadas.



O concerto começou com Pierre Aderne, cada vez mais soft, a voz de veludo, o jeitinho sedutor de quem sabe ter uma voz macia como seda.

Não podendo aqui colocar vídeos do próprio concerto, permitam-me que escolha outros, ao acaso.




A sua voz cola-se ao estilo Melody Gardot como um abraço doce, uma carícia longa que ela aceita e que, mal acaba, logo pede mais. Ele fez a primeira parte e acabou com uma canção que dizia que 'ela está quase a chegar'.

E chegou -- depois de um intervalo talvez longo demais (longo demais dada a hora que já era e o dia de semana, que é dia de trabalho para alguns. Mas, enfim, coisa de somenos).

O concerto foi, de facto, sobretudo uma potente afirmação da extraordinária arte performativa de Melody Gardot que passa do registo intimista para o rock possante e daí para o jazz feito por e para loucos para logo, sedutora, no meio de beijos, voltar a prender a assistência com o sussurro da sua voz envolvente.

Com uma banda fantástica, um grupo de rapazes felizes que imprimiram electricidade e alegria à actuação, Melody Gardot esteve como peixe na água: falando em português, deixando-se embalar pelos carinho e reconhecimento da assistência.




Encostei a cabeça no ombro do meu companheiro, ou, melhor, encostei-me toda a ele (a noite estava fresca e eu apenas tinha levado um casaquinho mais fino do que um tule, pelo que, volta e meia me dava o frio), deixei-me estar a olhar a lua que fugia das árvores para se juntar às nuvens. No final, já estava toda a gente de pé a dançar e, aí, fiz o gostinho ao pé e ao corpo: deixei que o som forte da banda de Melody e da sua própria voz tomasse o comando de mim.

E não conto mais nada porque já estou a dormir e esta quinta-feira é outro dia jeitoso. Deixo-vos, antes, com a diva Melody.



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Presumo que as gralhas sejam mais que muitas mas, acreditem, isto já não sou eu a escrever, são os meus dedos descuidados. Assim que possa, reverei o texto para o deixar mais clean. Agora já não consigo fazer mais nada.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta-feira muito feliz, com boas notícias, com alegria.

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sexta-feira, outubro 11, 2013

Alice Munro, Nobel da Literatura 2013. "Uma boa mulher" que escreve livros à sua "amada vida". Contos. Palavras simples. O que se esconde por baixo da fina capa da realidade. O prazer de desvendar segredos comuns. O prazer de trabalhar com palavras. Os livros.


Abaixo destes, poderão ver um post barra pesada, daqueles que até dói a escrever e ainda mais a ver as imagens.

Mas isso é a seguir. Agora, aqui, a conversa é outra. É gostosa. Pelo menos para mim é pois vou falar de uma coisa de que muito gosto: livros.


A música é a condizer com a leveza com que me apetece escrever: 
Jardim de Inverno pela Susana Félix com Pierre Aderne
com participação especial de Mário Laginha




*

Estive a escrever sobre isto num mail para um escritor. Eu acho que é porque, para mim, os sentidos vêm em primeiro lugar mas talvez haja quem ache que é porque eu seja fútil. Seja. Tal como nas coisas que têm a ver com a orientação sexual ou com a minha preferência por morenos, há coisas que são porque são, não carecendo de explicação.

Falo agora, então, de livros. Não é a primeira vez. É um tema que muito me agrada. E já verão onde quero chegar.

Livros, portanto. Começo logo pela capa. De alguns nem me aproximo. Nem me ocorre qualquer dúvida. Se aparecem fotografiazinhas de carinhas larocas, céuzinho azul-cueca, nuvenzinhas para adorno, castelos misteriosos, sangue no canto da boca, punhais, anjos vaporosos ou vampiros com ar sexy, ou invólucros em tule e salpiquinhos de brilhantes ou pozinhos prelimpimpim, é como se tivessem sarna, passo ao largo.


Admito que possa acontecer que, por um acto isolado de mau gosto do editor, do próprio escritor ou de algum designer ou departamento gráfico mais pimba, a coisa tenha saído assim por um infeliz acaso. Azarinho. Vejo as capas e passo tão longe que nem faço ideia de quem se trata.

É, pois, a capa que começa por me atrair ou afastar. Depois, se a capa chamou por mim, vejo o autor. Se o autor for um Valtinho qualquer desta vida, ou passo à frente ou, receando estar a ser preconceituosa, dou uma oportunidade. Geralmente não a agarram.

Detenhamo-nos, então, naqueles cuja capa me atraíu e cujo autor não me afastou. Pego logo no livro. Tenho que o ter na não. Não consigo decidir-me sem o sentir. Sinto o peso do livro, o toque do papel, a textura. Leio a contracapa, as badanas, espreito. 

A paginação é importante. Se a letra é garrafal, meia dúzia de linhas com margens de lés a lés, só se for um objecto artístico é que tolero. Caso contrário cheira-me a barrete. Muita parra e pouca uva.

O mesmo acontece com o oposto: se a letra é miudinha, compacta, páginas densas, opacas, desisto também. Ainda não preciso de óculos para ver ao perto mas para lá caminho. Ler tem que ser um acto de prazer não de esforço. É como escrever. Escreve-se por prazer ou por necessidade, não por punição, não por sacrifício ou dever.

Estão a ver como é que eu sou. Imaginem: se sou assim com os livros, o que não será com os homens. Aquela coisa de que o que conta é o íntimo, ter bom coração, ser um bom companheiro, etc, comigo não dá. Pode ser música celestial para os meus ouvidos se estiver com disposição para irmãzinha da caridade – mas infelizmente, nunca é o caso.

Por isso mesmo, comigo é assim: primeiro o exterior, depois os interiores e, só depois destes muito bem avaliados, é que passo à fase do íntimo. Homens bonitos, alegres, inteligentes, malandros, que saibam estar, que tenham um andar que me agrade, que isto aquilo e o outro e, só depois então, depois de terem passado por todos esses crivos, é que passo à avaliação dos atributos subjectivos. Aí costumo ser mais tolerante. Excepto, claro, se forem patifes encartados.

Adiante. Livros.

Tendo passado então nas provas anteriores, passo à fase da leitura ad hoc. Folheio, leio aqui e ali. Se me cheira a historieta de cacaracá, pouso o livro e sigo viagem. Se for uma conversa avulsa, sem ponta por onde se pegue, idem. 

Por exemplo. Acho que já sou capaz de ter comprado um livro do Gonçalo M. Tavares porque estava em saldo ou coisa do género e achei que, pela bagatela que era, valia o esforço de um dia destes me dar ao trabalho de tentar perceber porque é que é tão conceituado. Mas todos os outros livros dele parecem-me intragáveis, charadas para quem gostar do género. Faz-me lembrar aqueles espectáculos de dança ou teatros em que os actores se rebolam pelo chão, dão gritos e fazem parvoíces sem propósito ou interesse.


Adiante.

Tudo isto vem a propósito do que escrevi nesse tal mail e vem também a propósito do último livro da Alice Munro.



Alice Munro, Prémio Nobel da Literatura 2013
Amada Viva



Aquela capa chamou-me logo a atenção. Um lettering simples, umas cores sóbrias e, ao mesmo tempo, luminosas. E depois a vinha virgem ao rubro, as suas belas cores de outono, sobre vedação de madeira. Tanto que eu gosto da vinha virgem. A minha ainda está verde. A beleza das coisas simples, já aqui o tenho referido: uma atracção irresistível para mim. Quando vi que era de Alice Munro ainda mais me agradou.

Hoje, mal soube do Nobel, pensei logo que, quando chegasse a casa, iria fotografar o livro, transcrever um excerto. Mas qual quê? Que é feito dele? Já revirei os livros todos que aqui estão em montes à minha volta, já revirei os que estão numa pilha tripla ao lado de um cadeirão, já espreitei entre o sofá e a parede, não tivesse ele caído. Nada. Não aparece. Posso tê-lo levado para ler in heaven e por lá ter ficado mas não me lembro. Na estante não está que é recente e ainda não foi registado e, logo, ainda não foi arrumado no sítio devido. Que maçada, o tempo que eu já aqui gastei às voltas.

Mas paciência. Não encontro esse, mas tenho aqui 'O amor de uma boa mulher'. Vou fotografá-lo entre as minhas almofadas.



Alice Munro, O amor de uma boa mulher

da Relógio D'Água numa tradução de José Miguel Silva



Vou transcrever, ao acaso, um excerto para que, quem não a conhece, fique com um cheirinho - apenas para poder formar uma ideia do género (ainda que muito ao de leve, claro).

(...)

Poderia alguém inventar algo tão diabólico, e com tantos pormenores? A resposta é sim. A imaginação de uma pessoa doente, a imaginação de um moribundo, pode acolher todo o tipo de lixo e organizar esse lixo da forma mais convincente. A própria Enid se viu, enquanto dormiu naquela sala, invadida pelas mais imundas e repugnantes fantasias. Qualquer pessoa pode albergar nos recessos da sua mente este tipo de mentiras, quais morcegos pendurados nas esquinas, à espera de poder tirar partido de uma qualquer escuridão. Ninguém pode dizer, 'É impossível alguém inventar tal coisa'. Repare-se como os sonhos são elaborados, camada sobre camada, de tal modo que a parte de que nos conseguimos lembrar é apenas a ponta do icebergue.

Aos quatro ou cinco anos, Enid disse à mãe que tinha entrado no escritório do pai e o vira atrás da secretária com uma mulher sentada no colo. Tudo o que conseguia recordar dessa mulher, agora como então, era que usava um chapéu com muitas flores e um véu (um tipo de chapéu já na época antiquado), e que a sua blusa estava desabotoada, mostrando um dos seios, cujo mamilo desaparecia dentro da boca do pai de Enid. Contou à mãe isto, estando perfeitamente certa de o ter testemunhado. Disse-lhe, 'E o Papá tinha metida na boca uma das frentes dela'. Ainda não sabia a palavra para seios, embora soubesse que vinham aos pares.

A sua mãe disse, 'Enid, que estás para aí a dizer? O que é isso, uma frente?'

'É como um gelado de cone', disse Enid.


(...)


Alice Munro 

nasceu em Ontário, no Canadá, a 10 de Julho de 1931. 

Publicou a sua primeira história, The dimensions of a shadow, em 1950, quando era ainda estudante universitária.
Tem publicadas doze antologias de contos, incluindo Fugas (publicada pelo Relógio D'Água), e um romance,
Lives of Girls and Women

Recebeu inúmeros prémios literários, incluindo o Governor General's Literary Award, o Giller Prize, o Rea Award for the Short Story, o Lanna Literary Award, o W.H. Smith Literary Award e o National Book Critics Circle Award. os seus contos foram publicados no The New Yorker, The Atlantic Monthly e The Paris Review.


A esta lista junta-se agora o Nobel da Literatura 2013


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Relembro que o que, mais abaixo, poderão ver, é um murro no estômago, um aperto no coração. Se estiverem preparados, desçam, por favor, até ao post seguinte.

Entretanto, relembro que, no meu Ginjal e Lisboa, recebi a visita das palavras de Luiza Neto Jorge. Com ela trouxe um arcanjo que debica onde não deve mas, claro, isso já são devaneios meus. A música que se lhe segue é um outro grande momento: Kate Aldrich e Daniela Dessì interpretam a Norma.


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E, por hoje, por aqui me fico. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira. 
Thanks God, it's Friday!!!!!!