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sexta-feira, abril 05, 2019

Como reorganizar a Casa para acolher o novo Povo?





Tenho agora muita gente nova a trabalhar comigo. Parte das minhas equipas tem agora menos de trinta anos, a maioria situando-se nos vinte e poucos. O mais velho do grupo dos jovens tem trinta e um. Depois de andar a ouvir teorizar sobre os millenials eis que me deparo agora com a necessidade de saber lidar com gente que nasceu numa era que nada tem a ver com aquela em que a maioria dos outros, os cotas, nasceu. Alguns destes já são bem mais novos que os meus filhos.

Gosto imenso de lidar com maltinha nova mas a verdade é que conseguir que convivam e trabalhem proveitosamente em equipa com gente acomodada, habituada a métodos de trabalho e a atitudes comportamentais que pouco evoluíram deste os tempos de antanho é um desafio.


Estes jovens pensam muito em férias, gostam de conviver, trazem o almoço de casa e gostam de ali estar numa boa tertúlia, combinam encontros e passeios, viajam muito, para longe. E investem na sua própria formação, fazem cursos fora de horas que pagam com o que ganham. E entreajudam-se, partilham informação e conhecimento, têm pensamento estruturado. Ao princípio passei por momentos de estranheza. Um, um dia destes, contava-me a crise com a namorada, e estava emocionado, e eu dizia-lhe que não valia a pena contar-me tudo e ele insistiu, disse que era para eu perceber porque é que andava com dificuldade em concentrar-se e porque é que quase não dormia e por isso andava tão cheio de sono. Nessa altura andei desconcertada, a pensar que tinha cometido um erro ao escolher um jovem ainda tão imaturo. Resolvi passar a tratá-lo com alguma secura a ver se crescia, pus-me mais exigente. Uma ou duas semanas depois já ele andava feliz da vida e quando me apareceu a dizer que queria mais um dia de férias para ir fazer um fim de semana alargado com a namorada nem estranhei. Perguntei: outra ou a mesma? Desatou a rir. Aliás, penso que me acha uma pândega. Que era a mesma, claro.


Outro dia, estava no gabinete e comecei a ouvir cantar baixinho. Pensei que era alguém, na sala ao lado, a ouvir música. Mas a cantoria continuava, baixinho, afinadinha. Apurei o ouvido até que não me contive e fui espreitar. Eram duas das meninas mais jovens. Estavam as duas sentadas à mesma secretária e cantavam. Quando me viram, ficaram envergonhadas, a rir. Disse-lhes que estava a gostar, que cantavam bem. Engoli o espanto, senti-me até agradada. Já as enviei para outro país, em serviço, e desembaraçaram-se melhor do que muitos dos que têm idade para serem pais dela o fariam.

Se me disserem que não votam não me admirarei. A cena deles é outra. No outro dia um colega dizia que tinha ficado passado: numa entrevista, perguntou ao candidato se ele tinha algum aspecto que quisesse esclarecer e, insensatamente, o jovem lhe tinha perguntado quando é que poderia tirar férias. Expliquei-lhe que se habitue, que a cena deles é serem felizes. Ele olhou para mim, intrigado, como se não percebesse bem que cena é essa.


E isto para dizer o óbvio: o mundo está a mudar. Nunca como agora noto tanta diferença entre as gerações. Quem nasceu e viveu já nos tempos de hoje, da net, da partilha da informação e da comunicação permanente, quem cresceu a ouvir a toda a hora que estamos debaixo da espada da crise, quem desde pequeno ouviu falar contra os escândalos financeiros, contra a grande corrupção e a contra a gananciosa especulação, contra offshores e contra o que provocou a ruína de grandes bancos, contra políticos que não prestam, políticos que defraudam as expectativas de quem os apoiou e que falam um palavreado que não interessa -- tem forçosamente uma maneira diferente de ver as coisas.

E o sistema político, em geral  (ou seja, não falando especificamente em Portugal), não está a saber dar resposta à mudança do mundo. Se o sistema democrático não souber reinventar-se vai perder estas novas gerações. Os jovens não se revêem na organização política actual e nas atitudes dos seus agentes.


E um exemplo paradigmático disto é o vídeo que abaixo partilho convosco. Tem poucas horas, foi gravado na House of Lords. O Reino Unido em risco de desagregação, toda aquela a gente em risco de uma saída desordenada da UE causando confusão nem se sabe bem onde. Há três anos nisto, incapazes de arranjarem maneira de se porem de acordo sobre a forma de saírem do buraco em que se meteram. E os Lordes, cristalizados num tempo que já não existe, com uma linguagem salamalequiana discutindo o sexo dos anjos enquanto os Comuns votam e revotam sem saírem do mesmo sítio e o Speaker grita desalmadamente por Order!. E, nas ruas, um outro mundo. Seis milhões assinando uma petição para se voltar atrás, outros perplexos, outros mascarados, outros saindo de lá antes que seja tarde.


E a Rainha continua nas suas visitinhas, enquanto Juncker se esforça por conseguir falar em estado de sobriedade. E em Espanha o Rei anda à deriva aparentemente controlado por uma Rainha que faz plásticas atrás de plásticas, em França o presidente só agora parece ter percebido que tem que fazer avançar as tropas contra os delinquentes que de gosto arrasam Paris, em Itália o governo envergonha a história do país -- e por aí vai.

Em Portugal as coisas vão benzinho mas não completamente pois, pelo que se vê, não conseguimos ver-nos livres de uma múmia ressabiada que volta e meia vem a público assustar as pessoas, mostrando que o passado continua a vir assombrar o presente.

Mas vejam por favor este teatro aqui abaixo. Tem graça... mas terá isto a ver com o mundo real?

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E agora, se me permitem, fico-me por aqui e vou reflectir no assunto

[É que eu hoje estou cansada, tive um dia complicado, e com a chuva acontecem os acidentes e estraga-se o trânsito e perde-se imenso tempo e amanhã o meu dia começa cedo e vai ser daqueles -- e tenho que ir dormir. E que me desculpem por não conseguir responder aos comentários. Tentarei fazê-lo amanhã. Isto hoje não está fácil]


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Mas para o post não acabar neste tom meio acabrunhado vou partilhar esta festarola de dar gosto. 
Gosto mesmo.

Encore / L'Arpeggiata / Christina Pluhar / N. Rial / V. Capezzuto / G. Bridelli / J.J. Orliński


E um dia feliz a todos.

[Ah, é verdade, Isabel: agora não consigo ir buscar o nome de cada pintor mas é arte contemporânea vietnamita]