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terça-feira, agosto 02, 2022

Os mais qualquer coisa de entre os bloggers que sigo (Parte 1):
o mais jovem, o mais criativo, o mais romântico, o mais cirúrgico, o mais inesperado, o mais doido, etc.


O mais jovem. De longe o mais jovem. O mais irreverente. O que mais gosta de atirar pedras para o charco. Um que me diverte, me ensina, me chama a atenção. Um que seguramente se diverte enquanto escreve. Quase sempre, ao ler o que publica, me apetece transcrever aqui para ter a certeza de que, se quiser reler, o encontrarei. Depois não o faço, penso que seria deselegante. Mas hoje aqui fica o devido tributo. Acho-o o máximo, o máximo, o máximo.

[Ao fazer o link para a wikipédia e, logicamente, ao ler o que lá se diz, fiquei de boca aberta (literalmente aberta) ao saber de quem é pai. Não fazia ideia. Espantoso -- até por nunca tal me ter ocorrido.]

Eugénio Lisboa no De Rerum Natura

Hoje transcrevo aqui uns bocadinhos apenas para que se possa apreciar a suculência:

Se alguma coisa Fernando Pessoa viu bem, nos portugueses com que veio encontrar-se, no seu regresso de Durban, foi o seu profundo e não radicável provincianismo. Somos provincianos a admirar e somo-lo a não sermos capazes de o fazer, quando disso seja caso. Um prémio dado lá fora, um elogio vindo de fora, criam um verdadeiro histerismo nacional, como se fôssemos, de repente, o povo eleito. 

Já muitas vezes comparei a sobriedade com que o galardão Nobel é anunciado, recebido e comentado, na grande imprensa inglesa. Entre nós, com Saramago, foi aquilo que se viu. 

Para quem seja minimamente adulto, do ponto de vista intelectual, e esteja razoavelmente informado dos bastidores e da durabilidade das reputações dos laureados, o espectáculo da fúria admirativa lusíada é realmente confrangedor. 

Nunca vi, em França ou na Inglaterra, falar-se no “nosso” Nobel André Gide ou T. S. Eliot. Até seria insultuoso pensar que fora o prémio que lhes dera prestígio e não o seu mérito. O grande dramaturgo George Bernard Shaw não precisava para nada do prémio, porque já era uma lenda viva, na altura em que lho deram: quem precisava do prestígio dele era o prémio. Visto isso, até se deu ao luxo de recusar o dinheiro, aceitando, só por cortesia, o diploma e a medalha.  (...)

Tem-se visto isso com os vários gurus de serviço, como foi, por exemplo, a vergonhosa figura feita pela nossa intelectualidade, durante toda a vida de Eduardo Lourenço e, particularmente, por ocasião da sua morte. Aquilo não era admiração, era pura adoração bacoca. Fazerem de um homem que nunca foi filósofo o mais genial deles, na história da nossa cultura, tem que se lhe diga. Mas poucos, em Portugal, apreciam o grito “o rei vai nu!” (...)

in A POSTERIDADE DE ALGUNS PRÉMIOS NOBEL DE LITERATURA

ou:

Na sua coluna habitual, na última página, da última edição do quinzenário JL, Gonçalo M. Tavares refina na idiotice que usa as vestes sumptuárias de uma pitonisa cheia de segredos ominosos. As suas reflexões sobre a guilhotina, além de já terem vetustas barbas, alcançam, nesta nova formulação, uma densidade de tontice por decímetro quadrado de página, como havia muito não me era dado observar. E este senhor é publicado, patrocinado, promovido, premiado, prefaciado, traduzido, viajado e venerado. Não sei se condecorado, mas deve ser falta de informação minha. O nosso meio intelectual anda realmente a bater no fundo. A boa notícia é que, a partir daqui, só podemos melhorar. (...)

Poetas como Gastão Cruz, seduzidos por proclamações extremistas e carecidas de verdadeiro sentido, não perceberam estas coisas como não perceberam muitas outras e ficaram cinquenta anos agarrados ao excesso deliberadamente provocante de Mallarmé, pretendendo fazer poesia só com palavras. 

Seria bom que os nossos críticos literários, com tribuna oficial e responsabilidades acrescentadas, dessem um banho lustral às suas ideias e não andassem a vender gato por lebre, lançando a confusão nas jovens cabeças que os frequentam (...)

Toda a recensão está cheia de coisas confusas e sempre me pareceu que uma cabeça confusa não é o melhor equipamento para clarificar as ideias dos outros. Os nossos literatos têm de interiorizar, de uma vez por todas, que o opaco e o obscuro da escrita não são um valor, muito pelo contrário. A um literato deve exigir-se, tal como a um cientista ou a um filósofo, a boa fé das ideias claras. 

Já basta a obscuridade que muitas vezes habita na própria poesia, não se lhe acrescente a de quem a escrutina. Citando o nunca assaz citado António Sérgio, um eclipse do sol é uma obscuridade, mas a explicação científica desse eclipse deve ser uma claridade. 

Não há uma escrita literária e uma escrita de ideias, há só uma escrita.

in  PÁGINAS DE UM DIÁRIO POUCO COMPLACENTE

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A mais criativa. Talvez também a mais genuína. Do pouco faz muito. Há qualquer coisa de inocência e de muito íntimo em tudo o que publica. Há nela qualquer coisa de Lispector e de Helena Almeida. Gosto muito do que faz e gosto muito dela. Acredito que seja muito boa pessoa. Diz-se solitária mas desencanta nela e no que a rodeia sucessivos motivos de inspiração. Gosto imenso de a acompanhar. É uma lufada de ar fresco.

Gina do Dias de uma Grafómana

Poses

(Durante as férias)

Quis repetir uma pose que fiz em outras férias, as de há uma década. (link aqui) Já nessa altura imitei esta pose, havia visto algures alguém roçando os cabelos na água da piscina e, considerando giro pra caraças, imitei. Ora, este ano, imitei-me foi a mim, que o lugar é o mesmo e idem para o fotógrafo - O Luís, who else? - Entretanto, lá atrás, há post fotográfico com a foto, porém de corpo inteiro. Antes de a publicar idealizei que faria uma junção de quadradinhos azuis desenhados (desenhei-os para apagar as pessoas presentes na piscina, sei lá se quereriam estar presentes no blogue!) com os quadradinhos do interior da piscina, mas depois deixei-me de falas dispensáveis e toca de chamar simplesmente 'quadradinhos azuis à despedida'. - Pronto, sou deveras original. - Deixo agora a foto recente, mais aproximada do que a já publicada, bem como a que publiquei há uma década. Qualquer diferença encontrada, casual ou procurada, pois que, pá... Pára o mundo de girar? Não, né? Poi zé.

ou:

Pequeno-almoço

Chá de hibisco e torradas com manteiga, o pequeno-almoço. Às vezes parece que, escrevendo, retirarei a presença, e até a poesia, às coisas que vivo. Calo-me, então.

ou:
Cremes no rosto
Como sabem, e se não sabem não faz mal, eu gosto de vocês na mesma, tenho um creme de rosto que afinal até nem é creme nenhum, é um sérum, e oleoso, e eu tinha idealizado que o poria no nécessaire aquando das férias, a ver lhe acabava com o rasto e pâ pâ pâ. Pois bem, acabei, já até pus a embalagem no contentor dos plásticos. Guardei foi a tampa, que lhe estou a dar um uso para o qual não foi criada - o de servir de base e apoio para o desodorizante, que, estando de resto, virei ao contrário para o líquido escorrer e se manter always junto ao roll. Precisely, a tampa é redondinha, daí não se manter em pé e ao contrário. A imagem, o que tem a ver com o assunto já exposto, é que estava a distribuir o protector solar pelo rosto quando me lembrei que podia tirar-me o retrato e assim eternizar os pedaços de creme que haveria de espalhar. Pus o filtro que pus porque o retrato a nu é tão risível que não o aguento.


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O mais romântico. O mais subtil, o mais elegante no manuseio de palavras que acariciam, o que estende a leveza do traço ao desenho e à escolha das cores, o que destila com requinte as mágoas, as saudades, os sonhos. Também um cuidadoso coleccionador de instantes, de troca de palavras alheias, de troca de olhares. Alguém que, no acto de coligir, sempre encontra maneira de deixar perceber a atenção carinhosa com que observa os outros. Um romântico integral. Silencioso e sedutor como um gato. 

Xilre in Xilre


aceno
há instantes que pertencem às mãos, a elas apenas
[riscos: x.]

..........

beijos
há beijos feitos
de átomos de voragem
[riscos: x.]

..........
A semente
Todos precisamos de alguém a quem possamos realmente dizer a verdade quando nos é perguntado:— Como estás?
..........
Que és tu?
Comprei o livro no dia em que saiu sem ter lido qualquer referência, que os mergulhos em águas escuras são trepidantes também. Terminado no espaço de vinte e quatro horas, pergunto-me: terminou, de facto? Haverá sequela, haverá fecho em obra subsequente? «What are you?», se chama o livro de Lindsay Lerman, e idêntica interrogação se pode colocar quanto ao livro em si: o que és, «What are you?» Que objeto incompleto, inacabado és que nos deixas mais interrogações que respostas? Ao leitor são dadas pistas, indicações, sinais, mas não conclusões, sequer pontes entre os dados. Como uma impossível estante de montar à qual faltem prateleiras e uns quantos parafusos. Para leitores que querem ser co-autores. Para mim, talvez, assim me ache capaz de assumir tal responsabilidade sem o poder associado, a mais temível das condições, a que sempre evito, aquela que será difícil aceitar, para já.

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Nota

Se a algum dos três ilustres bloggers aqui festejados não agradar que as suas fotografias, ilustrações ou textos aqui tenham sido plantados, por favor diga-me, está bem? Retirarei logo que possível, prometo.

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E, por hoje, por aqui me fico. Se amanhã não surgir nenhuma emergência que vá além de tartarugas gigantes a bloquear o tráfego ferroviário no Reino Unido ou da suposição de que Trump enterrou a primeira mulher, a loura recauchutada Ivanka, no 1º buraco do seu campo de golf para ter benefícios fiscais e se, estoicamente, continuar a não ceder à tentação de dizer algumas coisinhas sobre o Presidente de todos os comentadores que comenta pecados de cardeais, bocas de uma senhora num restaurante da Caparica e outras inconveniências, aqui estarei para dar curso a mais umas quantas selecções. Boa matéria prima e ilustres candidatos é o que, felizmente, não falta.

Amanhã, se tudo correr de feição, falarei do mais cirúrgico, do mais inesperado, do mais doido ou de outros ainda melhores. E não quero dizer que sejam do género masculino: podem ser e podem não ser. O que são é especiais.

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz.

quarta-feira, maio 10, 2017

E que venham as papoilas de Van Gogh, Manet e Mary Cassat que a Gina G. não se intimidará.
Talvez, digo eu, só se encolha com as da Georgia O’Keeffe mas, palpita-me, não será por muito tempo


No fim de semana passado, ao passar por campos de papoilas, queria fotografá-las. Contudo,  aqui que ninguém nos ouve, condescedo: não se pode parar o carro quando dá jeito, no meio da estrada, de qualquer maneira. E, portanto, apesar de um pouco desiludida, acabei não o conseguindo. Mas com pena. 

É que se há coisa que quase instantaneamente transmite a inocente alegria da primavera -- como se as flores estivessem a descobrir o mundo pela primeira vez e, na sua ingenuidade, viessem jubilosas, cheias de cor e de luz, inconscientes da sua fragilidade -- ela é, inegavelmente, a visão de um campo de papoilas. Ou um simples tufo delas, meninas elegantes dançando com a brisa da manhã ou, alegremente, entregando-se ao sol da tarde.

Pintá-las ou fotografá-las é daquelas tentações a que custa resistir. 

Manet, suave na cor, suave nas ondulações do terreno, suave nas figuras que pelos campos se passeiam, suave na harmonia do que os olhos vêem, viu-as como abaixo se mostra.


Mas, se me permitem, vamos ao som da música que vamos mais levezinhos.


Van Gogh via manchas estelizadas, via a cor e o movimento, tudo se misturando numa quase caótica euforia, via o calor e o cheiro, via o céu que podia ameaçá-las mas ainda não, ainda não.


E depois Mary Cassat. Pintora da maternidade -- a ternura das mães com os seus filhos, as mulheres todas elas meiguice e abraços, sempre cheias de graça, colos macios, braços envolventes, expressões tranquilas e as crianças todas elas a pedir um olhar húmido de carinho -- pintou também as papoilas que, aqui, são palco e suave pano de fundo.


E há papoilas, ces joyeux coquelicots da Gina G., que as vê musas ou bailarinas, flores impressionistas, manchas de cor que atravessam os seus indomáveis pensamentos.


Mas se, um dia, nos seus sonhos, lhe aparecerem as papoilas de Georgia O'Keeffe, aí a irreverente Gina G. talvez fique em êxtase, ah que flores assim eu nunca tive nas minhas jarras, todas em ouro rubro, a origem do mundo em negro veludo com flor ao centro, pétalas de seda e folhos de cetim, ah estas vou ter que inventar para mim.


Mas nada que dure muito que logo, logo, a Gina G. se transformará em Gina Poppy e desfiará palavras, cores, mais flores, mil céus, mil passos, bolos e acepipes e fotografias de mãos e pés e saltos e lábios a serem pintados e corações ao cantinho feitos pela sua rica filha.

Podia ser a Gina G. com um criativo turbante-papoila
mas não, é apenas a
The Corn Poppy, de Kees van Dongen



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E queiram, por favor, descer e verificar como é que a banana da Gina G. compete com a do Andy Warhol
e

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Lamento, mas estou mesmo capaz de preferir a banana da Gina G. à do Andy Warhol


Esta é a banana do Andy Warhol (do Andy Warhol, salvo seja). Aqui, loura e intacta. Não desfazendo, parece ser uma boa banana. Foi capa de disco e dizem que tinha uma forte carga erótica. Não sei. Olho-a e o que vejo é apenas uma banana que tem ar de ser uma boa banana. Não é pouco, isso, mas, a bem dizer, também não é sinónimo de transcendentalidade.


Já a banana da Gina G. (e aqui, claro está, duplamente salvo seja) tem vida, é tela, é objecto estético e, no fim, mostra-se como objecto a quem alguém não lhe resistiu e, isso sim, já é digno de registo. E, portanto, entre a banana distante do Warhol e o objecto estético e comestível da Gina G, sorry so much pure* guys, mas eu voto na Gina G.

NB: * Atenção: pure e não poor. Purist, vá.




(Naturalmente, fotos da Gina G.)

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E aqui seguem os votos de que todos os domingos sejam dias felizes para a Gina G. e para todos os seus admiradores -- e também para os Leitores do Um Jeito Manso.

E os votos vão ao som dos Velvet Underground que exibiam a banana do Andy na capa.



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Alô, alô Helena Almeida: já conhece a Gina G?


Esta aqui abaixo é a Helena Almeida numa daquelas suas 'cenas maradas' que me deixam sempre muito admirada.

Diz ela: Ando em círculo; os ciclos voltam. O trabalho nunca está completo, tem de se voltar a fazer. O que me interessa é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o teto, o canto, o chão; depois, o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar de emoções. São maneiras de contar uma história.

Aqui, ela mostra-se a Voar


E esta aqui abaixo é a Gina G. de que ontem já falei, que se mostra em Dias de uma solitária divertida dizendo:

Isto não tem nada que saber, não querendo mostrar duplo queixo ou olheiras ao meu público, é desviar-me desse assunto.


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E, já agora, acho que a Pina Bausch era moça para completar o trio



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E dias felizes a todos quantos por aqui passam.

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terça-feira, maio 09, 2017

Acho que hoje, por aqui, a noite não está estrelada, Vincent


Leio que Vincent Van Gogh não estava certo da sua arte e que, de cada vez que pintava uma coisa, achava que era um fracasso.

Tal aconteceu também com The Starry Night. Achou que era obra sem préstimo. 




Consta que, de facto, apenas vendeu um único quadro enquanto vivia. E se era um pintor prolixo. Apesar de apenas ter pintado durante dez anos (entre os 27 e os 37 que tinha quando se suicidou), deixou cerca de 900 pinturas e mais um monte de desenhos e esboços, num total de cerca de 2.000 trabalhos.

Igualmente prolixo a escrever, foram também da mesma ordem de grandeza as cartas que escreveu, nomeadamente ao seu bom irmão Theo. Nas cartas ou postais, por vezes fazia o esboço do que estava a pintar e escrevia sobre isso.


Lendo sobre isso e vendo as suas cartas e constatando a prolixidade, fez-me lembrar a Gina G. que também fotografa, cria e escreve e descreve. E não venham os puristas dizer-me que a Gina está a milhas do Vincent porque não sei, não -- e, de resto, acho que a vida não tem que ser um pódio nem sequer há uma única escala. Gosto imenso de ver a torrente criativa das palavras da genuína Gina, das suas fotografias tantas vezes surpreendentes. Tudo lhe é motivo, tudo ela transforma em algo que, depois, partilha com o mundo. E é sempre uma surpresa e uma graça (mesmo quando há alguma sombra a toldar-lhe os dias).



Na altura, também havia muito quem achasse que o que Vincent não tinha a ver com nada. Ainda hoje o que não devem faltar são pessoas que, perante uma 'noite estrelada' ou uma jarra com girassóis, pensam: 'Tretas, como se eu não fosse capaz de fazer igual. Não, igual não... Qual igual...? Melhor, muito melhor'


A vida muda a perspectiva segundo a qual observamos o mundo. 

Lembro-me de, em tempos, uma prima me ter recomendado uma exposição da Paula Rego e de eu, com inabalável convicção, lhe ter dito que nem pensar, que não gostava nem um pouco da obra de tal pessoa. Hoje acho-a extraordinária.


Identicamente lembro-me de, numa outra vida, ter ido ver uma exposição de Miró e de ter vindo de lá desconcertada. Nada daquilo parecia fazer-me sentido. Tempos houve em que eu procurava o sentido de tudo e, não o encontrando, rejeitava-o. A vida tem vindo a ensinar-me que o sentido das coisas não tem que ser percepcionado para que as coisas nos emocionem. Agora gosto imenso de Miró. E gosto especialmente se olhar para as suas pinturas sem tentar reconhecer o que quer que seja. Acho que há uma elegância intrínseca, uma leveza, uma harmonia cromática e espacial. E uma simplicidade que afasta pretensas explicações.


Não será exactamente pelos mesmos motivos que gosto de Miró e de Paula Rego. Na Paula Rego é outra coisa, aí penso ser a afinidade -- e o grão de loucura, o agudo sentido de observação, a ironia, o desprendimento em relação à opinião alheia.

Igualmente era completamente insensível em relação à pintura renascentista. Nos museus passava por essas salas sem me deter nem um minuto. Agora, não que seja de minha predilecção ou que lhe seja particularmente sensível, mas já olho, já tento encontrar alguma estética que, de alguma forma, chegue até mim.  No entanto, ainda não cheguei completamente lá. Tudo o que me pareça querer ser fiel à realidade me maça. Se algum ângulo de visão ou alguma figura é imprevista ou parece deslocada no contexto, então já talvez me desperte interesse. Procuro o que é incomum, desconhecido, incompreensível. Procuro o que não existe a não ser ali.

Parte de O Juízo Final - Fra Angelico
(E desta parte eu que gosto bastante)

Somos diferentes uns dos outros e somos diferentes ao longo das nossas idades. O meu gosto tem vindo a evoluir no sentido do despojamento, do silêncio.

Rothko, claro. Mas muitos outros. Contudo, quando penso na atracção pela pintura do nada e do silêncio, é em Rothko que logo penso.


No entanto, acho que o meu sentido estético sempre assentou numa matriz de desconcerto. Lembro-me de ser bem miúda, ainda desconhecedora de tudo, e ter visto numa revista uma imagem que me fascinou. Recortei-a. Pedi à minha mãe para a emoldurar. Ela fez-me a vontade. Uma moldurinha pequenina. Era de Paul Klee. Não fazia ideia, na altura, de quem fosse. E, no entanto, era como se fosse coisa que me fosse familiar, um ser imaginário que existia sem propósito, apenas para estar ali. Um mundo perfeito onde tudo tem lugar, sem explicações.


E estava eu a ler o texto 10 Things You Might Not Know About Vincent van Gogh no Google Arts & Culture quando reli que uma das músicas de que muito gosto tinha sido inspirada em Van Gogh. E lembrei-me de como, não há muito, dei por mim a sentir-me como tantas vezes me sinto: a mais burra de todas as burras. Parece que, por vezes, sou distraída para além do que é normal e admissível. A desatenção das coisas faz-nos ignorantes e, talvez por isso, tantas vezes distantes.

Por inacreditável que possa parecer nunca, antes desse dia, tinha reparado que a canção se referia à pintura de Van Gogh e a ele mesmo. E se a ouvi e ouvi. Gostava sem motivo racional, sem pretender descortinar-lhe o sentido, gostava apenas por gostar. E, no entanto, depois que o soube, parece-me tão estupidamente óbvio que não compreendo como é que nunca o tinha percebido.

Mas, enfim, as coisas são o que são e nem vale a pena tentar perceber tudo o que nos rodeia. Muito menos o que se passa dentro de nós.

Fresh snow in distant mountain by Okuda Genso

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Sobre pinturas de Van Gogh, A Prayer de Max Ehrmann lido por Tom O'Bedlam


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Um dia feliz a todos quantos por aqui passam.

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segunda-feira, junho 27, 2016

A grafómana Gina G. fez um vídeo para mim e eu, agradecida, aqui o partilho com os meus Leitores



Fico sempre admirada com a imensidão que é a blogosfera e com a facilidade que muitas pessoas têm em andar, por lá, à descoberta. Eu, por mim, acho que nunca descobri nenhum blog. Ou os descubro porque os vejo nas estatísticas do Um Jeito Manso por aqui terem andado, ou através dos comentários que aqui deixam ou, por acaso, reparo em referência a eles noutros blogs que já visito e que, em geral, se limitam aos que, por facilidade, referenciei na 'galeria' lateral.

Numa dessas vezes vi referência ao Dias de uma Grafómona (a que, mais tarde, aqui ao lado, dei o nome de A raça de uma Mulher) e fui lá espreitar. Achei muita graça pois há ali uma genuína necessidade de comunicar. Um dia vi um dos vídeos e fiquei fã. Não há ali dissertações temáticas dobre os grandes temas da actualidade. Pelo contrário, o que ali se vê encaixa, sobretudo, naquilo a que vulgarmente se designa por small talk, E eu gosto disso. Não há disfarces ou armações, há o que vem à cabeça. Eu também, quando posso, gosto de conversar assim, sobre pequenas coisas, conversa solta, bem disposta, sobre tudo e sobre nada. Não se pretende convencer ninguém de nada, apenas deambular pelos pequenos apartes do que vai pairando ao longo do dia.

Um dia destes vi uns vídeos sobre o que o filho deixou lá em casa. Sorri.
Aconteceu-me isto quando os meus filhos saíram de casa, também deixando coisas para trás. A minha filha deixou roupa que já não lhe servia ou que já não era a seu gosto. Como sou mais baixa que ela, aproveitei imensa coisa. Ainda agora, para aí uns doze anos depois de ter saído de casa, uso, cá por casa, alguma dessa roupa. E bonecas. Ainda lá estão no quarto e, volta e meia, a sobrinha brinca com elas. Tudo o que ela deixou eu reconheço. Pior foi o meu filho. Também deixou roupa e ténis mas deixou outras coisas misteriosas. Volta e meia lembra-se de alguma e pede para vermos se encontramos. Muitas vezes não sei sequer com o que se parece. O quarto dele ainda tem vários desses objectos. 
Outras vezes a Gina G. fala dos seus cozinhados ou dos seus passeios ou faz fotografias e eu gosto de tudo isso, Há uma alegria despretensiosa e uma energia criativa em tudo o que faz.


Acho graça à sua espontaneidade ao pôr-se ali, ao balcão do seu estaminé, a falar para a câmara, ou na sua casa. Nestas coisas haverá sempre os eruditos que permanentemente ocupam os seus neurónios com os grandes dilemas da humanidade e que, portanto, talvez mostrem alguma superioridade face a quem faz coisas simples. Mas, a sério, gostava de os ver em frente a uma câmara a falar - a ver se lhes saía tão espontâneo e bem disposto como sai à Gina G.

Diz ela que quem vem aos blogues não vem para ver vídeos mas para ler. Talvez. Mas eu sou fã de vídeos em geral: aprendo, divirto-me, distraio-me, fico com vontade de ir descobrir mais. E gosto de ver os vídeos dela.

Por isso, agradecendo de novo à Gina o vídeo que fez para mim e que, como já lhe disse por mail, já foi objecto de visionamento por parte da família que o viu com surpresa e sorrisos, aqui o coloco para o partilhar com os meus Leitores.

Acho que o mundo é mil vezes melhor se for pontuado por pequenos gestos de gratidão e reconhecimento e acho que o desprendimento e a alegria tornam os dias leves e bons de serem vividos. Talvez por sentir que a Gina G. também assim pensa, eu sinta empatia em relação à sua escrita, fotografias ou vídeos.

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Gracias, Gina!

[Tomei a liberdade de usar duas fotografias suas, surripiadas ao seu blog, para ilustrar o texto. Espero que não se importe.]

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E, a quem quiser colher alguma da espuma do brexit ou uma curiosa explicação das motivações inglesas a cargo dos Monty Phyton, é só descer.

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