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segunda-feira, janeiro 01, 2024

2024
-- Receita de Ano Novo --

 

E já cá estamos, em 2024. Aqui, pelo menos, já chegámos. 

Não sei se o Valupi tem razão ao dizer que 2023 foi um período triunfal para os estúpidos. Não que não tenha sido. Foi. Mas foi mais que isso. Foi, em si, um ano estúpido. Claro que pode dizer-se que são os estúpidos que transformam uma coisa neutra numa coisa estúpida. Mas foram tantas as coisas estúpidas que aconteceram, uma tal sucessão de situações transformadas em situações estúpidas por gente estúpida que, em si, tenho que concluir que 2023 se pôs a jeito para os estúpidos fazerem dele gato-sapato. E não foi só isso, foram mesmo as contingências desagradáveis que viram a luz do dia, negativas, abstrusas, ataques de pouca sorte.

Quando o ano começou toda a gente deve ter desejado que fosse um ano incrível, transbordante de paz e bondade, mas, bem vistas as coisas, muitos dos estúpidos que por aí andam já andavam antes a deixar-nos perceber que iam fazer porcaria. Muitas vezes, não quisemos foi ver. 

Não vou exemplificar pois foram tantas as anormalidades que aconteceram que seria absurdo apontar só uma o duas. Mas, de muitas, como não reconhecer que os seus autores já antes vinham dando mostras de que as suas intenções e o seu comportamento iriam descambar em actos estúpidos, nefastos.

E, mesmo a nível pessoal, tenho que reconhecer que quase tudo o que de negativo me aconteceu, não nasceu em 2023. E algumas coisas poderiam ter sido senão evitadas, pelo menos mitigadas. Há o aspecto da sorte, é certo, e nela muitas vezes não conseguimos influir. Mas em muitas das outras deitamo-nos na cama que fizemos. Não que, se fosse outra a cama, o destino fosse forçosamente diferente. Mas uma coisa é certa: quando tomamos uma opção não podemos pensar que as consequências se ficam por ali. Muitas vezes as consequências arrastam-se por anos.

Estou a escrever e já estava outra vez a pensar na situação da minha mãe e no que estamos a passar: tinha vontade de exemplificar como, em cada momento da vida, a vida não é só o que acontece independentemente da nossa vontade mas também é a forma como o encaramos -- ou sob uma perspectiva fatalista e negativa ou sob uma perspectiva de agradecimento e aceitação, mesmo quando o que nos acontece não é famoso. E isso muda tudo. Mas hoje não quero falar outra vez do mesmo, não quero enfiar-me de novo nesse beco do qual tantas vezes parece que não consigo sair.

Só quero dizer que embora triste por a minha mãe entrar o ano numa cama de hospital e de eu não ter podido desejar-lhe um feliz ano novo, com saúde e alegria, como sempre fiz em todos os anos da minha vida, consegui divertir-me e estar feliz na companhia dos que me são queridos, que estão bem, felizes, bem dispostos. 

A vida continua. 

E bola para a frente. Certo?

E agradecendo ao Nuno que, apesar de ser um chato e que tantas vezes me maça, não deixa, outras vezes, de ser atencioso, partilho convosco um poema que ele me enviou por mail. Aqui, na voz de Marília Gabriela:

RECEITA DE ANO NOVO, Carlos Drummond de Andrade

(...)

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Felicidades

sábado, dezembro 02, 2023

Contra as nuvens negras que ensombram os meus dias, nada como ter a família à mesa e ver a boa disposição de todos

 

O meu dia foi bom embora haja uma permanente nuvem a ensombrar-me. 

Dizem-me que parece que não estou bem e que nitidamente não estou a conseguir gerir esta situação. E que parece que ainda não percebi que, havendo gente competente a geri-la, tenho que confiar e aprender a desligar. Compreendo pois eu própria poderia dar esse conselho a pessoas que estivessem a viver o mesmo que eu. Mas há uma angústia que me estrangula. Os próprios meninos, que já compreendem o que se passa, me aconselham a aceitar que nem tudo está nas minhas mãos e que este é um dos casos em que eu não posso fazer mais do que faço.

Mas, enfim, não vale a pena continuar para aqui a chover no molhado. 

Demorei a começar a escrever pois não sabia do que falar a não ser disto. Estarei pirada, como a minha filha me diz? Estou passada como o meu marido me diz? Em loop como o meu filho me diz?

Se calhar.

Vou tentar falar de outra coisa. De como foi o meu dia.

De manhã, eu, o meu marido e o urso cabeludo, fomos passear para a praia. De lá trouxemos o almoço constituído sobretudo por sushi, coisa que os meninos muito apreciam. 

Do lado do meu filho estão a passar o fim de semana prolongado no Alentejo com cunhados e primos de um dos lados, quase trinta. Recebemos fotografias, um tocando viola, vários cantando, todos em volta de uma fogueira no exterior. Imagino os meus meninos, entre os muitos primos de um dos lados da mãe, todos felizes da vida. Antes de irem, o mano do meio foi ao barbeiro e ficou com um corte futebolístico, giraço. Na véspera, ele, a mana e a mãe tinham ido ver a Carolina Deslandes. A minha menina linda foi produzida à maneira, coquette até à décima casa. O mais novo ficou em casa com o pai.

Do lado da minha filha estiveram cá e, como disse acima, de tarde a minha filha esteve com a avó. Os rapazes jogaram basket, viram televisão e, em especial o mais velho, prometeu que logo estudava quando chegasse a casa. Como sempre, comeram como uns lobos deixando-me sempre perplexa com o fenómeno que é ingerirem brutais quantidades de comida e continuarem magros e esbeltos. Mesmo logo a seguir, quando se levantam da mesa, não se percebe para onde foi a comida pois não há vestígio de nada, um estômago mais proeminente, qualquer sinal de armazém repleto. Nada. Como treinam futebol quase todos os dias, já a sério, federados, e têm jogos e, no intervalo, jogam com os amigos ou praticam basquetebol, o corpo requer certamente a reposição de todas as calorias que o desporto lhes consome.

O mais novo, o dos doze, já está da minha altura ou um ou dois dedos mais que eu. E o mais velho, o de quinze, já está indecentemente mais alto que eu. E bonitos que dão gosto. E divertidos. 

E, pronto, é isto. 

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Desejo-vos um bom sábado

Saúde. Boa disposição. Paz.

segunda-feira, abril 17, 2023

Um domingo feliz

 

A minha mãe, sabendo que quando a maltinha está junta, é para durar, preferiu ficar a descansar temendo ter que enfrentar muitas horas seguidas de confusão. Mas os que veranearam por terras do White Lotus (segunda temporada) e redondezas regressaram no sábado à noite e a turminha que veraneou por outras bandas também tinha o domingo livre. E nós cá estamos sempre de braços abertos para os recebermos.

Por isso, foi com toda a alegria do mundo que cá os tive hoje em casa e os vi a brincar e a rir, todos desfrutando o calor de uma tarde que parecia de férias e verão.

Há pouco, quando aqui me sentei, vi o vídeo abaixo e fiquei a pensar que deve ser doloroso querer estar radiante com o nascimento de um filho e, estranhamente, sentir tristeza, incapacidade de amar e de estar feliz.

Por sorte, não me aconteceu isso. Talvez tenha a ver com a envolvência. Se uma mãe recente se sentir sozinha, sobrecarregada, cansada, acredito que sinta algum desamparo e abandono e talvez isso impeça a fruição do prazer de ter um filho. 

A mim, o mais perto disto que me aconteceu foi quando nasceu o meu filho. A minha filha ainda não tinha três anos e o meu marido estava a trabalhar há pouco tempo numa multinacional, tendo geralmente projectos com prazos apertados e responsabilidades alargadas. Nem havia licença de parentalidade.

O parto do meu filho, tal como o da minha filha, foi com fórceps. Por isso, eu tinha sido cortada e cosida. O meu filho era muito grande e sempre foi especialmente irrequieto. Mesmo na barriga, dava cambalhotas com tamanha força que me deixava incomodada, como se revolvesse todas as minhas vísceras.

Quando nasceu, mexia-se muito, nunca usou chucha, se eu tentava que se habituasse agoniava-se, e mamava sofregamente, engasgando-se. E, depois, de noite, chorava tanto que não me deixava dormir. Eu dava-lhe de mamar de duas em duas horas e, às tantas, estava tão cansada que não sabia se já lhe tinha dado de mamar ou se era isso que tinha que fazer. Por vezes, para ver se ele se calava, punha-o na minha cama mas tanto se mexia e tanto chorava e esperneava que, por vezes, bolsava-se todo, ficando a cama toda molhada e mal cheirosa. O meu marido, cansado que andava, por vezes chegado do norte às tantas da noite, conseguia dormir. Mas eu quase não dormia.

E de dia tinha que tratar dele e da minha filha que, obviamente, requeria todos os cuidados devidos a uma criança que nem três anos tinha e que, para agravar, era super vagarosa a comer. Eu preocupava-me muito com a comida dela, queria que ela comesse tudo o que era de lei e ela precisava de uma hora para comer devagarinho tudo o que estava no prato. E tinha que lhe dar à boca e distrai-la (coisa que hoje reconheço que era um disparate mas, na altura, eu temia que, se ela não comesse tudo aquilo, ficasse subnutrida). Isto com o outro a gritar por todo o lado, sempre com fome, sempre a querer colo e brincadeira.

Quando cheguei da clínica, os meus pais eram para lá ter ficado a ajudar. Mas a minha avó materna teve um problema qualquer de coração e foi internada, Por isso, a minha mãe entendeu que devia ir para junto da mãe. 

E eu, sem quase conseguir dar passo, quase sem me conseguir sentar, com o leite a subir (que é do pior que há), com o peito a encaroçar-se, quase febril, uma menina pequena a chorar porque queria o porta-bebés para a boneca, um bebé recém-nascido que não parava de chorar e que se agoniava com a chupeta, e vendo os meus pais a dizerem que não podiam ficar a ajudar-me, senti-me seriamente desamparada. Hoje o pai tem dias (ou melhor, tem pelo menos um mês) para ajudar nesta fase crítica. Mas, na altura, isso não existia.

Na altura não tínhamos empregada. E na altura ainda não havia fraldas descartáveis. E poucos supermercados havia. Não sei como conseguia ir às compras com o bebé no carrinho e uma menina pela mão, e eu quase sem me conseguir mexer. 

Mas consegui. Fiz das tripas coração, que remédio.

Uma outra vez de que me lembro pois foi mesmo muito má (e de que aqui já falei) foi quando andava a arranjar uns dentes e, para não perturbar muito a minha rotina de ir buscar um e outro e ir com eles para casa (sem carro), pedi para juntar duas ou três sessões, já não me lembro.

O dentista, familiar, desaconselhou. Mas era-me tão difícil ir do trabalho para a Avenida de Roma, de lá para a minha sogra, da minha sogra, com o bebé ao colo e nos transportes públicos, para a escola da minha filha e de lá, com os dois para casa, que lá me fez a vontade.

Anestesia para além da dose, portanto.

A meio do caminho senti-me meio zonza mas não havia telemóveis e não tinha como, na rua, pedir ajuda ao meu marido. Sobretudo, não podia deixar a minha filha à espera. Portanto, com dificuldade, lá consegui ir buscar um e outro e, com ambos, chegar a casa. Mas já ia feita num oito. Agoniada, uma dor de cabeça que não via nada. Pus o bebé na caminha dele e tentei que a minha filha brincasse. E deitei-me pois não me aguentava de pé. Não a descalcei. Então ela andava com os sapatos em cima da cama e eu sentia a cama a encher-se de areia. E foi para dentro da cama do bebé. Eu via aquilo e não conseguia impedir. E ele chorava como se não houvesse amanhã. E eu impotente, incapaz de cuidar deles. De vez em quando ia à casa de banho vomitar e de lá vinha fazendo um tremendo esforço para não desmaiar.

O meu marido chegou tarde e encontrou aquele panorama.

Mas foi um episódio. Foram fases. Apesar das dificuldades e do cansaço, sempre me senti muito feliz com eles. E arranjava maneira de os fotografar, encantada com eles, sentindo-me bem aventurada, abençoada por ser mãe de duas crianças tão amadas, cantava para eles, arranjava maneira de lhes dar atenção, de brincar com eles. 

São agora adultos, bem resolvidos, bonitos, bem dispostos, mãe e pai de família, com filhos felizes, cada vez mais crescidos. E eu, vendo-os assim, vendo a descendência toda reunida, penso que todos os momentos que vivi desde que os comecei a sentir dentro de mim até aos dias de hoje valeram completamente a pena. Tudo valerá sempre a pena. São momentos sempre abençoados e pelos quais me sentirei sempre infinitamente agradecida.

Mas, por ser assim, mais percebo a angústia de quem sente ou sentiu depressão pós-parto. São sofrimentos que deixam marcas para o resto da vida. Ainda por cima, no caso abaixo, ela não sabia que tinha uma depressão pós parto, pensava apenas que era uma mãe desnaturada, indigna de ser mãe. Sofria porque não conseguia estar feliz e estabelecer uma ligação com a bebé e sofria porque se recriminava por isso.

Não sabíamos

[Com legendas em português]

Jenny Jackson fala da sua experiência e da sua conversa com a sua filha


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Pintura de Berthe Morisot

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Alegria. Paz.

segunda-feira, novembro 21, 2022

A depressão e a ansiedade de Marta Rebelo, a corajosa maluquinha assumida

 

Mais um testemunho muito sincero sobre um problema de saúde mental vivido na primeira pessoa. E, uma vez mais, uma surpresa. Desta vez é Marta Rebelo de que me lembro quando era deputada da Nação, socialista e fashionist. Looks sempre modernos, por vezes arrojados, ela era uma imagem arejada em meios que tantas vezes tresandam a convencionalismos.

Depois perdia-a de vista e nunca mais me lembrei dela. Algum tempo depois houve aquele episódio sobre o fim de uma relação porque o namorado tinha deixado fugir o gato. Foi o fim do mundo em cuecas, a gargalhada geral. Nestas coisas há sempre quem queira parodiar o desgosto e as aflições dos outros. Mas a verdade é que os tempos mudam e talvez hoje não houvesse a crueldade jocosa a que então se assistiu. Depois despareceu outra vez do meu radar.

Surge agora em mais uma das utilíssimas e muito bem conduzidas entrevistas do Observador, na Série Labirinto - Conversas sobre saúde mental.

Aqui Marta Rebelo fala da depressão que a atormentou durante anos e sobre a ansiedade, nomeadamente os terríveis ataques de ansiedade, que condicionaram toda a sua vida.

Conta como disfarçou e escondeu a sua condição, por vezes quase incapacitante, com receio do estigma a que certamente estaria sujeita se se soubesse. Uma deputada maluquinha? Ficar em casa, incapaz de sair da cama, e telefonar a dizer isso, que não conseguia ir trabalhar...? Nem pensar.

Acredito. Aconteceu com ela e deve acontecer com muita gente: o receio de ser visto como fraco, o receio de ser considerado incapaz de estar à altura dos desafios profissionais, incapaz de dar conta do recado com os filhos, o receio de ser olhado de lado pelos outros. 

Para evitar isso, muita gente esconde, tenta fazer de conta que está tudo bem. Marta Rebelo conta como ria e disfarçava mesmo quando se sentia como se estivesse a ter um ataque cardíaco fulminante. Hoje espanta-se como conseguiu enganar tanta gente durante tanto tempo. Diz que hoje 'fareja' quem está a passar pelo mesmo e fala em geral sobre o tema mas não assumindo, na primeira pessoa, que vive essa circunstância. Mas não se admira pois ela própria fez isso.

Marta Rebelo tentou o suicídio. Não foi apenas o pensar nisso. Não, tentou mesmo. 

E todos os que estavam junto a ela ajudaram a esconder o que se tinha passado. Fizeram-no para a proteger, para a ajudar a melhor superar esse momento terrível.

E, no entanto, Marta Rebelo, às tantas, começou a sentir que o secretismo em volta da sua condição estava a atrofiá-la e a prejudicar a sua recuperação. Quando decidiu falar no assunto, sentiu que o sofrimento pelo qual vinha passando há tanto tempo talvez fosse útil para chamar a atenção para os problemas e os estigmas associados às doenças mentais.

E é verdade: é da máxima importância que se fale nisso.

Há contudo um tema que ainda não vi abordado e que seria útil que viesse para o conhecimento público: como se deve lidar com alguém que tem uma depressão ou que sofre de crises de ansiedade?

Eu não sei. Se eu estiver junto a alguém que pressinto que está a padecer de depressão ou com crises de ansiedade mas se a pessoa o negar e disfarçar, como devo agir para ajudar? Intuo que não se deve forçar... mas não sei o que fazer. Assistir ao sofrimento de alguém que se ama e que não quer tratar-se nem quer assumir o seu problema é uma coisa terrível, uma pessoa sente-se impotente. Seria importante que esse tema fosse abordado. A depressão ou a ansiedade não são apenas problema para quem disso sofre mas também para os que os amam.

Marta Rebelo e a depressão. “Cheguei a tomar nove medicamentos diferentes”

Esteve “no inferno” várias vezes durante mais de 10 anos. O ponto mais duro chegou quando era deputada. Sente que se escondeu e isso pesa-lhe, por ser “cúmplice” do estigma. Parceria Observador/FLAD


Precisa de ajuda? Estas são as linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal

SOS VOZ AMIGA
Horário: 16:00 – 24:00
Contacto Telefónico: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660
Linha Verde gratuita: 800 209 899 (21:00 – 24:00)

CONVERSA AMIGA
Horário: 15:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 808 237 327 | 210 027 159

VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL
Horário: 16:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 222 030 707

TELEFONE DA AMIZADE
Horário: 16:00 – 23:00
Contacto Telefónico: 222 080 707


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Continuo sem responder a mails ou a comentários. Por bizarro que possa parecer (a mim parece-me), continuo submersa numa onda de moleza absoluta e de grande sono, com mais frio do que é costume e com algumas dores nas pernas. Sei que estas vacinas têm este efeito em algumas pessoas. A mim nunca tal me tinha acontecido pelo que é novidade. Presumo que amanhã ou depois esteja melhor. Também estive, este domingo de manhã, com um familiar que veio a saber horas depois que está com Covid. Mas estivemos ao ar livre pelo que não há-de ser nada. Mas isto para pedir a vossa compreensão para a minha ausência de respostas. Haverei de sair em breve desta letargia.


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E queiram continuar a descer. Abaixo há um comovente momento de união e afecto em torno de Jorge Palma. Muito bonito. Não percam, por favor.


segunda-feira, outubro 24, 2022

João Vieira de Almeida, do absoluto sucesso ao buraco mais negro da depressão
Um impressionante testemunho


Felizmente não conheço a depressão. Mas conheço quem a sofreu. E conheço quem a sofreu e soube que esse era o nome do vazio que se instalara dentro de si e conheço quem o sente mas não sabe que nome dar ao que sente.

Ainda este domingo, ao caminhar à beira-rio com a minha mãe, ela me falava de uma conhecida que passa parte dos dias na cama, sem vontade de se levantar e incapaz de sentir motivação para o que quer que seja. 

E, agora que escrevo, recordo uma irmã de uma das minhas tias por afinidade. Era uma família grande, tudo gente muito divertida. Ela era casada e tinha dois filhos. A minha tia, uma das suas irmãs, dizia que não conseguia compreender aquela tristeza. O marido, homem forte e alegre, sofria por não conseguir afastar aquele pesado manto de tristeza de sobre a sua mulher. Ouvia a minha tia a conversar com a minha mãe, ambas sem perceberem, tentando encontrar razões, e lembro-me de prestar atenção, tentando também eu compreender. Sei que se tratava, a minha tia falava de médicos e de tratamentos, mas desconheço o tipo de acompanhamento, presumo que não tenha tido acompanhamento psicológico. Lembro-me de ouvir dizer: 'Coisas de cabeça... É o pior......' Creio que chegou a estar internada. Vivia perto das minhas avós num bairro tranquilíssimo, os filhos eram calmos, o marido era uma simpatia, tinha uma vida sem sobressaltos. Até que um dia se suicidou. Em todos ficou aquele misto de estupefacção e de resignação. Ninguém conseguia perceber porque sofria ela tanto mas também se admitia que talvez um dia não aguentasse mais. 

Mas o que agora para mim foi um balde de água fria, a surpresa absoluta, foi saber que o João Vieira de Almeida, o grande líder da poderosa VdA, atravessou o labirinto, conheceu o abismo.

Quem vive no mundo dos negócios, quem está ligado a empresas com recursos para pagar aos melhores, conhece a VdA. Fazem-se pagar, e bem, mas a verdade é que não desiludem. O actual escritório é um portento: a arquitectura e a decoração são extraordinárias. Passar nas imediações é ver aquele bando de mulheres ultra bem vestidas e de homens altamente executivos, todos confiantes e seguros de si.

Não é o único grande e importante escritório de advogados do país. Mas é um dos melhores, um dos mais carismáticos, um que tem uma presença fortíssima no mercado.

E, no entanto, o líder, o incensado grande líder, um dos considerados 50 homens mais poderosos do país, dá-nos aqui um impressionante testemunho daquilo por que passou. E com que tocante sinceridade e com que imensa humildade o descreve.

O vídeo é o último dos que partilhei abaixo. E aqui uma palavra de louvor ao Observador por esta série de entrevistas sobre a Saúde Mental e uma palavra à Sara Antunes de Oliveira que conduz a conversa com precisão e delicadeza.

Decidi começar por vídeos anteriores para que se conheça a face pública do João Vieira de Almeida (filho do carismático Vasco Vieira de Almeida).

E transcrevo o que dele se escreve no site da firma:

JOÃO VIEIRA DE ALMEIDA

João Vieira de Almeida, Senior Partner da VdA, preside ao Conselho de Administração.

Enquanto Sócio de Corporate e M&A, tem assessorado muitas das operações mais emblemáticas em Portugal, sendo reconhecido pelo mercado como assessor de primeira linha de grandes organizações. É membro de vários Conselhos de Administração e Presidente da Mesa de Assembleias Gerais de empresas.

Reconhecido pelo seu estilo de liderança ímpar, e por antecipar proactivamente os desafios do futuro do setor, prossegue vigorosamente uma visão assente no conceito “One Firm Firm”, tendo-lhe sido atribuído mérito sobre o desenvolvimento e afirmação da VdA, desde um escritório de 6 advogados a uma firma de mais de 450 pessoas, com uma forte presença internacional.

O compromisso irredutível do João para com a cultura e valores da firma, com particular foco no espírito de equipa, na inovação e no empreendedorismo, consolidou estas dimensões como forças motrizes que caracterizam a VdA, aliadas a uma cultura aberta e inclusiva, onde todos os colaboradores têm a justa oportunidade de desenvolver o seu potencial, num ambiente profundamente colaborativo.

Distinguido em 2018 pelo The Lawyer como European Managing Partner of the Year, tem implementando as melhores práticas internacionais de gestão na VdA, que constitui hoje um case study de Harvard e tem sido amplamente reconhecida por sucessivos prémios nacionais e internacionais, incluindo a distinção de FT Most Innovative Law Firm in Continental Europe, que lhe tem sido atribuída consecutivamente nos últimos anos.

Pelo que refere, João Vieira de Almeida agora está bem, embora se mantenha vigilante. E continua a procurar a tranquilidade e o equilíbrio que lhe vem das montanhas. E fala abertamente da sua experiência e vê-se que fala com tocante sinceridade quando refere os que sofrem o que ele sofreu sem o apoio e os meios de que felizmente usufrui. 

Há saída para a depressão e é importante que os que a atravessam acreditem nisso e procurem ajuda. Não há que esconder o que se passa ou tentar atravessar sozinho o sofrimento de um vazio tão negro.

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 João Vieira de Almeida em 2013


Em 2016 a falar de estratégia para o país


Em 2018, com a sua banda


A fantástica Sede da VdA


Em 2020, a brave lawyer and leader


João Vieira de Almeida e a depressão. “Chegava ao escritório e as primeiras horas estava a chorar”



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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Serenidade. Ânimo. Paz.

quinta-feira, julho 29, 2021

Simone Biles, nos braços de um anjo

 


Como é bom de ver, de desporto pouco sei e da pressão que os desportistas de alta competição sofrem ainda menos.

O que sei é que nunca tive qualquer vontade que os meus filhos levassem demasiado a sério qualquer desporto que praticassem. 

A filha de uns amigos nossos, praticamente da idade da minha filha, fazia já não me lembro se ginástica artística se natação. Tenho ideia que praticava ambos os desportos mas posso estar a confundir. O que sei é que um deles lhe consumia várias horas por dia, todos os dias. E que havia provas e que lá andavam eles atrás da miúda.

Tenho também um ex-colega, competentíssimo e afamadíssimo, inclusivamente muito ligado a grandes casos mediáticos, que reduziu à mínima expressão a sua actividade para poder acompanhar o filho que, praticando um certo desporto, se foi dedicando cada vez mais, obrigando os pais a terem staff permanente, nomeadamente um treinador, uma psicóloga e, a tempo parcial, uma nutricionista e um fisioterapeuta. Ele passou a viver para alimentar a dedicação do filho, um adolescente, a esta actividade desportiva.

Nunca percebi esta opção. Pensava sempre que ou o rapaz era egoísta até à décima casa, não se importando por ter o pai reduzido a seu agente, ou era uma vítima da ambição ou exigência do pai.

Lembro-me do meu colega dizer que havia muito trabalho a fazer diariamente, nomeadamente a gestão de patrocínios que, legitimamente, queriam ver resultados, queriam contrapartidas, com quem era necessário aturadas questões discussões jurídicas. E quando eu o questionava por quase viver em função do filho ele relatava-me peripécias e casos em que, se não fosse ele a agir como intermediário, era pressão e perturbação que caía em cima do rapaz, correndo o risco de, segundo ele, lhe fritar os miolos.

Estou a falar de um jovem pertencente a uma família estruturada, sem dificuldades financeiras ou outras e com uma estrutura de apoio que amortecia quaisquer pressões exteriores.

Quando, ao entrar na idade adulta, se percebeu que a carreira do jovem, sendo boa, jamais o levaria aos primeiros lugares, desistiu da carreira e hoje pratica essa actividade apenas por lazer, ou melhor, apenas por desporto.

Imagine-se isto numa outra dimensão, num contexto muito mais profissional e mais mediático, mas com uma jovem que, em menina, a par dos seus irmãos, esteve a cargo de uma mãe com problemas de álcool e drogas, várias vezes presa, sem possibilidade de lhes proporcionar estabilidade ou, até, a alimentação suficiente. Simone Biles viveu consecutivos dias de fome e de medo. Acabaria por ser criada pelos avós. Já adolescente viria a sofrer agressões sexuais por parte do médico que acompanhava as atletas americanas e, segundo tem referido, disso guardou um trauma para o resto da vida, ainda receando que a toquem mesmo que em actos meramente clínicos.

Simone Biles é mais baixa, muito mais elástica e forte do que a maioria das mulheres da sua idade. O que ela faz com o seu corpo desafia as leis da gravidade. Parece levada nos braços de um anjo. 

Horas e horas e horas de treino, horas e horas e horas de exercício, de busca da perfeição. Com as câmaras sempre em cima, escrutinada em permanência, Simone, tal como os desportistas de alta competição, está sujeita a uma pressão esmagadora. Ela tem que ser a melhor, a superlativa, a ganhadora de medalhas, a perfeita, o exemplo, a mais resiliente, a mais inspiradora. Se, por acaso, tiver dias de desconforto, dias de hesitação, dias de dor física ou de dúvida terá que escondê-los e ultrapassá-los para que ninguém suspeite de que não é Simone Biles. 

As suas articulações, os seus músculos, os seus ossos e a sua força anímica têm que estar sempre no máximo para que, nunca, nada falhe, Nos treinos, Simone corre, salta, eleva-se no ar, rodopia no chão e no ar, contorce-se, aterra e eleva-se e voa. Horas e horas, dias e dias. E, pelo meio, entrevistas, sessões fotográficas.

Na sua cabeça, os seus demónios: a recordação do medo, da angústia e da fome dos tempos em que a mãe se perdia dos filhos, a par da repulsa e da vontade de esconder a memória do toque abusivo de Larry Nassar, devassando o seu corpo inocente.

Enquanto corre para saltar e rodopiar, esses diabos rodeiam Simone. E rodeiam estes e rodeiam os outros, os diabos menores, os diabos avençados pelos mercados, pelos investidores, que alertam: se não continuas a ser a melhor, retiramos-te o tapete, cuidado...

Ao elevar-se para saltar, agora nos Jogos Olímpicos, Simone perdeu momentaneamente a consciência de si, deixou de saber onde estava e, em vez das duas voltas e meia no ar, apenas deu volta e meia. Ao aterrar, vacilou, estremeceu. Nela, super-mulher, perfeita, isto é estranho. Em qualquer outra pessoa, em mim, em si, se nos conseguíssemos elevar no ar meio metro e, ao mesmo tempo, darmos meia volta, certamente ficaríamos sem saber de que planeta seríamos e cairíamos desamparados, estatelados, partidos, no chão. Para nós, não para Simone -- que costuma saltar, voar, encarpar-se, rodopiar, tudo como se fosse um boneco de molas -- que cai sempre de pé, aprumada, elegante e segura.


Nessa altura, quando, no ar, o corpo tentou evadir-se da mente, percebeu que, a continuar, poderia enlouquecer ou cair desamparada, magoando seriamente o seu corpo.

Parou e, corajosamente, explicou o que se passava.

O mundo pasmou com a surpreendente retirada de Simone e com a inesperada confissão. Simone é humana, afinal.

Não sei bem que mundo é este nosso em que se pretende que os bons sejam muito bons, bons demais, excelsamente bons e em que se desprezam aqueles a quem os deuses deixam de levar nos braços. Mas sei que Simone Biles, a gigante, fez mais pelo verdadeiro sentido desportivo e pela necessidade de acarinharmos a humanidade daqueles que admiramos do que mil discussões estéreis e mil palavras cheias de lágrimas de crocodilo. 

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Fotografias de Simone Biles, algumas da autoria de Annie Leibovitz. 

Sarah McLachlan interpreta In the arms of an angel

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Uma bela quinta-feira

domingo, junho 21, 2020

Pedro Lima, Anthony Bourdain e outras pessoas bem sucedidas





Não sigo telenovelas portuguesas pelo que o que conheço de Pedro Lima, enquanto actor de novelas, é o que vejo nos pequenos anúncios aos episódios do dia que, de vez em quando, de passagem, apanho. A ideia que tenho é que tem tido sempre trabalho, o que é natural dado ser um homem muito bonito, um galã que dá sempre jeito em qualquer 'peça'. Tenho também ideia de que, volta e meia, o via, sempre sorridente, em actividades daquelas para as quais convidam os actores. Sem exuberâncias mas com afabilidade. Mas não sei, pois, ajuizar sobre o seu talento. Nunca o vi em palco, no teatro, pelo que, também daí, não poderei pronunciar-me. Pessoa que me é próxima conhecia-o do surf mas também apenas hoje soube disso. 

A ideia que tinha dele é que seria um actor sóbrio, discreto, pouco dado a mediatismos. Mas simpático, sereno. Tenho ideia de vê-lo sorridente. Tenho ideia dele com a mulher e com um bando de filhos. Uma família feliz. Um homem bem resolvido.

Soube também hoje dos seus feitos desportivos. Não fazia ideia. Contudo, com aquele corpo é natural que tivesse força e energia para vencer as provas que venceu e que, por outro lado, aqueles músculos tenham vindo da prática continuada de desporto.


Por isso, o espanto ainda foi maior quando li que aparentemente se terá suicidado. A minha filha esteve a mostrar-me fotografias dele no Instagram. Bem disposto, apaixonado, amável, brincalhão. Tentei perceber se o sorriso e a boa disposição seriam máscaras para algum desconforto ou tristeza mas, nas fotografias, não detectei nada disso. A última fotografia mostra-o escultural, pronto para o surf, festejando o regresso à vida normal.

A mesma surpresa senti quando soube da morte de Anthony Bourdain. Gostava muito de ver os seus programas. Irreverente, empático, amante do insólito, curioso em relação ao pouco óbvio. Dizia ele dele próprio ser uma pessoa cheia de sorte: fazia o que queria, quando queria, onde queria, com quem queria. Com amigos em todo o lado. Um homem de aspecto possante, viril. Uma pessoa absolutamente bem sucedida, conhecida em todo o lado. Brincalhão, bon vivant.

Até ao dia que se soube que, ao contrário do que parecia, era tímido, frequentemente inseguro e com um fundo depressivo. Há um vídeo feito pouco antes de ter decidido pôr fim à sua vida: nos copos com os amigos, divertido. Certamente encobrindo o que lhe ia na alma.

Estava a escrever e a pensar em Bernardo Sassetti, cuja morte também muito me impressionou. Não sei se caíu sem querer ou se também não suportou mais. Mas sei que me custou muito.

Em tempos o vocalista de uma banda suicidou-se e a mulher mostrou fotografias em que ele aparecia pouco antes, com ela e creio que com os filhos. Estava sorridente, parecia feliz. A mulher, em sofrimento, perguntava: vendo-o assim, rindo, em família, quem é que poderia adivinhar o que estava prestes a acontecer?

Não sei causas. Não sei o que se passou com o Pedro Lima. Não sei se foi suicídio (embora as notícias o indiciem) e, se foi, se foi por depressão, problemas financeiros ou outros. Sei que, a ter sido suicídio, deve ter sido pela mesma razão que leva alguém -- mesmo as pessoas mais talentosas, na flor ou a meio da vida -- a pôr termo à vida: não aguentam mais. Quem está de fora não percebe: mas não aguentam mais o quê? Com a vida quase inteira pela frente, amados pela família e amigos, respeitados pelos conhecidos e pelo público em geral, como não aguentam mais? O que lhes falta para que, como a maior parte das pessoas, consigam superar algum constrangimento, algum escolho, alguma ameaça ou temor? O que lhes falta, se os conhecemos tão talentosos e se os sabemos tão especiais?

Não sei. Talvez lhes falte a coragem para pedirem ajuda.

A minha filha referia o caso de um nosso conhecido: pessoa descontraída, praticante de desporto, do mais divertido que há, profissionalmente bem sucedido, na altura com uma namorada linda e amorosa, com uma família que o adorava, com um nível de vida a que nada faltava. E, no entanto, quem poderia dizer que, contra toda a lógica, viesse a ter um problema de droga? Quem poderia dizer que gastava tudo o que ganhava e se endividava por todo o lado, junto de familiares, amigos e sabe-se lá de quem mais, sempre arranjando desculpas convincentes, vindo a ter sérios problemas por não poder pagar as dívidas que ia acumulando? Quem poderia antever que viria a deixar o trabalho e ter que ir viver para um lugar recôndito não apenas para ver se se curava como para os traficantes e demais amigos e inimigos dessas andanças deixassem de persegui-lo? E, no entanto, ninguém, ninguém mesmo, nem mesmo os mais próximos, sequer suspeitaram do que estava a passar-se.

Quem vê caras não vê corações, quem vê sorrisos não sabe o que se esconde por debaixo. A mente por vezes cava sulcos ou abre buracos negros de que é difícil sair. 

Nestas histórias não há, muitas vezes, fins felizes. Há desistência. E muita dor e perplexidade por parte dos que ficam.  E se há alguma coisa que se possa retirar de situações que se aproximam do limite é que há que lhes prestar muita atenção para tentar ajudar. Não é fácil. Quem está com depressões profundas ou quem tem problemas muito sérios frequentemente não quer preocupar a família e os amigos pelo que não quer assumir aquilo por que está a passar, prefere disfarçar, prefere esconder as trevas que os assombram, mostrando uma alegria que é apenas aparente. Estas coisas deveriam ser mais faladas para que as pessoas que sofrem em silêncio se encham de coragem e peçam ajuda, para que pensem um pouco nelas e não apenas em poupar os outros.

A vida breve dos que não aguentam mais deveria ser uma vela acesa na opinião pública para que nunca nos esqueçamos de fazer sentir aos que precisam de ajuda que devem pedi-la: por eles e por aqueles que os amam.


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Pinturas de Mark Rothko que pintou as trevas antes de nelas mergulhar, 
com acompanhamento de Noite por Bernardo Sassetti

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Desejo-vos um bom dia de domingo

quinta-feira, outubro 17, 2019


A ansiedade de Cara, a bela, e outros casos.
E mitos e verdades sobre a depressão


Porque penso que os exemplos de quem consegue lidar com os seus estados de ansiedade e de quem consegue ultrapassar as crises depressivas são relevantes, partilho o vídeo no qual a modelo Cara Delevingne fala da sua experiência de depressão e ansiedade. 


E porque neste tipo de doenças -- que ainda se encontram envoltas em tabus e que envergonham ou assustam quem as sofre -- é importante que se perceba que há mais quem tenha passado por isso e que ajuda falar, pedir apoio, procurar tratamento, deixo o link para um artigo em que se fala de 30 pessoas famosas que já passaram por elas. E ponho o link para este artigo porque este tipo de pessoas costuma ser visto como se sempre rodeadas de brilho e glamour e, afinal, sofrem dos mesmos problemas que toda a gente.


Hugh Laurie, o Dr. House, 'herdou' a depressão da mãe
e começou a ser depressivo na adolescência
(aspecto para o qual a Luísa tem chamado a minha atenção)

Acresce que estes exemplos ilustram bem uma das características que aparentemente é comum: a capacidade que as pessoas com depressão ou ansiedade têm de disfarçar e que lhes permite apresentarem-se perante os outros como pessoas sempre felizes, desenvoltas, bem dispostas, bem resolvidas. Talvez seja mesmo aquela coisa que o funâmbulo refere: a imposição da ditadura do sucesso e da sua jocosa irmã, a animação 24/7.

Mas se conhecesse outros casos, de gente anónima, que me parecessem ser também um bom exemplo, também deles me faria eco.

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A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva e o psicólogo Alex Rocha falam de
 Depressão - mitos e verdades 


E aqui falam de Suicídio 
(e falar nisto, segundo leio e ouço, nomeadamente neste vídeo, pode ajuda a evitá-lo)

Falemos -- sem vergonha, sem culpas
(como refere a Isabel Pires)



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Não respondi aos comentários nos posts abaixo pois acho que eles falam por si e terão mais força se puderem respirar sem palavras minhas a atrapalhar. Mas a todos muito agradeço. As vossas palavras são muito importantes e acredito que tocarão muito especialmente alguns dos que por aqui nos acompanham. Muito obrigada.

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E a todos desejo um dia muito bom.

quarta-feira, outubro 16, 2019

Lauren: médica, 26 anos


No dia 10 deste mês um artigo no The Guardian chamou a minha atenção: The grief over my daughter's suicide never ends, but I can help other junior doctors. Um médico fala da dor que ainda sente dois anos e meio após o suicídio de Lauren, sua filha, jovem médica. 
Something I thought was unthinkable and only happened to other people had happened to me. (...) 
I wondered why and how someone successful, solvent, resilient and outwardly happy could reach such a state of despair. How did I, her father, not know that Lauren was in such a dark and hopeless place? (...)
Nesse artigo, há um link para um vídeo que ele gravou não apenas para falar do seu espanto e sofrimento mas também para ajudar quem esteja a passar por situações similares, seja por se sentir persistentemente atormentado, atolado em tristeza, cansaço, desamor ou medo ou num estado de desesperança quase incapacitante, ou a quem esteja por perto e não consiga identificar os sinais ou não saiba o que fazer para ajudar.

Tendo eu já lidado com pessoas com problemas desta natureza, embora felizmente não tão graves, sei bem como é terrível a impotência de quem não sabe como ajudar aqueles que aparentam não querer ser ajudados e que, além do mais, geralmente se esforçam por disfarçar e exibir desenvoltura e alegria. 
Não sei porque é que isto acontece. Se tivermos crises alérgicas, não receamos falar nisso e tomar anti-histamínicos, se tivermos enxaquecas não nos custa nada queixarmo-nos e não nos importamos de tomar analgésicos, se tivermos uma contractura muscular não o disfarçamos e procuramos ajuda mas, do que sei, frequentemente quem tem ataques de pânico, ansiedades persistentes ou uma sensação de tristeza ou medo faz de tudo para que ninguém o descubra. E essa necessidade constante de disfarçar vem cavar ainda mais fundo o negrume que vai alastrando, esvaziando a alma e corroendo o ânimo de quem atravessa esse sofrimento.
No vídeo, o pai de Lauren conta que filha, apesar do que a devastava por dentro, era capaz de representar perante amigos e família, fazendo de conta que tudo estava bem com ela. 
Porque será isso? Será porque o estigma contra problemas do foro mental ainda se faz sentir e quem se sente frágil receia enfrentar os olhares desconfiados dos outros? Será porque pensa que, tentando conter e esconder a inquietação, menores serão os danos que ela pode causar? Será porque receia que, expondo-se, isso acabe por se virar contra si? Ou será porque receia causar apreensão e sofrimento àqueles que se ama? 
Das palavras que tenho trocado com a Maria Luísa muitas me têm deixado a pensar. Numa vez a Luísa contou que, por vezes, quando estava com a Filipa e sentia que alguma coisa poderia não estar bem, querendo saber o que se passava, ela se queixava que a mãe estava a 'embirrar'; e os que estavam mais próximos achavam que ela deveria deixar a filha em paz. Não parece nada de mais -- são apenas as pequenas coisas de que é feita a intimidade das pessoas muito próximas. Mas, a posteriori, conhecendo-se o que aconteceu, como saber qual deveria ter sido a melhor atitude? Insistir mesmo correndo o risco de a filha se fechar ainda mais, esforçando-se ainda mais por disfarçar? Ou nada dizer?
Ou no caso da Filipa, da Lauren ou de outras e outros, faça-se o que se fizer, o seu destino está traçado porque, simplesmente, são pessoas que nasceram para viver sem o peso dos dias, são anjos, seres intemporais, espíritos muito livres que não suportam peias e enleios espúrios e que inevitavelmente chegarão ao ponto de não retorno, o ponto em que querem libertar-se porque não sabem o que mais fazer para conseguir suportar este mundo?

Deveria falar-se mais sobre estes temas, expor o que se sente e como é que os outros devem lidar com isso. 

Por exemplo: como devem agir os que querem ajudar?
  • Devem  forçar que quem está assim assuma o seu problema e procure ajuda? 
  • Ou devem ter a arte de os ajudar a sair desse fosso, fazendo de conta que não percebem o que se passa? 
  • Ou devem conseguir estabelecer confiança para que quem está mal exteriorize as suas angústias e, conversando, vá conseguindo perceber que precisa de ajuda para identificar e extirpar a raiz do problema?
Eu não sei, sou completamente leiga e, pior, é domínio em que a minha intuição falha, anda às cegas -- mas há quem saiba e, por isso, seria bom que o tabu fosse desaparecendo e que as pessoas perdessem o pudor ou o receio e procurassem ajuda. Tal como era bom que toda a gente soubesse ajudar quem precisa mesmo que quem precisa não seja capaz de pedir ajuda.

Não tenho como incluir aqui o vídeo de que acima falei senão deixando o link. O amargurado pai dirige-se em especial a outros médicos jovens que enfrentam a mesma sobrecarga de trabalho e o mesmo stress a que Lauren estava sujeita. Mas, vejam, cliquem aqui, o vídeo é, na verdade, para todos nós.

Verão um pai ainda não refeito mas muito contido, muito digno e, ao mesmo tempo, muito sofrido, muito tocante. Infelizmente não tenho como ter uma versão legendada. Mas Jonathan Phillips fala muito pausadamente, percebe-se bem o que diz. E retenho e trago para aqui o apelo final: que quem está a atravessar um mau período não tenha receio de embaraçar os outros, de magoar alguém, de incomodar. Peça ajuda. Fale. Seja a que horas for, seja a quem for.



E a todos desejo um dia feliz

terça-feira, outubro 15, 2019

Carta de Maria Luísa a sua filha Filipa Bragança
[E outras palavras desta mãe que tenta compreender e aceitar a decisão da sua filha]

E o Filipa Bragança award for the best female solo performance by an emerging artist que tenta preservar a memória de como Filipa era 'calorosa, brilhante, divertida e bela por dentro e por fora'.



Querida Filipa,
A Tasmânia! Que doloroso deve ter sido deixar Hobart, provocando mais uma vez, soube mais tarde pela Sophie, uma ruptura num caso amoroso, que se vinham repetindo sem fim à vista, dado que essas habituais rupturas/desentendimentos só existiam na tua cabeça.
Mas, chegada a Melbourne, da Austrália decidiste não sair, dizendo que te sentias mentalmente doente, confusa, sem saber o que fazer.
A Sophie, habituada, segundo me disse mais tarde, aos teus permanentes altos e baixos, disse-te que regressasses porque em  Londres, mais uma vez, tudo se resolveria.
O Tom, espantado pela tua saída inesperada de Hobart, respondia que regressasses a casa como previsto, daí a dois dias, que mais tarde iria a Londres e resolveriam nessa altura a vossa vida. Mas, a sua última chamada, já não a ouviste, desligaste o telemóvel e, assim, decidiste ficar entregue a ti própria e à decisão que já terias definitivamente tomado.
Questionada a Sophie e o teu irmão sobre o teu silêncio, mesmo em dia de início de viagem, o que não era habitual, responderam, ela que achava que estava tudo bem e ele que podias estar a fazer uma pausa nas redes sociais, que devíamos respeitar.
Na segunda feira, dois dias depois da ausência de sinal de presença no facebook, resolvi contactar um rapaz que estava numa foto contigo e tinham ambos um sorriso bom, sim porque nos teus sorrisos, por vezes, eu via uma nuvem de tristeza no olhar. 
Disse-me que estavas em casa de uma amiga dele mas que tinhas regressado na véspera, domingo, via Singapura. Propôs-me esperar que chegasses aqui a casa, na terça feira, por volta do meio dia, como previsto. Como habitualmente chegarias de comboio, pois não querias que te fossemos esperar.
Terça feira, dia 25 de Outubro de 2016, já dia 26 aí, não chegaste, de Londres e, de Melbourne, confirmaram que não tinhas embarcado. Avisei o teu amigo. Pouco tempo depois recebemos uma chamada da Tessa e ficámos em choque, até hoje!
O pai faleceu três meses depois, mais cedo do que o esperado, segundo os médicos do IPO, sem se ter pronunciado, respondendo-me, quando questionado, que estava "apardalado", e assim partiu pois não tive coragem de perguntar mais nada.
Recomendou ao teu irmão, que nos foi lá representar, vindo de Cabo Verde, que queria que fosses encomendada numa cerimónia religiosa, não interessando qual a religião, e tratasse da incineração.
Quando partiu, a 2 de Fevereiro, sem deixar instruções, fiz exactamente o mesmo, bem como à tua tia, nesse mesmo mês, no dia 26.
E assim ficámos, eu e o teu irmão, sem querer acreditar, até hoje, não esquecendo o Rafael que, com três anos, deixou de vos encontrar quando vem de férias de Cabo Verde e, na ausência de respostas, foi acrescentando estrelas no céu por cada um de vós e já me disse que a seguir vou eu, porque tenho rugas na cara e depois os outros avós porque são mais novos.
Um dia destes escrevo-te mais, sobre o muito que ficou por dizer, por explicar, por esclarecer. Tanta coisa!
Um grande abraço, como aqueles que já por três vezes me deste, em sonho.
Mãe
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Compilação de algumas das palavras de Maria Luísa Bragança sobre a sua filha Filipa

Quando fomos para Londres, a Filipa tinha feito a pré primária e a 1ª classe em Portugal, não falava nada de inglês mas fez um sucesso porque tinha aprendido a escrever o abecedário em letra francesa e toda a gente queria que ela escrevesse o nome de cada um, naquela letra. 

Fez toda a escolaridade em Londres, primária e secundária - numa escola cuja especialidade eram as Performing Arts, perto de casa. No ano do gap year, aceitou a nossa proposta de frequentar a Universidade em Lisboa, onde fez o 1º ano de Sociologia. Tentou ficar cá a estudar teatro mas teve uma branca (!?) no exame de admissão e não conseguiu, regressou e estudou francês e espanhol na Universidade de Nottingham. 


No ano do Erasmus esteve um semestre em Anglet, perto de Biarritz, a dar aulas de inglês, no segundo semestre foi para Cuba, para o Universidade de Havana. Fez um curso de teatro no Drama Studio London.

Nas férias, fez voluntariado, uma vez na ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, na Turtle Foundation  protegendo-as dos pescadores e outros perigos, na desova, com a protecção de meia dúzia de soldados, destacados para o efeito. E em Marrocos, onde deu aulas de inglês em escolas perto do Monte Atlas. 


No dia 23.10.2016, domingo, era suposto a Filipa ter apanhado o avião em Melbourne, de regresso a Londres, como previsto e no final do visto de permanência de 2 meses, para participar no Festival Fringe em Brisbane e Melbourne, com a peça Angel que o Henry Naylor tinha escrito para ela e tinha estreado com muito êxito em Edimburgo no mês de Agosto. 






Tal como no ano anterior, onde foi pela primeira vez, com a peça Echoes, de Henry Naylor, adorou Adelaide e depois do Festival foi até à Tasmânia terminar o visto.


A minha filha, com 26 anos, que vivia em Londres e estava na Austrália a gozar férias, depois de ter participado ali num festival de teatro, suicidou-se, em vez de apanhar o avião de regresso a casa, como todos pensávamos que tinha feito, os amigos lá e nós aqui.

Sossegou da incerteza da vida e de tudo o que a preocupava: a sua vida pessoal e profissional; as alterações familiares com o nosso regresso a Lisboa e a constante preocupação de não ter alojamento em Londres, o casamento do irmão, a doença fatal e inesperada do pai; as alterações ambientais do planeta, que ela antecipava sem solução, a indiferença e incapacidade dos políticos e população em geral para com os mais desfavorecidos, deficientes, sem casa, refugiados. O Brexit também a preocupava muito, e com razão. Antecipou todos os males do mundo como se fossem só seus. Desiludiu-se com as grandes cidades: de Nova Iorque mandou um postal a dizer que havia tanta gente a dormir na rua, que era uma cidade sem compaixão!

Saber que sofria de depressão, sem pedir ajuda, é o que nunca me vai deixar de fazer pensar no que terá sofrido sozinha, sem querer maçar ninguém, nem os próprios pais. Como é que foi possível uma coisa destas! O esforço que ela fez para superar esta doença mental sem tratamento, pensado que conseguiria por si só ultrapassar isso.

Foi ao saber isto que comecei a perceber porque é que ela nunca nos atendia o telefone. Ela sabia que pelo tom da sua voz eu perceberia se ela estava bem ou não e desculpava-se que o contrato do telemóvel não dava para receber chamadas gratuitas e mais tarde lá dava noticias, quando ela queria. Reclamávamos sempre mas sem resultado. 

Eu pensava que poderia ter esperança de vir a ficar próxima dela e dizer-lhe tudo o que sempre tinha ficado por dizer entre nós, por esclarecer, os silêncios, os sorrisos tristes, a nuvem que eu via nas fotos mesmo quando estava feliz...

Eu tinha tido a arrogância de pensar que teria hipótese de esclarecer as dúvidas que me assaltavam, que, mais uma vez, podia adiar essa conversa, para mim, para ambas, indispensável e eis que me provam que não mando nada e não mais vou voltar a vê-la.


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A new award for the best female solo performance by an emerging artist at the Edinburgh Fringe has been announced by Gilded Balloon.

The Filipa Braganca award has been set up in memory of the actor, who starred in Henry Naylor’s award-winning productions of Echoes (2015) and Angel (2016).

Braganca died in Australia in 2016, half way through a second world tour of Echoes, which had just completed dates at the Brisbane Festival and Melbourne Fringe.

She was 25 when she was cast in the two-hander Echoes and had just graduated from Drama Studio London. She played Samira, a radical schoolgirl who runs away to join Islamic State.

The production was a critical and commercial hit, and subsequently toured the world for over a year, with Braganca’s performances helping the show collect 11 major international fringe awards.

In 2016, Braganca returned to collaborate with Naylor on Angel at the Edinburgh Fringe, about a Kurdish woman reputed to have shot and killed more than 200 Isis fighters in northern Syria.

In a statement announcing the award, the Gilded Balloon said: “At a time when many commentators were fanning suspicion towards the Muslim community, she resisted, portraying a young Jihadi schoolgirl with warmth, humanity and intelligence.

“It was an astonishing – and brave – performance that reduced audiences to gales of laughter one minute, and tears the next.”

Karen Koren, the artistic director of Gilded Balloon, which produced both Echoes and Angels at the Edinburgh Fringe, said: “Filipa Braganca made an impact on everyone she met. She was warm, bright, funny and beautiful, inside and out.

Her acting was sensitive, meaningful and performed with incredible depth. She was destined for great things; her talent was boundless and she cared deeply about world issues. I hope that this award in some way keeps her memory alive.”


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Pétalas da "Remembrance tree",
feita a partir das mensagens que os amigos de Filipa enviaram a Maria Luísa

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Sabemos, Luísa, que partem cedo aqueles que os deuses amam. Mas a memória do seu brilho para sempre cintilará nos corações dos que tiveram a felicidade de conhecer a sua centelha de paixão, humanidade e alegria.


E vejam a maravilhosa alegria de Filipa, para sempre inocente, jovem e bela
in a little dirty dancing in Lisbon



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Que a ternura de todos nós para sempre envolva, como um longo abraço, a memória de Filipa Bragança, filha de Maria Luísa.

E daqui envio um abraço afectuoso para a Maria Luísa, tão corajosa, que tem tantas razões para se sentir orgulhosa pela sua talentosa filha, Filipa Bagança, que deixou marcas tão fundas em quem teve o privilégio de a conhecer.

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