Não sou de tentar uma segunda vez. Para o bem ou para o mal, para mim história vivida é história passada. Tenha sido uma história boa com final tranquilo, tenha sido uma história agitada com final atribulado, passou, está passado. Página virada.
As coisas são as coisas e as suas circunstâncias e, se havia uma cola que unia uma pessoa a outra pessoa ou a um livro ou a um filme, tenho sérias dúvidas de que, num outro contexto, a cola se mantenha. Tinha que ter sido uma cola muito intensa que se tivesse dissolvido por um equívoco, por uma acção externa ou por um qualquer acto de deus ou force majeure para que a 'pegação' voltasse a existir em toda a sua pujança.
A excepção em que me parece que a coisa pode funcionar é na música. Muitas vezes, há versões fantásticas que ressuscitam ainda melhores.
Já nas telenovelas ou no cinema a coisa parece-me arriscada. Gosto do Pantanal porque não vi o original. Mas, no cinema, não tenho ideia de ir ver uma reprise de filme de que tenha gostado. E tenho ideia, quando vejo os trailers, que a segunda versão é sempre uma coisa aguada, deslavada.
Há cinquenta mil anos vi com devoção o sexíssimo Richard Gere a encantar -- com cuidados, ternura e uma perícia tentadora -- mulheres de todas as idades. As toilettes Armani assentavam-lhe tão perfeitamente como uma segunda pele e era tão compensador vê-lo com elas vestidas como despidas.
Hoje, vá lá eu saber porquê, o algoritmo do YouTube veio desafiar-me com um outro American Gigolo.
Não faço ideia de se a história é a mesma ou se apenas o título é o mesmo. Seja como for, o trailer quase ofende a minha sensibilidade. Obviamente não o verei. Podendo parecer que nem por isso, a verdade é que sou mulher de alguma lealdades.
Estou num daqueles dias. Adormeço por dá cá aquela palha. Os dias a sul têm estado quentes, difíceis de estar ao sol. Não têm sido férias iguais a outras. Desde que os meus filhos eram adolescentes que não saíamos para férias em família. Além disso, mesmo nós dois, há dois anos, com a pandemia, que não saíamos. Agora parece que os tempos da sarna acabaram. Ninguém usa máscara, há gente por todo o lado, parece que nada aconteceu pelo meio. O meu marido ainda anda com o frasquinho de álcool gel mas eu, salvo situações mesmo merecedoras, já me deixei disso.
De tarde, fui saber se ainda havia hora de massagem para hoje. A menina devia ter tido uma desistência e disse, toda animada, que só se fosse naquele preciso momento. Respondi que por mim poderia ser mas que não tinha trazido nenhuma máscara. Uma salinha fechada e ela em cima de mim pareceu-me proximidade e risco a mais. Diz ela, continuando animada: 'Ah, não faz mal... não é preciso...!'. Temendo desiludi-la, arrisquei: 'Mas é por mim... eu é que prefiro. Será que me arranja uma?'. E ela arranjou-me e eu pus-me nas mãos dela. Difícil foi escolher o tipo. Todas com nomes artilhados, cada um sugerindo milagres. Optei pela mais simples. Uma hora para me rebalancear, seja lá o que isso for. No fim estava tranquila, zen, tão balanceada como antes.
De manhã, fomos passear pelo centro da cidade não só porque estava com saudades como a minha mãe estava com uma certa carência de andar a ver montras. Com o sol que estava, um chapéu novo veio-lhe mesmo a calhar. E eu, que juro a pés juntos que não preciso de roupa até aos últimos dias da minha vida (mesmo que dure até aos 200) cedi à tentação de um vestido verde escuro com umas flores azuis. A vendedora era muda mas entendemo-nos gestualmente. Uma simpatia. Quinze euros. Vesti-o por cima do macaco que trazia vestido e ela segurou um espelho grande. Depois, semicerrando os olhos, fechou os dedos da mão direita, levou-os aos lábios como se soltasse um beijo de apreço. Também gostei. Enquanto isso, o meu marido fazia tempo passeando o cão. Quando cheguei ao carro, disse com aquele seu ar jocoso: 'Vieste de Lisboa de propósito para comprar um vestido nas barracas de Lagos'. Não são barracas, são umas tendinhas em que os vendedores são uns ciganos e ciganas que são uma simpatia. E têm vestidos giríssimos e muito em conta.
E, portanto, com estes calores, tem sido uma semana à maneira. Trouxe um livro mas não me sobra tempo. Termos trazido o nosso urso cabeludo tem sido uma experiência e tanto. O balanço, ao fim de uma semana, é que penso que não é lá grande ideia nem para ele nem para a família. O hotel é dog friendly (e o dog paga diária), temos ido a restaurantes dog friendly, a praias dog friendly. Mas o animal não descansa, quando alguém se aproxima fica num stress e nós também estamos condicionados. Acho que, para a próxima, vamos apostar no hotel para cães
Quase não tenho feito fotografias. Há sempre tanta coisa que nem me dá tempo.
Claro que não sei de notícias ou fofocas. Estou completamente out. Não sei de nadica de nada. Antes de abrir o blog espreitei o Guardian e vi alguns vídeos. Não sei se é bom, se é mau andar alienada mas é assim que me sinto, fora deste nosso mundinho. Preocupada com ele mas a gostar de estar fora.
Por isso, não estranhem se, na ausência de conversa própria, me dedique a partilhar este vídeo que versa aquele tema que me tem consumido. Quero perceber, ver sob diferentes ângulos.
Former spy bosses discuss Ukraine and Putin's invasion - BBC Newsnight
The former heads of MI6 and the CIA gathered at Bletchley Park for a book launch and wanted to talk Ukraine and Russia.
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As pinturas de Yue Minjun estão aqui apenas para não me esquecer que em qualquer circunstância é bom arranjar um espaço para a gente se rir
A água do mar está boa. Estive um bom bocado dentro dela. Sabe bem estar dentro do mar, sentir-lhe as ondas, a frescura.
Está muito calor. A fera estava connosco. Escava, escava, enche tudo de areia e depois deita-se. Mas, sentindo que a areia não está suficientemente fresca, volta a escavar. Só quando a areia está húmida e mais fresca se mantém sossegado.
Não se sente atraído pelo mar. Assusta-se com o ribombar das ondas e foge quando a água se aproxima. Quando os meninos estão dentro de água, ele, de longe, fica a fixá-los. Se se aproxima alguém ou se vem onda mais forte, levanta-se apreensivo e fica atento até que o forasteiro ou a onda se afaste.
Levámo-lo à noite para o restaurante, uma esplanada, mas não correu bem. Desatou a ladrar de cada vez que o empregado se aproximava. Está cada vez mais territorial. O meu marido teve que acabar à pressa para ir passear com ele para longe. A minha filha mandou-me um artigo onde se refere que, quando os cães estão fora do seu ambiente normal, costumam ficar stressados e que nada melhor do que lhes aplicar uma dose de CBD. O meu marido disse: 'O pior é se ele se habitua'.
À noite, está um calor tropical. Chega a ser estranho. De dia, tórrido, de noite ainda quente. Não sopra aragem.
Pode saber bem, verão assim sabe a férias e já nem será preciso procurar destinos longínquos. Mas é demais. São temperaturas demasiado altas durante tempo demais.
O mundo não está preparado para isto. Tanta civilização, tanto conhecimento acumulado e transmitido de gerações em gerações para chegarmos a esta altura do campeonato e estarmos metidos numa guerra medieval, com o planeta exausto e em vias de mandar os humanos às urtigas.
Enquanto isso, alguns fazem o pino para verem as coisas diferentes do que elas são, outros discutem o fim do namoro de umas so called celebridades ou o novo namorado deste ou daquela, umas bloggers fazem posts a opinar contra quem opina, outras desencantam opiniões de quem se acha mais inteligente do que outros ao prever catástrofes que obviamente vão acontecer pois estão a ser deliberadamente provocadas por um assassino psicopata (o que, por um estranho lapso mental, nessas análises é escamoteado). E, pelo meio, a grande empresária Cristina Ferreira partilha-se em poses pretensamente sensuais, Brad Pitt apresenta-se de saia e Marcelo vai a Fátima de duas em duas semanas. As coisas bizarras sucedem-se e parecem não seguir um sentido lá muito promissor.
E até eu sou vítima destes novos tempos. Exemplifico. Fiz uma encomenda para entregarem em casa. Quando vou atender o entregador, salta ele da carrinha, olha para mim com atenção e pergunta-me: 'É influencer?'. Pensando não ter captado, questionei: 'Desculpe, não percebi'. O calmeirão, estacado à minha frente: 'A senhora não é influencer...?' Eu, pensando que se calhar estava a ouvir mal: 'Influencer...? Não...'. E ele, duvidando: 'Não...?'. Confirmei: 'Não, não sou'.
Não há explicação.
Com um mundo tão maluco, com este calor a fritar-nos os miolos, não sei como vamos conseguir fazer alguma coisa de jeito para nos salvarmos.
Mas, se eu não sei, há quem consiga alinhar as ideias de uma forma convincente. Lamentavelmente não há legendas em português mas, pela oportunidade e pela clareza de exposição, ainda assim acho que vale a pena a partilha.
Yuval Noah Harari: The Actual Cost of Preventing Climate Breakdown | TED
Nobody really knows how much it would cost to avoid the worst impacts of climate change. Yet historian Yuval Noah Harari's analysis, based on the work of scientists and economists, indicates that humanity might avert catastrophe by investing the equivalent of just two percent of global GDP into climate solutions. He makes the case that preventing ecological cataclysm will not require the major global disruptions many fear and explains that we already have the resources we need -- it's just a matter of shifting our priorities.
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As pinturas de Jan Toorop obviamente não têm nada a ver com o texto.
Devo dizer que sou, naturalmente, poupada. Só perco a cabeça com livros (mas estou muito melhor) ou a oferecer presentes para os descendentes. De resto, desde que me conheço que sou poupada.
Já o era antes de se verificar que, a bem do planeta, deveríamos sê-lo no que respeita, por exemplo, a bens descartáveis.
Sempre me fez muita impressão usar pratos, copos e talheres de plástico que, uma vez usados, iam para o lixo. Achava um desperdício absurdo. Mesmo antes de saber que o plástico, se não for reciclado, levará anos a poluir o ambiente, já eu fazia de tudo para evitar usar e deitar fora coisas de plástico.
Também me faz impressão deixar luzes acesas quando não fazem falta. Acho um desperdício. Por vezes irrito o meu marido tal como antes irritava os meus filhos.
Acho que só se deve usar o que é preciso. Gastar recursos e dinheiro para nada a troco de quê? Só por desfastio...?
Nas empresas sempre fui minimalista, muitas vezes sendo confundida com frequentar uma onda diferente, estar desalinhada, ser do contra. Num ambiente em que é habitual gastar rios de dinheiro em coisas que me parecem de interesse mais que duvidoso, sempre me mantive fiel aos meus princípios: gastar apenas o necessário e, ainda assim, ter a certeza que é mesmo necessário.
Acompanhei campanhas externas e internas que demonstravam que éramos verdes mesmo quando ainda estávamos longe de sê-lo, páginas de sites e de intranets, campanhas e iniciativas de toda a espécie e feitio. Depois a sustentabilidade. Consultores e mais consultores, kpi's de todos os sabores e paladares, ODS's e mais reuniões e workshops, flyers, mudanças nos sites, mini-sites, slogans, assinaturas. E, calma, eu acredito na sustentabilidade e acho que os ODS são bem apanhados. Mas acredito se forem autênticos, se toda a gente estiver virado para o mesmo lado e todos trabalharem no mesmo comprimento de onda. Senão, é para inglês ver. Rios de dinheiro gastos para fazer de conta.
Agora, a conversa evoluiu. Mas evoluiu, uma vez mais, pour épater les bourgeois. Mais projectos, mais consultoria, mais estratégias de comunicação, mais campanhas de imagem, mais gastação de tempo e de dinheiro. Net zero. Zero emissões. Pureza absoluta, a virgindade ambiental como grande lema de vida. O mundo ideal.
Era bom e eu gostaria muito. Políticas todas muito racionais, tudo muito bem articulado, tudo muito regulado, tudo muito transparente. Toda a gente muito consciente do que isso implica: formação, educação, novos hábitos, uma aculturação muito bem orquestrada, grandes investimentos nomeadamente em infraestuturas adaptadas e eficientemente localizadas. Gostaria mesmo.
E seria possível. Mas, para ser possível, teria que ser levado muito a sério, concertadamente muito a sério. E isso, levar as coisas mesmo a sério, é o diabo.
Para que algo de eficaz acontecesse teríamos que ter apenas gente idónea a falar e a trabalhar sobre o assunto: não pode ser coisa para debates entre ignorantes e gente exibida, entre engraçados e mentecaptos ambiciosos ou para programas de televisão com Carmos Afonsos, Joanas Amarais Dias, turmas descartáveis como as do Irritações, gente como Ricardos Araújos Pereiras ou Joões Miguéis Tavares, para jovens aspirantes a comentadores ou a quejandos. Temas sérios não são para ser transformados em lérias, em piadolas, em trocadilhos, em estados de alma reprocessados, em chistes, em sound bites, em armas de arremesso.
Caso contrário, as temperaturas vão continuar a subir, os incêndios vão continuar a lavras nos nossos campos ressequidos, os fenómenos climatéricos extremos vão continuar a acontecer, a água vai continuar a escassear. Não é brincadeira, isto, não.
We Debunk the Latest Corporate Climate Lie | NYT Opinion
Finally, corporations are jumping into action on climate change — or at least that’s what they’d like us to believe. Many of the world’s biggest and most polluting companies have recently promised to curb their carbon output, by reaching net-zero emissions in the next few decades. These sweeping pledges conjure a world where we can have it all: economic growth and global trade — without the global warming that usually comes with that. While saving the planet demands an approach more ambitious than incremental change, these corporate fantasies of the future just don’t stand up to scrutiny. In a new @nytopinon video, we expose three major flaws in net-zero pledges that make them a dangerous distraction from the crisis at hand.
Parte da Europa a sul está a arder, aliás como desde há algum tempo se sabe que iria acontecer, e as televisões mais os seus comentadores avençados andam numa fona a ver se descobrem o culpado. Passei de raspão e fiquei estupefacta. Esta gente não tem noção.
Bastaria que se informassem para perceberem que a discussão que importa é outra: como travar a anunciada desertificação destas zonas, como travar o desastre que já aí está?
Bastaria consultar a imprensa internacional para ver que, tal como por cá, na Grécia, em França e em Espanha o calor prolongado é excessivo, as terras estão secas, a vegetação seca é o combustível infalível e os ventos são o abanico perfeito para melhor atear todos os fogos. Perante o que por aí se vê, ainda muita sorte temos tido.
Inteligente seria que estes países se juntassem (se calhar também com Marrocos) para, em conjunto, estudarem uma forma de garantir a habitabilidade humana por mais umas décadas nestas regiões que tão seriamente ameaçadas estão.
Felizmente há o Pantanal para me ajudar a ir para a cama gostosamente alienada. Aqui não há conversa fiada, não há gente inteligente que se vê obrigada a baboseirar, não há políticos que apenas dizem banalidades, não há jornalistas que querem a todo o custo atiçar todos contra o Governo. No Pantanal há vida ao ar livre, natureza, saudades, paixão, música de roda, mulheres que viram onça, velhos que viram sucuris.
Isso ou alguns vídeos de parte-a-louça ou rebola a rir. Coisa que pode não ginasticar o neurónio mas ao menos não embrulha o estômago nem revolve a entranha.
Os muito apertadinhos que fechem já a porta e voltem para sua casa que agora, aqui, a malta da Porta dos Fundos vai chegar com a língua a precisar de pimenta e as mãos a precisar de umas boas reguadas. Maltinha mais mal-comportada.
10 Mandamentos
Amar o próximo. Ok, mas quão próximo? 3 metros? Até a esquina? Ou 5 km? Seria na verdade um recado para nunca voltar com o ex? Já são 10 anos esperando Deus ser mais específico nessas orientações
Não tenho muito a dizer. Apesar de cansada só devo ter adormecido por volta das seis. Uma espertina das antigas. A meio da noite lembrei-me: o café. Só posso beber café de manhã senão está o caldo entornado. E, com a animação da churrascada e da cantoria festiva, tinha-me distraído e bebido um belo e encorpado café. Fatal.
Mas depois dormi bem e, a seguir ao almoço, adormeci de novo. E a dor no joelho desapareceu. Já não é a primeira vez que isto me acontece: estou cansada, aparece-me uma dor e, depois de dormir bem, a dor desparece.
Mal me levantei o meu marido disse-me que tinha visto um esquilo a beber água. Diz que, de longe, não percebeu. Temeu que fosse um gato morto. Depois o esquilinho levantou a cabeça, levantou o rabo, subiu o muro e desapareceu. Diz que era castanho e que o rabo é muito grande.
Ainda andei de cabeça no ar a ver se o descobria mas não. Devem estar escondidos nos esconsos dos pinheiros ou das azinheiras.
O chão está coberto de pinhas roídas. Em contrapartida, vejo poucas bolotas no chão. Na volta comem-nas.
Não consigo perceber como lá apareceram. Vêm andando, andando, quilómetros e quilómetros, até descobrirem o habitat ideal? Vieram de onde até chegarem aqui? Gostava de perceber.
Antes de nos virmos embora, fui buscar a banheira onde lavávamos os meninos quando eram pequenos, enchi-a de água e coloquei-a debaixo do telheiro para terem água limpa para beber. A ver se não aquece muito. O meu marido disse para não encher com tanta água se a ideia não fosse os esquilos tomarem banho. Mas receio que se evapore.
Também andei a apanhar mais orégãos. Mas não muitos, há poucos e estava muito calor. Os da semana passada já estão praticamente secos mas como basicamente passei o dia a dormir ainda não os escolhi nem embalei. Para a semana trato disso.
Há muitas lagartixas, muitas mesmo. E borboletas. E abelhas. E cigarras. Adoro estar in heaven. É campo, campo. Em dias assim, só nós dois, descanso e reponho energias que é um regalo.
De ameixas já nem vestígio. As que caíram alguns bichos as devem ter comido e das que resistiram nas árvores os pássaros devem ter-lhes chamado um figo.
As uvas sofreram com o calor. Os cachos, com bagos ainda minúsculos, estão quase secos. Os calores travaram o crescimento, desidrataram-nos.
A ver como saem os figos. Tomaram que medrem e fiquem doces. Adoro carnalmente os figos.
Olho à volta e só vejo coisas para fazer. E só espero que faça menos calor para ver se deitamos mão à obra.
(É deste plural, que é tudo menos majestático, que o meu marido se queixa: vejo coisas para fazer mas, quando é para fazê-las, falo no plural. Ou seja, ele também vai ser chamado a fazê-las. Tem que ser. A casinha que foi pintada de verde a pensar que era no tom das árvores afinal tem um verde garrafa que fica ali mais chamativa do que devia. Pensei em pintá-la de verde muito escuro ou mesmo de preto e, depois, pintar-lhe, por cima desse fundo, umas flores em verde mais claro. O banco de pedra que tem na parede que dá para o caminho também merece alguma reflexão. Quiçá no mesmo tom escuro mas com florzinhas como se estivessem a nascer do chão. O murinho baixo também precisa de ser pintado de branco. E lá em baixo nem se fala, montes de coisas a precisarem de repintura. E isto já para não falar em varrer os caminhos. Geralmente varro os cá de cima, mais próximos da casa e os lá de baixo, coitados, ficam entregues a si próprios. Também acho que deveríamos levantar muito mais as copas dos pinheiros. Levantámo-los até onde conseguimos alcançar mas acho que devemos ver se encontramos daqueles brasileiros que trepam às árvores e cortam os ramos lá em cima. Falo de brasileiros pois, sempre que ouço falar disto, só ouço falar 'nuns brasileiros que sobrem até ao cimo das árvores'. Claro que o meu marido nem quer ouvir falar em nada disto pois o grande anseio dele é ter uns dias ou um período em que não tenha nada que fazer. Contudo, acho que não vai ter sorte.)
Dentro de casa, quando chegámos, estava um calor absurdo, de sauna, desconfortável. Felizmente o ar condicionado resolve o problema em dois tempos. Anos de frio e calor absurdos porque me parecia que os aparelhos iam desfear a casa. Afinal nem damos por eles. Há coisas que comprovam a minha burrice e esta é uma delas.
Talvez devesse dizer: uma de muitas. Assim de repente poderia referir outra: antes de começar a escrever isto, estive a despachar assuntos. Poderia deixá-los para daqui por uns dias, talvez até mesmo para esta segunda-feira de manhã. Mas começo a pensar que sou viciada. Apareceu-me há pouco um mail daqueles que me irritam: microsoft viva. Ninguém pediu nada mas eles aparecem a resumir-me a semana e a aconselhar-me. Dizem que devia intervalar mais e não trabalhar nas horas de descanso. Metediços, abelhudos, os tipos da microsoft. Só me apetece mandá-los bugiar mas, ainda assim, não mando. Tenho a secreta e inconfessável esperança que um dia me dê para lhes prestar atenção.
Cornelia Parker is one of Britain's best loved and most acclaimed contemporary artists. Always driven by curiosity, she reconfigures domestic objects to question our relationship with the world. Using transformation, playfulness and storytelling, she engages with important issues of our time, be it violence, ecology or human rights.
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Fotos feitas in heaven.
Mademoiselle por Sébastien Tellier com Charlotte Casiraghi (e com um touch Chanel)
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Desejo-vos um boa semana a começar já nesta segunda-feira
Creio que já toda a gente, alguma vez na vida, experimentou a incómoda sensação de chegar a um lugar onde não se vê ninguém conhecido e onde parece que toda a gente está na mesma situação. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um convite que recebi para um pequeno-almoço para discutir um tema de interesse supostamente emergente. Foi no Carlton que, se não estou em erro, é agora o Pestana Palace ali à Ajuda. Iria estar presente um guru da matéria. Sou muito avessa a estas coisas. Não tenho pachorra. Acho que se dizem muitas banalidades. E há pessoas que as dizem pensando que estão a dizer coisas de jeito o que se torna cansativo e desconfortável. Mas naquele caso, já não me lembro bem porquê, talvez por ter pensado que talvez se aproveitasse alguma coisa, acabei por aceitar. Quando estava a ir, a pessoa que tanto tinha insistido para eu ir, ligou-me para pedir muitas desculpas mas, por um qualquer imprevisto, ia chegar mais tarde.
Portanto, cheguei lá, não conhecia ninguém, era um grupo para aí de dez pessoas, talvez nem tanto. Todos a olharem disfarçadamente uns para outros, alguns a tentarem disfarçar a atrapalhação olhando para o telemóvel. O guru falava em inglês pelo que, por cortesia, as poucas palavras que se ouviam eram em inglês. Até que entrámos para a salinha onde o encontro se ia dar foi uma coisa meio constrangedora.
Detesto situações assim. Detesto meter conversa com quem não me interessa para falar de assuntos que também não me interessam.
Claro que há o oposto que é chegar a um lugar em que se conhece meio mundo, em que toda a gente fala com toda a gente, um fervilhar de cumprimentos e abraços e tudo meio fugidio pois há sempre alguém a chegar e a cumprimentar e a interromper qualquer esboço de conversa. Os grandes encontros do Grupo são assim: uma festa de superficialidade. Pelo meio reencontram-se pessoas que a gente tem mesmo gosto em rever e com quem gostaria de pôr a conversa em dia mas também há pouca ocasião para isso.
Pior ainda, quando numa situação destas aparece um chato que resolve pôr-se a querer tratar ali de assuntos que não são para ali chamados, assuntos que são uma maçada, que requerem atenção. Deslocados ali, portanto. Mas os chatos acham sempre que tudo é importante e não se calam.
Mas o tema hoje tem a ver justamente com um encontro de seres introvertidos. Todos a evitarem contacto visual, todos a ver se passam despercebidos, todos a ver se podem ir para casa, sossegados da vida, ninguém a querer interagir.
E hoje fico-me por aqui mesmo. O dia foi uma maravilha, felizmente já sem aqueles calores excessivos, até com uma amena aragem. Dia de churrascada, e oh que bela churrascada com o meu filho em tronco nu e com um avental preto a preceito aos comandos da operação. Como bom caranguejo que é, gosta de cozinhar para os outros. Carnes variadas que, em especial a maltinha miúda, devorou com voracidade. Dia de festa, cantoria, brincadeira, a família toda reunida, as crianças (algumas já francamente com o pé na adolescência) felizes da vida, amigas que dá gosto vê-los. O mais velho aproxima-se a passos largos dos catorze, o mais novo tem cinco. O tempo passa e é uma felicidade ver como crescem, como afirmam a sua personalidade, e como se mantêm tão amigos.
Quem se portou mal -- e foi posto de castigo -- foi o urso cabeludo que, fofo e meiguinho como é, quando lhe queremos tirar alguma coisa vira uma fera.
Rosnou e tentou mesmo atacar ao querer tirar-lhe uns óculos de sol do menino mais novo. É possessivo até dizer chega e comigo, com a minha filha e com a minha mãe a querermos tirar-lhe aquilo, a cercá-lo, e comigo a zangar-me e a aproximar-me demais, a coisa ficou preta. Dentinhos à vista, rosnar e mesmo saltar para ver se me afastava. Não me mordeu mas assustou-me. O meu marido, quando viu, correu, agarrou-o pela coleira e levou-o à força para casa onde foi posto de castigo, ficando fechado num quarto. Bicho danado. Nunca a nossa meiga boxer fez alguma coisa que se parecesse.
O menino mais crescido falou numa coisa que ouviu para casos assim, uma coleira com comando que emite um som ou vibra para que passem a associar o receio disso a algum comportamento impróprio. Mas, ao pesquisar, vi que pode ser contraproducente. Pode assustar-se e ficar ainda mais agressivo.
Temos que ver o que fazer. Ou aceitamos não nos metermos com ele mesmo que o vejamos a fazer o que não deve ou temos que descobrir maneira de lidar com a situação.
Aceito conselhos.
Enfim.
Com isto, pouco tive que fazer mas a verdade é que sinto que estou a precisar de ir descansar. Acresce que estou com um joelho a dar de si. Não sei se é de alguns sacos mais pesados com que carreguei, se é de muita reunião e muitas horas sentada, se é de alguma falta de descanso, se é de ter feito ontem uma caminhada grandinha quando ele já estava a querer dar sinal. Tenho esperança que, com uma noite bem dormida, a coisa vá ao sítio. Portanto, inté.
Liza Dmitrieva, 4 anos, síndrome de Down. Estava ir ao Centro de Tratamento com a mãe quando foi filmada empurrando o carrinho de bonecas. Foi uma das várias pessoas mortas em mais um ataque russo.
Dirão os pretensos pacifistas que este ataque deveria ter sido evitado...?
Segundo eles, como é que o assassinato de Liza poderia ter sido evitado?
A Rússia invadiu a Ucrânia (que não lhe fez mal nenhum), está a assassinar os ucranianos e a destruir as suas casas, as suas escolas, hospitais, fábricas, teatros, estradas. A Rússia pretende expulsar os ucranianos, numa clara acção genocida, com o confesso objectivo de lhes ocupar o território. Há uns anos ocupou uma parte, agora quer mais. Na verdade, querer, querer, queria era ocupar todo o país. E, se não for travada, será isso que tentará.
Dizem alguns que a guerra deveria ter sido evitada. Aliás, acho que o diz toda a gente de bom senso. Só não o diz os que defendem a guerra, os que acham que a Ucrânia, ao não aceitar ceder parte do território à Rússia, provocou a guerra. Ou seja, estranhamente essas pessoas não acham que o culpado pela invasão foi o invasor. Não -- há quem ache que a culpa da invasão foi de quem não cedeu às ameaças. Há quem consiga ver os filmes ao contrário.
No entanto, a guerra deveria ter sido impedida, sim. Bastaria que alguém tivesse conseguido demover o psicopata com aspirações imperialistas que meteu na cabeça que deveria anexar o país do lado. Bastaria que Putin respeitasse o direito internacional e respeitasse a soberania e as fronteiras da Ucrânia. A guerra deveria ter sido evitada, sim. Bastaria que Putin não a tivesse começado.
A guerra é uma desgraça para quem a sofre e vai ser uma desgraça para todo o mundo, em especial para os mais desfavorecidos. Deveria acabar, claro.
Defendo isso. Acho que todas as pessoas de bom senso o defendem. Mas defendo que a guerra acabe com Putin a retirar-se da Ucrânia e a ser julgado e condenado a pagar por todos os crimes que está a cometer.
Defendo a paz. Defendo a paz. Mil vezes o direi: defendo a paz.
Mas não defendo que, para haver paz, os ucranianos tenham que ceder território e que a comunidade internacional tenha que aceitar actos de barbaridade como se fossem actos normais. Não são. Actos bárbaros não podem ser aceites. A bem do futuro da humanidade, o terrorismo e a barbárie não podem ser aceites.
Defendo a paz. Mas jamais aceitarei que assassinar crianças, mulheres, velhos que vivem pacificamente no seu próprio país seja irrelevante ou uma consequência razoável da não cedência perante os actos terroristas de Putin.
Defendo a paz. Mas jamais defenderei que, para a alcançar, um país tenha que ceder parte de si sob ameaça de um ditador psicopata.
Tal como Hitler jamais merecerá perdão, também Putin jamais merecerá perdão ou esquecimento. Jamais. Tal como não merecem perdão os que, perante a barbaridade destes crimes, não são capazes de os renegar.
Há algumas pessoas, felizmente poucas, felizmente cada vez menos, que continuam a desvalorizar os crimes de Putin. Há algumas pessoas que, perante a destruição e os assassinatos em série levados a cabo por Putin, pretendem desviar a atenção para factos que são, na sua maioria, forjados ou distorcidos e que, mesmo que fossem verdadeiros, jamais poderiam justificar o terrorismo russo. Há pessoas que, perante a morte e a destruição que nascem das mãos de Putin, continuam a não ter vontade de ajudar os ucranianos a defender-se. Há quem, perante o sofrimento e a dor dos ucranianos, não seja capaz de sentir compaixão.
De entre estas pessoas, destacam-se os apoiantes do PCP. Depois do choque inicial, já não me admiro muito. Ao princípio, sim. Ao princípio fiquei atónita, não queria acreditar. Agora já não me espanto. Já percebi que nada os demove. Na realidade serão os mesmos que também acharam bem a invasão, in illo tempore, da Checoslováquia. Serão os mesmos que aceitam com naturalidade os milhões de mortes às mãos de Estaline. Serão os mesmos que não ficam chocados com o regime ditatorial e absurdo de Kim Jong-un. Claro que, in between, dizem que defendem os trabalhadores mas defendem-no de uma forma desfasada da realidade, agarrando-se a parangonas que talvez tenham feito algum sentido há dezenas de anos mas que já não fazem agora. Claro que há coisas que defendem que podem fazer algum sentido. Mal fora. Mas também o Chega há-de ter algumas que se aproveitam. O pior é o resto. E o resto é mau demais. Sempre que se está do lado dos ditadores está-se do lado do mal.
Câmara de vigilância captura ataque russo - criança de quatro anos morta
A Rússia atacou Vinnytsia no centro da Ucrânia na manhã de quinta-feira. Liza Dmitrieva, 4, foi uma das vítimas.
Em minha opinião, é das criadoras mais inspiradas e talentosas. Não sei se o seu trabalho encaixa na categoria 'moda'. Diria que não exactamente. Design, certamente. Escultura, talvez. Escultura tecnológica também. A luz e o movimento feitos vestuário. Mas não um vestuário que veste, antes um que despe, que sugere, que transporta.
Iris van Herpen é holandesa e fez agora 38 anos. O que ela faz é indescritível, é único. Peças de uma elegância e sofisticação que vão para além do que é normal, terreno.
Iris mantém-se em contacto com o CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) e com o MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Algumas das suas criações estão expostas em museus: no Metropolitan Museum of Art, no Victoria & Albert Museum, no Cooper-Hewitt Museum em Nova Iorque e no Palais de Tokyo em Paris.
Se um dia me sair o euromilhões, gostaria de visitá-la para lhe pedir que me fizesse um vestido assim, belíssimo, feito de ar, de sonho, de melodias, de poesia, de doçura e ousadia, de subentendidos e subtilezas, de provocação -- de sedução.
E pediria também um vestido para cada menina da minha família. Depois faríamos uma festa com diseurs de poesia, com pianistas, violoncelistas.
A fluidez das suas últimas criações, as que se podem ver neste vídeo que é muito recente, de 13 de Julho, supostamente inspira-se nas Metamorfoses de Ovídio. Pode ser. Meta Morfismo.
A transformação do pensamento em plumas, em filamentos, em tules, em organdis, em plissados, em gentis corpetes, em esvoaçantes saias. Impressos em 3D. O futuro a dar corpo ao que cobre o corpo que se transforma em múltiplas e indizíveis formas. A beleza intangível.
Na verdade, a canalhice de Putin foi um separar de águas. É pena que tantos mortos, tanta destruição, tanta expatriação, tantas vidas destroçadas tivessem que acontecer para que olhássemos o mundo e uns aos outros de uma outra maneira.
Alguns, avessos à clareza, virão falar das muitas sombras, para as diferentes tonalidades de cinzento. Há quem não queira ver o branco e o preto, apenas os cinzentos.
E depois há os outros, nos quais me incluo, que vêem os cinzentos mas também, e muito claramente, o branco e o preto. Há coisas que são inequívocas. Quem começou a guerra. Quem invadiu outro país. Quem, tendo invadido outro país, o está a destruir. Inequívoco.
Virão os que gostam de se pôr do lado dos agressores, dos violadores. Dizem que os ucranianos se puseram a jeito: não quiseram ceder território à Rússia, quiseram ter a protecção da Nato, querem ser europeus de pleno direito.
Como se essas razões:
1 - não fossem legítimas (... e são!)
2 - fossem o motivo para que Putin levasse a cabo os crimes (... e não foram)
Pois bem. Todas as evoluções recentes desmontaram essa torpe e cobarde narrativa. A Rússia já veio dizer que não está nem aí para que a a Suécia e a Finlândia entrem para a Nato tal como há muito que deixou cair a história da carochinha nazi. Desde há muito que a Rússia o diz com todas as letras: quer alargar o seu território à Ucrânia, quer refazer-se da desonra da quebra da União Soviética. Desde há muito que Putin o diz à boca cheia: o que a move são os seus ímpetos imperialistas.
E é este ditador, protector de oligarcas, imperialista e criminoso que ainda tem quem o defenda. Podem sentir algum rebuço e, então, disfarçam-se de pacifistas. Mas, ainda assim mostram-se como pacifistas tendenciosos pois, para que haja paz, não defendem que Putin pare a guerra que começou. Não, querem que o povo ucraniano se renda, capitule, aceite ser russo.
Contudo, no meio da desgraça podem vislumbrar-se alguns aspectos positivos.
Fica mais claro quem defende a liberdade, a democracia, o respeito pelo direito internacional e quem, pelo contrário, defende tiranos, ditadores, corruptos, dementes, mentirosos, atrasos de vida.
Fica mais claro quem defende a paz. A paz baseada no respeito pela liberdade, pela democracia. Fica mais claro como a Europa é um conceito e um lugar de liberdade, de democracia.
A Europa tem defeitos? Tem. E tem, por isso, um longo caminho de melhorias a conquistar.
A Europa fica fortalecida com a barbárie de Putin.
Fica também claro que é importante que os estados livres e democráticos tenham meios efectivos para se defenderem de intuitos criminosos e, claro, não apenas de intuitos mas, sobretudo, de actos criminosos.
Há a China, há a Índia? Claro que sim e de que maneira. Alguém ignora a relevância destes pesos pesados? Claro que não. Mas a forma como as peças agora se jogam no grande tabuleiro da geopolítica agora é outra. E cada vez o será mais.
O vídeo que aqui partilho é, em minha opinião, bastante bem feito, muito claro. Ian Bremmer fala sobre o assunto em mais um vídeo da Big Thing.
How Russia’s war in Ukraine is birthing a new global order | Ian Bremmer
“This is much deeper than just ‘let’s figure out how we can get both sides to get along.’”
Tinha-lhes dito que não havia nada, que podia esperar pelo fim de semana. Terça-feira é dia complicado, dia de reuniões que podem prolongar-se e ensarilhar-se. Mas depois percebi que gostariam que houvesse festejo. Pensei: faço arroz de pato. Tentaria ir ao supermercado à hora de almoço, poria o bicho na panela, arranjaria maneira. O meu marido disse que não. Coisa simples. Ou jantaríamos numa esplanada ao pé da praia ou, se fosse cá, mandaríamos vir pizas. Equacionámos. Melhor cá, poderíamos ficar até querermos, fazer o barulho que quiséssemos.
Mas foi dia de juízo. Sozinha em casa com o animal (refiro-me ao cão, claro). O rapaz que vinha arranjar um portão, resolveu vir de manhã, pouco antes de começar uma valente de uma reunião. E ou era ele experimentando o arranjo, entrando e saindo, abrindo e fechando, ou era o telefone tocando, uma sobreposição complicada de gerir. Enquanto isto, a fera colocada entre uma zona e outra para não ter hipóteses de se chegar ao pobre. Ladrando, ladrando.
Reuniões, telefonemas, mensagens. Consegui sair para dar uma volta com a fera já às duas e tal. Fervia. O pobre mal conseguia pôr as patinhas no chão, só a querer voltar para trás. Uma braseira. Almocei perto das três, a correr, quase em cima de outra reunião. Era perto das cinco quando consegui dar um pulo ao supermercado.
Depois chegou a turma da minha filha. Ainda fui fazer uma breve caminhada com o meu marido, que entretanto chegou, só para esticar as pernas. Logo a seguir chegaram os que vinham arranjar o estore da cozinha. Há vários dias à espera e tinha que ser esta terça-feira. Tentei que fosse noutro dia. Não. O único bocado de tempo que tinham era este. Pegar ou largar. Peguei. Chegaram. O cão isolado para não lhes saltar para cima. A ladrar, a ladrar.
Entretanto, chegou a turma do meu filho.
E os outros não saíam da cozinha. Já a fazer-se tarde. Depois eram precisas umas ripas, não podia ficar arranjado. Que sim, que sim. Queríamos é que se fossem embora. Agora o estore está cerrado, não entra um raio de luz. Azarinho.
Para além das pizzas em forno de lenha, boazonas, resolvi fazer uma ursa. Passo a explicar no que consiste uma ursa. É coisa que vem do tempo em que os meus filhos eram pequenos. Sucesso garantido. Agora já são os filhos dos meus filhos que gostam da ursa.
Frango assado do supermercado. Desossei. Num tabuleiro grande, o frango inteiro desfiado. Depois, uns tomates grandes, maduros, cortados em cubinhos pequenos. Depois um pacote de batatas fritas. Depois um bocado de maionese e um little bit de ketchup. Envolvi tudo ao de leve para não espatifar as batatas fritas. Por cima, ripei seis ovos cozidos. Temperei com orégãos e com azeitonas às rodelinhas. Está feito.
Para além disso tinha salada mista: alface, rúcula, couve roxa, milho, tomate cherry, bolinhas de mozzarela, azeite, orégãos.
E espargos verdes com fio de azeite e um little touch lateral of maionese.
E as pizzas das de tamanho familiar, duas de salmão, mozarela de búfala e manjericão, duas de presunto, ovo e azeitonas e duas quatro estações, com tudo a que se tem direito.
De sobremesa: petit gateaux de chocolate, strudel de maçã, bolo de mármore e mil folhas com doce de ovo.
No final, depois das cantorias, passámos à fase arraial. A menininha mais linda ficou de DJ. Os pedidos foram no sentido da música pimba. Dançámos que foi um gosto. Debaixo das luzinhas, vá de cantar e dançar. Festa popular à maneira.
E, à despedida, fotografias de grupo.
Escuso de dizer que o urso cabeludo fez várias tentativas para roubar comida, chegou a ser apanhado de pé, patas felpudas em cima da mesa, a inspeccionar o que se passava lá por cima, o que lhe valeu grandes descomposturas. Por fim, já se contentava em andar a lamber migalhas pelo chão.
No fim, os meninos perguntaram se eu tinha gostado do dia -- e eu gostei -- e perguntei se eles também gostaram -- e eles gostaram. Tenho estado a ver as fotografias, todos tão bem dispostos, sempre alguns a fazerem maluquices. Dou por mim a sorrir enquanto revejo estas imagens felizes.
Quando se foram embora, o urso cabeludo atirou-se à tigela da água e bebeu durante minutos. Depois deitou-se espapaçado. Há bocado levantou-se e foi comer. Chegou aqui e caiu outra vez. Dorme a sono solto. E eu tenho estado a lutar para também não cair a dormir profundamente.
Este é o tempo dos caranguejos. A saison era aberta pelo meu pai, o primeiro dos caranguejos. Agora sou eu a abri-la. Hão-de seguir-se mais dois, dois homónimos. De seguida, entra-se em força nos leões, uns a seguir os outros.
Um dia, depois outro dia. Quando damos por ela, é um ano, depois outro ano. E é assim a vida, uma sucessão. Ia dizer uma sucessão infinita mas não é infinita, é finita. Mas cada um de nós é nada, uma partícula elementar, pelo que, abstraindo a identidade de cada um, há mesmo uma continuidade, uma infinita sucessão em que um dia não estamos, depois estamos, depois deixamos de estar. Mas, quando deixamos de estar, já cá estarão outros a assegurar a continuidade. E está bem assim.
(Isto enquanto não rebentarmos com a espécie, claro).
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Uma vez mais, figuras da pintura que a Inteligência Artificial associou a selfies minhas. Não sei se têm alguma coisa a ver comigo ou se teria que se lhes tirar a bissectriz para ter parecenças -- mas não interessa, gostei de conhecê-las e, por isso, aqui estou. Ou melhor, aqui estão.
Head of a Woman (La Scapigliata), Leonardo da Vinci.
Woman Leaning on Her Elbows (Femme accoudée), Pierre-Auguste Renoir
Portrait of a Neapolitan Woman, Jean Honoré Fragonard,1774
Se uma coisa cai no goto de meio mundo e toda a gente fala disso, eu, vá lá saber-se de quê, mantenho-me ao largo. Livros que toda a gente leu, eu não li. O alquimista, As 50 sombras de grey, o Equador, esses. Já para não falar do Não há coincidências sobre o qual assisti a confissões de identificação surpreendentes. E muitos outros. Com filmes ou músicas a mesma coisa. Ou com pessoas. Sou mais atraída pelo que é marginal. Se uma pessoa é estrela em ascensão e é convidada para todo o sítio ou elogiada por toda a gente eu fico logo de pé atrás. No meu íntimo penso que deve ser algum tangas.
Por exemplo, numa empresa em que trabalhei, houve, em tempos, uma grande contratação. Tínhamo-la visto antes como partner de uma empresa de consultoria. Toda prosa, toda vapor, toda auto-confiança, logo íntima dos que identificou como decisores. Ao almoço já era a estrela sentada à direita de deus-pai-todo-poderoso. Algum tempo depois, por uma soma calada estava lá, tinha sido contratada. Era a maior. Elogiada dentro e fora. Sempre íntima de quem importava. Algum tempo depois já estava a ser convidada para coisa ainda maior. E eu sempre a pensar: uma tangas. Pouco tempo depois, saiu. Tinha sido convidada para cargo ainda mais importante numa grande e mediática empresa. Pensei: não vai aquecer o lugar. O que a move é ser a maior, é ser elogiada e requisitada por alguma empresa ou alguma pessoa que ela ache que é ainda mais importante. Bem dito, bem feito. Está agora, num grande cargo, numa das maiores e mais ricas empresas do país. Imagino que esteja a fazer o mesmo que sempre a vi fazer: a espalhar charme e pouco mais. Mas isto se calhar sou eu que acho que gente assim, muito consensual, muito sorridente, muito famosa, é do tipo em que se espreme e não deita nada. Posso estar errada. E os que têm a fama e o proveito é que, na volta, estão certos.
Autores: dos que se vendem mais, não devo conhecer um único. Não sei se é coisa de que me gabe mas é o que é. Por exemplo, o Valter Hugo Mãe. Comigo não dá. Tanta gente importante a gostar das fofuras melosas que brotam daquela boquinha santa e daqueles dedinhos inspirados e eu a achar que o homem é uma treta. Fico sempre admirada quando alguém que julgo ser gente informada e exigente se confessa rendida aos encantos dele. No meu íntimo, admito a possibilidade de andar desfasada do que é bom. Quem garante que não sou eu que ando com o passo trocado? Quem garante que um dia o bom do Marcelo não inventa um Nobel à moda de Belém e o entrega ao Valtinho? Depois de chamar o João Miguel Tavares para presidir a um 10 de Junho que ficará para a história como o supra-sumo do absurdo, já não digo nada.
Por exemplo, sei que agora na Netflix Stranger things é o que está a dar. Meio mundo vê, meio mundo comenta, a música que lá passa fica a bombar, há certamente merchandising para todos os gostos, há todo um mundo a gravitar em torno disto. Pois não vi, não tenciono ver e não sinto qualquer falta. Posso estar a perder grandes momentos da minha vida mas, fazer o quê?, passo.
Em contrapartida, vídeos como os que abaixo partilho são para mim um pitéu. Por alguns, os seus intervenientes serão considerados loucos, génios marados, ou, na melhor das hipóteses, irreverentes ou 'metidos a besta'. Mas eu gosto. Gosto de ouvi-los, gosto de conhecer as suas ideias, acho-lhes graça. Partilho-os e que cada um ajuíze por si.
Louis-Ferdinand Céline (1894 - 1961) por ele mesmo numa entrevista com Louis Pauwels
Aqui é Jack Kerouac (1922 – 1969) sobre "the greatest writer in the world"
E aqui é Michel Houllebecq ((1956 -- ) que também fala de Céline
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Agora, enquanto aqui escrevo, cara obviamente completamente lavada, cabelo obviamente despenteado, pronta para marchar daqui para a cama, fiz três selfies (e, como nunca as faço, não sei como melhor me posicionar) e inseri-as no Art Selfie. As figuras com que a inteligência artificial da app me identificaram estão aqui acima. De Emanuel Phillips Fox - Nasturtiums, 1912, Profile Portrait of a Young Lady, 1465, atribuido a Antonio del Pollaiuolo e Portret van Wilhelmina van Pruisen, 1904, de Fr. Bruckmann 1904. A ver se amanhã me penteio e arranjo a preceito e se estudo melhor a pose para ver no que dá.