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terça-feira, novembro 29, 2022

Quando as casas nos escolhem

 



Uma coisa extraordinária nesta casa é que todos os móveis, candeeiros, quadros, espelhos, tapetes -- tudo o que estava na outra casa -- chegaram aqui e, como que por magia, encontraram o seu sítio. Aliás, parece que ainda estão melhor aqui do que estavam na outra casa. Quase parecem feitos ou escolhidos por medida. 

Se há uma parede em que, entre o interruptor e um ressalto, mede um metro e sete centímetros, agora acolhe uma estante com portinhas de vidro feita à medida para o hall do piso de cima da outra casa e que tem de comprimento um metro e três centímetros. Não podia estar mais ajustada, mais perfeitamente inserida. 

O pequeno móvel de madeira, uma pequena estante também com portinhas de vidro, em cima do qual está a televisão cabe, na justa medida, entre o aquecedor de parede e um outro ressalto na parede. 

A pequena cómoda de barriga, em pau santo, com tampo de mármore, em tempos comprada para um outro fim, está agora aqui ao lado deste sofá, lindinha, movelzinho de apoio, com gavetinhas onde guardo as coisas de costura, velas e outras coisinhas.

E estou apenas a olhar à minha volta. Mas isto acontece em toda a casa.

Esta casa tem vários recantos, é recortada como sempre gostei de casas, permitindo criar, dentro de si, para cada zona, lugarzinhos com identidade própria. E, apesar desta topografia irregular, tudo encontrou aqui o seu lugar certo, quase como se estivessem destinados a esta casa. É difícil explicar isto mas é verdade. 

O meu louceiro alto, comprado há muitos anos na Conceição Vaz Costa, ainda ela estava na Rua da Escola Politécnica, cabe milimetricamente na parede do recanto da sala de jantar. E o louceiro baixo, comprido, que tinha sido comprado à medida da outra sala de jantar, chegou aqui e ajustou-se entre duas janelas, devidamente descontado o espaço para os cortinados. Mas isto aconteceu com tudo. Como peças de um puzzle, tudo se foi encaixando.

Na altura, na fase de andarmos a ver casas, quando viemos vê-la, estava ainda mobilada. E a decoração, embora um pouco mais pesada do que a que normalmente me agrada, foi-me simpática. Deixava espaço livre, tinha cor, aproveitava a luz.

Quando decidimos comprá-la, andávamos nós numa azáfama com as mudanças, um verdadeiro pesadelo. Não acabava. Deitámos muita coisa fora, demos muita coisa, em especial roupa, mas tivemos que preparar infinitos sacos e caixotes. Nessa altura, estava sem tempo e pedi à minha filha que descarregasse as fotografias do site da agência antes que a casa, por ter sido comprada, saísse do ar. Receava que não soubesse bem como usar os meus móveis para aproveitá-los ao máximo e ver se não tinha que comprar muita coisa, e, para isso, julgava eu, talvez me ajudasse ver como os antigos proprietários tinham aproveitado os espaços.

Não foi preciso. Nem mais me lembrei disso.

Mas hoje lembrei-me de ver essas fotos. Lembro-me de, ao ver a casa ao vivo, ter pensado que, tendo a casa uma arquitectura tão peculiar requerendo uma decoração tão 'à medida', iria ter alguma dificuldade em aproveitar as minhas coisas. E, no entanto, agora, comparando-as, parece-me que as minhas coisas nasceram aqui. 

E penso muitas vezes que, se eu tivesse querido conceber uma casa para mim, não sairia tão bem como esta. É como se esta casa tivesse sido feita para mim. É como se, tal como aconteceu in heaven, a casa tivesse esperado por mim, me tivesse escolhido.

Hoje, ao fim da tarde, deu-me uma daquelas minhas vontades de mudança: mudar as coisas de sítio, fazer rearrumações, redecorar. No entanto, parece-me tudo tão exactamente bem colocado que não vejo nada em que mexer. Nem os quadros. Nem os bibelots que a minha filha escolheu de entre os existentes e colocou de uma maneira tão cirúrgica que não dá para mexer.

Percorri a casa, divisão por divisão, feliz por este milagre. Está aqui tudo e está tudo tão harmonioso, tão aconchegante, leve e alegre que não quero alterar nada. Se mexer, estrago.

(Só não sei como vou conformar-me por não ter como andar com as coisas às voltas...)

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Mas deixem que vos mostre duas casas muito bonitas -- uma na cidade, outra no campo -- em que a arquitectura e a decoração e o espaço envolvente e a luz se conjugam de forma harmoniosa e feliz. Foram ambas adaptadas de forma muito orgânica pela arquitecta e dona, Barbara Weiss.

Architect Barbara Weiss Takes Us On A Tour Of Her Upside-Down House, A Converted Pub In Westminster

Designing a home in central London comes with its fair share of challenges and considerations. See how architect Barbara Weiss has ingenuously overcome them, forging private spaces, a rooftop garden and soaring open plan living from an old pub.


Architect Barbara Weiss Invites Us To Her Inside-Out House, A Transformed Cottage In Wiltshire


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Pintura de Van Gog e peças em vidro de Murano na companhia de Jakub Józef Orliński que interpreta Sento In Seno de Vivaldi enquanto Kwinten Guilliams dança
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Um bom dia
Saúde. Harmonia. Paz.

segunda-feira, setembro 12, 2022

Um domingo tranquilo na despedida do verão



Tenho a dizer que tive um domingo bem tranquilo. No sábado tinha ido sair com a minha mãe, demos um belo passeio ao sol, à beira rio, depois pela cidade e acabámos a lanchar numa esplanada.

Antes já tinha lavado a roupa, tinha arrumado a casa. Tempos houve em que a roupa transitava da máquina de lavar para a de secar. Desde que esta se avariou voltámos ao são hábito de secar a roupa ao ar, no estendal. Dá mais trabalho mas prefiro. 

Mas, portanto, o domingo nasceu sem compromissos. 

Dormi até que o sono me quis, tomei o pequeno almoço nas calminhas. Coisa boa.

Depois, caminhámos e estava um sol bem bom que quase me arrependi de não me ter protegido com o meu sprayzinho SPF 50.

Para o almoço, fiz legumes estufados ao de leve, qualquer coisa a meio caminho entre os simplesmente cozidos e os lightly guisados. Coisa soft. Em cima, escalfei dois ovos pois adoro ovos escalfados com o sabor do molho em que cozinham. Desta maneira os legumes ficaram não-binários, talvez na versão fluida. Ou seja, a ideia é que os legumes dessem quer para acompanhar o peixe do almoço quer carne amanhã. 

Ao lado, numa frigideira, em azeite alourei cebola às rodelas, dentes de alho (aos quais não tiro a casca), louro, uns pezinhos de perfumado alecrim. 

Quando estava tudo já bem lourinho, quase caramelizado, coloquei por cima lombos altos de atum. Por cima dos lombos deitei pedrinhas de sal e raspa da casca de uma lima. Depois, para reforçar, cortei a dita lima às rodelas e coloquei-as na frigideira. Virei os lombos para não ficarem passados. Douradinhos nas superfícies mas rosadinhos por dentro.  Nem sempre é fácil. Com medo que os lombos fiquem crus, frequentemente deixo-os passar do ponto. Mas, desta vez, interceptei-os a tempo. Ficaram au point.

Depois de almoço, estendi-me lá fora a ver se dormia. Mas deu-me vontade de procurar umas coisas na net e passou-me o sono. (Ando com umas ideias e, para não tentarem demover-me, fui procurar às escondidas).

Depois fomos passear para a zona nova da Expo. Ainda lhe chamo Expo porque me parece mais mignon que Parque das Nações. Prédios muito bonitos, todos iguais, uma disposição e uma dimensão equilibradas, bem pensadas. Toda aquela zona tem uma organização muito interessante, com parques infantis, máquinas de desporto, espreguiçadeiras de madeira à beira rio, passeios largos e jardins muito bonitos. 

A turma da minha filha já lá estava. Quando o urso felpudo os viu ficou doido de alegria. Salta para um, salta para outro, abraça um, abraça outro, uma euforia. É um extrovertido.

Na marina, vimos uma coisa que nos deixou cheios de ideias: casinhas-flutuantes. São casinhas e são barcos. Cada uma tem um terraço com zona de lounge, com bicicletas, e, em cima, um outro terraço com espreguiçadeira e cama de rede. Tem motores e volante. Os meninos, habituados a velejar, diziam que devia ter âncora e cabos (ou correntes?) e, perante a perspectiva dos avós saírem pelo rio sem estarem habituados às manobras marítimas, ofereceram-se para ir numa outra casinha para nos irem dando apoio. Mas escusam de se preocupar, não sou de me afoitar mar adentro. 

Se experimentasse era para me manter acostada, só para sentir a leve ondulação, para experimentar dormir sobre as águas e acordar envolta em maresia. Contento-me com pouco.

No regresso, fui ao supermercado fazer as compras da semana.

Para o jantar, comprei massa não de farinha de trigo mas de lentilhas. Trouxe também salmão fumado, bolinhas de mozzarela, salada de alfaces, coentros. O meu marido partiu ainda tostas aos bocadinhos lá para dentro. Croutons, pois então. Temperei a minha salada com molho de manga e lima, um molho que lá vi num frasquinho e que me pareceu que faria pendant com a salada que tinha em mente. O meu marido não vai nas minhas aventuras e temperou com azeite e ketchup. 

E depois de arrumar a cozinha e de pôr mais comida na tigela do cão, desloquei-me até este meu poiso, o sofá onde me sento a escrever estas conversas vadias.

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Como faço sempre que ligo o computador, espreito o que o YouTube tem para me oferecer. Há dias em que abro um vídeo, abro outro. Acontece que o sono que não dormi a seguir ao almoço está agora aqui a puxar-me pela pestana e, por isso, vi o primeiro e gostei o suficiente para ficar por ali. E vou partilhar pois o que é bom para se ver.

Marieta Severo abre sua casa no Rio e mostra coleção de arte popular brasileira | Lar

Em episódio da série documental "Lar: Vida Interior", a atriz Marieta Severo abre as portas de sua casa no Rio de Janeiro e mostra sua coleção de arte popular brasileira. A paixão pela cerâmica começou ainda na década de 70, e só cresceu ao longo dos anos junto com o número de itens. Com obras de artesãos como Roque Santero e Tiago Amorim, a coleção se expandiu tanto que Marieta chamou uma museóloga para catalogar cada obra. Dê play e conheça esse verdadeiro tesouro que a atriz guarda em sua casa!

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As flores nasceram das mãos de Van Gogh e pela mão dos Tindersticks vem For The Beauty

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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boa disposição. Paz.

sábado, maio 21, 2022

No fim de mais um dia daqueles, apesar da noite não estar estrelada foi-me oferecido de bandeja um grande discurso

 


Por razões que não vêm ao caso tenho dormido muito pouco. Por umas razões ou por outras, tenho sido forçada a acordar cedo demais, não conseguindo dormir os mínimos dos mínimos. E se antes encaixava bem noites seguidas com poucas horas de sono agora já me custa.

Acresce que os dias têm sido longos demais. Longos, cansativos, stressantes. Esta sexta, por exemplo, começou cedo com um telefonema complicado. Acabou o telefonema e fiquei incomodada. Tentei digerir mas não descia. Liguei de volta para dizer de minha justiça. Não consigo processar incómodos sem soltar os cachorros. Está-me na massa do sangue. E foi uma hora de discussão acesa. Há momentos em que há que encontrar o devido equilíbrio entre ser-se contemporizadora e ter a mão pesada. Eu tendo para a mão pesada pois não creio que faça sentido ser de outra maneira para quem não é leal nem se esforça por ser competente. Ele acha que é preferível tê-los por perto do que afugentá-los e deixá-los à solta a fazer não se sabe o quê. Mas estou cansada e sem paciência para paninhos quentes, para jogos de espelhos.

Mas, enfim, é o que é. 

Por vezes penso na dificuldade que tenho quando os miúdos me perguntam: 'Mas fazes exactamente o quê?'

O que faço é isto. Tomar decisões que nem sempre agradam a todos, questionar quem preferia não ser questionado, não satisfazer as vontades de todos, puxar por quem preferia estar quieto, mandar estar quieto a quem faz o que não deve, tentar que se entendam alguns que não podem nem ver-se. Coisas assim.

Por isso, chego a esta hora e estou off ou quase. 

Hoje, depois de almoço, não tendo nenhuma reunião agendada para a próxima hora, reclinei-me. E adormeci instantaneamente. Infelizmente logo tocou o telefone. Há bocado, aqui no sofá, estava a ver as notícias quando senti que não aguentava. Encostei a cabeça para trás e pimba. Não estaria completamente anestesiada pois estava a ouvir vozes familiares. Mas não conseguia processar a quem pertenciam nem abrir os olhos para tentar esclarecer. Só passado um bocado consegui sentar-me melhor e ver o que se passava. O Masterchef Australia. Não sabia que estava a dar nem faço ideia em que episódio vai. Pena não ter acompanhado de início.

Agora, mais ou menos acordada, estou a ver o Pantanal. Não vi da primeira vez, não sei porquê. Fui ver quando foi e vi que foi em 1990. Eram os meus filhos pequenos. Desses tempos lembro-me é da minha labuta para acompanhá-los o melhor possível apesar do tanto trabalho que tinha, apesar das filas de trânsito, apesar da labuta que me trazia numa correria. Provavelmente à noite, depois de os pôr a dormir, depois de arrumar a casa e preparar as coisas para o dia seguinte, já não me sobrava tempo para telenovelas. Se calhar só para ler um bocado. Não sei.

Antes de jantar, fui dar uma volta no jardim. Agora nem isso tenho podido. Reparei que uns vasos estavam quase secos. Não sei como fui esquecer-me de os regar. Deu-me uma inquietação de verdade. Uns arbustos que escolhi e plantei e tratei com tanto cuidado e fui esquecer-me de os regar. Parece que estava fiada nas pingas de chuva que de vez em quando haveriam de cair. Mas tem estado tanto calor e chuva nenhuma. Fui logo a correr encher o regador, uma e outra vez. Mas não sei. Nem quero pensar. Olhava para os pequenos arbustos, antes tão viçosos e agora ressequidos, uns se calhar já sem recuperação. Como foi isto de me esquecer...?

O tempo não me chega para todas as obrigações. Mas regar os vasos é daquelas que não podia ter-me esquecido -- e esqueci.

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Estive há pouco a ver o que o YouTube tinha para me sugerir e só posso tirar o chapéu às mentes brilhantes que concebem o algoritmo que o movimenta. Já é inteligência artificial (IA) e eu, que tanto me preocupo com os riscos da IA neste mundo ainda tão desregulado no que a isto diz respeito, afinal sou consumidora de produtos que me são dados a comer por um algoritmo. Ele mostra-me o que 'acha' que eu gosto e não me mostra o que 'acha' que eu não gosto. E acerta bastante no que eu gosto. Mas não sei se, mesmo que na melhor das boas intenções, a de me agradar, não me oculta muito do que se calhar eu gostaria de conhecer. Mas, enfim, é um produto que uso gratuitamente e, por isso, não posso esquecer-me de que quando consumo um produto que não pago é porque o produto sou eu. Portanto, adiante.

Estava eu dizendo que estava a ver o youtube e apareceu-me um excerto do fantástico O Grande Ditador. Como o que é bom é para ser partilhado, aqui o deixo convosco.

Charles Chaplin - O Grande Ditador - Discurso final

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Ilustrações de Alireza Karimi Moghaddam (que vive em Lisboa) sobre a vida e obra de Vincent van Gogh 

na companhia de Don McLean com Vincent (Starry Starry Night)

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Desejo-vos um bom sábado

Saúde. Alegria. Serenidade. Paz.

segunda-feira, novembro 15, 2021

Sob o Sol e Move me - dois filmes da Netflix que dão gosto ver

 


De vez em quando esqueço-me ou não tenho tempo. Passam-se tempos sem frequentar. Por isso, ainda não atinei com algumas coisas que devem ser básicas para toda a gente.

E depois aborreço-me, desisto. As coisas deveriam ser simples, intuitivas. Não deveria haver inteligência numa caixa ou numa estante. Se eu quero ir à procura de uma coisa deveria ser capaz de encontrá-la.

Mas não. O que vi, deixa de estar visível. Se quero procurar os filmes que já vi, não consigo. 

Se não me lembro minimamente do nome nem sei o nome dos actores ou realizadores então é que estou no mato.

Gostava que me aparecesse um separador a dizer 'já vistos'. Mas não descubro. 

Vou interromper para ver se consigo descobrir o que quero, para vos dizer. Daqui por uns anos, talvez não muito, ou consigo ir acompanhando o maravilhoso mundo das apps e da forma como nelas navegar ou ficarei isolada. Não é uma boa perspectiva.

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Bem. Já descobri. É que vi um filme na Netflix de que gostei bastante e não apenas queria recomendá-lo como queria falar de um outro de que também gostei. O de hoje, mal fora, ainda sei o nome. Agora o do outro dia não tinha nem ideia. Tive que googlar para ver como pesquisar filmes ou séries já vistas. Não é directo. Consigo ver a minha actividade mas apenas me aparece o nome do que vi. Tive que ir clicando até acertar com o que queria. E agora também não consigo encontrar no youtube o respectivo trailer. E não sei se na Netflix há maneira de obter o trailer para partilhar. Chatice.

Nada disto é simples.

Mas o que eu gostava de dizer é que não ando muito numa de grandes dramas, pesados sofrimentos (por exemplo, a série Maid, com uma incrível Margaret Qualley no papel principal, é extraordinária mas deixa um rasto de desgraça, um travo a infortúnio, esmaga-nos a muita luta e muita dor por que Alex passou para conseguir tirar o pé da lama), não ando numa de ambientes negros, muita sombra e pouca luz.  

Não: procura justamente o oposto. Nos espaços livres ao fim de semana, como praticamente desisti de ver televisão, entretenho-me com a Netflix. Mas carrego em várias opções até conseguir fixar-me. Muita palhaçada, muita frivolidade, ou, pelo contrário, muita coisa às escuras.

Hoje acertei. Vi Sob o sol e gostei imenso. É um filme sueco. É daquelas que não pesco uma pelo que tenho que, forçosamente, ler as legendas. É um filme luminoso, tranquilo, terno, romântico, simples. Mas que prende. Na sua simplicidade, é um filme com uma luz que me prendeu do princípio ao fim. E os personagens principais, Olaf na sua candura e Ellen na sua misteriosa sofisticação, levam-nos pela mão até à última cena.

O outro filme, creio que dinamarquês, é Move me. Também simples. Despretensioso. Mas muito directo, muito espontâneo, muito agradável, muito bom de se ver. Não há subententidos, não há rancores, escuridões. Há uma mulher que parte para outra. Não sem dificuldades, hesitações, percalços. Mas com simplicidade e uma energia muito positiva. A gente vê o filme e fica na boa.

Não serão filmes de agora mas, diria, são histórias intemporais. Não sou entendida, sou apenas apreciadora. Por isso, não levem a mal a superficialidade da apreciação. 

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Outra coisa chata na Netflix é que, se quiser encontrar a banda sonora dos filmes, também não é directo. Gostava de aqui colocar alguma das músicas de algum destes filmes mas, de forma linear, também ainda lá não cheguei.

Portanto, terá que ficar 'Here comes the sun' na interpretação do prodigioso Jacob Collier para acompanhar esta pintura solar de Van Gogh.

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Tudo de bom. Dias felizes.

segunda-feira, junho 07, 2021

Um domingo feliz com História e outras histórias dentro

 


O dia hoje foi perfeito. A tarde maravilhosa e nós envoltos em verde e harmonia. A minha filha trouxe merendinhas, um bolo de noz e revistas para eu me sentir em férias. Toda a vida, quando íamos de férias para algum lado, em especial para o Algarve, eu comprava uma revista, podia até ser a Caras, a Hola. Parecia que as férias tinham que ser uma disrupção, um corte com a rotina. Estar em férias, sem ralações, sempre me pareceu que pedia uma daquelas revistas que eu jamais compraria. Portanto, comprava. E gostava de ver aquelas coisas surpreendentes.

Então, trouxe-me revistas. E eu fiquei comovida com aquilo de que ela foi lembrar-se. O meu marido também. Tenho-me comovido bastante nestes últimos dias. E o meu marido também.

Um dia talvez conte.

O meu filho trouxe croissants, cada um com seu recheio. Bons, bons, bons. Acho que são de uma cadeia de pastelarias muito conhecida. Como geralmente ando por fora das novidades, desconhecia. Adorei. Brie com compota de frutos vermelhos. Requeijão e nozes. Maçã e canela. Claro que, de cada, só um pouquinho. O que sobrou, guardámos e, ao jantar, comi mais um bocadinho. Uma delícia.

Como geralmente acontece, a minha filha maquilhou a sobrinha e a sobrinha maquilhou a tia. Depois a minha menina mais querida maquilhou-me também a mim e também me pintou as unhas. Está cada vez mais linda, mais coquette. Uma menina linda, adorável. No outro dia, enviou-me uma mensagem que me deixou de lágrimas nos olhos.

A mãe pintou as suas próprias unhas e foi avisada que, da minha parte, não vai ter aquilo que me disse que talvez gostasse de ter pelos anos. Riu-se e disse: 'Está bem'. Uma vez mais ousei e, uma vez mais, faço figas para que goste do que, daqui por pouco tempo, vai receber. 

E conversámos. Conversa de mulheres, enquanto os rapazes andavam nos seus desportos de eleição. Levámos as cadeiras para o que ainda havia de sol, e estivemos à conversa. Falámos de nós, falámos de outras pessoas e outras situações. Conversar é uma coisa boa.

Este fim de semana não deu para ir buscar a minha mãe mas a minha filha enviou-lhe fotografias e depois ligou-lhe e ouvi que ela também ligou para o neto, qualquer coisa a ver com senhas de recuperação, dúvidas lá das andanças dela pelas netes.

O mais pequeno, menino mais querido, andou a brincar com os seus carrinhos, a pôr e transportar terra. Depois andou a regar as flores e as árvores. Não resisti e abracei-o e beijei-o no pescoço. Avisou-me: olha que estou sem máscara... Tranquilizei-o: Mas por isso é que te abraço pelas costas e dou beijinho na parte de trás do pescoço.

Quando estava a ir-se embora, fui dar-lhe a mão, chegar-me a ele. O meu filho avisou: olha que ele está cheio de covides. Anda no colégio, naquela idade ninguém usa máscara na escola, portanto é daquelas que ninguém sabe. Ele acrescentou: E ainda não levei a vacina... Menino mais inteligente, sabe tudo como se fosse um rapaz crescido.

Os outros rapazes estiveram a jogar rugby com o tio. Ou futebol, nem sei. Ou as duas coisas. Jogam afincadamente, caem, fintam-se, transpiram, sujam-se. Mas vê-se a alegria que aquilo é para eles. Tirei-lhes fotografias, feliz por vê-los tão felizes.

Enquanto lanchávamos, os dois meninos do meio, o menino que fez dez anos e a menina que vai fazer onze, começaram ao despique com coisas de História. Depois desataram a fazer perguntas a mim e ao avô. Falhámos várias. Sabem imenso daquilo. Fiquei surpreendida. O meu filho confessou que foi coisa que não lhe entrou, história. Também sempre foi dos meus pontos mais fracos. Tive maus professores de história e com a aversão que sempre tive a decorar coisas, acabei por me desinteressar. Por isso, é com espanto, agrado e orgulho que constato como estes dois sabem e gostam tanto.

Os outros dois rapazes, o mais velho, o que não tarda terá treze e a quem já se nota o buço, e o mano do meio do grupo de três, o que tem oito, têm outra especialidade: o futebol. Sabem tudo o que há para saber, nomeadamente o nome de todos os jogadores e respectivas posições, seja de onde for. Saint Germain, Lyon. Sei lá. Estava parva a ouvi-los. Não faço ideia de como sabem tudo aquilo. Começam: à baliza...E vão por ali fora, desfiando posições e nomes. O meu filho gozou: useless knowledge. Mas a verdade é que eles vibram com aquela informação. O mais velho disse que também está sempre a ver o site das contratações. Fiquei estupefacta. Site de contratações? Mas há um site sobre contratações? Há assim tanta matéria...? E porque é que ele gosta de acompanhar isso? Não faço ideia. O mundo é um belo exemplo daquele espaço topológico que dá pelo nome de bola aberta. Uma realidade infinita, de formas indefinidas, variáveis.

Depois o grupo do meu filho foi para casa, o meu marido quis ir ver o futebol e a minha filha ainda me deu uma boleia para um breve passeio até à praia, o mais velho a ouvir o relato pelo telemóvel. E, então, o mais novo, o menino mais desportivo, aquele que sempre vimos como o mais physical mas que sempre se sai com coisas surpreendentes, começou a fazer perguntas sobre Pablo Picasso. E sobre da Vinci. Disse que gostaria de ver a Mona Lisa ao vivo. E depois sobre Van Gogh. A mãe admirada: mas onde é que ouviste falar nele? Encolheu os ombros. E eu, então, ainda mais admirada. Depois falou de uma pintura com uma noite com muitas estrelas. A mãe boquiaberta. Mas como é que tu sabes disso? Ele não explicou. Mostrei-lhe no telemóvel se era aquela. Era mesmo. Então lembrei-me de lhes dar a conhecer o Vincent (Starry, starry night). Ficaram a ouvir, ambos zen, no banco de trás, pareciam hipnotizados a ver o vídeo em que iam passando imagens das pinturas de Van Gogh. A minha filha disse que, por pouco, eu não os tinha adormecido. E sugeriu que hoje aqui pusesse esta música. 

Gostava de me meter no carro e ir com eles visitar museus, mostrar-lhes, ao vivo, todas estas pinturas. Holanda, Paris, Madrid. Acho que iriam adorar. 


E, pronto, foi este o meu dia de domingo. A realidade do dia anterior já longínqua, improvável. E eu a pensar que por cada dia feliz que alguém vive há uns quantos dias infelizes para outros alguéns. A vida devora a vida. Tendemos a querer esquecer o que não são boas recordações. 

Quando, no outro dia, eu e o meu filho estávamos lá à porta, enquanto o meu marido não chegava com o carro para me levar, nós íamos falando e, ao pé de nós, uma jovem mulher falava ao telefone, chorando, inconsolável. Falava e chorava e a sua voz denunciava aflição, angústia, medo. Afastámo-nos um pouco, o meu filho querendo proteger-me da dureza que é a constatação, a cru, das mais dolorosas emoções. Mas poderemos alguma vez proteger-nos disso? Conseguiremos aprender que tudo faz parte da vida? 

Alguém pinta a luz e o ouro que banha os campos e as flores e a vida: uma jarra de girassóis, um campo de lírios, uma árvore em flor, uma planície ensolarada. E, do outro lado, uma pessoa angustiada, deprimida, automutilando-se -- a mesma pessoa. Os dois lados da vida. As múltiplas faces da vida. As nossas múltiplas faces.


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Desejo-vos uma boa semana 

quarta-feira, maio 12, 2021

Verde que te quero verde

 

Aqui em casa gritou-se a plenos pulmões Spoooooooooorttiiiiinnnnng....!!!!. Sendo contido como sempre é, quando toca ao seu Sporting, a efusividade do meu compagnon de route é total. 

De casa da minha filha, mal a coisa se confirmou, veio a alegria dos meninos. Um deles vestido a preceito, o outro mais contido, todos contentes, o meu marido de cachecol ao peito para festejar com os netos, uma videochamada de alegria partilhada.

O pai dos meninos, também sportinguista, já lhes prometeu que, no fim de semana, também vão festejar para o Marquês (de carro). Ora bem. Quem pensava que o Marquês era encarnado, que encaixe lá esta.

De casa do meu filho, encarnado convicto, veio, para o grupo da família, um desportivo 'Parabéns aos Sportinguistas'.

Quanto ao ajuntamento e à molhada que as televisões têm mostrado, uma onda verde e feliz a inundar as ruas de Lisboa (e, se calhar, do País inteiro), o que posso dizer é que hoje até o corona se vestiu de verde. 

Corona versão campeão

[E, se é certo e sabido que os sportinguistas são gente fina, só espero que o corona, certamente also in green dress code, também esteja a portar-se bem, educadamente, e que, numa de ser polite, esteja a bater as asinhas e a encolher os totós para não se enfiar na boquinha dos patuscos que, no meio da confusão, se esqueceram de usar máscara]

E viva o Sporting! E vivam os verdes de Portugal!


Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.

[Excerto de poema de Federico García Lorca]


terça-feira, março 16, 2021

Como as andorinhas na Primavera, os meus meninos começam a regressar

 



Esta semana começou especial, como ontem contei. Como é sabido, a semana começa ao domingo, dia de descanso. E dia de encontros. Vieram buscar as bicicletas para darem um passeio por aqui. E, mal chegaram, desataram a brincar, a andar de balouço, o mais novo foi logo buscar os carrinhos ao baú, a menina já tão crescidinha, o mano do meio cheio de força, num ápice a subir pela corda até ao cimo da árvore. Mas foi visita rápida, confinamento oblige. Fechados durante tanto tempo, hoje dois deles retomaram a escola e, portanto, a véspera foi para desopilar. 

E assim, boa, está a continuar esta minha semana. Tenho hóspedes. Têm a casa em obras, mudaram-se para cá. Como têm estado confinados e nós também, acreditamos que não vamos contagiar-nos uns aos outros.

Chegaram maiores, cabelos grandes, bem dispostos. Agarrei-me logo a eles. De dentro, o meu marido gritou por mim, com ar zangado. A minha filha adivinhou logo: 'ouviu'. Quando estou cheia de saudades, os meus beijos viram beijocas, efusivas e ruidosas. Quando entrei em casa, estava aborrecido: 'não tens cuidados nenhuns, a primeira coisa que fazes é agarrares-te a eles aos beijos'. Expliquei que acredito que estão desinfectados e, ademais, foi no pescoço, mais concretamente na nuca. Mas abracei-os, bem juntinhos a mim, e vá de beijocas. Não há-de ser nada. As saudades já eram muitas.

Mal mudaram de roupa e lancharam, foram para o andar de cima, cada um para o seu lugar preferido. E ao jantar, rica saúde, dá gosto vê-los, comeram que nem uns desalmados. Sopa de legumes e costeletas com couscous. Quando estava a fazer as costeletas, achei que eram demais, um exagero. Hesitei. O meu marido que, na altura, passava por ali, disse: 'Faz tudo, fica para o almoço'. E quando estava a cozinhá-las, tantas, pensei outra vez: um exagero. Afinal sobraram três. A minha filha diz que não sabe o que lhes dá, parece que ficam varados de fome. Comem, comem, e não ficam barrigudos e, segundo dizem, nem se sentem cheios. 

Quando acabaram, voltaram a correr para o andar de cima: o mais velho, que está mesmo quase da minha altura, para o cadeirão relax, com uma mantinha de veludo macio por cima, o mais novo, na mesa. Ambos jogando, felizes por estarem ali. Aquele espaço, todo só para eles, é o seu reino. 

Agora já dormem, claro. Estão em aulas. Ao jantar, a conversa foi sobre história de Portugal. O mais novo tem teste. Sabia bem a matéria. A fundação do reino. Batalhas, disputas, dramas familiares. O mano mais velho também ainda a tinha fresca. Quando passaram para a dinastia seguinte, o avô contou mais pormenores mas o mais crescido aconselhou o irmão a não usar essas informações pois não fazem parte da matéria escolar e a professora poderia não aceitar. Achei graça. 

Contudo, a nível profissional, o meu dia voltou a não ser especialmente fácil. Como em tudo na vida, também aqui há altos e baixos. Não é fácil agradar a gregos e troianos. Onde uns se sentem motivados e agradecidos, outros sentem-se pressionados ou pouco reconhecidos. E não andam à mesma velocidade e, por vezes, há quem tenhas sérias dificuldades em acertar o passo. Não é fácil orquestrar um grupo grande demais para tocarem todos afinados. Tenho, muitas vezes, que invocar todas as minhas forças para me manter firme, esperançada, com energia para convencer uns a fazer isto, outros aquilo, para explicar porque não podem ter isto se, antes, não fizerem aquilo, para os convencer a falar menos e focarem-me mais. Muito difícil. A Manuela Ferreira Leite disse uma vez que, para se conseguir uma certa coisa, só se houvesse ditadura durante uns tempos. Às vezes, isso ocorre-me. Seria mais fácil. Felizmente, é pensamento que rapidamente voa para bem longe. E, assim, no meio da saudável democracia, aturo queixas de uns e outros, assisto quase impotente a como se desfocam e perdem tempo e energias a discutir o que não interessa para nada.

Mas, enfim, esta semana vou tentar que tudo isso, todas as preocupações que diariamente se sucedem,  passem um pouco para segundo plano. Não me será fácil mas acho que devo tentar. Se pudesse tirava até uns dias de férias. Por sorte o tempo está a ajudar, um solinho quentinho de dar gosto. Uma primavera a vir devagar e com ares de vir a ser boa.

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Hoje estou numa de rosas de Van Gogh. E, se me permitem, deixem que partilhe mais um vídeo de decoração. 

Tenho uma amiga que comprou um prédio na Baixa e dele fez uma casa com vários pisos e que, inclusivamente, tem um pequeno jardim e horta nas traseiras. Obra de arquitecto, claro, que soube transformar um prédio de pequenos e antiquados apartamentos numa casa incrível, ampla, moderna, cheia de luz. Claro que tem alguns escolhos. Por exemplo, diz que tem que ter um aspirador em cada piso para não andar a carregar com ele pelas escadas. Já está estruturada para poder vir a ter um elevador interior pois, como ela brinca, 'esta casa não é para velhos'. Tem a cozinha no que era a cave, a grande sala de estar no rés do chão, os quartos no primeiro andar, a biblioteca e o atelier nos dois últimos pisos. E tem um gato que se sente a viver num palácio.

E lembrei-me dela ao ver o vídeo abaixo.

Architect Barbara Weiss takes us on a tour of her upside-down house, a converted pub in Westminster


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Uma feliz terça-feira
Sorrisos. Afectos. Sol.

quarta-feira, setembro 16, 2020

Emocionar uma mulher





Como referi há pouco, ao responder à magna questão sobre vinco, sim ou não, nos punhos das camisas dos homens, outras palavras escritas nos motores de busca que remeteram para esta vossa humilde casa, despertaram a minha atenção: emocionar uma mulher.

Para começar, uma dúvida: quem escreve isto, quer satisfazer que tipo de curiosidade?
  • Quer encontrar poemas que emocionem uma mulher? 
  • Músicas emocionantes? 
  • Quer saber truques para, através da emoção, mais facilmente conquistar uma mulher? 
Ah, como eu gostava que quem aqui chegou pela via da emoção feminina viesse explicar-me o que pretendia. Como me ajudaria a tentar uma resposta condigna.

No entanto, não sabendo nada de nada, vou arriscar e dizer algumas coisas que emocionam uma mulher. Para não cair na abstração, terei que pensar em mim, claro. De todas as mulheres, supostamente sou a mulher que melhor conheço. Digo supostamente... porque não estou certa disso. Mas, enfim, arrisco de novo. Não será fácil mas vou apelar a todos os anjos e pensar no que me emociona.


Emociono-me quando vejo uma flor escandalosa, as pétalas como petulâncias desfolhadas em amarelo, cheias de sol, uma loucura de perfeição e luz

Emociono-me quando me sento ao sol, sob as buganvílias em flor, e vejo as finas hastes do chorão tombando, verdes, todas leveza, e ouço o canto dos pássaros e sinto o ar morno, dourado, sereno, a eternidade pousada ao de leve na minha pele

Emociono-me quando ouço algumas músicas que me fazem fechar os olhos e lembrar momentos raros, a paz envolvendo-me, a memória e os sonhos confluindo para receber a dádiva dos acordes que fazem vibrar todas as minhas cordas


Emociono-me quando ouço dizer um poema, a voz de quem diz entregue à toada, o fio de voz entregue à beleza das palavras, arrepio-me, entrego-me também ao prazer do mistério que a poesia sempre encerra

Emociono-me perante a força do mar, a quietude do rio, o verde do bosque, o inocente florido dos jardins, o desprendido e alegre cantar dos pássaros, a força telúrica das montanhas, o calor húmido da terra

Emociono-me com as crianças, com as brincadeiras inocentes e desbragadas das crianças, com a sua jovialidade, com a sua vida cheia de futuro, com a sua felicidade contagiante e, em especial, emociono-me, uma emoção reconhecida, agradecida, com a companhia e com a alegria das minhas queridas, queridas crianças

Emociono-me com a generosidade, com a bondade, com a simplicidade dos pequenos gestos, com a cumplicidade genuína que unem pessoas que se estimam

Emociono-me com os sorrisos que vêm do coração, com os sorrisos velados, com os sorrisos que me acariciam, com os sorrisos que me beijam, com os sorrisos que não vejo mas adivinho

Emociono-me quando alguém sabe adivinhar a ideia que derruba as minhas barreiras, que cria laços, que aproxima contrários, que inexplica o indecifrável, que abre portas e janelas e me mostra o outro lado do mundo

Emociono-me quando vejo dançar, o corpo feito ave, os braços feitos asas, o espaço feito música, o céu a envolver os movimentos soltos, livres, alados 

Emociono-me perante a pintura inexplicável, o sangue feito cor, a alma feita negrume ou alvorada limpa, virgem, o abraço feito azul, mil tons de azul, os beijos feitos de luz, os sentimentos tingidos, tecendo uma trama infinita, indefinida, imaterial e bela.

Emociono-me quando penso nos que amo, quando estou com os que amo. 

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E, se estivesse aqui até chegarem, murmurando, os lobos, aqueles lobos que descem da noite e caminham em silêncio junto a estas paredes, olhos brancos e bafo ardente, acrescentaria mais uns quantos pontos ao que me emociona. E se estivesse ainda um pouco mais, até à hora em que os pássaros acordam e o dia desperta, mais ainda haveria de acrescentar.

Mas fico-me por aqui. Não quero que os lobos ou os pássaros da manhã se surpreendam com a minha presença. A noite a e madrugada são-lhes devidos.

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Pinturas obviamente de Van Gogh 
com Jane Siberry & KD Lang a ajudarem-me no apelo aos anjos: Calling all angels

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E um dia feliz e com boas emoções, sejam elas pr'ó menino ou pr'á menina

quarta-feira, abril 22, 2020

Agruras de uma criatura em dia não muito sim





A questão é que hoje não estou em forma: dormi mal a noite passada e, por isso, estou perdida de sono. Em cima disso, dói-me a garganta. Há tempos, a minha mãe disse-me que costuma curar as dores de garganta gargarejando com água morna salgada. Hoje o meu marido disse que, no outro dia, lhe doeu a garganta e experimentou a mezinha da minha mãe e que, curiosamente, ficou logo bom. Mas não me afoitei, acho que sou capaz de não me sair bem, às tantas ainda me agonio, sei lá. Por isso, estou para aqui sempre a adormecer e com dores de garganta. Também sinto uma afta na ponta da língua o que igualmente me incomoda. E a mão ainda me dói. Diria que o meu corpo se descompensou, seja lá o que isso quiser dizer.

Como sou muito somática, toda eu corpo, se alguma coisa em mim se manifesta assim, logo eu fico nula, sem nada dentro, muda, nada que dizer. Não existe mente nem psique que resista a um corpo em oposição. Isto em mim, claro. Que há-de haver gente, muitos de vós, em que, mesmo com o corpo desfalcado ou insurrecto, a mente e a psique se mantêm nos eixos, segurando o equilíbrio de tudo. Eu não. Eu apeio. Eu cedo. Eu baqueio. A mente e a psique dissolvem-se no ar e sobra o corpo em estado de desagrado.

Portanto, como se vê, estou aqui sem tema, sem vontade, incapaz de prosa.

E os dias também não ajudam. Estou entre fogos cruzados, entre indecisões que não são minhas, entre diferentes pontos de vistas, entre muitos trabalhos, e, volta e meia, quando me sinto quase cercada, com alguma tentação pela indiferença. Por vezes, acontece sentir-me quase atordoada. E o mau tempo e o frio não passam. E eu, que gosto tanto de calor e de pouca roupa, ando encasacada, de meia grossa, metida em casa e a casa fica escura porque não há sol a vir lá de fora. Hoje, por acaso, o sol, a espaços, até deitou os pauzinhos de fora, raiou um arzinho de luz. Mas foi coisa pouca: logo acinzentou, o ar frio, o vento a fazer adernar árvores e arbustos. E o telefone sempre a ocupar o espaço. 

Hoje o meu marido saíu-se com uma. Disse aquilo em que já tantas vezes pensei em segredo. Claro que, mal ele falou, cortei cerce. Que não, que nem tal me passa pela cabeça, que ideia, nem vale a pena. Mas, em segredo, digo que é coisa que tem passado pela cabeça, sim. Mas sei que não, que não é a hora. Ademais, até me esqueci de jogar no euromilhões. Portanto, adiante.

Ao fim do dia, enquanto falava ao telefone, fiz fotografias e sempre à mesma coisa, a primavera a chegar a medo, as flores, as cores,  os verdes. E fui ficando com a ideia que estavam bonitas, as fotos. Por vezes procuro a abstração. Tenho a ideia de que a perfeição há-de ser abstracta. É como um grande amor. Um grande amor há-de ser sempre impreciso, indefinido, inexplicável, intemporal. Vou a andar e antevejo uma mistura de tons, a luz transparecendo difusamente. Aponto a objectiva sem querer a precisão, dispensando o enquadramento. Quero apenas o momento, o injustificável momento.

Mas agora não me apetece ir à procura da máquina. Pousei-a por aí, não sei onde. Não é hora de enveredar por expedição. Amanhã há-de aparecer.

Estou a escrever, sentindo que não deve ser fácil encontrar um fio neste vadio vaguear e, ao mesmo tempo, vejo-me incapaz de me organizar. Não consigo, não quero. Tenho a ideia de que, se um dia, escrever um texto completamente desprovido de sentido, sentirei que estou quase lá. Um texto como uma mancha imprecisa, uma mistura, um instante, um segredo guardado, uma sombra esquiva deslizando na página.

Sei que tenho leitores muito racionais, muito cultos, muito disciplinados e imagino como devem sentir-se descoroçoados perante coisas assim, com vontade de cá não voltar a pôr os pés. Percebo-os. Tenho pena de não conseguir atinar, gostava de estar à altura dos mais exigentes. Enquanto escrevo, vejo-me no desconcerto com que devo estar a ser vista. E, no entanto, o sono, a dor de garganta, a afta, o cansaço e uma certa saturação impedem-me de tentar encontrar a disciplina que daria um rumo nisto. Nada a fazer.

(Mas, para dizer a verdade, também não me importo por aí além. Maluco que é maluco nem sabe quão maluco é. Pior: maluco que é maluco inventa desculpa para ser assim).

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O que posso dizer é que espero que, pelo menos, gostem deste vídeo:

David Hockney sobre Vincent van Gogh



E também deste.


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As fotografias são de © Stefan Fähler e vêm ao som de Leonard Cohen interpretando The Hills.

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Desejo-vos um dia bom. Saúde.

domingo, abril 19, 2020

Cartas (e concertos) em tempos de corona






Não poderia ser médica ou enfermeira. Assusto-me demais, impressiono-me como se a dor dos outros fosse minha, mas mil vezes superior ao que poderia suportar. Lembro-me de uma das minhas primas, um pouco mais nova que eu. Brincávamos na escada da minha casa. Eu era mãe das bonecas, mãe dela, toda eu ternura e instinto maternal, ou era cabeleireira e fazia tranças ou outros penteados ou fazia de conta que lhes cortava o cabelo ou lhes lavava a cabeça, ou era vendedora numa mercearia e tinha uma balança e uma caixa registadora e vendia coisas a peso e dava o troco. Mas ela era médica. E ou eu ou as bonecas éramos as doentes. Quando, uma vez, a nossa avó se queimou numa perna e ficou em muito mau estado, de cama, a perna envolta em ligaduras, eu fiquei assustada, com medo pela dor da minha avó, imaginando e temendo a gravidade das chagas. Mas a minha prima não, a minha prima quis ver as feridas, quis perceber o tratamento que tinha sido feito. Não sei se a minha avó lhe mostrou pois eu, a prima mais crescida, fugi com medo de ver.

É uma questão de vocação.


Numa altura em que nos resguardamos com medo do contágio, ela e outros médicos e enfermeiros e auxiliares e técnicos continuam a sair de casa para irem cumprir a sua missão. Não se sentem heróis. Sentem apenas que fazem o que devem fazer. E depois vai a casa dos meus tios. Descalça-se, despe-se, usa máscara -- e vai a casa dos pais. Eu não. Tenho medo de lhes levar algum contágio. Já basta ter que ir lá a senhora que ajuda no tratamento do meu pai. Acho que quanto mais resguardados estiverem melhor. Telefono duas vezes por dia, faço os pagamentos, tratei do irs, os netos também telefonam, fazem as encomendas online, garantimos que nada lhes falta, mas mantemo-nos fora da sua casa. Mas a minha prima é destemida, mesmo frequentando hospitais, não deixa de ir ver os pais. É corajosa.

Enquanto escrevo, artistas entram a partir de casa para o concerto One World: together at home. Toda a gente agradece aos profissionais de saúde. Mas agradece também a todos os profissionais de outras áreas que não tendo actividades que possam funcionar em teletrabalho continuam a ir todos os dias enfrentar os riscos que aí estão.

E tinha acabado de ouvir o convite de Benedict Cumberbatch a que, quem quiser, grave a leitura de uma carta e a envie, uma carta alusiva a estes tempos de distanciamento, distanciamento que, por vezes, é sinónimo de isolamento.


Fiquei com vontade de escrever uma carta e gravar a minha voz mas sei que, se a tenho naturalmente ciciada, muito mais frágil ela fica quando estou emocionada.

Por isso não escrevi nem li. Limito-me a estar para aqui a escrever coisas de nada e a esconder que me apetece receber também uma carta -- apesar de não ser técnica de saúde e apesar de ser uma sortuda e não ser devedora nem de gratidão nem de nada que se pareça com nada disso. Só porque gosto de receber cartas.


Seja como for, se, a si que está a ler-me, este isolamento está ser-lhe pesado, se gostava de receber uma palavra de atenção, se gostava de sentir que é em si que estou a pensar enquanto escrevo, se gostava de receber um abraço em forma de palavras, então saiba que sim, que são para si estas palavras, é para si que vai o meu pensamento. Tenho recebido tanto desde que aqui escrevo, tenho conhecido pessoas tão especiais, tenho-me sentido tocada pelo afecto que não sinto como distante mas, sim, genuíno, generoso, tão próximo. Não tenho como agradecê-lo. Sempre estarei em dívida.

[Mas, ainda assim, gosto de receber cartas. Ou poemas. Ou, simplesmente, palavras simpáticas.]


E sei que isto que estou a dizer é um absurdo pois o concerto a que assisto ou as cartas que devem ser escritas e lidas são para quem verdadeiramente as merece e eu deveria ter tino e não estar para aqui, em total despropósito, a confessar que também gostava de receber umas palavras para mim.

Mas adiante que tudo tem que ter limites, até a parvoíce.

O tema é: querem ouvir uma de que gostei de ouvir? Esta aqui abaixo. Quanta dignidade a de Joss Ackland, 92 anos.



E esta de Ana Frappell, tão comovente. 


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As flores foram pintadas por Van Gogh mais para lembrar que, como é bom de ver, ele não pintou apenas girassóis e, também como é bom de ver, não faço ideia de porque é que disse isto.

E antes de vos convidar a descer para verem a malta da Porta a parodiar as cenas da videocoisa, deixem que vos deseje um bom dia de domingo.

Saúde e boa disposição, pessoal.

E agora, se estiverem para aí virados, deixem-se deslizar até ao teletrabalho que vem já aí a seguir.

quarta-feira, outubro 23, 2019

Qual a última palavra?





Àquela pergunta maçadora sobre que livro levaria para uma ilha deserta caso apenas pudesse levar um, eu responderia: não respondo. Apenas respondo a perguntas que fazem sentido ou que falam de situações prováveis.

Mas agora, estava aqui a preguiçar, ocorreu-me uma ainda mais absurda: se fosse deixar de falar e só tivesse mais uma palavra para dizer, qual diria?
E isto não é improvável. Não me vou repetir contando detalhadamente o que aconteceu a uma tia do meu marido que um dia deixou de falar, conto apenas por alto. A irmã e o marido começaram por pensar que se tinha assustado por o gato ir ficando entalado na porta da cozinha. Mas não ultrapassava o susto, se é que era susto. Depois contaram à família. Era improvável, ninguém levou a sério. Partidas do sistema nervoso, dizíamos. Até que já começava a parecer estranho demais e chamaram um médico. E o médico mandou fazer exames e os exames revelaram o que ninguém podia alguma vez suspeitar. Quando a fui visitar ao hospital, ainda todos incrédulos, ela, que sempre tinha simpatizado comigo, quis sorrir, quis dizer alguma coisa. Mas não conseguiu. E, então, as lágrimas começaram-lhe a correr. Fiz-lhe festas na cabeça, no cabelo. Uma situação muito triste. Deixe, vai passar, disse eu. Ela não acreditou, vi-lhe no olhar. E tinha razão. Não voltou a falar.
O meu pai também quer falar e quase não consegue. Esforça-se bastante mas as palavras não saem ou, se saem, não se percebem. E ele fica desesperado, triste. Desiste. Deixa-se ficar naquele isolamento de quem não consegue comunicar.


Por isso, se eu soubesse que me iria acontecer uma desgraça qualquer desse género, que última palavra diria? E, agora, ao escrever 'última palavra' também me ocorreu outra situação. Mas nesse caso tanto daria porque não ficaria a guardar memória dessa última palavra. Mas, permanecendo viva, que palavra diria, consciente de que estava a dizer a última?

Não sei. Tenho que pensar nisso.

Quando o carro onde ia numa descida em direcção a uma rotunda cheia de carros perdeu os travões e galguei o lancil e fui espetar-me contra uma coisa de chapa, pensei que podia estar a viver os meus últimos instantes e o que me ocorreu foi: nem tempo tenho para pensar nos meus filhos. 

Por isso, talvez que a última palavra fosse: filhos. Mas se a generosidade fosse maior e pudessem ser três, talvez fossem também vida e luz. Mas bom, bom, era se pudessem ser quatro. Aí já podia ser também amor. Ou cinco. Juntava: palavra. Já agora seis. Mar. E porque não sete? Juntava o nome do meu amor. E agora que escrevo penso que não disse netos. Pois não. Mas é que quando tive o acidente ainda não tinha netos e quando pensei que não tinha tempo para pensar nos meus filhos, era mesmo só neles que estava a pensar. Mas agora, quando penso em filhos, penso nos meus filhos e nos filhos dos meus filhos. Por isso, estão todos incluídos, no princípio. No princípio e no fim. E se viver até conhecer os filhos dos filhos dos filhos então melhor -- filhos, uma palavra matrioska.


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Só sei que a última imagem é uma pintura de Van Gogh, as outras desconheço.

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Felicidade a todos.

[Felicidade também podia ser uma das últimas. Mas a última das últimas talvez fosse silêncio]