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segunda-feira, novembro 25, 2024

Sempre estou para ver como é que os totós de serviço vão comemorar o 25 de Novembro...
E, já agora, a minha memória desse tal dia dos idos do século passado

 

A esta distância o que me ocorre é que nessa altura a gente ainda nem sonhava que haveria de vir o dia em que a nossa vida, em especial quando atravessamos momentos de alguma atribulação, seria bem mais facilitada por termos outros meios para nos comunicarmos.

Sem telemóveis, nem sei como era possível a gente aguentar-se em cima do arame... Aguentávamo-nos mas, caraças, por vezes com que dificuldade...

Num post lá muito mais para trás, já o contei: namorava um, que era o namorado oficial, um pouco mais velho que eu, que, apesar de ainda estar a estudar, já dava aulas, andava a maior parte do tempo com outro de quem estava cada vez mais inseparável, e, para apimentar a coisa, tinha um amigo, colega, com quem estava sempre que não estava com qualquer dos outros dois e de quem esses dois tinham imensos ciúmes. Qualquer dos dois, a maior parte das vezes, ao chegarem ao pé de mim, encontravam-me em animada conversa ou a almoçar com esse colega, ficando enfurecidos comigo e lançando olhares furibundos ao meu amoroso amigo. Chegavam até a ser desagradáveis com ele, o que me arreliava bastante.

Mas com quem eu tinha que fazer ginástica a sério para não se cruzarem era com o namorado oficial e com o que queria roubar-lhe o lugar. Num dia em que se cruzaram, e foi de longe, o primeiro manifestou vontade de ir à cara ao segundo e só porque o ameacei de acabar o namoro de imediato é que não houve ali tareia a sério. 

O jeito que umas mensagens de aviso teriam dado. Assim, andávamos às cegas, correndo riscos de todo o tamanho.

Um filme.

O dia 25 de Novembro de 75 era um dia que, em termos de agenda, era complicado pois almoçava com o meu colega, grande, grande amigo, depois ia estar com o namorado e, a seguir às aulas de inglês no British Council, ia estar com o segundo.

Ora, com aviões no céu, com aquele ambiente de caldinho, receios de que a coisa ainda fosse dar para o torto, fiquei a achar que o mais certo era que não desse para ser um dia 'normal'. Mas a chatice é que não tinha como avisá-los. O meu amigo sofria com as minhas tangentes e, por ele, eu acabava era com os dois e, embora nunca o tivesse verbalizado, eu intuía que ele achava que eu ficava bem era com ele. 

Resolvi que o melhor que fazia era ir para casa (a casa dos meus pais) pois ir para a residência na Rua de Artilharia Um, com o quartel ali ao lado, era capaz de não ser lugar muito tranquilo.

Agora como combinar isto com eles, avisá-los de que os encontros habituais ficavam sem efeito, e, ao mesmo tempo, garantir que não se cruzavam uns com os outros?

Ainda liguei para o telefone fixo da casa do segundo a pedir para a mãe avisar o filho para não ir ter comigo pois eu ia para casa dos meus pais mas a amável senhora respondeu-me que ele não estava em casa nem devia lá chegar senão às tantas da noite. Ou seja, o mesmo que nada em termos de comunicação. Com o oficial, então, não tinha mesmo como comunicar.

Lembrei-me, então, de deixar um papel no portão da Faculdade (pois o meeting point geralmente era na cantina, local onde, por haver mesas e cadeiras, era também local de estudo, de encontros variados). Nesse papel dirigia-me a qualquer deles pois apenas escrevi a inicial do nome deles que, por sinal, é a mesma letra. Aí disse que ia para casa dos meus pais, pedindo que 'ele' me ligasse para lá. Assinei com a inicial do meu nome. Qualquer deles, perceberia que o recado era para ele.

Quem fez questão de me acompanhar foi o meu colega. Achou que eu não devia andar sozinha. Não sei se ele temia que houvesse bombardeamento ou se, simplesmente, era cavalheiro e fofo. Queria ir acompanhar-me até casa dos meus pais. Mas, com medo que algum dos outros dois malucos lá resolvesse ir e ainda dessem de caras com ele, impedi-o. Aí, sim, haveria guerra a sério.

Depois disso, só me lembro de ter ido ter à escola em que a minha mãe estava a dar aulas como se nada se passasse. Estava na sala de aula com ela e com os alunos quando apareceu uma Contínua (naquela altura chamava-se assim) a dizer que estava um rapaz à minha procura. Lembro-me bem do susto que apanhei, sem saber qual deles era e com medo de que, às tantas, ainda aparecessem os dois e armassem barraca justamente na escola onde a minha mãe trabalhava.

E o estúpido disto é que não consigo lembrar-me de qual deles é que foi. O meu marido também não se lembra. Cá para mim foi ele mas agora já não tenho como saber. 

E a ideia que tenho é que, como afinal não houve guerra e eu já não passava sem a adrenalina daquela liberdade, que era tão boa, e  sem aqueles amores, no dia seguinte de manhã voltei à capital para a vida 'normal' e agitada que, na altura, era a minha. 

Quanto ao resto, para falar verdade, mal dei por isso. Havia liberdade antes e houve liberdade depois, a liberdade do 25 de Abril, e a liberdade é uma coisa maravilhosa. E o amor também. 

E o resto é conversa.

terça-feira, agosto 06, 2024

Memória de belos e gostosos slows nas festas de garagem de um amigo.
[E, a despropósito, uma arte diferente]

 

Enquanto as televisões se enchem de entendidos a delinear estratégias para resolver a putativa guerra Irão - Israel, eu distraio-me tentando descobrir outras coisas que me interessem. A esta hora já não me dá para ler livros, só para escrever ou para cirandar pelos vídeos ou pelas gordas dos onlines.

Há bocado, ao ver uma mensagem, num grupo de amigos, de um deles, o que tinha a melhor casa e que generosamente a disponibilizava para as famosas festas em sua casa, pensei como curiosamente continua a mesma pessoa, low profile, reservadíssimo, mas, ao mesmo tempo, surpreendente com a sua cultura, em especial, cultura musical mas, também, uma visão humanista e invulgar sobre o mundo.

Ele sempre foi muito alto. Desde miúdo que é igual. Baixava-se um bocado, parece que se encurvava um bocado para não ficar muito mais alto que os outros. Tinha óculos que parece que lhe punham os olhos maiores e que lhe davam um ar ainda mais tímido. Nas aulas nunca se destacou. Também nunca se portou mal. Nunca se meteu em sarilhos. Quase nos esquecíamos dele de tão boa pessoa que ele era.

As festas eram na garagem que ficava vazia para nós. Ao fundo havia mesas onde a trupe da luz e do som instalava aparelhagem sonora e luzes que piscavam. Estávamos por nossa conta. Havia um belo jardim mas ninguém queria saber do jardim para nada. Queríamos era estar na garagem, de preferência à meia luz.

Muitos slows ali dancei, muito mel ali se destilou. Namorei que me fartei naquelas festas.

À hora do lanche, abria-se a porta que fazia a ligação da garagem à casa e avançávamos. 

A casa era fantástica, grande, muito bem decorada. A escada, interior, era invulgarmente larga e no patamar intermédio, entre os dois lances, junto a uma grande janela, havia um piano. 

Aí, havia sempre alguém que ia tocar, no piano, as músicas mais conhecidas da altura. Nos últimos anos, apareceu um 'artista' e aí as pianadas eram mais a sério. Muito bom.

Na sala de jantar havia uma mesa enorme cheia de comida. Coisas boas com fartura.

Tento lembrar-me da mãe mas a ideia que tenho é vaga, mistura-se com a imagem da mãe de um outro que tinha mais ou menos a mesma maneira de ser e que tinha pais que já não me pareciam novos, o pai era o Notário da cidade e a mãe era uma senhora que se arranjava muito bem, distinta, sempre muito bem vestida e penteada. Lembro-me, sim, que a mãe deste da garagem (o outro também fazia belas festas mas não tínhamos instalações tão independentes) era discreta, simpática, mal se dava por ela (a do outro também).

Curiosamente casou com a irmã do meu namorado da altura. Ele era um maluco de primeira. A irmã era o contrário mas não se espantava, não se escandalizava nem se indignava com as doideiras do irmão. Era como se aceitasse que era normal que, volta e meia, a família tivesse  chatices com o irmão. Casou com o colega do irmão, o colega melhor comportado. Deve ser um casal tranquilo. Pelo menos assim parece. Na altura, ela parecia uma rapariga crescida quando nós éramos uns catraios. Agora parecemos todos da mesma idade.

Sei que se interessam por arte e não me admirava nada que, se eu lhes mostrasse este vídeo, também achassem piada.

Tanya Marcuse: Artist

“I try to kind of have both of those things visible at once…in a single piece there’s some kind of sense of the duality and unity between growth and decay.”

When you venture into nature, you probably find yourself thinking about how naturally beautiful the environment looks. Artists strive to capture that beauty, and Tanya Marcuse does this by foraging and recreating natural scenes in her photography. 


Dias felizes!

sábado, fevereiro 10, 2024

Cartas de amor
(em noite de debate de Raimundo versus Ventura e outros)

 

O dia foi um pouco puxado ou, então, sou eu que estou a chegar à fase de alguma descompressão. Não sei. O que sei é que, depois de jantar, adormeci no sofá, mas adormeci tão profundamente que o meu marido estava francamente admirado. Não apenas me acordou algumas vezes como me perguntou o que é que eu tinha. 

Por exemplo, perdi grande parte do debate do pobre Raimundo com o tresloucado Ventura. Quando vi, estava o Raimundo às aranhas, titubeante, a parecer que queria dar cabo do outro mas a fazer aquelas figuras tristes que fazem os cãezinhos minúsculos quando, lá em baixo, se põem a ladrar freneticamente junto às pernas dos cães grandes que não lhes ligam patavina.

Também só vi um bocado do comentário do Paixão Martins, sempre fino como nenhum outro, com o Calafate. 

De facto, não percebi que onda de pesado sono foi esta que me submergiu.

E ainda não me encontro totalmente refeita. 

Por isso, não vou relatar com pormenor as minhas peripécias com a NOS, não apenas telefonicamente como em loja (onde fui entregar os equipamentos que estavam em casa da minha mãe). Digo-vos apenas que é uma despersonalização da mais absurda que há. Reconhecem que erraram (isto é, não deram seguimento ao meu pedido de cancelamento, comprovadamente feito ainda o ano passado), constatam que o erro prossegue (apesar de ter entregue os equipamentos, o contrato continua activo) mas afirmam que têm que continuar a errar (leia-se, a enviar-me facturas relativas ao contrato da minha mãe) até ao fim do ciclo (?) e que só nessa altura é que posso apresentar uma reclamação e pedir que anulem facturas emitidas indevidamente. Explicam-me que, na realidade, compreendem que eu ache estranho mas que não podem fazer nada, 'é o processo'. 

Tanto se automatiza e tanto tentam tornar-se eficientes que se tornam burros.

Já no outro dia, quando estivemos sem comunicações durante três dias e eu me queixei ao jovem que cá veio, respondeu-me ele: 'Três dias? Três dias está é muito bom... Tem vezes que vai quase a uma semana ou mais...'. 

E um desgoverno a gestão das equipas de manutenção da NOS. Dava um post, tal a barafunda e o mau serviço. 

Mas adiante que não estou em condições.

Tinha dito que ia fotografar o serviço de café (o tal que não é como aqueles de fundinho branco e florzinhas mimosas da VA, este é de uma fábrica na Baviera) que foi, adquirido pela minha mãe há certamente mais de cinquenta anos, por grande insistência minha. Aqui está, fotografado hoje, depois de ser desembalado e antes de ser devidamente arrumadinho num canto que lá consegui arranjar numa vitrina.


Não é lindão, mesmo?

Também estive a retirar cartas e fotografias e coisas que estavam misturadas nos sacos. Lembrei-me que estavam umas caixas grandes de cartão na garagem e já separei algumas coisas pelas caixas. Dentro das caixas ainda estão a granel e ainda devem ser agrupadas e organizadas. Mas tenho que ter tempo e disposição para isso. A menos que alguém me ajude. Mas também não sei se me apetece que se ponham a ler as cartas que me eram dirigidas, mesmo que de amigas.

Vou colocar as caixas nas estantes do compartimento do sótão que antes, quando a casa tinha outros donos, era a biblioteca privativa do senhor, apenas para as revistas e livros profissionais dele. 

Desencantei também uma saqueta com estojos de canetas. Presumo que fossem presentes que o meu pai recebeu. Claro que também não as usou. Guardou-as e agora vieram parar aqui a minha casa. Estão agora cá, numa gaveta, sem que eu também tenha uso para lhes dar.

No outro dia, em casa da minha mãe, também dei com uma coleção de leques numa gaveta de uma mesa de cabeceira. Ofereci-lhe alguns deles e só me lembrei disso ao revê-los. Ainda este verão lhe trouxe um do Algarve pois queixava-se do calor e nunca a via com leque. Afinal guardava-os todos bem guardadinhos. Como gosto muito de leques e tenho alguns que me parecem bem bonitos, coloquei um deles ao pé dos meus mais bonitos que estão como peça decorativa numa estante com portas de vidro.

Quanto às cartas do meu pai para a minha mãe, quando namoravam e ele estava longe, na tropa, a minha filha está cheia de curiosidade. Vai ficar surpreendida. Acho que vai ela, vai o irmão, vai o meu marido. Também eu estou pois desconhecia a faceta romântica do meu pai. Aposto que o meu marido nem vai querer saber, vai querer respeitar a contenção que o meu pai sempre revelou.

Estive a ver as fotografias dele quando era novo. Era um galã. Vestia-se e penteava-se de uma forma elegante e sedutora. Mas, ao mesmo tempo, era um desportista. Lembro-me muito bem dele a jogar futebol e a organizar torneios e lembro-me que fazia parte da equipa organizadora das equipas que praticavam todos os desportos. Por exemplo, os meus tios jogavam vólei. O meu pai acompanhava-os (e nem sei se também jogava, mas tenho ideia que eles é que jogavam a sério). Mas dois primos dele praticavam hóquei em patins. E eu adorava ir ver, à noite, esses jogos, sempre muito renhidos. Lembro-me bem de estar à espera deles e, às tantas, ouvir o barulho dos patins das equipas a descerem a rampa até ao campo e de achar que aquilo era uma excitação. E lembro-me de uma vez, em campo, se terem picado uns com os outros, já parecia que ia haver pancada, e de o meu pai, muito ágil, saltar por cima da barreira do campo. Pôs a mão em cima, deu balanço, e saltou lá para dentro. E eu fiquei com medo que se envolvessem à pancada com o meu pai no meio. Mas não. Com uma grande calma, lembro-me de ele ter posto uma mão no peito do primo, que era alto e bonito como um galã, do género do Belmondo mas mais bonito, e a outra mão no peito do outro, da outra equipa. E lembro-me de ele ter conseguido impor respeito e eles se terem acalmado e acabarem a dar um aperto de mão e, só então, o meu pai saiu do campo.

Mas, dizia eu, em família não me lembro de observar nele uma faceta romântica. E, afinal, ao ler as suas cartas, fico estupefacta. Ainda só consegui espreitar, e por alto, duas cartas. Sinto-me intrusa. Quem escreve uma carta de amor escreve apenas para a pessoa que ama, não para ser pasto para diversão ou especulação alheia.

Por exemplo, até as minhas cartas, as que foram dirigidas, me custa um bocado a ler. Declarações inflamadas, juras de amor eterno, diminutivos enternecidos, desenhos de corações... Bocados de um tempo passado. Já não somos os mesmos. Quem assim me escrevia já não é hoje assim e a que recebia aquelas palavras pingando amor já não sou eu. Quando me forçar a lê-las, admitindo que o consigo, terei que me esforçar para não as achar cansativamente ridículas. Felizmente não tenho as que eu escrevi senão sentir-me-ia, certamente, agoniada. E, isso, em especial, por, à posteriori, pensar que nada daquilo era verdadeiramente sentido. Se calhar, queria iludir-me, se calhar queria gostar, se calhar sentia-me bem por poder experimentar a sensação de parecer estar apaixonada. Mas na verdade não estava por aquele a quem escrevia as cartas. Portanto, ainda bem que não vejo o que escrevi. 

Mas adiante. Pode ser que um dia me apeteça partilhar aqui uma dessas inflamadas cartas de amor que recebi.

Hoje partilho uma página de uma das cartas que o meu pai escreveu à minha mãe. Aqui fica pro memoria. A sua letra manteve-se assim, firme, determinada, organizada, sem atropelos, com hastes e pernas pronunciadas. Isso diz muito da sua personalidade.


E partilho também uma das páginas da carta que o meu avô materno escreveu à minha avó. Afinal não é tão antiga quanto imaginei. Não sei onde fui buscar isso pois a carta não tem qualquer data e, como foi entregue 'por mão própria', não há carimbo. Mas penso que, no máximo, será de 1930. 

Diria que não era muito fã da sagrada arte da ortografia. Mas, na verdade, não sei se são erros ou se na altura se escrevia assim. 

Mandei antes à minha filha e ela deu-se ao trabalho de traduzir e de me enviar (porque eu estava um bocado impaciente para me concentrar nessa tarefa). Não escrevo aqui para não vos privar do prazer de tentarem descodificar por vós... 😃

Apaguei a nome da minha avó pois acho que devo manter estas coisas anonimizadas mas, por sinal, é um nome de que gosto bastante. 

Sei que eram apaixonadíssimos e que a minha avó ficou severamente abalada quando ele morreu, e ficou-o durante anos, creio para o resto da vida.


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E hoje fico-me por aqui. É tardíssimo.

Um dia feliz.

Saúde. Amor e encantamento e paixão. Paz.

segunda-feira, fevereiro 05, 2024

Um saco cheio de cartas

 


Quando eu deixei de morar em casa dos meus pais, deixei lá ficar, numa gaveta do roupeiro do meu quarto, toda a minha correspondência. Para mim, tudo aquilo era privado. Mesmo que não tivesse nada de especial, era privado, cartas que troquei com amigas e amigos, com namorados, conversas só minhas. Claro que ali só estava o que eu recebia, não o que eu escrevia, mas ali estava muito da minha vida. 

Sempre gostei muito de escrever e, na altura, não havendo blogues, havia a correspondência. Estava sempre à espera de cartas. E escrevia longas cartas, cada carta tinha sempre várias páginas. A bem dizer, isso durou, na prática, até ir de férias para Angola, com dezassete anos acabados de fazer, pois, a seguir a isso, veio a faculdade e, nessa altura, passei a ir a casa dos meus pais apenas ao fim de semana e, como é bom de ver,  as solicitações e os desafios eram tantos que, pelo que me lembro, o hábito de escrever e receber cartas se foi atenuando. Não acabou, acho que não, mas, forçosamente, deve ter sido mais esparso.

Mas, ao sair de casa, sabendo que aquela gaveta estava cheia de cartas, centenas, creio, não quis levá-las pois tenho esta característica: sempre que entro numa nova fase da minha vida, fecho a porta e sigo viagem sem levar nada atrás. 

Por vezes pensava que, estando ali tudo tão disponível e, em especial, tendo aquele quarto passado a ser o quarto da minha mãe quando o meu pai teve o AVC (ele teve que passar a estar numa cama articulada com protecção), era natural que ela não resistisse à tentação de ler todo aquele imenso manancial de informação. Desejei que não o fizesse mas sempre pus o coração ao largo: se lesse, paciência. Nunca lhe falei naquilo nem ela a mim. Aliás, sempre pensei que, mesmo que ela lesse, não ia confessá-lo pelo que, em termos práticos, era como se não tivesse lido.

Há algum tempo, quando estive num almoço em que esteve um meu ex-namorado, ao comentar algumas coisas com a minha mãe, ela disse-me que eu ainda tinha lá em casa toda as cartas que ele me escreveu. Eu disse que sim, que sabia, e 'deixe-as lá estar'.

Neste sábado, lá em casa, ao avaliar por alto o trabalho que temos pela frente e, sobretudo, o que pode ser distribuído entre os meus filhos (e, confesso, estou bem apreensiva pois vejo neles pouca receptividade -- e compreendo as suas razões), lembrei-me dessa gaveta. 

Não tinha ideia que fosse tanta coisa. Trouxe. Um saco cheio, cheio. Está agora aqui, na cave. Não sei quando vou ter tempo e paciência mas acho que deveria minimamente organizar aquilo. 

Hoje, quando fui lá abaixo à procura de uma coisa, lembrei-me de espreitar o saco. Vi um molho de cartas que, de repente, acendeu em mim uma recordação que eu julgava apagada. Um amigo algo especial, um rapaz muito interessante, muito inteligente. Era do Porto, do Liceu D. Manuel. Conheci-o em Lisboa, encontrámo-nos algumas vezes e tenho ideia de que pintou um climinha. Terei que ler as cartas para perceber a dimensão da coisa. Mas, ao pensar nisto, não posso deixar de concluir aquilo que é mais do que óbvio: isso também aconteceu enquanto namorava aquele tal outro, embora, no caso, ainda estivesse no início. Mas é mais uma que só prova aquilo que está mais do que provado, aquele namoro foi mesmo um flop, mas um flop dos gigantes, pois foram vários os interesses que tive enquanto o namorei. Mesmo naquele mês em Angola tive um outro interesse, e esse dos valentes, um que foi um vendaval, um tufão. Porque deixei que o namoro continuasse é daquelas coisas que ainda hoje me intriga. É certo que tentei, algumas vezes, acabá-lo mas continua a ser para mim um mistério o não ter posto um ponto final mal começou, isto porque comecei a namorar sem dar por isso. Criancices, só pode.

Também lá está, no meio do saco das cartas, um outro saco. Fui ver: as cartas desse tal namorado. Foi certamente a minha mãe que lá arrumou assim. Eu sempre fui na base de tudo ao molho e fé em deus, carta recebida ia direitinha para a gaveta, estava lá eu para fazer molhinhos. Abri uma carta só para me certificar que, naquele saco, eram as cartas dele. Eram, claro. Uma caligrafia perfeita. Era das coisas que eu gostava nele, a sua letra. Sendo figura das artes e das letras, reconhecido e incensado, às tantas ainda tenho para ali algum futuro tesouro.

Tenho é também que ver se descubro as cartas de um pen friend que conheci através de um anúncio numa revista. Era africano, dizia que vivia numa zona de guerra, que passava mal. Escrevíamo-nos em francês. Eu gostava muito de lê-lo e andava sempre aflita com medo que lhe acontecesse alguma coisa. Até que deixou de escrever. Naquela altura, sem internet, as pessoas que se perdiam de nós ficavam perdidas para sempre. Tenho que ver se, pelo nome, consigo saber alguma coisa dele. Mas tenho pouca esperança.

Também deve haver muitas cartas da Jill. Conheci-a na Figueirinha, teria eu uns dez ou onze anos, não sei. Ao passo que os meus pais eram jovens, os dela pareciam avós. Eu andava dentro de água como um peixinho. E ela, muito branquinha, não sabia nadar e tinha muito receio. Brincámos muito e, por fim, já ela andava na maior comigo, na água. Foi o meu pai que a ensinou a nadar. Escrevemo-nos durante anos. Eu pasmava com a liberdade dela e com a naturalidade com que falava de coisas que, para nós, na altura, em Portugal, eram tabu. A ver se, pelo nome, consigo saber alguma coisa dela.

Tem graça isto. Eu que pensava que as portas que, ao longo da minha vida, fui fechando estavam mais do que fechadas para todo o sempre, vou agora verificando que, aos poucos, por umas ou por outras razões, parece que, mesmo sem que seja eu a querê-lo, se vão reabrindo. Tem mesmo muita graça, isto.

A vida surpreende-nos.

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Este domingo foi muito feliz. Estivemos juntos, almoçámos juntos, estivemos na praia, houve futebolada no areal. Seis renhidos futebolistas cheios de energia e amor à competição. 

Uma alegria. Adoro estar com eles, adoro vê-los juntos.

No entanto, do nada, quando regressei a casa senti uma grande tristeza. A minha mãe já cá não está. Ainda me parece mentira. Mas é verdade. Até cerca de dois meses antes dela morrer eu pensava que, à parte das doençazecas naturais da idade, ela era saudável e que iria viver ainda por muitos anos. Todos os dias eu falava com ela, em média duas vezes por dia, e, portanto, contava-lhe muitas coisas, conversava sobre os meninos, sobre os meus filhos, sobre o que calhava. Até para a distrair daquilo que eu pensava que eram sintomas de nada que ela, por medo, empolava, eu arranjava sempre mil assuntos para conversar com ela. Na última vez que conversei com ela, ela fraca, fraca, eu a perceber que a sua vida poderia estar por um fio, contei-lhe sobre a operação da Kate Middleton, sobre a estranheza pública sobre aquele longo internamento, contei da operação à próstata do Carlos, contei que o William tinha cancelado os compromissos e que, por isso, agora era a Camilla que andava em funções. E a minha filha gozou com a outra que se refere a ela como a Camela. A minha mãe ainda tentou sorrir. E agora já cá não está. E, de vez em quando, abate-se sobre mim uma grande perplexidade e uma grande tristeza.

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Força. Paz.

terça-feira, agosto 08, 2023

A ciência do amor

 

Termos planos matinais e aparecer-nos uma pessoa que nos boicota completamente os planos. Depois. apanharmos temperaturas acima dos quarenta e não apenas não conseguirmos estar na rua como termos uma tremenda falta de energia. Acresce o céu toldado de fumo. E acresce ainda uma vontade de não fazer nada. Acresce que, mesmo que quiséssemos fazer alguma coisa, tal o calor, não o conseguiríamos.

Poderia ter lido, e tenho o livro aqui ao meu lado, mas pus-me a ver o Task-Master e a chorar de tanto rir, que não me ocorreu sequer abrir o livro. Mas também não sei se o calor não derreteu as letras.

Antes do Task Master, para fazer tempo para ver se a minha cabeça entrava nos eixos, estive a ver vídeos sobre o cérebro. Intriga-me o que se passa dentro da minha caixa preta pois desconheço os mecanismos do seu funcionamento, não apenas no que se prende com a sua capacidade de processamento como com a sua memória e com os mecanismos de aquisição de sinais enviados pelos sensores externos. E, por mais que tente aprender, mais convicta fico que é um universo infinito que me transcende.

Não vou aqui, agora, em pleno e quente Agosto, pôr-me a partilhar coisas que terei que ver e ouvir com mais cabeça para ver se melhor as compreendo antes de as partilhar.

Mas vou partilhar um interessante sobre a ciência do amor. 

É um tema interessante, cheio de enigmas. O que leva a que alguns relacionamentos funcionem e outros não?

Apesar de apenas me ter casado uma vez e de o casamento durar até hoje, não consigo construir teorias.

O que posso é dizer que assentou em amor à primeira vista, ou seja, apaixonei-me antes de conhecê-lo. Achava-o bonito e queria que ele fosse meu, queria cair nos seus braços e tê-lo nos meus. Queria beijá-lo, queria mexer-lhe. Isto sem saber se era boa ou má rês, sem saber sequer quem era. Mas não tinha dúvida: ele era aquele. E ele a mesma coisa embora não expresso por este tipo de palavras (quando mais tarde me disse em que pensava quando me olhava daquela maneira, a resposta foi muito mais prosaica e minimalista). Depois, quando nos conhecemos, ou seja, quando começámos a falar, aprofundámos bastante esse conhecimento pois estávamos juntos todo o tempo que conseguíamos. Andámos nisto, em namoro pegado, pegadíssimo, quase um ano e meio. Quando casámos, já nos conhecíamos muito bem, já conhecíamos as famílias um do outro, já conhecíamos amigos, já tínhamos passeado, partilhado, experimentado, ido ao cinema, ao teatro, à praia, a museus e etc. Como já disse muitas vezes, casámo-nos pois, na altura. não nos ocorreu viver juntos sem casarmos. Se fosse hoje, provavelmente viveríamos juntos e apenas mais tarde, se calhar quando viessem os filhos ou se houvesse condições financeiras ou fiscais mais vantajosas por algum motivo que não bulisse com as nossas convicções, nos casaríamos.

Seja como for, porque nunca fomos de promessas de amor eterno ou compromissos absurdos, o casamento também não tem estorvado.

Agora uma coisa é certa: eu e ele somos muito compatíveis a nível de visão da vida, temos gostos afins, investimos os dois por igual no relacionamento, na família, na profissão. E não temos queixas um do outro. Aliás: temos queixas, sim. Mas insignificâncias ou, então, coisas que têm a ver com a nossa maneira de ser que ambos mutuamente respeitamos. Marimbamo-nos e desvalorizamos as diferenças (que, por acaso, nos habituámos a aceitar pois são mesmo pouco importantes) e festejamos aquilo em que nos encontramos. Volta e meia discutimos. Discutimos ou, sobretudo, desentendemo-nos. Mas é sempre sol de pouca dura. Ajuda eu ser distraída e primária: esqueço-me de que me zanguei ou, se me lembro, esqueço-me do que causou a zanga.

Mas, mais interessante do que o meu insignificante caso, é o que a Helen Fisher explica, o funcionamento do cérebro no andamento das relações.

Está legendado.

The science of love | Dr. Helen Fisher

Todos nós queremos ter um relacionamento bom e estável com alguém, diz a Dra. Helen Fisher. Portanto, é importante entender como o amor romântico intenso afeta nossos objetivos de longo prazo.

Sentimentos intensos de amor desligam as partes do nosso cérebro envolvidas na tomada de decisões. É por isso que, de acordo com a Dra. Helen Fisher, você deve passar muito tempo com alguém antes de se casar.

O Dr. Fisher acredita que casos de uma noite, "amigos com benefícios" e coabitação de longo prazo antes do casamento são sinais de uma mudança saudável na atitude em relação ao amor. As pessoas têm tanto medo do divórcio que querem experimentar antes de se estabelecerem.

Enquanto o casamento já foi o início de um relacionamento de longo prazo, hoje é o final.


Desejo-vos uma boa terça-feira
Saúde. Amor. Paz.

terça-feira, setembro 13, 2022

Dating - como transformar uma centelha numa chama

 

Conforme confessei há uns tempos, quando conseguia ter algum bocadinho livre, em especial ao fim de semana, ia ver o Indian Matcmaking na Netflix. Não saberei explicar porque é que tinha tanto interesse em conhecer o desenlace daqueles casamentos 'arranjados'. O que sei é que a minha filha se deixou embarcar no meu entusiasmo e, quando deu por ela, também já estava a querer saber o que acontecia a esta, àquele e ao outro. Talvez seja aquele nosso ancestral gosto em ver que as célebres histórias de boy meets a girl (ou girl meets a boy) têm um happy end.

Um Tinder personalizado, dizia um dos participantes na série a propósito de se recorrer a uma casamenteira. Para dizer a verdade, podendo parecer uma coisa antiquada ou contranatura, parece-me um processo interessante. 

Se uma pessoa não anda por aí com um letreiro nas costas ou na testa a dizer: 'Estou à procura de parceiro/a', como é que descobre outros que também andem? É que, se espera que ele/a lhe caia no colo, pode esperar a vida inteira.

Se um dia o acaso não me tivesse bafejado com a sorte de o meu olhar se ter cruzado com o de um desconhecido, a esta hora poderia estar casada com outra pessoa ou, o mais certo, já me teria divorciado (e, na volta, já teria tido mais uma dúzia de relações falhadas). A vida é isto mesmo: acasos que nos levam por caminhos que se encontram e desencontram. Às vezes corre bem, outras não.

Assim, no processo retratado naquela série real, os interessados dizem o que gostavam de encontrar e a casamenteira vai à sua base de dados e vê quem lá há que cruze com esses requisitos. No fundo, o mesmo que o Tinder ou qualquer outra aplicação de dating. Uma coisa inteligente e útil. Por isso, totalmente a favor.

E, até aí, tudo bem. Onde a coisa se estraga é quando as pessoas não prosseguem o processo com abertura mental (e realismo) para um romance e, pelo contrário, vão para os encontros como se fossem avaliar candidatos e emprego, interrogando-se mutuamente à cara podre e, por vezes, não conseguindo disfarçar expressões de tédio que desmoralizam o 'concorrente'. Noutros casos, é o oposto: estão num tal estado de carência que, de cada vez que conhecem alguém, atiram-se completamente de cabeça, acreditam que daquela vez é que é, que encontraram  o amor da vida delas, e aceleram de tal maneira que a pessoa do outro lado se assusta e bate em retirada.

Por isso achei tanta piada e concordei tanto com Esther Perel no vídeo que abaixo partilho.

Esther Perel é uma psicoterapeuta que tem explorado a tensão entre a necessidade de segurança (amor, pertença e proximidade) e a necessidade de liberdade (desejo erótico, aventura e distância) nas relações humanas.

Os conselhos que ela dá -- 

  • que não se disseque a seco (passe a redundância) a outra pessoa, que não se encoste a outra pessoa à parede bombardeando-a com perguntas de tipo curricular, que não se anule a sedução e o mistério e o tempo de namoro que é essencial para que as pessoas se revelem 
e que, pelo contrário, 
  • se interaja com a outra pessoa em ambiente descontraído, em situações normais, entre amigos, em família, dando tempo ao tempo, deixando que a descoberta mútua aconteça ao ritmo certo - 

parecem-me acertadíssimos. 

Dating Advice: How To Turn a Spark into a Flame

Os primeiros encontros podem ser emocionantes, exaustivos, misteriosos, chatos, fáceis ou trabalhosos. O que determina o sucesso ou a decepção de um primeiro encontro tem menos a ver com uma faísca imediata e mais com a criação das condições certas para transformar essa faísca numa chama persistente que nos deixa com vontade de experimentar mais. Quando estamos apenas a começar a conectar-nos com uma nova pessoa, é tudo uma questão de contexto, educação, sedução e conexão. Quando o namoro é difícil, pode parecer um jogo que não sabemos jogar. Mas, concentrando-se nessas quatro áreas, podemos deleitar-nos com brincadeiras não gamificadas - essa qualidade de romance, humor e facilidade que, quando combinada com uma conexão autêntica, inspira ambas as partes a ir mais fundo.  
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Caso vos apeteça, podem continuar a ler sobre o tema e afins em O amor e o desejo são inconciliáveis? do qual consta um outro interessante vídeo de Esther Perel

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Um dia feliz
Saúde. Graça. Paz.