Já participei em jogos de simulação de gestão, de mais do que um tipo e proveniência. São, no entanto, do mesmo género (pelo menos os que
conheço). É como se cada equipa fosse o corpo de gestão de uma empresa. Todas as equipas recebem o mesmo briefing no qual é descrito o meio em que a empresa vai operar, com
numerosos elementos de toda a espécie e feitio.
Como são jogos de equipa, as decisões são tomadas
colegialmente. Os desafios variam e, de jogada para jogada, as equipas vão
reagindo ao evoluir dos resultados. Ou seja, uma jogada que pode parecer
perfeita, acaba muitas vezes por ser um desastre face às jogadas das outras
equipas em competição.
Geralmente a cada semana reuníamo-nos e tínhamos acesas
discussões, ensaiávamos, discutíamos, uns a defenderem uma estratégia de
diferenciação, outros de massificação, sempre olhando as jogadas anteriores das
outras empresas e os resultados obtidos.
O jogo consiste, pois, em simular o
mercado relativo a um determinado bem (por exemplo, fabrico e venda de automóveis) e, depois de todas as equipas terem feito
a sua jogada, um programa informático ‘corre’, apurando os resultados de cada
empresa: quanto é que vendeu de cada produto, que custos teve, se teve produtos
estragados, com que quantidades ficou em stock, qual a quota de mercado que
alcançou, a sua posição em bancos, a demonstração de resultados e o balanço,
estudos de mercado que demonstram como é que os produtos e a empresa são percepcionados, estudos de satisfação interna junto dos colaboradores, a cotação
em bolsa.
Cada equipa tem que tomar decisões a vários níveis, desde
as que se relacionam com estratégias comerciais (que produtos e que quantidades
vendidas de cada um é que se pretende
alcançar, quais os respectivos preços de venda, que campanhas de marketing, de que montante, para que produto, dimensionamento
das estruturas comerciais, etc, tudo com óbvias implicações em custos e
proveitos), decisões de produção (quantidades a produzir, organização e dimensionamento
das equipas, aposta forte ou não na investigação ou na qualidade, etc, com
implicação directa nos custos operacionais), estratégias de recursos humanos (quantos
trabalhadores vai ter e de que níveis, se vai seguir uma política de baixos
salários ou, ao contrário, de salários fantásticos, ou, ainda, apostar numa
base fixa alta ou numa baixa mas com bónus variáveis, ter ou não custos
consideráveis de formação, etc, e tudo, claro, também com óbvias consequências
em termos de resultados), políticas financeiras (resolvendo se se vai actuar
essencialmente com base em capitais próprios ou, pelo contrário, com elevada
alavancagem, naturalmente com implicações directas no volume de investimento
mas, também, no serviço da dívida), etc - ou seja, todos os items sobre os quais, numa empresa a sério, os responsáveis têm que decidir.
Participar nestes jogos de simulação é uma prática
educativa a todos níveis.
Eu, geralmente, das vezes em que joguei, tendia a
preferir uma estratégia de diferenciação, com trabalhadores bem remunerados,
apostando em produtos especiais, diferentes, em que a própria oferta gera a
procura, em que há uma forte aposta na investigação, na qualidade e no
marketing, não se vendendo grandes quantidades mas em que se podem praticar
preços elevados.
Mas há quem defenda a estratégia oposta: vender de tudo,
em grandes quantidades, aliviar na investigação, qualidade e marketing, ter
custos baixos, vender barato, praticar grandes descontos.
Pode haver também estratégias híbridas, ou seja, ter
produtos de combate, baratos, e ter um ou outro produto especial que se destine a nichos de
mercado; e ter trabalhadores indiferenciados numas áreas e outros, noutros sectores,
altamente remunerados. Ou seja, tudo é possível – e tudo tem implicações.
De todas as vezes em que joguei, constatei que havia um traço comum: as equipas inexperientes atiram-se ao jogo
como gato a bofe. Baixam ordenados a eito, contratam trabalhadores indiferenciados
a quem pagam tuta e meia, aumentam preços de venda e, na sua cabecinha de quem
da vida nada conhece, imaginam que, assim, infalivelmente aumentam os lucros e
que ganham logo o jogo.
Geralmente a decepção não se faz esperar pois, em
regra, começam a ter problemas logo à primeira jogada. Como os preços de venda
estão muito altos, os clientes mudam-se para a concorrência ou deixam de
consumir e, dado que ficam insatisfeitos por terem salários baixos e não terem formação ou outros incentivos, os trabalhadores fazem greve e
perdem-se dias de produção e os mais qualificados mudam-se para a concorrência.
Geralmente são estas as equipas, de pretensos jovens turcos, que se estampam de tal
maneira que já não conseguem recuperar, acabando em último lugar.
Lembrei-me disto ao ouvir o mau desempenho que as
empresas de transportes vêm apresentando desde que este extraordinário governo
começou a tomar medidas. O número de utentes está a baixar de tal maneira que as
receitas tiveram quebras acentuadas e os resultados pioraram (já para não falar
no descontentamento dos trabalhadores do sector).
Aconselho a leitura do artigo da autoria de Jorge Silvestre do
Expresso online que explica bem a situação.
O problema dos transportes resolve-se quando se estudarem
os transportes de uma forma integrada (analisando toda a procura, toda a
oferta, conduzindo uma racionalização articulada, analisando todas as envolventes – incluindo as regalias exageradas que os trabalhadores,
ex-trabalhadores e colaterais têm e de que os media vêm fazendo eco, embora presuma que isso tem um impacto marginal se bem que muito mediatizado).
Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes que, vá lá, ao menos dá a cara. Faz tudo ao contrário mas existe e defende as suas ideias enquanto o chefe, o Álvaro, nem aparece |
Agora fazer o que este governo fez, que
passou por aumentar destravadamente os preços dos transportes sem olhar a mais
nada, tem o efeito que acima descrevi quando referi as típicas jogadas
imaturas dos jovens turcos de trazer por casa (sem ofensa para os verdadeiros
jovens turcos…) - e já nem refiro as dificuldades acrescidas sobre os pobres dos utentes. Ou seja, uma desgraça.
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Mark Rutto e David Cameron |
Uma palavra também para a Carta que doze primeiro-ministros europeus enviaram a Van Rompuy e a Durão Barroso alertando para a necessidade de mudar o foco da estratégia europeia, deixando de insistir na política de austeridade em cima de austeridade, e, pelo contrário relançar a economia e a confiança, avançando com medidas concretas nesse sentido (e que passam, por exemplo, por criar estímulos à empregabilidade de jovens e mulheres). A carta seguiu em nome de Cameron (Reino Unido), Mario Monti (Itália) e Mark Rutt (Holanda) e foi também assinada, entre outros, pelos primeiro ministro espanhol, irlandês, finlandês, sueco, finlandês, polaco.
Segundo Cameron nem contactaram Passos Coelho porque todos sabem que não está alinhado com esta estratégia, sabem-no colado à política recessionista da dupla Merkozy.
Uma vergonha, uma tristeza, uma desgraça para nós, vítimas do posicionamento absurdo de Passos Coelho.
Mas isto um dia muda, ah muda.
2 comentários:
Cara Um Jeito Manso:
É curioso que o tema da simulação terá sido o que na investigação científica mais me atraiu e onde mais tempo trabalhei. É lindo! Em 1977 (quase recém-licenciado) apresentei, no Porto, a minha primeira comunicação/artigo sobre “A simulação na gestão de stocks”; em 1978, em Lisboa (LNEC) participei no seminário “Processes simulation” com base no livro “Using simulation to solve problems”; em 1980, na revista “Electricidade”, publiquei o artigo “Método da simulação aplicado à minimização de custos na substituição de lâmpadas”, que mereceu grande destaque no jornal Diário de Notícias; muita coisa no meio e, por fim, em 2009, no ano em pedi a minha aposentação antecipada, publiquei um artigo sobre o método de Box-Muller, envolvendo simulação, na prestigiada revista “Journal of Statistical, Computation and Simulation”.
É curioso…
Quem diria, isto feito, que sou agora um aprendiz de Poeta?
PS: Peço desculpa por estas referências tão pessoais e que não sejam mal interpretadas.
J. Rodrigues Dias
Caro José Rodrigues Dias,
E o que eu também gosto dessa matéria? Nem me vou aqui pôr a descrever-lhe o quanto mas, um dia destes, falo nisso.
Sei bem do que está a falar e considero que é das disciplinas mais interessantes e mais úteis deste ramo do saber.
Em 1977 era um tema bem inovador...!
Já aqui escrevi algumas vezes que quem muito ama a matemática, muito ama também a poesia. São duas realidades idênticas, uma virada para os números e outra para as letras.
Não sabe como gostei de ler este seu comentário.
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