segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Ser mulher hoje - com imagens de Man Ray e com acompanhamento musical de Jessica Rabbit


O que é uma mulher? É um ser que se resume a ser o feminino de homem? E qual o papel da mulher nos tempos que correm?

É um tema que me ocorreu no outro dia ao ouvir as bafientas palavras do Cardeal D. Manuel Monteiro de Castro, recomendando que, especialmente nestas épocas de crise, as mulheres fiquem em casa ou, pelo menos, trabalhem apenas em part time para melhor se poderem dedicar à família.


A autora de um blogue que muito aprecio, A Matéria dos Livros, de certa forma aborda este assunto ao referir um livro que tenho agora também aqui ao meu lado, Humilhação e Glória (O acidentado percurso de algumas mulheres) da autoria de Helena Vasconcelos, da Quetzal, um livro com uma bela capa de Rui Rodrigues sobre fotografia de Man Ray. Já o comecei a ler como costumo começar por ler os livros: em diagonal, de trás para a frente. Irei certamente agora retomar algumas das partes que, desta amostragem, maior interesse me despertaram.

Mas, enquanto não tenho material para me pronunciar de forma fundamentada sobre o livro, permito-me aqui apresentar a minha opinião baseada no meu caso pessoal.


Gosto muito de ser mulher. Acho que sou bastante feminina em tudo o que isso costuma querer dizer, mesmo no lado mais superficial: gosto de me arranjar bem, gosto de écharpes longas e macias de cores quentes ou suaves, gosto de perfumes, especialmente de perfumes Chanel, gosto de me enfeitar com jóias ou bijouteria, gosto de usar sapatos de salto alto, gosto de me maquilhar, gosto de ter vários batons, de cores variadas para condizer com o tom da roupa. Enfim, essas coisas de mulher.

E sempre senti o apelo do 'acasalamento'. Sempre namorei, casei cedo e cedo senti o forte apelo da maternidade. Sou toda protectora dos meus meninos, dos grandes, dos pequeninos.


E gosto muito da casa, da casa no sentido de lar. E, por isso, a minha casa é o lugar dos meus afectos, dos meus objectos, que arranjo com gosto e gosto de descobrir coisas que trago para casa mesmo que não façam falta nenhuma, como uma caixinha bonita, umas velas cheirosas, uma moldura rendilhada, uma almofada de um veludo macio, uma mantinha quente e de belo colorido.

E, no entanto.

E, no entanto, sempre vivi mais entre homens que entre mulheres. No meu trabalho, os meus colegas são quase todos homens. Até há muito pouco tempo era eu no meio de apenas homens.

E, no entanto, nunca me senti condicionada por ser mulher. Trabalhei enquanto estava grávida (na primeira vez, calhou até trabalhar sob 'orientação' de um alto e exigente especialista do Banco Mundial, tendo que me sujeitar a horários e calendários rígidos), trabalhei enquanto os meus filhos eram pequenos e enquanto amamentava, trabalhei tentando conciliar a dedicação familiar, a dedicação profissional e não descurando os meus interesses pessoais e a minha aparência.


E, se foram momentos de grandes ginásticas e canseiras (trabalhar em Lisboa, com trânsito constante, com distâncias demoradas, muitas vezes a ter que me deslocar para fora, inclusivamente para o estrangeiro, foi um exercício de permanente equilíbrio), em que nunca me senti sacrificada por ser mulher, ou preterida do ponto de vista profissional por ser mulher, tenho que reconhecer que muito o devo ao facto de, em casa, sempre termos sido uma equipa, em que há suporte e respeito mútuos e, também, à sorte de, no trabalho, ter tido superiores hierárquicos inteligentes e pessoas do seu tempo.

Os meus filhos cresceram a saber que a mãe trabalha, que gosta de trabalhar, e que gosta de ter outras actividades. Os meus filhos cresceram habituados a perceber que, por vezes, em certos momentos, algumas coisas deixavam de ser prioritárias ou de ter grande importância. Mas sempre contaram com a disponibilidade da mãe para ir às reuniões na escola, para os acompanhar nos estudos, para os acompanhar com atenção e carinho (e ralhetes) em todos os momentos da sua vida.

E, no trabalho, toda a gente sabe que sou responsável, cumpridora, exigente, etc, mas que, ao primeiro telefonema porque uma das crianças estava doente na escola, eu largaria tudo porque, antes de tudo, estavam eles, sempre estiveram e sempre estarão. E, apesar disso, nunca senti que esta minha disposição me prejudicasse talvez porque todos sempre souberam também que, se for necessário, trabalho em casa, à noite, ao fim de semana, em férias - sempre que tal, efectivamente, é preciso.


Mas não faço, nem nunca fiz, género nem concessões de qualquer espécie. Não fico até às tantas, evito ficar a trabalhar à hora de almoço, evito almoços de trabalho, odeio reuniões intermináveis, odeio show offs, não faço de conta, não digo sim quando acho que devo dizer não.

Tenho visto muitas mulheres que acabam por ficar, profissionalmente, pelo caminho. Essencialmente são as que se queixam, as que vitimizam, as que se acham subalternas, as que não sabem gerir as suas prioridades. 

Sei que poderia 'ser' mais do que sou, sei que, por exemplo, gostaria de fazer política - ou seja, sei que o que faço está aquém do que poderia e gostaria de fazer. Mas é um balanceamento. Se o fizesse teria que abdicar de algumas coisas de que, até aqui, não quis abdicar e teria que fazer concessões que, até aqui, não quis fazer. 


Conheço muitas mulheres que, talvez fruto da educação que receberam e da qual nunca se conseguiram libertar, têm medo da opinião dos outros, têm medo de fazer valer a sua opinião ou a sua vontade, sentem que se devem mostrar submissas, tímidas, inseguras, passivas. Isso é, de facto, o maior obstáculo. As mulheres não têm que ter vergonha de se afirmar ambiciosas, exigentes, determinadas e, ao mesmo tempo, sensuais, sedutoras, femininas. Não são faces opostas: são complementares.

No entanto, há um aspecto que tenho que reconhecer. As mulheres conseguem impor-se mais facilmente e viver mais felizes, mais apoiadas e reconhecidas quando têm a sorte de viver rodeadas por homens inteligentes.

Em contrapartida, homens limitados, medíocres, mesquinhos, insignificantes, são frequentemente misóginos, acham-se superiores às mulheres, evitam-nas (num claro sinal de cobardia).

É um conselho que dou, não sem alguma ironia: sempre que possível, mulheres inteligentes e ambiciosas (ambiciosas no sentido de quererem ser como são, de quererem fazer o que lhes apetece) evitem ambientes em que pululem homens ignorantes, estúpidos, parvos, porque homens assim são um atraso de vida. 

E, nunca por nunca, devem as mulheres abrir mão dos seus sonhos, dos seus desejos, da sua feminilidade. Ser mulher não é defeito, não é castigo, não é uma cruz. Ser mulher é uma coisa extraordinária que deve ser festejada a cada instante.


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Dado o adiantado da hora não me apeteceu fazer pesquisa aturada que me conduzisse a um tema porventura mais apropriado


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E, por falar em Man Ray (1890 - 1976): as fotografias são dele, um americano que viveu grande parte do tempo em Paris, um modernista, e retratam mulheres também elas modernas, Lee Miller, Remy Durval, Kiki de Montparnasse, Comptesse de Saint Exupery, nomes que por si só recriam todo um ambiente feminino.

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E tenham, meus Caros, uma boa segunda feira!
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(E, se estiverem numa de palavras à solta, e de poesia de António Ramos Rosa, e de fotografia e de Schumann, não quererão dar uma saltada ali ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, a love affair?)
   

8 comentários:

patricio branco disse...

belisimas fotografias concentradas na essencia da mulher, é isso mesmo que nos mostram, a mulher e não mulheres ou modelos posando.

Alice Alfazema disse...

Que bela mensagem, também, gosto de fazer o que me apetece, não gosto de sermões nem de que me imponham opiniões. Abraço

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Começo por citá-la:"Ser mulher é uma coisa extraordinária que deve ser festejada a cada instante. " É isso que sinto.
Fui nova, tive muitos sonhos e, realizei o principal: Ser mãe.
Nunca trabalhei fora de casa. Casei e logo de seguida, tive os dois filhos.
Fiz as contas e, o que ganharia não dava para o que teria de gastar. Adiei os outros sonhos. Quando estava a pensar seguir a minha vida, engravidei do 3º. Adiei outra vez. Os anos foram passando, e já tinha habituado os filhos à minha companhia constante. Tinha 21 anos quando casei. Nessa altura, já ia nos 35. Estava habituada à casa, aos filhos, ao marido e, procurei fazer da vida deles, o que não fiz da minha. Atenção que isto não é queixa, é opção. Ninguém me obrigou nunca a nada. Costumo dizer que, sou doméstica, mas não domesticada.
Ainda me meti na política, mas descobri que até aí, a mulher era um ser de 2ª. Em casa, era eu que mandava.
Hoje, com 67 anos, mais um dos netos criado por mim, não me sinto inútil.
Isto foi a minha maneira de ser mulher. Cumpri um dos meus sonhos. Os outros, arrumei-os na gaveta e vou revê-los às vezes. A assistente social que queria ser, descobri muito tempo depois, que não tinha nada a ver com o que elas são. A jornalista-repórter, que viajava pelo estrangeiro, fazia uma vida boémia, livre de peias e preconceitos, não tinha nada com a mãe, que eu queria ser.
Isto não são lamurias, repito. Gostei de ser o que fui e sou.
O Cardeal irritou-me. O facto de usar saias, não lhe dá o direito de dar sentenças às mulheres. O facto de não ter filhos, tira-lhe o direito de falar na educação e no amor por eles.
Vou acabar. Isto já vai longo e, quase lhe contei a minha vida.
A mulher tem que ter vontade própria, fazer o que gosta e sabe.
Beijinhos, amiga
Maria

A Matéria dos Livros disse...

Gostei muito do seu texto e que tivesse partilhado connosco a sua história, oferecendo um exemplo de uma mulher que soube conciliar a vida familiar e pessoal com uma profissão exigente.
É muito bom que as mulheres e os homens deste tempo conheçam exemplos reais e, assim, possam ganhar confiança para procurarem viver em liberdade. Porque creio bem que esta conquista ainda está longe para muita gente. E não são só os homens pouco inteligentes e misóginos que entravam a vida de tantas mulheres, também há muitas que perpetuam os esteriótipos, vivendo-os e impondo-os.
Mas concordo que um contexto machista, de homens pequeninos, constitui o maior obstáculo. Observo, por vezes, que num contexto em que esta é a primeira geração de mulheres licenciadas e pós-graduadas, muitos maridos continuavam à espera que elas se comportassem como as suas mães, não passando o título académico de mero diadema para exibir junto dos amigos (claro que muitos divórcios não se fizeram esperar).
E nas escolas, em que, não raro, se impõe quem fala mais alto e mais "grosso"? Enfim,haja perseverança.

Helena Sacadura Cabral disse...

Jeitinho manso que de manso não tem nada, fala aqui do que é ser Mulher. Apoio o seu retrato que, de algum modo, foi e é o meu.
E, ainda hoje, se os meus filhos ou o pai deles, precisarem de algo, eu estou e estarei sempre na primeira fila.

Leonor disse...

Gostei muito de conhecer o seu percurso e posso afirmar que me identifico muito com o que afirma (excepto na parte da maternidade, uma vez que nunca a vivi).
Todavia, uma frase "saltou" do ecran: (...)E, no entanto, nunca me senti condicionada por ser mulher". Penso que eu raras vezes o senti, também.
Mas, se a afirmação fosse diferente? Se fosse: "nunca me senti condicionada A ser mulher"?
Parece um jogo de palavras, eu sei. Ou algo muito antigo que logo associamos a imagens de um feminismo quase bélico.
E no entanto...eu senti-me várias vezes, muitas vezes, condicionada a ser "mulher". Essa mulher com aspas, a mulher "mainstream". Acho que se pensarmos em questões relativas ao peso ou à juventude, por exemplo, os contrangimentos a ser "mulher", esse tipo desejável de "mulher" são (ainda) extremamente pesados.
O facto de os adoptarmos, pensando que são o melhor para nós, não lhes retira essa carga de imposição.
Pois, este post deixou-me, mais uma vez, pensativa. Obrigada :)

patricio branco disse...

interessante testemunho sobre o que é ser-se mulher baseado na própria experiencia e nas linhas condutoras por que se rege, actua, sente.
Não conheço as palavras do cardeal, vou ver se as encontro e tentar perceb~e las

Um Jeito Manso disse...

Meus amigos todos,

Em vez de responder a cada um, escrevi um post novo em que me pronuncio sobre as questões que os vossos comentários me suscitaram.

Obrigada a todos!