No outro dia, intrigada com um número anormal de visitantes, resolvi consultar com algum detalhe as estatísticas deste blog. E se algumas me esclareceram sobre o que pretendia, constatei que há outras que desconhecia, estatísticas demográficas, sobre os leitores.
Confesso que não sei se as informações são credíveis pois, segundo percebo, serão obtidas a partir dos dados que os próprios disponibilizam quando criam uma conta. Ora há quem passeie anonimamente e desses, presumo eu, o Google Analytics não conhece nada. Mas que sei eu do que o Google sabe...? Depois haverá quem não se confesse ao dizer a data de nascimento, digo eu. Ou quem aproveite a oportunidade para declarar o outro sexo que existe em si. Embora, se calhar, a maior parte das pessoas seja fiel ao seu cartão de cidadão. Mas não sei.
Seja como for, o Google não quer cá saber de funfuns e gaitinhas e se é para dar estatísticas ele dá. E eu, apesar de nestas coisas gostar sempre de aferir o rigor da coisa, uma vez que aqui não tenho como, vendo pelo preço que comprei. Vendo é como quem diz que eu, nisto do blog, é tudo pro bono, não há cá dinheiros envolvidos.
Penso que já o contei: já me convidaram para participar num programa de televisão e para outros números. Declinei, embora sensibilizada pelos convites. Mas ainda não chegou o momento nem sei se alguma vez vai chegar. Gosto de sentir liberdade de movimentos, de escolha, de tudo. Não gosto de me sentir condicionada. Para isso já basta o que basta a nível profissional em que tenho compromissos, em que tenho que me sujeitar a regulamentos, procedimentos e demais paramentos. Aqui, escrevendo sobre o que me dá na gana ou partilhando fotografias que faço ou outras, ou pinturas, bailados, músicas, vídeos ou o que for, tenho que me sentir livre, sem laços nem limites, sem querer saber se agrado ou desagrado, se sou bem ou mal interpretada, se tenho ou não audiências. Livre.
Mas adiante.
Voltando às estatísticas e a serem verdadeiros, pelo menos na maioria, os dados que o Analytics usa, concluo que o 'público' é maioritariamente masculino, embora a distribuição por sexos esteja quase equilibrada.
Curiosamente, quem me procura é um 'público' bastante jovem.
61% dos Leitores tem menos de 34 anos.
Se subir a fasquia para os que têm menos de 44 anos, aí atingem-se os 76.5%.
Não me espanto por aí além pois sei de alguns. E fico contente. Tal como na 'vida real' -- ou seja, no dia a dia, no face a face -- me dou muito mais com jovens do que com gente muito sénior, pelos vistos aqui, a ser credível a estatística, também é junto daqueles a quem o passado pouco pesa que melhor sou entendida.
Quanto aos posts mais lidos desde sempre, são estes:
Ou seja, em posição destacada, um post que, na altura, até mereceu um esclarecimento por parte de um dos envolvidos (cujo nome até consta do título do post), tendo-me escrito para dizer de sua justiça. Como me pediu sigilo, respeito-o. Ainda agora, ao lembrar-me disso, estive a reler a troca de mails e é deveras curiosa.
Um outro post que, ao longo dos tempos, continua a receber visitas e que (à data de hoje) já conta com 6.594 visualizações é este aqui abaixo. Não apenas fico surpreendida como fico contente pois nele falo do meu avô e, ainda que muito brevemente, do meu pai e no que deles há e sempre haverá in heaven e em mim.
As fotografias foram feitas hoje quando fui recolher oxigénio, verde, perfumes, canto de pássaros e paz de espírito para ir usando ao longo da semana. Se quiserem dar um pezinho de dança, queiram descer até ao post abaixo: há para todos os gostos.
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A todos desejo uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Ontem, ao falar de dança, lembrei-me da minha amiga que é o mais certinha que se pode imaginar, diria mesmo até um pouco distante e austera no trato, e que, sempre que a ocasião se proporciona, deixa que a fera que se esconde dentro dela se solte e, o mais desinibidamente que se possa esperar, desata a dançar de uma forma o mais livre e sensual que se poderia esperar. Pode tornar-se o centro das atenções, pode toda a gente começar a fotografá-la ou filmá-la que a ela lhe dá igual: continua a sua louca performance.
Penso que a propósito disto, o hmbf deixou referência a um outro momento imperdível de uma das séries que sempre me divertiu, o Seinfeld: Elaine Benis solta a franga e, desafiando os outros a dançar, dá o exemplo e desata numa hilariante desconecção cinética, digamos assim, deixando os outros desconcertados. Agora é frequente usar a expressão 'vergonha alheia' e notoriamente foi o que os colegas de Elaine sentiram. A minha amiga não é tanto assim, dança mesmo bem e os seus movimentos surpreendem pela sensualidade que explode repentinamente e de forma exuberante.
Mas eis a dança de Elaine. E que bem me soube rever estes malucos - obrigada, Henrique, gostei.
E, para que Elaine não fique sozinha a dançar, que outros saltem para a pista:
Este meu sábado foi bem cansativo. Devemos ter feito para cima de quinhentos quilómetros e tivémos um trabalhinho, por sinal, um bocado a atirar para o pesado. Fomos buscar uma secretária enorme, de canto, numa bela madeira, maciça, muito pesada, e uma cadeira com assento e encosto de pele, enorme, com braços, com rodas. Faziam parte da mobília do meu gabinete há uns anos e, quando nos mudámos, tive pena de me desfazer da mobília pelo que a comprei à empresa. Havia uns móveis antigos, tipo arte nova, muito bonitos, mais uma mesa redonda de reuniões, e isso foi tudo para casa do meu filho, uns para a sala e a mesa para a salinha de refeições. Na altura, ele estava a inaugurar a sua casa actual e alguns móveis davam-lhe jeito e aqueles são invulgares e bonitos. A secretária e a cadeira, por serem tão grandes, foram para um outro lugar. Não sabia onde pô-las. Mas, agora que esse lugar vai ficar indisponível, ou me desfazia delas ou íamos buscá-las. Fomos. Tivémos que desmontar tudo, o que foi um castigo. Já está tudo in heaven e curiosamente acho que vai ficar bem no estúdio. O meu marido diz que duvida que, alguma vez nesta vida, consigamos voltar a montar aquilo tudo mas conhecemos um rapaz na aldeia que é muito habilidoso, ele será capaz de resolver aquele puzzle.
Tenho pássaros a voar dentro da minha cabeça. Pássaros, borboletas. Nuvens, flores, sorrisos. E tenho a esperança de um dia conseguir tempo e vontade para me sentar a uma mesa e desatar a escrever. Mesmo que as palavras contenham dores ou lágrimas é com sorrisos dentro de mim que me vejo a escrever. Mas, como já o contei aqui muitas vezes, quando penso nisto, o que primeiro me vem à mente é saber onde é que me instalaria a escrever. Pode parecer fútil, e certamente é, mas tenho que ter um espaço adequado para deixar que a coisa flua sem entraves. Confortável, sem me distrair, sem me isolar, sem me sentir maçada. E hoje, ao imaginar a secretária instalada no estúdio, debaixo da janela que dá para o jardim e para as laranjeiras, pareceu-me um lugar muito apropriado para quando estiver no campo. Já me imagino a arranjar uma jarra de vidro, transparente e incolor, e lá dentro colocar alecrim, rosmaninho. Ou lírios.
E, antes de ir para lá, fazer uma limonada sem açúcar e levar um jarrinho bonito e um copo, para ir bebendo. Gosto de limonadas sem açúcar. Talvez também um pratinho com alguns miolos de amêndoa.
Mas nisto da escrita, passando por cima da criteriosa escolha de lugar convidativo e da dúvida metódica que me leva a questionar se alguma vez terei alguma coisa de jeito para dizer, tenho ainda uma outra questão de fundo. O meu lado prático leva-me a pensar que só fará sentido pôr-me a escrever se houver editora que me publique e, portanto, dou por mim a pensar que o melhor é tentar arranjar editora e, só se o tiver arranjado, é que me armar em escritora. Mas, por dentro, penso que os escritores a sério não pensam assim. Repreendo-me. Mas não me levo a sério pelo que, ao mesmo tempo me auto-rotulo como fútil, penso que não estou nem aí e, muito cá na minha, continuo a ter estes pensamentos a atravessarem os meus sonhos.
Veremos se algum dia me dará para ousar. Se der, será entrega total. Acho eu.
Depois, à noite, ainda fomos a casa dos meus pais. O meu pai já estava a dormir e a minha mãe, claro, protestou por termos ido àquela hora, já cansados, quando deveríamos era ter ido descansar.
No caminho, de dia, fui lendo. Quando saio de casa, é sempre com alguma dificuldade que escolho um livro para a viagem. Vários apelam por mim mas o que faz sentido é levar apenas um. Volta e meia penso que deveria disciplinar-me, enquadrar as minhas actividades. Horários. Às terças, quintas e sábados, entre as tantas e as tantas, ler. Por exemplo. Mas isso é contranatura em mim. Sou naturalmente desorganizada e indisciplinada. Acho sempre que dou conta de tudo e que, quando chegar a hora de cada coisa, conseguirei dar resposta. Por isso, o meu programa é aberto e, como é óbvio, algumas coisas vão ficando para depois. Devia escrever menos aqui e ler mais. Devia. Mas isso era se eu fosse boa nos deveres e não como sou, toda entregue aos prazeres.
É como agora. Depois do post da dança em versão slow, estava com vontade de escrever uma coisa, uma rêverie azougada sobre uma certa noite de insónia -- e até estava já a imaginar o lençol, o livro, as letras gravadas -- e, por dentro, toda eu já me ria com a perspectiva de trocar as voltas, de brincar. Mas, desmiolada como sou, mal me apanhei com a página em branco, sem pensar desatei a escrever este desassunto que aqui têm. Não sou de fiar, é o que é. Sorry. As flores e os pássaros que voam dentro de mim levam sempre a melhor.
Gosto de dançar, sempre gostei. Contudo, ultimamente, sempre que há circunstâncias que convidam à dança, nunca é dança a dois na versão dantes designada por slow. Agora é mais na base da libertação do corpo, mas a libertação como movimento individual. Tenho uma amiga que é certinha, sempre muito compenetrada e rigorosa, ponderada. Mas, mal sente o sopro de uma música bem batida, solta-se a fera que há dentro dela e assistimos a uma metamorfose. Work hard, play hard, desculpa-se ela quando vê o nosso espanto. Entrega-se em absoluto ao prazer de libertar o corpo e não quer saber de limites. Mas isso se for uma libertação a solo e com a música desencabrestada. Em registo slow nunca vi mas, na volta, seria a mesma voluptuosa entrega. A questão é que, quando há música para dançar, nunca é música slow. Agora slow é a food ou o living. O slow dancing parece ter caído em definitivo desuso. E, no entanto, há melhor forma para os corpos se aproximarem, se testarem, se conhecerem? Li uma vez, e achei bem pensado, que há amor quando dois corpos se reconhecem. Concordo. Amor que é amor a sério tem que ter corpo, toque, olhar, pele, tem que se sentir o calor que se evola do corpo do outro, tem que se sentir o abandono que se desprende do corpo daquele que se deseja, tem que se sentir a urgência das mãos do outro procurando o nosso corpo, tem que se sentir a sua respiração e o toque dos seus lábios na nossa pele.
Portanto, recordemos como é bom dançar assim e iniciemos um movimento a favor do regresso do slow dancing.
Estive a ver o mais recente vídeo de Iman Amrani sobre a masculinidade nos tempos que correm. E fiquei com vontade de dizer de minha justiça. Sou uma apreciadora de homens. Não quero, com isso, dizer que sou especialista em homens até porque não sei o que é ser-se especialista em homens. O que sei é que gosto de os observar, de os conhecer. E gosto de conviver com homens. Desde que me conheço que convivo muito mais com o sexo masculino e que tenho como melhores amigos homens, (tal como em criança, com meninos e, em adolescente, com rapazes). Não sou nem nunca fui maria-rapaz e, no entanto, o meu gosto em conviver com o sexo feminino é marginal.
E a forma como os homens, de qualquer idade, confiam em mim e me confidenciam aspectos absolutamente pessoais nunca deixará de me surpreender. Mas isso acontece também com mulheres.
Esta semana um jovem que trabalha comigo veio ao meu gabinete, puxou uma cadeira e sentou-se perto de mim e, sem que eu pudesse esperar tal coisa, começou a contar-me o que o afligia, as suas inquietações. Com as lágrimas a aflorarem, olhando-me, ficava, por vezes, em silêncio. Ouvi-o, fiz-lhe perguntas, aconselhei-o. Mas ele estava com necessidade de falar, de ouvir, de companhia. Demorou-se. É um belo rapaz e, nem por um instante, achei que, lá por estar a expor de forma tão desarmada a sua vulnerabilidade, havia ali algum défice de virilidade.
Onde eu vejo fraca virilidade é nos homens que alimentam o culto do corpo. Homens que querem ter músculos muito trabalhados ou tudo muito vistoso ou que vão em modas e se depilam, desde pernas, axilas, peito ou, mesmo, sobrancelhas, esses é que eu acho que são inseguros, pouco másculos. Pode ser preconceito meu, claro, mas tenho para mim que homem que é homem mantém o seu estado natural (ou quase natural). Homem que é homem sabe que o que atrai uma mulher é coisa de outra natureza.
Por acaso até gosto de homens bonitos, com um bom corpo, com um andar convicente, com um sorriso irrecusável, com um olhar descarado se bem que educado, com umas mãos capazes de tudo e até de trabalhos físicos, sejam eles arranjos domésticos, cortar lenha, atear uma boa fogueira, dar uma boa massagem.
Mas, a par disso, aprecio a inteligência, a insubmissão, a delicadeza, a compreensão, a irreverência, o sentido de humor, a elegância na exposição dos seus sentimentos. E a sua generosidade, e a sua segurança, e as suas maneiras sejam elas, por vezes, boas, sejam elas, por vezes, indesculpáveis. E os seus conhecimentos que devem ser sempre superiores aos meus e a sua capacidade de surpreender e a sua disponibilidade para agradar. E deve ser capaz, quando menos se espera, de dizer um poema.
E deve ser capaz de, em momentos especiais, tirar-nos o tapete, deixar-nos sem chão. Mas deve, de seguida, amparar-nos, segurar-nos nos braços. E rir connosco. E deve ser capaz de nos fazer sentir melhores do que somos. E deve estar para nós, sempre, incondicionalmente.
E deve saber falar-nos numa voz que ora seja encorpada, com a densidade de quem tem uma alma com muitas faces, ora seja suave e silenciosa como uma carícia.
Coisas assim. Nada de mais.
Ora, em tudo isso, para quê um corpo musculado ad nauseam?
Penso que os homens que se arranjam muito, que prestam muita atenção ao corpo, que fazem questão de exibir músculos avantajados, que ligam muito à marca das camisas ou das gravatas, aos relógios ou aos carros, ou que vaidosamente desfiam os lugares em que estiveram, os restaurantes ou hotéis da moda, ou que citam autores a granel o fazem para se exibirem não perante as mulheres mas perante os outros homens, numa competição pueril que nada tem a ver com virilidade.
Mas, claro, isto sou eu. E ainda bem que há para todos os gostos.
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Por mim, prefiro um milhão de vezes a masculinidade contida e 'interior' de David Gilmour à histriónica masculinidade de alguns dos atletas que aqui abaixo deitam testosterona por todos os poros.
'Usei' para ilustrar o texto o Malkovitch (pintado por Marat Cherny), o Brad Pitt, o David Gandy e o Jeremy Irons (pintado por Nathan Chantob) para mostrar alguns homens que me agradam.
O LS é um generoso Leitor que muito estimo e de quem recebo poemas, frequentemente lidos pelo próprio.
Creio que ele não se importará da minha inconfidência: apetece-me partilhar com os demais Leitores deste meu jornal não apenas os dois poemas que hoje recebi bem como parte do texto que os acompanhava:
Sei que foge, a sete pés, dos estados melancólicos. Melhor, em si, a luz e alegria de viver interditam a ligação osmótica com a sombra e a nostalgia.
Apesar disso...
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Não concebo que estejas ausente Num outro lugar, mesmo que inventado Na substância que a invenção consente: Foz de rio, mar navegado, Recanto escondido no pensamento, Caminho feito ao arrepio, Rasgado no grito, aberto no lamento, Coado na vastidão do frio. Me dizem da irremediável partida Algures num já distante dia Com vozes caladas de despedida Asas quebradas pelo vento, Urgências que nenhuma força adia. Me dizem da tarde inacabada Do rasteiro voo de um tormento, Vestígios de um débil respirar Na voz quase apagada Ímpio chicote vergastando o ar. Me dizem e mesmo assim não acredito Continuo a encontrar-te por aí São falsas notícias para me deixarem aflito Quem sabe, tentarem que me esqueça de ti. Companheira nas mesmas viagens, Como sempre imprevistas e casuais Acontecidas no largo rio sem margens, Nos gestos abrangentes e totais. Não me deixarei pelo desespero dobrar, Talvez chegues novamente com o chegar De alguma, ainda que longínqua, alvorada Na minha memória, apesar de tudo, intocada
Julgo-te longe e distante,
Perdida num sítio indefinido do espaço,
Algures em algum levante
Onde o sol desenha a rota do seu passo,
Galopante,
Em redor do teu abraço.
Mas que sei eu de distâncias,
De enigmáticas lonjuras?
Das ressonâncias
Do caminhar nessas ruas escuras,
Da conversão do breu
Em rituais de rutilâncias
Onde a luz, de todo, ensandeceu?
Como entender o substantivo
Lugar, algures no infinito,
Onde fica cativo
O eco do teu grito?
Resta-me apenas esta dormência,
Esta estranha inquietude
Negando a tua ausência,
Forjando a plenitude
Deste incessante tateio
Sobre e sob a pele,
O abraço e o enleio
Do indomado e liberto corcel.
Não que as palavras do LS precisem de imagens mas isto é coisa minha: gosto sempre de as ter, tal como gosto de música que, neste caso, vem pela mão do pianista Sviatoslav Richter que interpreta Bach sobre filme Nostalgha de Andrei Tarkovsky. As pinturas que ilustram a melancolia são, respectivamente, de Olaya Caldera, Degas, Louis Jean François Lagrenée e Edvard Munch.
Assim de repente ocorre-me dizer que hoje, ao atravessar a cidade, o tempo a escurecer, as árvores numa agitação, a chuva a começar a cair com toda a força, as pessoas a resguardarem-se junto aos prédios, me ocorreu um outro dia há muitos, muitos anos, um dia assim, nós dois pouco mais que adolescentes a procurarmos casa num sítio onde ambos nunca tínhamos estado, onde não conhecíamos nada nem ninguém, encharcados, com frio -- e eu a pensar que seria tão bom que já tivéssemos uma casa nossa, onde pudéssemos refugiar-nos de um tempo assim.
Nesse dia tão distante procurámos a paragem do autocarro e ficámos, à chuva, à espera. Hoje ia sozinha no carro, com a temperatura condicionada, com música boa, e via, como se visse um filme, aquele outro dia e, quase em justaposição, o mau tempo de hoje, as pessoas a procurarem abrigo, pensando que seria bom que o carro viesse equipado com máquina fotográfica para eu poder fotografar o que minha memória estava a registar para que, daqui por alguns anos, talvez num outro dia assim, eu pudesse rever como tudo muda menos o devir do tempo.
No banco, ao meu lado, um livro que, nos semáforos, ia espreitando com surpresa. O tempo e os acasos de que é feito o nosso devir trazem-me flores, livros, sorrisos, palavras, surpresas e eu, agradecida, transporto tudo isso no meu colo, nos meus braços. O tempo e a vida que se desenrola neste breve intervalo traz-me aprendizagens e imprevistos e a nada eu viro a cara.
Hoje, na livraria, procurei o livro. Pelo que era pensei que não teria sorte. Mas tive-a. Quase exclamei um ah! quando o vi. Um livro cheio de salamandras robotizadas, uma visão talvez tenebrosa e avant la lettre do que poderá estar para vir.
A seguir, tentei por mim, descobrir o paradeiro dos pipis, outra recomendação. Não consegui. Pensei que convinha fazer a pergunta a uma livreira e não a um livreiro e, de preferência, sem audiência por perto. Podia ser minimalista na pergunta, 'tem o meu pipi?', mas pensei que me arriscaria a ouvir: 'tenho mas é meu'. Então perguntei, de mansinho, 'Sabe uns livros de que há quer os diários quer os sermões: o meu pipi?'. A rapariga disse: 'Ah, acho que não, isso já faz uns anos'. Disse-lhe que achava que havia edição nova. Foi ao computador e disse que de um havia um e de outro nada. E foi à procura do que havia. Vi que tinha ido para o 'desporto'. Por lá andou de cócoras à procura do meu pipi mas não teve sorte. Apareceu desolada. Eu disse: 'Mas também não sei se estaria no desporto'. É que, não sei porquê, acho que o meu pipi desportista é que ele não é. Ela disse: 'Não, onde procurei, em baixo, é humor'. Aí eu perguntei: 'Mas acha que o teriam posto no humor? Não seria em 'diários'?'. A rapariga pensou e disse: Não, diários não temos, só se for em coisas de senhoras'. Fiquei sem resposta mas a achar que ela era mais rápida de raciocínio do que eu. Ela foi ver e também não. Resolvi depois fazer a monda por mim. Para começar, fui ver às coisas de senhoras, só para perceber a lógica dela: ginecologia, obstetrícia, partos, etc. Devia estar a pensar na anatomia propriamente dita. Acima estava o lifestyle ou o well-being ou lá o que era. Pensei que também podia ser. Mas não. Mas, quem sabe, em filosofia...? Poderia, pensando bem, estar em todo o lado por onde eu passasse, o meu pipi. Entretanto, durante esta minha demanda, ao pé de mim passou um senhor interessante com uma clave de sol tatuada no pescoço e eu pensei que qualquer conversa com ele deve começar sempre por aí: 'É músico?'. Pensei que, se fosse eu, só por isso já não perguntava, perguntava era: 'é mergulhador?' só para ver o espanto dele. Quando passou mesmo perto de mim, senti-lhe o cheiro. Era bom. Pena era não se descobrir o meu pipi. Mas estou confiante, há-de aparecer. É daqueles casos em que se aplica o ditado popular: guardado está para quem o há-de comer.
À noite cheguei a casa mais tarde, o programa meteu jantar e tudo, mas desta vez foi por um bom motivo. Depois o meu marido quis saber novidades e estivemos a conversar. Neste momento, estou reclinada no meu sofá a ver o Louçã corado e estranhamente sorridente, cá para mim interiormente intimidado, ao lado da Cláudia Raia, a qual, como sempre foi e sempre o será, é aquele mulherão replandescente de carnalidade e auto-confiança
E, enquanto isso, está a acontecer-me aquilo que tantas vezes me acontece: ter vontade de fazer uma coisa e perceber que não tenho tempo. Estar aqui a jogar conversa fora quando me apeteceria era deixar-me ir na onda dos meus pensamentos é o tipo de coisa que me frustra. Tinha aqui hoje muita coisinha boa para dizer, ah tinha, tinha. O que me vale é que também não tenho tempo para frustrações -- até porque agora apareceu a dupla mais maluca da actualidade, a Beatriz Gosta e o Gel. Não há nada mais divertido do que ver a interação entre dois ganda malucos.
Bem. Já chega. Já é tarde e ando mal dormida.
Passo, então, ao expediente. E o que tenho a reportar é o seguinte:
Há, pelo menos, um restaurante que factura as perguntas estúpidas. Aliás, consta do cardápio pelo que nenhum cliente poderá invocar desconhecimento. Faz pergunta estúpida, paga. Perfeito.
Assim é que é e melhor ainda seria se a moda pegasse e a cada um que fizesse pergunta parva ou emitisse opinião estuporada tivesse que pagar. Agora não sei é se o preço que o restaurante leva não está deflacionado, direi mesmo que mais parece ser caso de dumping. Portanto, acho que a moda deve pegar mas, em vez de um preço simbólico, deve mas é ser um preço a doer.
Por mais de uma vez já aqui trouxe o tema à colação. Há mulheres que acham que defendem melhor a causa ou que são mais elas se não se depilarem. Claro que isto de uma pessoa ser mais ela tem que se lhe diga e só isso daria para uma exaltação filosófica. Lamentavelmente não é o momento.
O que posso dizer é que, pelos vistos, gostam de se ver assim pois mostram-se e sorriem como se se sentissem poderosas. Até criaram um movimento, e vá de alimentar a coisa com a exibição desenfreada das respectivas pilosidades. Januhairy.
Se calhar é bonito e, um dia destes, já não são apenas as mulheres das cavernas a apresentar-se peludaças, são também as januhairies desta vida. Eu não. Não sou de modas. Eu gosto de não ter pêlo. Eu gosto de ser só pele lisa, limpa e macia. Acho que perna de mulher deve ser suave, sem pêlo grande, quanto muito coberta de uma penugem doce como a dos pêssegos. Debaixo dos braços também. Fica feio. Só se for penugenzinha perfumada. Mulher deve saber fazer-se bonita. Mulher bonita e feminina e com pele macia e sem pêlos não é menos forte por isso. A fortaleza de uma mulher não vem daí, vem de dentro, vem da cabeça e, não sei, mas pode até vir do coração. Tenho a sorte de geneticamente ter a vida relativamente facilitada mas, se fosse de raça peluda e tivesse que ter trabalho semanal ou diário, teria. Não concebo é despir-me e ter pêlos grandes debaixo dos braço ou nas pernas como um verdadeiro macho-alfa.
Um cirurgião plástico, que não sei se é sádico se é humorista, anda a mostrar como deveriam ser as mulheres conhecidas se tivessem deixado a natureza pregar das suas. Chama-se Julian da Silva e, na volta, tem costela tuga. Usa um software, o Future Face, que não sei se é o mesmo que há tempos por aí andou mas que pega na imagem duma pessoa aos vinte ou aos trinta e aplica-lhe o peso dos anos para antever como é que a coisa despencaria.
[Pronto. Fui pesquisar e é coisa que há por aí free e, se quisesse, até fazia agora o download da app. Mas vade retro. Tenho tempo de me ver velha, era o que me faltava ver-me já com cento e trinta anos].
Bem.
Mas o que o fulano faz de maldade é que depois contrasta o que deveria ser e o que agora é, depois dos liftings, dos botoxes, dos esticamentos, dos repuxanços, dos revampings, dos arranjos de pálpebras, das reduções e endireitamentos dos narizes, do enchimento das maçãs do rosto e do queixo, sei lá.
E eu, vendo as imagens, fico com mixed feelings até porque, mesmo sem querer, penso em mim. Quando me vejo ao espelho constato como há rugas que se vão instalando e dou por mim a pensar se faria sentido deixar de tê-las. Se calhar faria. Mas, passado algum tempo, outras haveriam de nascer e ia outra vez refazer-me? Acho que não. Para quê querer parecer ter sempre trinta anos? Não me parece que faça grande sentido. O que acho que faz sentido é uma pessoa ir festejando os anos, feliz da vida por tê-los, feliz da vida por vivê-los. E estar sempre disponível para começar cada dia como se fosse o primeiro, sempre disponível para sentir o encantamento das coisas novas, sempre com vontade de ir à descoberta. Mas, lá está, isso sou eu.
E agora já chega. Passa das duas da manhã e daqui a pouco tenho que estar, outra vez, a pé.
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Lá em cima as imagens mostram trabalhos de Noronha da Costa ao som de Some kind of love pela Kate Wolf.
Desconheço-te. Sei apenas que habitas a noite. Tal como eu, sinto que a tua respiração se adensa à medida que a luz se esvai, que os vultos se desenham, que a penumbra te envolve, que a noite avança. É uma respiração morna, suave, sentida. E, acredita, eu sinto-a aqui onde estou.
Tal como acontece comigo, pressinto que os teus passos pelas veredas mal iluminadas nada mais procuram do que o silêncio e a batida longínqua de outro coração.
Se calha os teus caminhos acontecerem à luz do dia e cruzarem-se com os meus, serás para mim um estrangeiro, alguém que também não reconhecerei. E ainda bem. Bichos esquivos como nós devem vigiar-se de longe, adivinhar-se-se apenas pelo cheiro, pelo rasto que as palavras deixam.
Conheço-as bem, as tuas palavras, as pegadas vagarosas que vais deixando pelas margens dos rios, pelos lugares que, em segredo, visitas. Disfarças-te. E eu acho bem. Também eu me disfarço, também eu me oculto. Bichos intangíveis como nós apenas querem ser pressentidos, antevistos apenas em pensamento.
Durante muito tempo nada sei de ti. É sempre assim. Não faz mal. Sei que andarás nos teus refúgios, procurando a melodia secreta dos rumores da madrugada e das palavras que ainda não encontraram o seu caminho. Mas sei que, mal cheguem as neblinas, tu terás vontade de sentir o frescor dos murmúrios e o toque de um afecto que pressagias. Sairás, então, dos labirintos em que te perdes para vires em silêncio, o bafo inquieto, pela beira do rio, pela beira da minha respiração, para atravessares o tempo e os lonjuras, para procurares um olhar que desconheces mas que sentes pousado em ti.
Vem. Estou aqui à tua espera. Em silêncio esperarei o imperceptível som dos teus passos, esperarei sentir o calor do teu bafo, esperarei ouvir o bater do teu coração. Depois, antes que perigosamente te aproximes demais, afastar-me-ei.
Sei que me compreendes: é assim que somos. A nudez ser-nos-ia insuportável pois os disfarces já se colaram à nossa pele. Somos bichos que caminham em silêncio, solitários, espreitando-se de longe, em segredo.
Mas vem na mesma. Aproxima-te. Quero sentir-te. Sinto tanto a tua falta.
Contaram-me que um tal que saíu de uma das empresas depois de um conturbado processo já se reformou. Como o fez antes da idade certa teve uma penalização considerável mas, como tinha um ordenado base elevado, a redução não lhe faz mossa. Para mais, recomeçou a trabalhar, agora como assessor. Contam-me isto como se fosse coisa boa, invejável, e eu só penso que cada vez percebo menos as pessoas que parece que não conseguem deixar de trabalhar. Disse: 'Eu, um dia que me reforme, nem pensar em voltar a trabalhar. Acho que nem vou querer saber de nada que se relacione com as empresas em que trabalhei nem saber de nada relacionado com as matérias que me têm ocupado em todos estes anos'. Quem me ouviu, reagiu com estranheza: 'Ah, não diga isso... Com certeza que receberá convites. Não vai dizer que não. Não a vejo a querer ficar em casa'. Pois, não quero saber se vêem ou se deixam de ver. Me dá igual.
O que sei é que começa a custar-me ter que me levantar cedíssimo nos dias em que tenho reuniões à primeira da manhã no cu de judas. Não sou de me deitar cedo e nem vale a pena tentar. Se for para a cama sem estar perdida de sono, agarro é uma espertina. Claro que poderia ir recuando nos meus horários mas o meu ritmo é outro, conduz-me incontornavelmente para a noite. E tudo bem se puder dormir, de penalti, aquelas horas que me deixam bem. Bastam-me poucas mas têm que ser de seguidinha e até à hora a que me levanto na boa.
Agora, se a alvorada é de noite, está tudo estragado. Acordar e não ver raio de luz, espreitar a rua e ver as ruas desertas e escuras é coisa que me condiciona o sistema nervoso, o límbico, tudo. Levantar-me a meio do sono, a precisar de dormir mais um bocado, deixa-me incompleta. Pode ninguém dar por isso mas dou eu. Sinto que falo mais pausadamente e os outros pensarão que estou mais ponderada, menos impulsiva. Mas eu sei que é a maneira que tenho para conseguir falar enquanto, por dentro, estou a meio gás. É que me levanto desfalcada de sono e, depois, não mais consigo repôr a energia pois meto-me no carro e aí vou eu para depois entrar num edifício, subir à sala de reuniões e, quando estou é a precisar de me reorganizar mentalmente, tenho que me sentar a uma mesa cheia de homens e desatar a falar de temas que requerem atenção.
Podia, é certo, ir hoje mais cedo para a cama. Mas está bem, está. Agora estou a ver a Isabel dos Santos numa entrevista de qualidade. Inteligente. Bonita, segura e empresária. Empresária da cabeça aos pés, no sangue que lhe corre nas veias. E quanto ao resto a justiça o dirá. Não lhe conheço os balanços nem as demais peças contabilísticas nem as movimentações societárias e/ou financeiras para poder ajuizar. Portanto, limito-me a ouvir. Com interesse.
Enquanto vejo televisão e me queixo destas minhas frivolidades, desloco-me até ao YouTube para pescar uma musiquinha boa. E pimbas, qual big brother escrutinando o que escrevo ou como me sinto, avança com uma sugestão:
Alarm clock and getting up | Mr Bean Official
E é isto.
Já agora: a senhora a dormir não sou eu até porque não uso camisa de dormir. Quem a caçou naquela falta de compostura foi Francesc Gimeno
Cada casamento terá as suas características, uns mais românticos, outros mais apimentados, outros mais tumultuados. E, quando falo em casamento, falo em sentido lato. Refiro-me a uma relação íntima, estreita, uma união para a vida (mesmo que não dure uma vida). Não precisa de papel passado.
Conheço vários tipos de casais. Num dos mais extraordinários apenas conheço um dos elementos, o homem. O que sei daquele casamento é através do que ele conta, das fotografias que, volta e meia, mostra e dos telefonemas que recebe, frequentes, e porque, pelo exaspero em que fica, fala em voz tão alta que eu não posso deixar de ouvir. E o que ouço deixa-me perplexa. Se o meu marido falasse assim comigo, quando chegasse a casa tinha a fechadura trocada e um saco de plástico à porta com um par de cuecas, um par de meias, uma camisa que já não lhe servisse e umas calças de verão se fosse inverno ou vice-versa. Contudo, a este meu conhecido a mulher já nada deve levar a mal pois, mal ele lhe desliga o telemóvel, passado segundos já ela está a ligar de novo e ele volta a gritar e a desligar e ela volta a ligar. E, no entanto, são inseparáveis. E, aparentemente, não apenas as discussões constantes não os abalam enquanto casal como, pelo que constato, não o abalam a ele pois acaba estes turbulentos telefonemas e, acto contínuo, continua a conversa comigo ou com quem for como se nada se tivesse passado.
Conheço outro que dizia que gostava em absoluto da mulher e que, desde novo, queria acabar os seus dias com ela ao lado. E era sincero. Gostava dela em todas as vertentes: achava-a bonita (e é), prendada (e é), inteligente (e é), boa pessoa (e é), educada e simpática (e é), boa companhia (e é), elegante (e é). E, no entanto, tinha uma qualquer pulsão que o levava a traí-la dia sim, dia sim, deixando-a num permanente estado de ciúmes e de nervos. Até que a rotura foi inevitável. E aí ele andou de namorada em namorada até que se fixou numa que é a antítese da primeira: feia, mal jeitosa, mal arranjada, antipática, bardajona. E, no entanto, quando se pensaria que aquilo não poderia durar, a verdade é que já lá vai quase tanto tempo com esta segunda como com a primeira. E isto mantendo-se em contacto com a primeira e quase parecendo que, tivesse ele coragem, seria para ela que voltaria. E, no entanto, não volta -- para desgosto dela e não sei se também dele. Uma coisa que jamais perceberei.
E conheço um outro casal, uma vez mais pelo que sei do lado dele. É o segundo casamento. Para mim é um casamento de fachada pois, do que lhe conheço, não fosse ele dependente da opinião alheia e já há muito teria assumido a sua orientação noutro sentido. Faz-se de muito macho mas a mim não me engana ele. Há uns anos contou-me que a mulher andava aborrecida, queria separar-se, dizia-me que a mulher andava com ideias esquisitas. Enquanto ele falava eu só pensava: 'Qual o espanto...?'. Depois foram superando as crises e a verdade é que continuam casados. De vez em quando ouço-o ao telefone com ela. Parecem grandes amigos, diria que cúmplices. Da maneira como fala dela, diria que não passam um sem o outro.
O meu casamento não é como nenhum destes. Presumo que não haja dois casamentos iguais. Nem sei qual a receita para um casamento duradouro. Mas também não acho que o objectivo seja ter um casamento duradouro. O objectivo deve ser a felicidade, sendo que cada um se sente feliz à sua maneira. Se a relação é uma fonte de angústias ou uma permanente frustração, então, mais vale pôr um ponto final. E vida nova.
Os membros de um casal devem sentir-se mesmo unidos, um deve apoiar o outro e esse apoio deve ser equivalente, não pode ser um apoiar totalmente e o outro fazer de conta que sim. E devem acompanhar-se, mas acompanhar-se mesmo, e devem achar que a companhia do outro é a melhor companhia do mundo. E devem estar juntos nos bons e nos maus momentos. E devem ser uma fonte de boa disposição, devem fazer-se rir um ao outro. E devem compreender os receios e as incertezas um do outro e devem ajudar o outro a encontrar forças quando elas faltam. E devem ser uma fonte de amparo e de carinho. E devem gostar mais ou menos das mesmas coisas.
Se uma relação não for um espaço de paz, harmonia e construção do futuro, então, bye-bye.
E não pode haver desconfiança de um em relação ao outro. Não pode. A desconfiança mina, mata. Deve haver confiança plena, inquestionável. E não me refiro a minudências. Pelo contrário, acho que devemos passar ao largo das pequenas coisecas que apenas servem para chatear. Confiar não é sinónimo de possuir. Ninguém possui ninguém. Ninguém deve querer possuir ou ser dono dos actos do outro. Um casamento deve ser um espaço de liberdade. Liberdade. Referia-me à confiança de verdade. Saber que, se estivermos doentes, se necessário for, o outro se sacrificará para atenuar o nosso sofrimento, saber que, se precisarmos de suporte no auxílio a terceiros, poderemos contar com ele, sabermos que, em qualquer momento difícil que atravessemos, o outro estará lá para nos dar a mão. Esse tipo de confiança que é o chão, o ar e o céu de que precisamos.
E estou com isto porque hoje o santo algoritmo do YouTube me apareceu com uma invulgar: uma queda num número acrobático que nos faz parar a respiração. Aliás, antes da queda já a respiração quase me faltava. É preciso uma pessoa confiar muito na outra para fazer o que estes dois aqui fazem. É certo que 'love is courage'. Pelo menos assim o vi escrito numa parede. E concordo. Mas coragem como a destes dois é coisa invulgar.
Mas os acidentes acontecem.
E a seguir, sugeriu que visse o que aconteceu num destes dias, numa exibição já este ano.
Uma confiança ilimitada. Uma coisa que supera o imaginável.
Alguém fez um estudo usando as Big Data desta vida para estabelecerem correlações entre o que diziam os astros e os desenvolvimentos científicos. Gostei de ler. Há mil anos, nos tempos em que ninguém fazia ideia de que viria a haver dados a potes, já eu andava à volta de algoritmos e de correlações e a ler livros que analisavam as previsões baseadas em astrologias com estatísticas e probabilidades.
E mais. Só para se ver o desaparafusamento aqui da je: andava eu enredada em modelos que me punham a cabeça em água, tantos os milhares de restrições e condições que se empecilhavam umas nas outras, fui uma vez à Buchholz para espairecer, como tantas vezes ia, e dei lá com uma coisa sobre construção de cartas astrais através de uma aplicação. E o livro trazia uma disquete. Coisas que hoje parecem do além. Aos jovens que nasceram nos tempos modernos talvez isto das disquetes soe e pré-história. Mas sou pré-histórica mesmo. Até cassetes eu tinha gravadas para ouvir música no carro. Tudo coisas assim, palpáveis. Portanto, em casa tinha um computadorzão, com um monitor maior que sei lá o quê, e enfiava lá a disquete. E punha-me a registar data e hora de nascimento, local, e mais não sei o quê. E aquilo dava o retrato da pessoa. E parece que batia sempre cedo. E já não me lembro como mas aquilo também dava para fazer previsões. Mas, às tantas, eu já nem lia os resultados, já dizia por mim. Aquilo dava-me pica. Não sei explicar porquê mas dava. E, portanto, andava por um lado a construir modelos que reproduziam a realidade com um rigor que eu aferia até à quinta casa, modelos que detectavam tendências e calculavam ocorrências futuras, a apresentar as minhas conclusões a gente incrédula, e, em casa, a fazer cartas astrais que, se necessário fosse, como se fosse uma brincadeira, apresentava depois às mesmas incrédulas pessoas. E tudo isto aconteceu mesmo. Parece que foi numa outra encarnação, num outro tempo. Mas era eu que ali estava, disso não tenho dúvida.
E isto era para dizer qualquer coisa que, entretanto, se me varreu.
Só sei é que hoje, entre um dia e outro, aqui chegada, à noite, fui espreitar as notícias e ou é que estou vesga ou está tudo maluco. Ah, já sei o que ia dizer. É que fui em demanda dos astros: é refúgio que conforta. A gente afogada no presente e vem um horóscopo gentil e leva a gente para o futuro. Mas isto é karma, sempre notícia de novos projectos, de trabalhos que se abrem deixando para trás obstáculos de longa data. Até tremo porque até pode ser. Estou entre reuniões e temas que fazem abalar os meus alicerces e eu nem quero pensar no que pode aí vir. Mas se o que os astros têm para me oferecer é projectos e trabalhos do caraças então batatas. Quero outra coisa, rêverie, poesia, coisinha boa.
O pior é que, na minha demanda, só me aparece pepino, abacaxi, macacada.
Por exemplo: a Gwyneth Paltrow está a vender uma vela perfumada.
Até aí tudo bem. Se lhe deu para vender cenas é lá com ela. Mas a que é que ela diz que a vela cheira? Se o nome da vela é literal então cheira à senaita dela (agora que aprendi o neologismo, não vou largar). This Smells Like My Vagina - é o nome da vela. Esgotou. Como a malta não tem oportunidade para chegar o nariz à boca do corpo da Gwyneth, então vá de ir a correr comprar a vela. Na literatura que acompanha o produto lê-se que a dita cuja cheira a gerânio, bergamota, cedro e rosa damasco. E só não fico a pensar que deve ser assim que cheiram as perseguidas -- outro bom nome -- das nossas senhoras ou das divas de hollywood porque me palpita que é jogada de marketing. Ademais parece que esta loura anda armada em médica ou paramédica ou paradoida e dali só sai mezinha maluca. Já em tempo tinha vindo com banhos de vapor, coisa capaz de depenar qualquer passarinha, mas agora veio com ovos vaginais de jade. Segundo ela são para ser usados todo o santo dia, apertadinhos, coisa para muscular os interiores da coisa. De tal maneira a recomendação deu brado que foi multada e desmentida pelos médicos que aconselharam as mulheres com dois dedos de testa a não irem na conversa de gente maluca. Agora uma coisa é certa, a vagina da Paltrow inspira-a e é uma fonte de rentabilidade.
E li ainda outra do além: cientistas fizeram um robot vivo a partir de células estaminais de sapo. Li não. Aflorei. Aflorei e fugi a sete pés. Não quero saber. Pode até vir a ser uma grande coisa. Mas os riscos são tantos de que a coisa derrape para o lado cretino da existência que mais valia que estivessem quietos. Qualquer dia esta bicheza inteligente, carregada de inteligência artificial, tem mais poder do que nós, humanos marretas que para aqui andamos.
Agora que os oceanos estão a dar mostras de estar a aquecer mais rapidamente que o previsto e que o aquecimento já está a fazer o que se sabe, os humanos já nem sabem que fazer com animais que se reproduzem mais do que a falta que fazem e que bebem água que é tão preciosa e, vai daí, vão matá-los. Li: 10.000 camelos vão ser mortos. Estorvam. E eu penso: chegará o dia em que os robots, feitos de célula de sapo ou de barata e possuídos por algoritmos, vão matar humanos aos magotes. Os humanos também se reproduzem, também bebem água. Melhor dito: também nos reproduzimos, também bebemos água. Daninhos, raça magana. Bons para abater.
Virei-me para os blogs do lado e sai-me outra. Um comunicado do Livre que é de uma pessoa se atirar para debaixo da mesa. Conta o Linguagista que a desgraça bateu no fundo. Grau zero. Uma moção apresentada por cinco intrépidos militantes reza assim:
Hei-nos chegados a um ponto em que as causas defendidas pelo LIVRE parecem não conseguir sobrepor-se ao ruído constante provocado pelos faits divers mais estapafúrdios; em que o coletivo parece soçobrar numa desmedida exposição mediática do indivíduo; em que o partido se arrisca a ver a sua própria sobrevivência posta em causa. Assim sendo, no caso de a deputada não se dispuser [sic] a renunciar às suas funções, o LIVRE não tem outra alternativa a não ser retirar-lhe a confiança política.
Um desgosto ler uma anormalidade destas. O Livre vai acabar não tarda. Coitado do Rui Tavares, acho que não merecia uma palhaçada destas.
Enfim. Só, só desgraças. Mas desgraças pífias, coisas parvas, abaixo de macacadas. E não me refiro ao fim do Livre que isso, apesar de tudo, é para o lado que durmo melhor, mas à ignorância crescente da malta. Na volta a coisa resolvia-se era com um implante de células de macaco na cabeça deles, daqueles cinco. E dos outros todos também. E por todos quero dizer a humanidade. Contudo, acho que menos de mim que não preciso: já cá tenho os genes todos, obrigada. Dependo de bonobo com muita honra. E, sobretudo, com muito prazer.
Preferia notícias simples e só me sai disto. Vou mas é deslargar-me de ler o que não devo e procurar artigos sobre decoração, culinária, jardinagem. Não há pachorra. Na volta está é na hora de me entregar à escrita de um novo folhetim. Desta vez um erótico. Hot, hot. A fumegar de bom.
Fiz as fotografias no domingo, enquanto passeava por Lisboa e observava as suas belas montras -- ao Príncipe Real, Chiado, Camões -- e as flores da florista da Garrett. Lá em cima, Kate Woolf interpreta Poet's Heart sobre fotografias de Henri Cartier-Bresson.