É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Pode ser que sim.
O amor deve nascer de correspondências, de excelências interiores. Espirituais, pensava. Os dois se sentem bem juntos. A vida se aproxima. Repartem-na, pois quatro ombros podem mais que dois.
-- Entendeu, Carlos?
Ela repetia sempre "Carlos", era a sensualidade dela. Talvez de todos... Se você ama, ou por outra se já deseja no amor, pronuncie baixinho o nome desejado. Veja como se moja em formas transmissoras do encosto que enlanguesce. Esse ou essa que você ama se torna assim maior, mais poderoso. E se apodera de você. Homens, mulheres, fortes, fracos... Se apodera.
E pronunciando, assim como ela faz, em frente do outro, sai e se encosta no dono, é beijo. Por isso ela repete sempre, como de-já-hoje, inutilmente:
A língua que usei. Veio escutar melodia nova. Ser melodia nova não quer dizer que feia. Carece primeiro a gente se acostumar. Procurei me afeiçoar ao meu falar e agora que já estou acostumado a lê-lo escrito gosto muito e nada me fere o ouvido já esquecido da toada lusitana. Não quis criar língua nenhuma.
O importante não é aliás a vaidade de ter língua diferente, o importante é se adaptar, ser lógico com a sua terra e o seu povo. Falam que pra que tenha literatura diferente carece que tenha língua diferente... É uma semiverdade. Pra que tenha literatura diferente é só preciso que ela seja lógica e concordante com terra e povo diferente. O resto sim é literatura importada só para certas variantes fatais. É literatura morta ou pelo menos indiferente pro povo que ela pretendeu representar.
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Excerto, não sequencial, de 'Amar, verbo intransitivo - Idílio' de Mário de Andrade. A parte a itálico faz parte do Posfácio Inédito.
Lá em cima Marisa Monte interpreta Amor, I love you
As imagens pertencem ao filme The Graduate com Anne Bancroft e Dustin Hoffmann e, se lerem o livro, perceberão porque é que me lembrei de as colocar aqui
E, se aterraram agora aqui, aceitem a sugestão e desçam até à minha Estivália. É o post que se segue.
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Mas, se estiverem numa de entrar num outro comprimento de onda, então aceitem o convite e naveguem até ao meu Ginjal. Aí poderão contemplar o rio enquanto ouvem as minhas confissões: Porque escrevo no prazer eu incendeio-me. A música também é boa.
Acabei o post lá de baixo assim: Não, cara amiga leitora, ele não é o canalha que partiu o seu coração.
E agora completo:
Ele é Basílio, personagem de Eça de Queiroz do livro "O Primo Basílio", que levou sua prima Luísa, de vinte e poucos anos, à ruína.
Publicado em 1878, o romance deveria ser leitura obrigatória para todas as meninas em fase de formação.
Não apenas porque a narrativa é pungente e questiona os valores das famílias ditas tradicionais, tampouco por tratar-se de um grande clássico, com personagens riquíssimos; nem por nos prender à sua narrativa do começo ao fim das 266 páginas; mas porque, para além da chantagem que Luísa - a prima que se apaixona pelo primo galanteador – sofre da sua criada invejosa Juliana (que descobre a traição da patroa, casada com Jorge), podemos entender a lógica desse tipo de homem:
"Não lhe faltava mais nada senão partir para Paris com aquele trambolhozinho! Trazer uma pessoa, havia sete anos, a sua vida tão arranjadinha, e patatrás! Embrulhar tudo, porque à menina lhe apanharam a carta de namoro e tem medo do esposo! Ora, o descaro! No fim, toda aquela aventura desde o começo fora um erro! Tinha sido uma ideia de burguês inflamado ir desinquietar a prima da Pratiarcal. Viera a Lisboa para os seus negócios; era tratá-los, aturar o calor e o boeuf à la mode do Hotel Central, tomar o paquete e mandar a pátria ao inferno - e ele, burro, ficara ali a torrar em Lisboa, a gastar uma fortuna em tipoias para o Largo de Santa Bárbara para quê? Para uma daquelas! Antes ter trazido a Aphonsine! Que verdade, verdade, enquanto estivesse em Lisboa o romance era agradável, muito excitante; porque era muito completo! Havia o adulteriozinho, o incestozinho. Mas aquele episódio agora estragava tudo! Não, realmente, o mais razoável era safar-se"!
Imagino que se eu tivesse lido a obra de Eça de Queiroz aos dezasseis anos teria poupado muitas lágrimas inúteis em minha vida e teria pensado algumas vezes antes de me jogar de cabeça em certas relações com janotas como Basílio. Talvez nunca tivesse pensado, como Luísa:
"As qualidades de Basílio apareciam-lhe então magníficas e abundantes como os atributos de um Deus. E estava apaixonado por ela! E queria vir viver ao lado dela! O amor daquele homem, que tinha esgotado tantas sensações, abandonado de certo tantas mulheres, parecia-lhe como a afirmação gloriosa de sua beleza e da irresistibilidade da sua sedução. A alegria que lhe dava aquele culto trazia-lhe o receio de o perder. Não o queria ver diminuindo; queria-o sempre presente, crescendo, balançando sem cessar diante dela, o murmúrio lânguido das ternuras humildes".
A pomba Luísa teve um final trágico - aliás, o final do livro é arrebatador –, porém não senti pena dela. Afinal, não passava de uma mocinha que vivia numa província, em 1878, que nada sabia da vida. Senti pena de nós, mulheres ditas modernas, que vivem sua sexualidade livremente, trabalham, têm acesso à informação, grau universitário; mulheres viajadas, inteligentes, cultas, independentes, que sabem se vestir, falam várias línguas, comandam empresas, escrevem romances, mas que ainda, sim, caem nessa pantomina.
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Na música "Amor I love You", de Marisa Monte, consta um trecho do livro - referente aos sentimentos de Luísa ao receber a primeira carta “apaixonada” de Basílio – na voz de Arnaldo Antunes.
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Nota: Para os que têm dificuldade de interpretar texto, informo que as características citadas no começo dessa resenha (beleza, educação, erudição, gentileza, etc) são sempre muito bem vindas, em homens e mulheres, não há nada de errado com elas. O erro acontece quando tais características são usadas de modo perverso, como ferramentas de manipulação, como Eça de Queiroz nos demonstra brilhantemente com seu personagem Basílio.
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Quer o texto acima quer os que constam dos posts anteriores não são de minha autoria. Foram escritos por Mônica Montone para a Obvious e trouxe-o aqui porque me parece uma forma inteligente de motivar o gosto pela leitura. Nos excertos anteriores dei um ou outro pequeno toque para não se perceber que estava escrito em português do Brasil.
Claro que me dá uma certa pena que, se for ao Youtube procurar vídeos sobre o Primo Basílio, só me apareçam (ou, pelo menos, apareçam nos primeiros lugares) vídeos brasileiros. E canções com excertos de Eça de Queiroz...? Alguma vez alguém se lembrou disso? Que eu saiba, zero.
Mas nós, portugueses de Portugal somos assim: parece que só damos valor ao que vem de fora. Valorizarmos a nossa literatura de uma forma abrangente e 'viva' parece que não é connosco.
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Transcrevo ainda do Youtube, o texto que acompanha o vídeo que, veja-se bem, é obra de alunos de uma escola pública brasileira:
Publicado a 30/09/2013
Trabalho Escolar do 3º1Escola: Profª Magdalena Sanseverino Grosso - Artur Nogueira-SP (Brasil)
SINOPSE:
"O Primo Basílio" conta a história de Luísa, jovem sonhadora e ociosa da sociedade lisboeta, que acaba envolvida por Basílio, seu primo, com quem se reencontra, após anos de distância. Achando-a sozinha, já que Jorge, o marido, viajara a negócios, Basílio serve-se de sedução e galanteios, até levá-la a se envolver profundamente consigo, tornando-se sua amante. Juliana, a criada, descobre a correspondência trocada por ambos e chantageia a patroa.
Após sofrer muitas humilhações e ter que se submeter aos caprichos da crudelíssima criada, Luísa consegue, ajudada por um amigo, reaver as cartas; e Juliana, pressionada a entregá-las, ante as ameaças, acaba morrendo do coração. Após tanto sofrimento, Luísa adoece. Basílio, de há muito, encontra-se longe de Lisboa. Jorge regressa ao lar. Certo dia, chega uma carta do primo para a esposa e o marido intercepta a correspondência e toma conhecimento de tudo que ocorrera.
Desesperado e sofrendo demasiadamente, ainda assim Jorge resolve perdoar Luísa. Ela, no entanto, piora muito ao saber que o marido descobrira tudo o que fizera de errado, e vem a falecer. A reação de Basílio, ao saber da morte dela, é de pesar, por ter perdido sua diversão em Lisboa. Destaca-se, ainda, na obra, a figura do Conselheiro Acácio, amigo do casal, caricatura repleta de formalismo e hipocrisia.
A obra, um dos clássicos da literatura, é de Eça de Queirós.
_____ E, portanto, o louvor vai em exclusivo para a Teresa Diniz que adivinhou. Parabéns!
------ Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom sábado. ...
Depois de ter estado a falar do outono in heaven e de vos ter mostrado o que os meus olhos vêem e de, antes disso, ter falado da minha sexualidade (que eu acho que é uma e que um cientista agora anda para aí a dizer que é outra) já não estou com grande vontade de falar de assuntos irrelevantes como sejam, por exemplo, as manifestações exacerbadas da Clara Ferreira Alves.
Aliás, não fosse a preguicinha boa que se abateu sobre mim, já deveria ter lido o programa de governo do PS que, ao que ouvi, integra já os pontos de convergência com o BE e com o PCP. A ver se amanhã me encho de coragem e ponho de lado o Butcher's Crossing para ler o guião para os próximos quatro anos.
Mas, enquanto o não leio - e não tendo hoje visto muita televisão nem lido jornais (ah que bem me sinto desde que cortei com o vício do Expresso) - de pouco mais posso falar do que da verborreia da Clara Ferreira Alves que acabei de presenciar, uma vez mais, no Eixo do Mal.
Depois de ter visto o programa da SIC, fui à procura do artigo que lá foi referido e que a dita escreveu no Expresso, Anticomunista, obrigada! -- e o que lá li foium excesso de razões, um excesso de petulância, um excesso de nostalgia.
* Tinha ouvido o Daniel Oliveira, que (ao contrário de desatinado, como se mostra quando fala de Sócrates) esteve focado, objectivo, com uma maturidade democrática agradável de ouvir - e ele tinha falado em narcisismo.
E, de facto, todo o artigo é um exercício de narcisismo: Clara Ferreira Alves vê o mundo como se se visse ao espelho. Julgando debruçar-se sobre a situação política do País, ela debruça-se, sim, sobre a sua própria imagem, ou seja, sobre as suas ideias acerca da situação do País.
Recorda a sua experiência universitária, a impressão que lhe ficou desses anos agitados em que, saído de um período de reverência anti-democrática, meio mundo acordou para a modernidade com a exuberância que essas descobertas por vezes trazem -- e julga que, quarenta anos e muita aprendizagem depois, Portugal é ainda o mesmo.
Recorda o conservadorismo ortodoxo comunista dos tempos em que ostracizavam os homossexuais, os intelectuais mais fora de caixa -- e ignora que o PCP de hoje já se abriu à realidade (talvez não tanto quanto devia mas, caraças, se o está a fazer cada vez mais vamos festejar isso e não recordar episódios passados) e que tem no seu seio muita gente que respira l'air du temps e, em particular, muitos jovens de cabeça desempoeirada.
Recorda a linhagem socialista original, imaculadamente republicana e maioritariamente maçon, e julga que o PS de hoje, com gente como António Costa, Fernando Medina, Carlos César, Pedro Nuno Santos, Ana Catarina Mendes, João Galamba, é ainda, tal e qual, o partido do pós 25 de Abril. Ou seja, recorda as lutas socialistas contra os exageros comunistas e julga que o tempo cristalizou em torno da Alameda soarista.
Recorda as reacções de intelectuais argutos que, à época, não gostavam da linha dura e algo reaccionária e tacanha dos comunistas e julga que os intelectuais de hoje usariam as mesmas palavras para se referirem aos comunistas de hoje.
E, enlevada pela sua prolixa e empolgada argumentação, Clara Ferreira Alves, eleva-se aos píncaros onde coloca as suas referências políticas e intelectuais, e, julgando mostrar a sua superioridade, mais não faz do que, de facto, mostrar a sua incompreensão perante a situação política actual.
Isso é o que consta do seu extenso artigo que termina com estes cassândricos agouros:
O Partido Socialista meteu-se nesta querela sem ter trunfos na manga. Perdeu as eleições, e isso faz toda a diferença na potestade. O PS não tem sobre o PCP e o BE um direito potestativo. São eles que o têm, e exigirão a submissão. Não sei como sairá disto. Sei que das duas uma. Ou António Costa é um génio político e submete os parceiros à sua imponderável vontade ou caminhamos para a mais grave crise de regime depois do 25 de Abril. E, talvez, para o fim do regime saído do 25 de Abril.
E foi isso que também constou da sua intervenção no Eixo do Mal. Ela sabe tudo, ela sabe o que as doutas mentes que admira sabem, ela vê mais longe do que o comum dos mortais e, traçando a bissectriz a tantas linhas de conhecimento, decreta, do alto da sua arrogância, que 'isto não vai correr bem'.
Claro que eu, que até sou míope de natureza, não vejo tão longe. Mas o que a mim me parece é que a senhora doutora Clara Ferreira Alves não acompanhou o evoluir dos tempos e, em especial, não teve golpe de rins mental para acompanhar a reviravolta a que assistimos no último mês - uma verdadeira jogada de mestre de António Costa que soube interpretar os resultados eleitorais de uma forma inteligente (e até irreverente), democraticamente adulta e corajosa; e uma reviravolta igualmente inteligente (e moderna) por parte do PCP e do BE.
E agora, não tendo antevisto isto e não sabendo como lidar com este cenário, puxada para fora da sua zona de conforto, Clara Ferreira Alves mostra que perdeu o pé. E, como não é humilde, não é capaz de o confessar. E, então, resta-lhe agourar, imaginar desastres - as veias do pescoço todas alteradas, toda ela transtornada, assustada com o bicho mau que se esconde nesse futuro que aí vem, um futuro que não está a seguir o guião que ela anteviu.
No entanto, quando algum dos seus colegas de programa a confronta, logo tenta saltar do cavalinho abaixo e, no meio dos lugares comuns que esgrime como se esgrimisse grandes raciocínios, imediatamente começa a ensaiar uma inflexão de posição. Noto-a, cada vez mais, inconsistente, navegando com petulância e ar caprichoso sobre raciocínios que parecem sólidos mas que, facilmente, se revelam voláteis.
Esteve bem Daniel Oliveira ao defender a coligação de esquerda e ao desmontar as falácias que abundam nos argumentários corriqueiros, entre os quais os dela se encontram. Esteve bem, portanto, ao tentar apeá-la da sua arrogante postura. Esteve bem também quando, ex-comunista e ex-bloquista, elogiou a atitude do PCP e do BE. Referiu essa sua condição e isso só lhe fica bem, mostra que não renega o passado e que está virado para o futuro.
A realidade muda e as pessoas devem adaptar-se à realidade. Mas são também as pessoas capazes de mudar que são capazes de mudar a realidade. Se o PCP foi até agora um partido com comportamentos anquilosados e o BE um partido que ensinava a nadar mas não queria nunca atirar-se para a piscina ou fazer-se ao mar e ambos agora deram um salto no tempo e resolveram unir-se em torno de ideais comuns, então qual a lógica de os criticar e de ficar a repisar argumentos velhos e relhos, ultrapassados, gastos? Vamos mas é esperar que a esquerda se mantenha assim, unida, forte, pronta para tirar Portugal do atraso de vida em que tem tido os pés atolados.
Quanto à Clara Ferreira Alves o que eu me permito sugerir-lhe é que faça meditação, passeie à beira mar, descanse a cabecinha, se deixe estar caladinha durante algum tempo - em suma, que nos poupe aos seus excessos que, mais do que anticomunistas, são, sim, antimodernistas.
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E agora, caso queiram também descansar a vossa cabeça destes assuntos marafados, desçam, por favor, até ao campo: o outono in heaven está uma doçura dourada, boa, boa.
Há pessoas que dá gosto ouvir. Umas porque são lúcidas, uma visão cirúrgica, uma argúcia luminosa, uma leitura a um tempo transversal e profunda do mundo, um verbo claro e directo; outras porque reparam nos pequenos pormenores, porque são deliciosamente caseiras, o amigo divertido que anima o serão com o seu humor de proximidade, um humor inteligente e carinhoso.
Assim são Eduardo Lourenço, o nosso Pessoa 2011, e Miguel Esteves Cardoso, o nosso MEC. Trago-vos hoje as suas palavras.
A seguir trago-vos uma presença assídua aqui no Um Jeito Manso, Jiri Kylian, um coreógrafo que ousa sair da normalidade, coisa que especialmente aprecio. Os seus bailados são sempre inusitados e, pelo menos a mim, levam-me para uma outra dimensão.
Finalmente, despeço-me de Cesária Évora. Uma fotografia cheia de cor e alegria a ilustrar uma vida que sempre perdurará, e a sua bela e quente voz entoa, a par de Marisa Monte, que é doce morrer no mar.
E tenham, meus queridos Amigos e Amigas, um belo domingo!