segunda-feira, agosto 23, 2021

Quando a casa é o lar

 


Fomos para o campo. De caminho, satisfiz uma vontade com que andava há algum tempo e que me era contrariada desde sempre: comer um menu do McDonald's. Não sei se dá para imaginarem a birra que o meu marido fez. Contudo, não tinha comida feita para levar e não estava a ver ir com comida congelada para lá chegar e estar a cozinhar, isto com tanto que fazer. Nem estava a ver onde ir comprar comida feita àquela hora. E, para mais, as saudades com que eu andava de um daqueles hambúrgueres. 

[E se ainda dúvidas houvesse em relação a mim ou em relação à questão filosófica de que ninguém é perfeito, aqui têm a prova.]

O diabo é a falta de cultura da coisa. Lá chegados, aquilo tudo modificado. Segurança à porta, mesas apenas na esplanada. E cartazes a dizer o que há  ou aquele placard que havia dantes atrás dos empregados, népias. Uma falta de referências e coordenadas que não se deseja. Só, em imagens deslizantes, as novidades. Mas os clássicos, os extras, nada. Pensei: na volta isto também já só lá vai com app. Mas, claro, não tenho cá app do McDonald's coisa nenhuma. Portanto.

O meu marido ficou cá fora, que para ele podia ser de frango. Cá para mim, ele acha que, sendo de frango, é mais saudável do que se for de vaca. Eu, nestas coisas, não acho nada, sou agnóstica pura. Portanto, meio às cegas, sentindo-me quase labrega, encomendei os que estavam a passar: o Rustic Chicken com mostrada e mel para ele e o Smoky Alabama para mim. Quase a medo, perguntei se, em vez de batatas fritas, poderia ser uma salada. Dantes podia. A menina disse-me que sim. Vá lá. De bebida, trouxe água. Tudo num saquinho. O meu marido reage mal a estas coisas. Para ele isto é sinónimo de que estamos a bater no fundo, vir com um saco com dois menus do McDonald's em take away. E eu desejando era de chegar a casa para papar o meu Smoky Alabama.

Com tanta fome deveria estar que não protestou enquanto o comeu. Cá para mim, comia era mais um. No mínimo. Mas, já se sabe, não quis dar parte de fraco. Eu também gostei do meu. E da saladinha também. E fiquei bem.

E ainda não contei tudo.

Desde que para cá viemos, tinha vontade de ter uma mesinha branca, metálica, com duas cadeirinhas idênticas. Ora não encontrava nada assim, como imaginava. Acontece que, no outro dia, num daqueles armazéns chineses que têm tudo e mais um par de botas, vi um que não teria um design tão romântico como eu desejaria mas que, enfim, andava por lá perto. Claro que a perspectiva de ir comprar mobiliário para o jardim a um armazém chinês deixa o meu marido fora de si. Não quer, diz que não precisamos, diz que não gosta, diz que não está para carregar com aquilo, diz que eu esqueça, que não vai, que só eu para me ir enfiar num chinês (salvo seja -- digo eu) para comprar coisas para o jardim. Mas tanto insisti que lá fomos. Furioso, quase sem me falar. 

Não alimento quezília. Não quer falar, não fale, é um direito que lhe assiste.

Um preço muito razoável, especialmente quando comparado com afins (mas não tão bonitos) das lojas mais clássicas. Trouxemos. Aquilo desmontado, uma caixa que pesava para burro. Quando vi a caixa, pensei que ele reagisse pessimamente, que dissesse que a levasse eu para o carro e a montasse eu. Mas não, furioso mas zangado demais para falar. Fomos o caminho quase todo sem falarmos. Eu cheia de sono e sabendo que, se abrisse a boca, era só para ouvir acusações e queixas. Portanto, caladinha.

O que valeu foi que, depois de comer o rustic chicken parece que ficou mais bem disposto. E depois deitámo-nos ao trabalho e a zanga passou.

Para se pintar a cómoda e as mesas de cabeceira teve que se esvaziar tudo. A roupa em sacos, no estúdio. E lãs de tapetes de arraiolos que estavam num cesto, tudo no estúdio. Bibelots, livros, almofadas, mantas, mantinhas, tudo no estúdio. Uma barafunda.

Agora tem sido escolher, deitar fora o que não serve ou que já não está bom. A minha roupa da cómoda ou da minha mesa de cabeceira, depois de expurgada, foi toda arrumada como deve ser. 

A meio da tarde, ele disse que andava ele no trabalho pesado e eu a brincar, armada em Maria do Ku. Ao princípio nem percebi mas depois atingi: Marie Kondo. Sim, arrumei a roupa toda dessa forma. Muito melhor. 

Convenci-o também a voltar a pôr uma prateleira de parede que, no outro dia, por engano, tinha dito que não queria, tendo ele tirado parafusos e buchas. Para este pedido, fui um bocado a medo, confesso. Mas, afinal, já estava melhor humorado: já lá está posta e os livros arrumados. 

Não sei se contei que, no outro dia, aconteceu um desastre: a mesa da sala de jantar, a tal que é de origem, proveniente ainda dos anteriores proprietários, era daquelas extensíveis. Só que, uma das extensões estava meio solta. E a mesa estava meio desengonçada. Tínhamos que ter algum cuidado, especialmente quando a queríamos estender toda. Pois bem. Estava a lavar o chão, toquei com a esfregona numa perna, ela vacilou, a perna cedeu e, lentamente, a mesa praticamente desconjuntou-se. E só não se separou em mil peças pois ajoujou em cima das cadeiras que estavam em volta. Presumo que, durante as pinturas, os homens não a tenham tratado com os cuidados que o seu periclitante estado de saúde requeria.

Eu, que tinha a ideia de a levar para debaixo do telheiro, temo bem que já não a possamos aproveitar. O meu marido já decretou: não olhes para mim, não sou marceneiro. Mas às vezes, depois destes decretanços acaba por tentar. Por isso, vamos ver. O que sei é que agora nem se pode lá pousar o que quer que seja. Tomara que chegue a nova. 

Ainda há muita coisa para arrumar e outra que ainda está naquele limbo de que falei no outro dia: a meio caminho entre ir fora ou ser guardada. 

E, agora que a casa está mais clara e luminosa, olho para o que ainda subsiste em cor escura e só me apetece pintar tudo. O meu marido hoje reparou naquela mesa alta e estreita (coluna?) que pintei de verde e disse que gostava. Fiquei contente. Para ele reparar e dizer é porque gostou mesmo. 

Também acho que não contei que agora, de vez em quando, aparecem coisas que não sabemos onde estavam antes. Dois espelhos, por sinal, bonitos. Nós intrigados como se os espelhos tivessem aparecido ali por geração espontânea. Por fim, lembrei-me que deviam estar na pequena saleta da parte antiga da casa. Mas não me lembro de lá os ver, apenas me lembro de em tempos, tempos para além de remotos, ter tido a ideia de lá pôr espelhos. Muito estranho. O que sei é que, em cima do sofá que está em frente da televisão, estavam dois quadros e sempre nos pareceu que não ficavam particularmente bem ali. Pois bem, foram os espelhos para lá. E parece que foram feitos para ali. Dão uma luz à sala que só vista. Moral da história: o que tem que ser tem muita força. 

Agora sobra uma mesinha de tipo coluna mas baixinha. Não tinha a mínima ideia de onde estava antes. Até que me lembrei. Mas ao lembrar-me, à luz de hoje, parece-me que não faz qualquer sentido que ali estivesse. Agora tenho que pensar num sítio. E tenho que pintá-la.

Bem... não vou continuar nisto, que já devem estar pelos cabelos com tanta conversa desta.

Com isto, viemos de lá tarde. Enquanto andava naqueles trabalhos esforçados, ia pensando que, com sorte, na vinda, o convenceria a desviar-se do trajecto e ir à casa dos gelados. Umas saudades... Afinal nem isso. Já viemos depois da hora do fecho.

Tarde, tarde sobretudo para ainda ir cozinhar, com fome e quase sem comida feita em casa, apenas um resto de arroz branco e um resto, pouco, de entrecosto, disse: na ausência de gelado, só me ocorre ervilhas com ovos. Ele disse: sim, de facto tem tudo a ver, uma coisa substitui bem a outra. Continuei para corrigir: mas não pode ser pois não tenho bacon. Ele lembrou: ainda lá deve haver um bocado de chourição. Fiquei contente.

Então, mal cheguei fiz assim: 

Numa panelinha coloquei azeite, uma cebola gigante aos bocados, salsa, uma folha de louro e o bocado de chourição cortado aos bocados. Alourou. Juntei dois tomates grandes, maduros. Cozinhou um pouco. Juntei ervilhas congeladas e um pouco de água. Umas pedrinhas de sal. Tinha uma maçã reineta que, de manhã, tinha apanhado na horta. Tirei-lhe a parte do meio e cortei-a aos bocados. Abri quatro ovos e coloquei-os por cima, para escalfarem no caldo. Quando ferveu, baixei o lume. 

Estavam boas... (modéstia à parte). Ou, então, era a fome. O que posso dizer é que as comemos de gosto.

E, pronto, agora é que é: calo-me já.

Deixo-vos apenas dois vídeos com casas bonitas. O último refere-se à casa de uma filha da proprietária da casa do primeiro vídeo. Opções curiosas. Pode não se gostar de tudo mas há ideias interessantes. Acho que ver a decoração -- e a arquitectura! -- de outras casas nos faz ver a nossa de outra maneira, dá-nos ideias, calibra-nos a perspectiva.

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At Home in Montecito with Suzanne Rheinstein



At Home in the Hamptons with Kate Rheinstein Brodsky



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Ilustrações de Alphonse Mucha na companhia de Ben e de sua mãe Ellen Harper que interpretam A House Is a Home

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Desejo-vos uma semana muito boa a começar já por esta segunda-feira
Vida longa e feliz.
Saúde. Motivação. Energia. Motivação. Esperança.

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