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sexta-feira, junho 17, 2022

O mamilo da freira que habita in heaven

 


Tentei não castigar as almas mais sensíveis, lembrei-me de tapar o mamilo da portuguese nun com uma flor. Mas não fui bem sucedida. O mamilo está visível. Que desvie o olhar quem não suporte ver o botão florido de um seio de mulher.

A impudica monja que segura o seio desnudo com a sua mão oferece-o aqui à vista de quem quiser olhá-lo. Não sei porque está ela assim. Estará a pensar no seu bem amado? Chorará o seu inacessível amor amparando a tristeza de um seio abandonado? Ou estará a ver-se ao espelho, a explorar a sua própria sensualidade, sonhando no que poderá fazer com ela?

Quem souber que guarde o segredo para si. Há segredos que devem permanecer assim, envoltos em mistério, em lembranças, em subtis e evanescentes rêveries.

quinta-feira, dezembro 22, 2016

Surrealidades, cânticos, confissões, desabafos, 'porcas chamadas diana' et al.




Pode acontecer que quem aqui me leia pense que efabulo ou que, a ser verdade muito daquilo que relato, sou maluca. Admito que pensem que -- se conto que saio cedo e chego tarde, que tenho muitas reuniões, que perco rores de tempo no trânsito ou outras aberrações -- talvez pensem que sou masoquista e que, se não me agrada isto, pois que o não faça.

Reconheço que esse vosso raciocínio, a acontecer, faria sentido.

Acontece que o meu trabalho decorre em mais do que um local e esses locais são em Lisboa. Ou seja, de manhã estou num sítio, de tarde é normal estar noutro, bem como é normal que tenha reuniões ainda noutros lugares. Há ainda instalações a norte, a sul e a centro (e isto cá em Portugal -- porque também as há fora do país). Portanto, o normal no meu trabalho passa também por isto: deslocar-me e, pior, deslocar-me por zonas altamente populosas em termos de trânsito.

Mais: quando as crianças querem saber o que faço, têm alguma dificuldade em perceber pois parte do meu trabalho passa por participar em reuniões, umas mais formais, outras simples, acompanhamento ou direcção e isso, para eles (e, se calhar, para grande parte das pessoas) não é entendido como trabalho. Muitas são convocadas por mim, outras não. Claro que também tenho trabalho mais normal, em gabinete, no computador a ver mails, a fazer aprovações ou coisas do género. 

Nas reuniões que eu dirijo, a duração é limitada ao indispensável, odeio conversa fiada, e nunca as marco para fora de horas e sou sensível a quem precisa de sair antes para ir buscar miúdos à escola, por exemplo. Mas também participo em reuniões convocadas para as cinco da tarde e que acabam às oito ou nove da noite e, por vezes, vou para elas depois de sair de outra das duas às cinco, por exemplo. Sessões contínuas. Muitas vezes quem marca reuniões para começar a esta hora também não o faz por despotismo mas porque não o pôde fazer antes ou foi a intersecção de disponibilidades dos diferentes participantes deu nisso. E eu não estou nelas por achar que é sexy participar em reuniões mas porque isto é o meu trabalho. Dizerem-me que não esteja sempre em reuniões é idêntico a dizerem a um contabilista que não esteja sentado à secretária a fazer lançamentos contabilísticos ou a uma lojista que não esteja a atender clientes na loja.

Dada a natureza da minha ocupação profissional, não tenho horários fixos e trabalho até ser necessário e, por vezes, dado não ter um único local de trabalho, no conjunto, são muitas horas.

Li há pouco na Madame Le Figaro que cada vez há mais gente a dizer-se sobreocupada, 'debaixo de água' ou 'overbooked' e que a isso está associado uma certa ideia de status social. De facto, a verdade é que conheço gente que gosta mesmo de viver muito ocupada ou que gere o seu tempo de uma forma anacrónica, trabalhando todos os dias até às quinhentas e ao fim de semana. Não é o meu caso. Gosto -- e preciso -- de ter tempo meu, gosto de passear, gosto de ler, gosto de escrever, de estar em família, gosto de cirandar a fotografar. Por isso, quando passo temporadas sem tempo para isso, sinto-me prisioneira, impaciente. Tenho conseguido, à noite, arranjar sempre algum tempo para estar aqui a descansar a cabeça mas, muitas vezes, isso é pouco.

Hoje, por exemplo, consegui chegar a casa às sete e tal. Senti-me logo como que em férias. Fui fazer uma caminhada e fomos conversando, fui comprar dióspiros, depois jantámos na maior tranquilidade, tudo nas calmas apesar de já serem quase dez da noite. 

Mas à hora de almoço tive a ideia peregrina de ir à Gulbenkian para fazer uma nova ronda nos livros, almoçando por lá. Pois, pois. A Praça de Espanha toda encalacrada com uma fila a passo de caracol devido a uma imensa profusão de carros a virarem para o Bairro Azul, presumo que gente para ir para o Corte Inglês. Eu enfiada no carro, sem escapatória e a ver o tempo a passar. Ainda fui tentar o self do CAM para almoçar mas qual o quê. Uma fila de gente para entrar. Acabámos por sair da Gulbenkian sem ver livros nem coisa nenhuma e, à pressa, comer daquelas coisas armadas em japonesas mas sem gracinha nenhuma e ala moço que se faz tarde que, por um triz, chegava era atrasada à reunião que começava às três. Um desespero. Lisboa, nas zonas de maior confluência de caminhos, nestas alturas do ano, fica terrível. Podia não andar de carro, talvez. Mas, como tenho que me deslocar e muitas vezes para lugares não extraordinariamente servidos de transportes públicos, é-me muito mais prático andar de carro. É uma opção que aparentemente é racional mas que, dadas as circunstâncias, perde a racionalidade. Contudo, não sei se haveria outra melhor.

Quando estava ensanduichada naquela fila de carros, ia ouvindo a Antena Dois e lendo mails e notícias no telemóvel. Às tantas entrei no blogger e vi que tinha passado o milhão e oitocentas mil visitas e lembrei-me de como fiquei contente quando atingi as cem mil visitas, como sendo um número que eu nunca na vida tinha pensado atingir. E agora já neste número que, para mim, continua a ser assombroso...

E, estando eu nisto, fui espreitar as palavras de entrada no blog naquele instante e, uma vez mais, fiquei perplexa. No meio das usuais ('um jeito manso', 'quem é a autora do blog um jeito manso' ou 'a teresa caeiro está grávida' ou nomes de políticos ou de ministros), esta coisa extraordinária: 'porcas chamadas diana' . Tal e qual. Naquele instante, estava alguém aqui por ter vindo à procura de 'porcas chamadas diana'.


Li aquilo e fiquei logo bem disposta, até me abstraí do mar de carros onde me inseria. A rir, interroguei-me sobre o significado daquilo. Que maluqueira...! E veio aqui parar...? Onde é que no Um Jeito Manso alguma vez falei de 'porcas chamadas diana'...? Mistérios.

Depois percorri outros blogs.

Gosto de ler e leio nos blogs palavras que me agradam.

Na véspera à noite tinha lido umas cenas que me tinham parecido algo excessivas já que o destinatário estava explicitamente referido. Mas ao ir reler vi que a autora já tinha apagado esses posts.

Noutros blogs vejo que há vídeos, mas no telemóvel não os abro. Procuro, nos blogs alheios, palavras escorreitas ou lanças bem dirigidas ou farpas elegantes ou abraços enleantes ou flores com beijos dentro ou desabafos ou breves apontamentos. Não dispenso a elegância. Prosa artrítica ou textos azedos contra incertos não são para mim. Futilidades, cacarejanços e papagaiadas também não.

Mas aprecio o sentido de humor ou o destempero quando se mostram alicerçados numa escrita com boa estrutura óssea e pele boa ao tacto.

E agora, depois de para aqui ter estado a divagar sem qualquer propósito, dou por finda a minha jornada e vou retirar-me para os meus aposentos.

Não tentem encontrar o fio da meada que me leva a escolher algumas imagens pois nem eu sei. Acabei de escrever e pensei: isto está a pedir Max Ernst. Não sei porquê, porque acho que o que escrevi não tem muito de surrealismo. Mas, agora que penso nisso, se calhar até tem. Um bocadinho.

E, ao começar a escrever, apeteceu-me ouvir cânticos, coros, coisa para tanger a alma.

E o nome que me ocorreu foi Arvo Pärt com o seu Te Deum e gostava que também vos tivesse acompanhado pois acharia que isso nos teria aproximado ainda mais -- a mim e a si, Caro Leitor, Querida Leitora.


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E agora, permito-me ainda convidar-vos a descerem até ao post seguinte para verem como é cheia de primores esta Lisboa tão bela. Vem no Bored Panda e eu fiquei toda orgulhosa pelo meu País.


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quinta-feira, agosto 25, 2016

Vem aí a guerra e só os alemães é que sabem?
Para que é que vão armazenar água e alimentos?
Não sei.
Mas, do que conheço dos alemães, avanço com uma explicação.
[E, atenção, o que digo não é para causar alarme, é apenas para alertar para o que estamos fartos de saber]





Depois de ter louvado a iniciativa de Renzi atribuindo 500 euros a cada adolescente para consumir em cultura, volto-me agora para a notícia que está a causar estranheza e a lançar alguma suspeição nos europeus:

O plano de defesa civil, que inclui o conselho para os alemães armazenarem comida e bebida para dez dias, foi hoje aprovado pelo Governo.


O governo alemão aprovou hoje um plano de defesa civil, que pede aos cidadãos para fazerem aprovisionamentos de água e alimentos, permitindo uma resposta em caso de atentados ou catástrofes naturais. (...)
Entre as recomendações feitas à população, contam-se a necessidade de reservas de água, de "dois litros por pessoa e por dia, por um período de cinco dias". Os cidadãos devem abastecer-se de alimentos suficientes para dez dias.
Prevê também planos de emergência em caso de interrupção do fornecimento de água ou eletricidade, uma série de medidas de segurança em caso de crise de natureza química, atómica ou biológica, ou ainda em caso de ataques cibernéticos.


Soube disto e desde então já ouvi interpretações diversas e comentadores para todos os gostos a especular a razão de ser de tão inusitada medida: que tem a ver com a Ucrânia, ou com a Turquia, ou com o Daesh, ou com severas ameaças às centrais nucleares ou com indícios de terramotos bárbaros, ataques cibernéticos ou, acrescento eu, invasão por marcianos.

Pode ser. Mas, como não tenho espiões debaixo das saias da Merkel, de facto não faço ideia.

Contudo, já trabalhei diversas vezes com alemães, uma das quais recentemente. E já trabalhei em diversos contextos e circunstâncias, algumas vezes durante períodos bem longos.

Já aqui o disse algumas vezes: gosto de trabalhar com alemães embora venha achando que, enquanto organização (isto é, a nível não pessoal), se vêm tornando mais quadrados, tudo muito by the book. A nível pessoal continuo a achá-los descontraídos, simpáticos, até folgazões. Mas, a nível profissional, não brincam em serviço nem sabem desviar-se um milímetro do que antes planearam.

Contudo, se reconhecerem e lhes provarem, mas provarem bem, que uma solução menos ortodoxa parece valer a pena, então equacionam-na, enfiam-na no plano e deixa de ser heterodoxa e, portanto, passa a estar regulamentada, tornando-se admissível. E, uma vez estabelecido um plano, seguem-no ferreamente. Podem levar um ano ou mais a fazer um plano ao pormenor, quando, em iguais circunstâncias, os portugueses o fazem numa manhã, de forma não detalhada para deixar margem para os imprevistos que sempre acontecem. Os alemães não: os alemães elencam previamente todos os passos e todos os possíveis imprevistos e, neste caso, para cada um, estudam qual o antídoto. Só depois se abalançam à acção.

Para além do mais têm a paranóia da segurança e da propriedade das suas coisas. Podem optar por soluções pouco operacionais e pouco económicas mas priveligiam (ou melhor, exigem) a segurnça e o controlo absoluto das situações (a propriedade inquestionável e regulamentada da informação gerada nas suas organizações, a segurança à prova de bala das suas redes de dados, dos seus ficheiros, etc).

Ou seja, do que lhes tenho observado -- e, como disse, do que tenho constatado desde há alguns anos para cá, esta atitude vem-se tornando generalizada e inquestionável -- só se sentem bem se tiverem planos para tudo e, sobretudo, planos que garantam que, haja o que houver, eles estão sempre salvaguardados pois preveniram-se em terra antes de se fazerem ao mar.

Por isso, do que lhes conheço, não precisam de saber de alguma ameaça concreta para desencadearem estas medidas que agora aprovaram. Leio e acredito que isto faz parte de um plano global que vem sendo estudado desde de 2012 (ou seja, há 4 anos) e que visa substituir um outro que estava em vigor desde 1995.

Agir como eles, tem prós e contras. Eu acho que, com alguma frequência, tendem a levar a coisa ao limite do absurdo; acho que perdem a noção de que tamanha pre-ocupação é um excesso de zelo que pode não se justificar. No entanto, acho que entre a despreocupação portuguesa, de deixar tudo muito ao improviso, de não divulgar riscos para não lançar alarme, de se fiarem na virgem e não correrem e a confiança cega dos alemães em que tudo poderão prevenir haverá um meio termo virtuoso.

Por exemplo (e sem, de modo algum, querer cavalgar a onda da tragédia do sismo italiano), refiro um tema do qual já aqui, de resto, falei algumas vezes: algumas zonas do país e, em particular o Algarve, a Costa Alentejana e Lisboa e Vale do Tejo. são de alto rismo sísmico e o não ter voltado a haver um abalo violento como o de 1755 já é uma improbabilidade. Ou melhor, é uma grande sorte que devemos agradecer a todos os santinhos mas é, também, uma improbabilidade. 


Dito de outra forma: pode ser que ainda falte muito tempo e espero bem que sim mas o mais provável é que volte a acontecer e que, acontecendo, possa vir a ter efeitos devastadores.


Por isso, teríamos já mais do que tido tempo não apenas para reforçar as estruturas dos edifícios que não aguentarão um desses tremores de terra valentes como para traçar um plano de contingência e de recuperação (a todos os níveis) em caso de desastre. Mas qual o quê...

Este plano pressuporia ampla divulgação, realização de simulacros e intervenções de toda a ordem. Contudo, portuguesmente assobia-se para o lado e espera-se que, na nossa vida, tal não venha a acontecer.

Não sou eu que o digo, que eu não percebo nada do assunto. Mas ouça-se um dos maiores especialistas nacionais na matéria, o Engenheiro João Appleton:


Tivemos um bom exemplo com a Parque Escolar, em que os edifícios foram, de uma forma sistemática, analisados e reforçados do ponto de vista sísmico, mas esse programa foi interrompido. Foram feitas obras em 200 e tal escolas, mas as outras centenas de escolas estão esquecidas e abandonadas. E o que é que acontece aos hospitais, aos edifícios de bombeiros ou governamentais, onde trabalham diariamente aqueles que tomam as decisões? 
Estou plenamente convicto de que, se sofrêssemos um sismo de grande intensidade agora, colidiriam vários hospitais, vários quartéis de bombeiros, vários edifícios públicos de ministérios, porque não estão preparados para suportar um terramoto semelhante ao de 1755.
Quando acontece um sismo de elevada magnitude num qualquer lugar do planeta, especialmente quando é mais perto, as televisões salivam e a toda a hora são mostrados escombros e pessoas a chorarem. Depois aparecem os comentadores, os senhores da protecção civil, os do INEM, não sei se também o Nuno Rogeiro -- e, passados dois dias, já ninguém se lembra de nada. Ora isto com os alemães seria o oposto e, de certeza, já se iria na 50ª versão de um plano exaustivo, sempre melhorada, divulgada e ensaiada.

Portanto, mais do que enveredarmos por teorias da conspiração e desatarmos a especular sobre o que é que os alemães sabem e nós não, acho que deveríamos reflectir um pouco e talvez seguir-lhes o exemplo pois, em caso de atentados, desastre grave, acts of God ou seja o que for, os planos e as cautelas podem salvar muitas vidas ou, pelo menos, minorar o desconforto de algumas situações.

E tenho dito.

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Lá em cima Marlene Dietrich interpreta uma das minhas canções preferidas de ever and forever: Lili Marlene

As imagens que escolhi para adornarem o texto mostram obras de pintores alemães, desta vez dos modernos. A saber, pela ordem em que aparecem: Franz Marc, Max Ernst, Paul Klee, Hans Hofmann, Tomma Abts e Gerhard Richter.

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E queiram, agora, ir de visita aos antigos. 
No post abaixo falo a propósito de uma extraordinára medida de Renzi e peço ao nosso Ministro da Cultura que se inspire. 

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sexta-feira, março 09, 2012

Eu e a pintura (e mais alguns pintores que me acompanham: Amadeo Souza Cardoso, Mark Rothko, Max Ernst, Paul Klee, Georgia O'Keeffe e, de novo, Paula Rego) e Luis Barragán, o arquitecto mexicano. E a música de Out of Africa (os grandes espaços!) e o Ballet de Zurique


Música, por favor

Banda sonora de África Minha

Quando não tinha este entretenimento dos blogues, ocupava o meu tempo à noite (noite dentro) fazendo Tapetes de Arraiolos, lendo ou, ao fim de semana, pintando. Antes já me tinha dedicado ao tricot, fazendo casacos e camisolas para a família, ao crochet fazendo colchas e toalhas, aos bordados bordando à mão livre desenhos que inventava. Também houve uma altura em que aqui em casa se fazia fotografia, revelando, ampliando, uma  actividade alquímica maravilhosa, coisa que decorria num ambiente de mistério e magia, quase às escuras, manuseando o papel, que se mergulhava em líquidos especiais, com umas grandes pinças de madeira com pontas de borracha.

Agora, com isto dos blogues, como não consigo ser comedida em quase nada do que faço, e, portanto, escrevo imenso, e faço pesquisas enquanto escrevo, acabo por consumir um tempo tal que não dá para poder continuar a fazer quase nenhuma das actividades que acima referi.

Provavelmente um dia destes vou ter que interromper isto dos blogues pois já estou com algumas saudades das outras coisas. 

Par de fantasia da Disney segundo Paula Rego - então não é uma mulher
com um extraordinário sentido de humor...? Reparem nos  fantásticos pormenores. Eu adoro! 

Uma actividade que me motiva especialmente é pintar. Comecei tardiamente. Sempre tive paixão por pintura, ou melhor, por ver pintura, e o meu filho (vítima em criança, tal como a irmã, das nossas regulares incursões por tudo o que era museu e exposição) uma vez, há uma meia dúzia de anos,  resolveu oferecer-me telas e tintas. 

Comecei por preferir pintar antes em papel que era um suporte mais barato pois achava que só ia fazer desenhos pouco mais que infantis (ou nem isso) e dava-me pena estragar as telas. Quando se veneram os artistas, acha-se que até é falta de respeito a gente fazer incursões assim, à toa, ‘armada em pintora’. 

Foi, portanto, absolutamente sem pretensões que me aventurei. Ir tirar daqueles cursos de pintura para principiantes e amadores estava fora de questão. Pintar para mim tem que ser uma descoberta – e sei que é uma estupidez, pois aprender técnicas seja do que for nunca fez mal a ninguém (mas sou autodidacta por natureza, nos Arraiolos, por exemplo, e em quase tudo o resto) ; é que, para mim, estes entretenimentos só fazem sentido se forem à solta, sem regras, sem preceitos, puro prazer da aventura, da ousadia.

E então iniciei o meu percurso.

Amadeo Souza Cardoso - Saut du Lapin. A leveza da cor em suave movimento


Amedeo Modigliane - Jeanne Hébuterne, a mulher que morreu de amor

Na pintura, como ‘consumidora’, prefiro a arte abstracta, ou figurativa se não for muito fiel à realidade. Não aprecio as pinturas que são fiéis reproduções da realidade (pelo menos da realidade vista de forma como toda a gente a vê; isso parece-me banal, não me suscita interesse). Uma paisagem tal e qual, uma jarra de flores tal e qual, a coisas assim não acho piada nenhuma. Tem que haver algo de imprevisto, de inusitado, de desconforme, para me despertar interesse.

Pelo contrário, pinturas sem qualquer significado explícito, sem intenções, cativam-me de uma forma quase inexplicável. 

Mark Rothko - Violet, green and red. A quietude ou inquitetude,
nem sei, das manchas de cor de Rothko, iluminadas ou escurecidas, para mim
 estão muito perto do que penso como o sentido da religiosidade 


Como se pode ficar absorta em frente de um Rothko, quase envolvida, como se se estivesse a ver qualquer coisa de complexo quando se trata apenas de manchas de cor, aparentemente de simples execução e desprovidas de sentido? Pois não sei mas a verdade é que me fascina, fico rendida, não me apetece sair da frente.

Max Ernst - At the first clear word
Incompreensível? Talvez. Mas não são as coisas inesperadas que nos fazem parar?

Mas também os impressionistas, os expressionistas ou os que não se encaixam em lado nenhum. Pintores que sejam capazes de se desligar da realidade quotidiana e transpor para uma superfície qualquer coisa que não seja nada que não cor, luz, movimento, forma ou sombra, são os que mais me interessam. Não se explica, acho eu. É simplesmente assim.

Paul Klee - Head of a Man. A graça imprevista, o espanto, a ironia e a quase doçura da cor
- o que eu gosto destas cores

É pois natural que, ao pintar, me puxasse para coisas assim, indefinidas, coloridas, de uma espontaneidade quase infantil. 

E assim, aos poucos, fui ganhando à vontade, fui ganhando o gosto. Tal como quando escrevo, em que no minuto antes não sei o que vou escrever, também assim é quando pinto. Olho para a tela, pego num pincel, e começo a pintar. É uma sensação de liberdade imensa. E começam a surgir cores e mais cores. Uso muito o encarnado e o amarelo e as diversas gradações da mistura de uma com a outra.

Ao princípio, por mais que tentasse libertar-me de tudo, ainda tinha a preocupação de fazer uma flor que parecesse uma flor convencional, ou um corpo que fosse quase um retrato, um risco que fosse direito. Mas não queria ter essa preocupação, ela era involuntária. No entanto, por mais que me forçasse a fazer coisas que não se parecessem com nada a não ser com o que surgisse, involuntariamente, na tela, não o conseguia. A abstracção é uma coisa muito difícil de se atingir. Estamos, sem dar por isso, totalmente reféns do que conhecemos, do que é igual para toda a gente, do banal, em suma.

Georgia o'Keeffe - From the lake. O sereníssimo movimento das cores, uma ondulação perfeita.


Ajudava-me muito nessas alturas em que queria pintar livre de ortodoxias, ler entrevistas feitas a escritores ou pintores, perceber os mecanismos que regem as mentes livres, ou ver livros sobre obras de arquitectura. Foi importante para mim confirmar que, a maior parte das vezes, se parte de um acaso, e que os pintores se divertem a ouvir as explicações que os outros atribuem às suas obras.

Houve uma altura que tomei contacto com a obra do arquitecto mexicano Luis Barragán. 

Foi um encantamento. As cores quentes, os jogos de luz e sombra, muros e escadas e recantos e pequenas superfícies de água - tudo aquilo me deixou impressionada. 

Luis Barragán - Capela Tlalpan

Vi uma capela que ele concebeu, as janelas por onde entrava uma luz amarela, quente, um crucifixo simples de uma dignidade muito simples, e fiquei encantada. Durante algum tempo pintei capelas, ou apenas janelas e cruxifixos, paredes coloridas. Nessas fotografias apareciam frequentemente freiras ajoelhadas ou sentadas, em oração, e aquela pequena mancha de preto e branco no meio daquelo espaço de luz quente fascinou-me. 

Luis Barragán - Convento das Irmãs Capuchinhas

Essas pequenas freiras aparecem em muitos quadros que pintei nessa altura. Mas, aos poucos, fui conseguindo obter uma liberdade ainda maior, desligada de toda as figuras habituais. E então eu era incrivelmente feliz apenas a pintar, cores, texturas, brilhos, formas injustificáveis.

Vocês que me estão a ler devem pensar ‘Que grande pancada!’ e se calhar é. Nem tenho qualquer preocupação em relação ao valor daquilo que pinto. Mas o que é o valor? É uma coisa tão subjectiva. 

E, para mim, o prazer não está em contemplar aquilo que fiz - o prazer está no próprio acto de pintar, na liberdade total de escolher cores, de criar texturas sem querer saber para quê, no esforço por fazer aparecer ali uma nesga de luz e não saber o que é aquilo ali, em criar profundidade num objecto - sem querer, sequer, perceber que objecto será aquele.

Mas é uma sensação tão boa. Que saudades que eu tenho. 

Houve uma altura em que me dava para pintar cidades, prédios, torres, igrejas no meio de prédios, viadutos, enormes viadutos que cruzavam a paisagem, que se cruzavam entre si no meio de prédios, monumentos estranhos, enormes, e antenas de feitios imprevistos. Quando há pouco tempo fui a Génova, entrando pela estrada do Mediterrâneo, nem queria acreditar: era quase como as cidades que eu pintava. Fiquei deslumbrada. Amei Génova. Uma vida, um bulício, e viadutos que vêm lá de cima e se cruzam nos ares com outros viadutos e casas e mais casas. 

Noutra altura, deu-me para pintar varandas em casas desordenadas, tudo às cores, gradeamentos incertos, flores abstractas, janelas de diferentes tamanhos e muitas, muitas cores. Quando o meu filho foi à Argentina e me mostrou as fotografias do Bairro La Boca, fiquei também admiradíssima. Parecia que eu tinha andado a pintar aquele bairro e, no entanto, nunca o tinha visto.

Mas o que mais gosto de pintar é o nada, o nada cheio de cor e luz, ou o movimento do nada entre superfícies maceradas pelo tempo, ou as sombras orgânicas e aleatórias desenhadas pela luz sobre bocados de nada.

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E, para terminar, a dança que eu, noutra encarnação, devo ter sido uma danseuse.

Ballet de Zurique

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No Ginjal hoje temos Inês Fonseca Santos com mais uma das suas Coisas. Acompanha com Mahler.

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E tenham, meus caros, uma belíssima sexta feira. Divirtam-se!

quinta-feira, agosto 04, 2011

O making of de Novas Cartas Portuguesas por Maria Teresa Horta


'As três Marias', como eram conhecidas à data

Pouco tempo antes do 25 de Abril, em 1972, o meio cultural português foi fortemente agitado: três mulheres juntaram-se e, para seu prazer, escreveram uma das obras marcantes do período que antecedeu a revolução.

Eram três experiências díspares as suas mas, de forma destemida, estas três mulheres articularam-se num puro exercício de empatia e escreveram um livro inovador, as Novas Cartas Portuguesas, mostrando que ninguém pode calar a voz de mulheres livres. Foi outra mulher corajosa que o publicou, a poetisa Natália Correia.

Apesar da censura social, da acusação de imoralidade e pornografia e do processo que lhes foi movido, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, três mulheres superiores, nunca vergaram e conquistaram forte apoio internacional.

Maria Teresa Horta, no vídeo abaixo, descreve o processo de escrita e publicação do livro e o calvário que se seguiu. Refere também que o livro está de novo à venda, em nova edição. Eu, pela parte que me toca, já o comecei a oferecer às jovens mulheres da minha família (embora o livro não seja um livro só para mulheres!).

A edição que eu tenho é antiga, da Moraes Editores, com prefácio de Maria de Lurdes Pintasilgo. Fui buscá-lo à estante e neste momento é com carinho que volto a pegar neste livro que foi uma autêntica pedrada no charco que era a sociedade fechada da altura.

Para quem ainda não o leu, aqui deixo o início e o fim deste livro extraordinário.

"Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o seu exercício.

[...]

Agarro com as minhas mãos as tuas mãos que já me desprendem para o vácuo.

Nas ancas tenho ainda a marca dos teus dedos; a marca da tua boca, o traço molhado da tua língua, dos teus dentes.

Desço:

         macio deve ser o chão que as árvores conservam com a sua seiva.

Não necessariamente meu amor sem ti a liberdade ou a pressa de morte no meu corpo."




Este livro inspira-se nas Lettres Portugaises, livro anónimo publicado em França em 1669 e composto por cinco cartas supostamente escritas por Mariana Alcoforado, freira em Beja, apaixonada e abandonada pelo seu amante, Chevalier de Chamilly.


A monja portuguesa, Max Ernst  in heaven

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Bibliotecas, estantes, IKEA, flores, Max Ernst (e nada do que se ouve nos media)

As notícias que inundam os media são altamente depressivas: são os juros da dívida soberana que não descem e que nos irão devorar, são as pessoas que todos os dias aparecem mortas em casa, ora no chão, ora na cama, ora sentadas à mesa (coisa que sempre deve ter acontecido - só que os media não davam por isso; agora pairam sobre os cadáveres em decomposição como moscas), são as espertalhices e as mesquinhices da pequena política partidária, com as tontices imaturas e incompetentes das eventuais moções de censura: não há nada que se aproveite. Até o tempo tem andado uma lástima. Para nos distrair, vai agora o PS desafiar Cavaco Silva com o importantíssimo tema da mudança de nome dos transexuais, apresentando a mesma versão que já foi vetada, forçando Cavaco a ajoelhar. Mas fazer Cavaco ajoelhar por causa dos trangéneros...? Até me faz lembrar aquela do Cesariny com o mestre joalheiro (...não posso contar aqui, que este é um blogue de família). 

Lá por fora, a ordem mundial sofre um reajustamento histórico. Como placas tectónicas que provocam sismos para se reajeitarem, assim os países do Norte de África e Médio Oriente se revoltam para que se instalem novos regimes políticos. Sucedem-se as réplicas ao longo de todo o mundo árabe. Vai demorar até que esta parte do mundo se aquiete e que todo o mundo se torne num outro.

Mas não tenho vontade ou paciência para escrever sobre o que quer que seja relacionado com isso.

Agora estou preocupada é como é que vou fazer a reorganização da biblioteca para conseguir acomodar os livros que têm andado a vaguear por aqui à rédea solta. Há duas novas estantes (maravilhoso IKEA) e há que imprimir um movimento de translação entre os livros que estavam noutros redis, para manter alguma lógica, aproveitando para introduzir algumas alterações.


Mas não é fácil, a casa virou um caos. Há livros por todo o lado, desirmanados, desarrumados.

A boa notícia é que, finalmente, uma alma caridosa teve disposição para actualizar a base de dados (e eu sinto-me eternamente agradecida porque vou poder saber por género, por autor, por editora, por título, o que há em casa e, numa fase mais organizada, qual a estante de que divisão onde se encontram).


Literatura portuguesa, brasileira, palop, espanhola, outra, policial.

Crónicas, diários, biografias, correspondência, entrevistas.

Divulgação científica, matemática e física.

Filosofia, psicologia, neurociência.

Poesia, prosa sobre poesia.

História, geografia.

Fotografia.

Pintura.

etc.

E, portanto, rodeada de livros - que são uma companhia, um prazer, uma fonte de saber - e pensando nas minhas florzinhas que começam a despontar, anunciando a primavera, aqui estou. 

Não sei como se chama esta flor mas é linda, linda, de um lilás suave, perfeito.

Além disso, thanks God, it´s friday. Por dois dias não vou estar metida no trânsito, nos stresses, em reuniões ou a ouvir falar em problemas, enfiada em edifícios de vidro energeticamente eficientes, sem janelas que se possam abrir.

Haverá melhor companhia do que a Monja Portuguesa (de Max Ernst) e o perfume de um pinheiro?