1. Ar puro, por favor, preciso. Comecemos por ligar a música* para, então, prosseguirmos.
(* Obrigada P. R!)
de JeanLoup Sieff |
Mulher, tu cabes num soneto se o fizer perfeito e imperfeito
Se o abrir tanto como se abre o teu peito ao respirar
Com as tuas ancas balanças inseguras para a dança
Mulher tu não tens par para parar contigo
A tua dança não nivela entre os teus braços ao alto
Mulher amiga eu desisto do soneto não porque não o mereças
....
se desisto é porque corres como um rio em raios de música
e na caixa simétrica de um soneto serias uma boneca branca fixa
ou uma estampa
[Início de um poema inédito de António Ramos Rosa in Cultura ENTRE Cultura Nº 4, bela revista que recomendo]
..... .....
2. Peço agora a vossa licença por ir passar para um outro comprimento de onda. Quase sinto que vou conspurcar a leveza do momento anterior e devo confessar que estou aqui a vacilar sobre se o devo ou não fazer.
Não me apetece nada - mas acho que devo fazê-lo. Todas as vozes que se levantem são poucas e o pouco que faço é nada face ao que sinto que deveria fazer.
- . -
2.a. É preciso ter muito cuidado com o poder nas mãos de
pessoas pouco inteligentes.
Quando há
eleições que não se pense que, com o voto, se está essencialmente a punir o ente indesejado que lá está. Não, não se trata disso – porque o
lugar nunca fica vazio. Quando se vota, está a escolher-se quem lá vai ficar.
Por isso, podia não se gostar de Sócrates mas dever-se-ia
ter avaliado se Passos Coelho e respectiva turma não seria pior solução. Em meu
entender, via-se à vista desarmada que era uma gente sem competência, sem experiência, sem cultura e, mesmo, com uma inteligência algo limitada. Mas agora está à vista o perigo
que são.
Com ciência colada a cuspo, sem bases teóricas e sem
prática, não fazem ideia do que andam a fazer. Como qualquer mau aluno que se
preze limitam-se a copiar por aquele que acham que sabe e, com a espertalhice
que aprenderam na Jota, para disfarçar que não sabem nada de coisa nenhuma,
querem ainda parecer mais papistas que o papa. Querem que se pense que a troika
ou a Merkel é que andam a copiar por eles. E então aplicam a suposta cartilha
liberal à outrance.
O que estão a fazer é a mesma coisa que um doente
destituído de inteligência a quem dissessem que, para curarem uma doença, deveria
tomar 1 comprimido de 8 em 8 horas e o doente, por
sua alta recriação, desatasse a tomar 1 comprimido de 2 em 2 horas para fazer
mais efeito e mais depressa. E, burro, ao ver que andava com vómitos, dor de
cabeça, a desmaiar 5 vezes por dia, com problemas de visão e queda de cabelo,
resolvesse que tinha era que tomar uma dose ainda maior e passasse a tomar de hora em
hora, e que, quando já mal se levantasse da cama, concluísse que tinha era que os
tomar em contínuo, e pusesse um balde de comprimidos ao lado da cama para engolir um de
minuto a minuto. Nem mais. É isto que está a acontecer por cá.
Se tiverem curiosidade, recomendo a leitura integral do texto publicado no blogue do FMI da autoria de Carlo Cottarelli, do Departamento de Fiscal Affairs do FMI. Aqui.
Diz Carlo Cottarelli que os ajustamentos fiscais para combater a crise
da dívida pública devem ser graduais e seguros. Querer regularizar a situação
num período muito curto vai inibir o crescimento, ou seja, na prática, vai
impedir a recuperação. Salienta que os mercados não gostam de dívidas muito
elevadas mas ainda menos gostam de fracos crescimentos.
Refere a sua preocupação com o que está a acontecer em
alguns países da Europa que não estão a perceber isto.
Não vos maço mais com isto mas aconselho a leitura do
artigo. Está claro e bem fundamentado.
2.b. Portugal precisa urgentemente de um programa de
crescimento.
Um programa de crescimento não é antagónico de
austeridade. Deve haver combate ao consumo disparatado, aos gastos
desnecessários, ao despesismo, ao investimento em coisas que não servem para
nada.
Mas deve haver um programa transeuropeu de crescimento - especializar o desenvolvimento por regiões. Portugal, por exemplo, pode apostar
forte nas indústrias ligadas ao mar (com tudo o que isso implica em volta, e a
montante e a jusante, desde a formação, investigação, até às indústrias
complementares) ou indústrias ligadas a outra coisa qualquer que se identifique
como viável e interessante. E, identificando isso, deve começar a atrair e a fomentar
a instalação de tudo o que dê corpo a essa estratégia. E deve fazer isso com pés e
cabeça numa estratégia consistente ao longo do tempo, dure o tempo que demorar.
Dir-me-ão que não há dinheiro para isso.
Há. Há sempre dinheiro quando se tem um projecto viável. Dinheiro é o que não
falta: podem ser investidores não europeus, podem ser fundos que a Europa disponibilize, pode ser uma
realocação diferente de recursos públicos (se apostarmos na actual estratégia de
miserabilismo, grande parte dos recursos vai para subsídios de desemprego, subsídios de apoio à subsistência; há menos gente a descontar porque há mais gente a ganhar menos e mais gente no desemprego que, em vez de descontar, recebe. Numa estratégia de crescimento os
recursos são alocados numa perspectiva multiplicadora.)
E o que se precisa é que a economia funcione. É vital que se volte a ligar o motor económico.
Ora, uma
economia a funcionar passa por um comprar a outro, o que vende recebe dinheiro
e vai comprar a outro e assim sucessivamente. Havendo retracção, um não compra,
o outro não vende, e o dinheiro deixa de circular, a confiança perde-se, a
dívida aumenta.
Mas quero voltar à minha afirmação ali de cima que vos
pode ser soado polémica – a de que dinheiro não falta.
Ora bem. A China, o Brasil, Angola, por exemplo, são casos
que conhecemos muito bem de investidores que precisam de ensopar a sua
liquidez. Grande parte das nossas maiores empresas já estão na mão deles. E há países pacíficos do médio oriente que também nadam em dinheiro e procuram bons investimentos.
Ora podem consegui-lo por abdicarmos da nossa soberania, vendendo-lhes as
nossas empresas estratégicas.
Mas uma outra coisa, bem diferente, é negociar contratos numa
outra base e não vou aqui alongar-me a identificar as diversas modalidades.
Mas, basicamente, há uma diferença de monta entre mostrar que se está de calças
na mão ó tio, ó tio e outra, oposta, é dizer ‘tenho aqui um projecto
interessante e andamos à procura de um parceiro’. Read my lips.
Em suma, esta situação que atravessamos, que é errada na
teoria e na prática, está a conduzir Portugal ao beco em que a Grécia está
metida. Portugal, após alguns meses de governação do bando Passos, Relvas,
Gaspar, Moedas está hoje muito pior do que antes. E o grave é
que eles ainda não perceberam.
. &.
3. Nova operação de purificação do ar. Música de novo, por favor.
(Thanks again. P. R.)
Lisa Lyon por Robert Mapplethorpe |
O poeta que canta a tua graça
não poderia chamar-te uma leitora anónima
(...)
Se não conhecesse o teu andar
e os teus gestos vivos,
perdida noutro século
azul e cintilante como uma estrela
ter-te-ia perdido, minha amiga,
nem poderia sonhar contigo!
[Excerto de um poema inédito de António Ramos Rosa in Cultura ENTRE Cultura Nº 4]
....
E vocês, meus leitores, alguns anónimos, que estão aí, algures no mundo, não me percam nem deixem que eu vos perca. E permitam que eu sonhe convosco.
E tenham, meus Amigos, uma bela sexta-feira.
8 comentários:
Cara UJM:
Gostei muito do post pela harmonia da análise, dos sons, dos tons, da Poesia.
Obrigado.
J. Rodrigues Dias
Que grande TEXTO Jeitinho!
Ainda cá volto!
Gostei muito...a cadência, a música...as palavras! Esplendoroso.
Imperdível.
Relerei
Obrigado.
DBO
Caro J. Rodrigues Dias,
Pois foi um texto que escrevi com um certo esforço. A mão pedia-me fotografias, músicas, danças, poemas, mas a cabeça quase me exigia que falasse destes temas que tanto me preocupam. Momentos assim requerem gente competente ao leme e não aprendizes inaptos.
Foi uma negociação comigo mesma: lá consegui fazer o gosto às minhas duas metades do cérebro.
Muito obrigada pelas suas palavras.
PS: Gostei muito do seu poema sobre um tema tão tristemente actual.
Erinha, tão simpática, obrigada.
Senhor Deputado,
Muito obrigada. Conforme poderá ver na resposta que dei, acima, ao autor de 'Traçados sobre nós', não foi daqueles textos que se tenham escrito sozinhos, como acontece quase sempre. Estava a escrever e a pensar que não devia ser maçadora, que devia abreviar, que devia ir para coisas mais leves.
Mas, enfim, lá escrevi sobre as minhas preocupações e lá fiz também o gostinho de percorrer caminhos mais leves.
E o seu blogue? De vez em quando vou lá espreitar e está sempre na mesma... Preguiça...? Falta de assunto...?
Bom sábado!
Caro UJM
Mais um belo texto!
Concordo consigo nalguma coisas, noutras nem por isso. Mas já lá vamos.
O seu exemplo do doente é bem explícito, mas conheço outro, que também deve conhecer, mais exemplificativo da nossa infeliz realidade. Trata-se da história do cavalo do inglês…. Para quê não conhece, havia um inglês que tinha um cavalo para puxar uma carroça, onde transportava as suas mercadorias para comercializar. O problema é que o inglês começou a fazer contas e verificou que a alimentação do dito animal representava uma parte importante na sua despesa. Ao começar a cortar na alimentação do animal, ia-se gabando aos amigos que o seu cavalo agora é que estava bom. Trabalhava o mesmo e comia cada vez menos! E assim foi continuando, cortando cada vez mais na alimentação. Tanto, tanto cortou que matou o pobre cavalo de fome, ficando sem sustento, pois já não tinha como puxar a carroça para comercializar os seus produtos. “Sound familiar?”
Quanto à sua análise da sucessão politica… que este governo está a fazer asneiras enormes… está… mas o anterior também não era melhor….
Nós fomos alvos na falta de preparação dos nossos políticos, que não conseguiram ver, apesar de serem avisados, a armadilha económica que foi a entrada no euro.
Já repararam que as “coisas” andaram mais ou menos controladas até à entrada no euro? Depois foi o que se viu…. Pois passamos a ter condições macroeconómicas desajustadas e “esquecemos” do crescimento orgânico, passando a olhar apenas para o consumo…. Por outras palavras, o pouco crescimento económico da última década foi à base do aumento do consumo via aumento do crédito e não via aumento do rendimento…
Não estou a culpabilizar a entrada no euro….. mas a enorme burrice dos nossos políticos, que conseguiram desperdiçar mais uma oportunidade de ouro.
Agora é que são elas…
JHMP
Caro JHMP,
Eu é que lhe digo: mais um excelente comentário.
Está didáctico e bem ilustrado. A imagem do cavalo do inglês é perfeita.
Concordo com tudo o que diz... ou melhor quase tudo. Não posso concordar que o governo Sócrates não era melhor. É que este actual é abaixo dos mínimos, confesse...
Mas o grande problema, concordo, foi que durante anos cavalgou-se a onda do facilitismo em vez de se ter um pensamento estruturado, ajuizado, estratégico, humanista e racional sobre a evolução do País.
Tomara é que muita gente comece a perceber que a política tem que ser outra, para que não morra o cavalo do inglês e os portugueses todos, um por um... é que a afirmação de ontem do Passos Coelho é assustadora. Diz que vai continuar a fazer do mesmo 'custe o que custar'. É um perigo, isto.
Resta-me agradecer de novo e pedir que continue a vir aqui deixar os seus tão úteis e tão claros comentários.
Obrigada!
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