Há quem se queixe de dor no braço ou de dor de cabeça. Conheço um que passou a noite a tiritar, tapado até ao cocuruto, febril. Outra diz que a mãe passou a semana seguinte sem se poder mexer, um cansaço paralisante.
A mim, que eu desse por isso, nada. Nem dor no braço, nem na cabeça, nem febre nem nada. Se houve alguma coisa, foi na base do mistério -- yes, doc, bem sei, a ser coisa séria como a travadinha que me deu, seria dias depois e não logo a seguir -- e até pode ser que mistérios aconteçam todos os dias, a gente é que não os apanhe em tempo real.
Mas isto para dizer que a gente, quando pensa em efeitos secundários, só pensa em coisa má. Mas, de facto, ser só coisa má é que é improvável. Na volta dá também coisa boa, a malta é que só põe a boca no trombone quando é para se queixar porque, se a coisa for boa, fica caladinha não vá alguém deitar mau olhado e a coisa boa levar sumiço.
E até há tratamentos que nascem assim, de efeitos secundários que, sem mais nem ontem, por mero acaso, vão curar o que menos se esperava.
O químico inglês Simon Campbell trabalhava em um medicamento para dilatar as artérias do coração e aliviar a dor no peito da angina. Os efeitos, porém, estavam aquém do desejado. Só que nos testes clínicos os pesquisadores começaram a ouvir relatos de voluntários que sofriam uma estranha (e bem-vinda) reação adversa: o citrato de sildenafila melhorava a ereção. Em 1998, a Pfizer lançava o Viagra.
Eu, por exemplo, não me ralava nada se o antiagregante plaquetário que agora ando a tomar me retirasse toda e qualquer ruga ou me fizesse ser capaz de dançar em pontas ou rodopiar no ar.
Ah, agora que falo nisso, estou a lembrar-me que, no outro dia, a minha filha, olhando-me a pele, disse que ando com a pele diferente, melhor. Nesse dia, atribuí isso a um brilhozinho que tinha passado mas ela disse que achava que não era isso.
Na altura, não me ocorreu mas, na volta, é da vacina.
Um dia destes ainda me dá para tocar piano. Sem se perceber como, ainda sou capaz de surpreender muito boa gente. As mãos voando no teclado, eu Clair de Lune, espantando todo o mundo. Mas como? -- interrogar-se-ão. Se nunca conseguiu, como é que agora, do nada, lhe saem das mãos sonatas, prelúdios, cantatas, sinfonias, tudo o que há de bom?
E eu, feita sonsa: É que levei da boa, como diz o Vice-Almirante; e, vejam só, até pianista me tornei. Caladinha, sem revelar que era efeito colateral da Janssen.
Já para não falar do grego. Quando me aparecesse um e outro a darem-me lições, a dizerem que não posso perceber nada de nada se não li a Odisseia no original, saia-me com um trecho completo. Οδύσσεια de cabo a raso. Grego do bom, do antigo.
Ler e escrever. Toda a gente boquiaberta. Mas o que é que lhe aconteceu? Agora até para o grego lhe dá.
E eu, toda prosa:
Έχω ένα καλό σουτ. Τώρα παίζω ακόμη και πιάνο, μιλώ ελληνικά και χορεύω σε γωνίες Και όλα αυτά λόγω του εμβολίου Janssen. Γιούπι! Και ότι οι ελίτ περιφέρονται, οι ηλίθιοι που πιστεύουν ότι είναι οι καλύτεροι. Μπόρα, αλλά όλα είναι καλά αφαιρέστε!
Mas a grande, a mediática divulgação seria no programa do Goucha. Ele a apelar ao sentimento, a escavar fundo nos meus sentimentos, eu já toda à flor da pele, até que, finalmente, indefesa e de olhos lacrimejantes, revelaria toda a verdade. A partir daí, o Vice-Almirante até teria que pôr polícia à porta da casa aberta, toda a gente a querer levar 'da boa' para ver se eram bafejados por iguais prodígios.
Mas isto é como tudo: a uns sim, a outros não. A vida é assim, o sol quando nasce não é para todos. Temos pena.
É que esta coisa do corona e da vacina anti-corona, quem os fabricou, fê-lo com criatividade, coisa customizada: a cada um seu efeito. Uns a saírem de lá na mesma, monotonamente iguais a quando entraram, quanto muito a queixarem-se do braço, enquanto outros uns a dançarem sapateado, outros a dizerem missas em latim, outros, novos e velhas, a fazerem flic-flacs encarpados com aterragem em espargata ou, até, transformados em estrepitosos helicópteros.
O próprio do Goucha haveria de lá convidar a sua candidata Garcia para, à desforra, emborcarem bombons recheadinhos da boa. A ver se a malta continuava a criticá-los... É o criticas. O efeito haveria de estar à vista. A ver é se não era o mesmo que é reportado aqui abaixo (no pun intended).
Efeito secundário dos valentes, este aqui abaixo, do Betinho. Pôxa vida, efeito deste deveria vir escrito em letra gorda, não vá dar em todo o mundo. Mas, pronto, parece que dá em quem tomou a AstraZeneca e dessa eu não tomei, não posso testemunhar.
E que entre ele e o Marcinho, ambos da Porta dos Fundos
[Às vezes um efeito indesejado não é tão indesejado assim, talvez seja realmente algo que você secretamente desejou, algo que você reprimiu. O efeito colateral passa a ser esperado, o adverso vira super agradável. E todo mundo sai feliz!]
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Desejo uma very happy friday e uma vida longa e feliz a todos os que forem uns afortunados contemplados
Tenho a dizer que os fatos de banho que aqui mostro são os mais fantásticos, elegantes e apetitosos fatos de banho de homem que já vi. Li na Vogue que são libidinosos -- e estou de acordo. A palavra é correcta. Libidinoso = Sensual; lascivo; caprichoso; dissoluto.
Vejo as sofisticadas tangas com olhos de ver, amplio para ver bem as costuras e a perfeição do corte -- e não lhes encontro defeito.
No entanto, posso estar a ser tendenciosa pois posso estar a pôr todos os atributos na peça de vestuário quando, para ser sincera, o que acredito mesmo é que dependerá muito de quem os vestirá.
Por exemplo, no outro dia vi um homem vestido a rigor a tentar fazer kite surf. Mas, coitado, por mais que se esforçasse não conseguia sair da areia, dando divertidos saltinhos a ver se o vento lhe pegava e levava pelos ares. Mas nada, não descolava. Quando me aproximei, disse ao meu marido que estava tudo explicado. O meu marido não percebeu. Expliquei que, com aquele fácies, era óbvio que não ia a lado nenhum. Passando-lhe perto constatei que não era apenas a cara, era também o corpo que era para esquecer. Claro que enfiado dos pés à cabeça num fato de um reluzente neopren a coisa disfarçava. Agora imagine-se se aquele cromo se apresentava com um fato de banho como estes. Ou uma pessoa desatava a rir à gargalhada ou afastava-se cautelosamente não fosse o maluco desatar o atilho.
Também tenho que confessar outra coisa: se, por exemplo, o meu marido me aparecesse, em público, nestas figuras, acho que o embrulhava rapidamente numa toalha e mandava chamar os bombeiros para o levarem, atado, para o Júlio de Matos. Ou se fosse o meu filho. Credo, nem quero pensar. Acho que teria uma conversa com a minha nora para avaliarmos o que poderíamos fazer para ele ganhar juízo. E nunca mais ia ter à praia com eles enquanto ele não voltasse aos habituais calções de banho.
Já o disse: para mim os homens querem-se frugais, despojados, sem espalhafatos ou inovações estéticas. Clássicos ou desportivos mas sempre sóbrios, discretos. No caso do meu marido e do meu filho, ambos usam calções normais, um pouco acima do joelho, tecido, corte e cores 'normais'. Mesmo os meus netos usam calções de corte direito, compridinhos, do mais simples e discreto que há.
Mas isso são os meus 'homens'.
Agora os homens das outras ou os que estão sem dono/a, os que não se importam de mostrar que estão no mercado, os que estão disponíveis para serem olhados, ah... ah esses, sim, podem ousar à vontade, podem ser extravagantes, em especial se seguirem a velha máxima de 'menos é mais'.
Poderiam, até, ter apenas uma simples parra à frente e uma simples folhinha de limoeiro atrás. Ou vice-versa. Ou, melhor ainda, uma única folhinha de louro.
E é o que, por ora, tenho a dizer. Quanto ao resto, pouca coisa do que para aí vai me assiste. Tudo muito do mesmo (e até as cheias diabólicas, o calor abrasador, os fogos imparáveis, as tempestades do outro mundo ameaçam tornar-se um infernal déjà-vu).
No domínio dos fait divers, li muito boa gente indignada pela divulgação do vídeo no qual o grande Paulo Rangel está a 'levar com ventos fortes'. Que isto, que aquilo, que aqueloutro. Uma infâmia, dizem. Pois a mim pouca coisa me ocorre dizer a não ser que ainda bem que ia vestido como ia e não com um fato de banho destes ou com uma destas toalhinhas tricotadas. E não é por nada a não ser que, lá está, acho que não tem cara nem corpo que aguentem tanta moda.
E um último apontamento: folgo em ver que estes modelos se apresentam com tudo o que é de lei. Detesto ver homens depilados. Estes, benza-os deus, estão como devem estar: felpudinhos de dar gosto.
Mais um dia meio parvo. Não sei o que passa pela cabeça de algumas pessoas para ligarem para outras antes dessas pessoas estarem bem acordadas. Nos tempos longínquos em que uma pessoa tinha uma hora de trânsito pela frente, de certeza que às oito e tal estava toda a gente mais do que a pé. Agora quando uma pessoa trabalha em casa, what's the point? Claro que há os madrugadores que, ainda nem o sol raiou, já estão a pé. Não é o meu caso. Quando os madrugadores se levantam talvez as galinhas também já acordadésimas. Eu não, a essa hora estou no primeiro sono. E pouco antes dessa hora, nomeadamente agora, ainda eu estou a escrever aqui.
Mas, pronto, há gente para tudo. Ainda por cima uma pessoa atende a ver qual a urgência e não é urgência nenhuma.
Enfim. Coisas desagradáveis.
Depois, ao estar instalada no canto de que fiz o meu office, vendo a agenda, disse, toda contente: vai ser um dia calmo. E uma vez mais se verificou aquilo de não dar sorte a gente falar cedo demais. A meio da manhã um telefonema complexo. Dei as minhas indicações mas era complexidade a mais para ser só decisão minha. Liguei para quem devia. Nada. O telefone a tocar, tocar e nada. Enviei uma mensagem descrevendo o que se passava e pedindo que ligasse para a pessoa que me tinha ligado.
Junto à hora de almoço fomos fazer a caminhada. Quando estava longe de casa, um telefonema. Era ele. Fiquei desconfortável. Não ia atender ali, no meio da rua, a andar. O meu marido disse que ficasse parada. Não quis. Sabia lá se o telefonema iria demorar meia hora. Não ia ficar plantada no meio da rua. Quis regressar a casa. Ele achou um disparate. Disse-lhe que ia eu, que continuasse a andar. Veio comigo. Uma verdadeira caminhada aeróbica. Em metade do tempo, percorremos o caminho de volta. Já em casa, liguei. Conversámos, analisámos hipóteses, combinámos estratégias.
Depois do telefonema, já mais descansada por ter partilhado preocupações, voltámos à rua e terminámos a nossa caminhada.
Depois de almoço, fui outra vez optimista: pensei que a tarde não se afigurava má de todo, talvez me desse para uma sesta de quinze minutos. Alonguei-me no sofá, pus os braços para trás como gosto de fazer (coisa de que a minha mãe me diz que já leu que não se deve dormir assim porque tem ideia que faz mal a alguma coisa) e, de imediato, senti que estava a deslizar para o sono. Mas isto é fatalidade: o mundo conspira para não me deixar pôr o sono em dia. Uma sonora mensagem.
Claro que poderia tirar o som ao telemóvel mas não consigo, tenho sempre receio de que alguma coisa requeira a minha imediata disponibilidade. Mais uma pancada minha, esta de que tenho que estar sempre em estado de prontidão. O meu marido, de vez em quando, recorda-me: 'sabes aquilo de que há sítios cheios de pessoas insubstituíveis?' Claro que sei. Mas não me acho insubstituível, quero é estar disponível para o que for preciso. E confesso: não sei se isto é caso para procurar um psiquiatra mas, se for, agradeço que me avisem que eu vou.
Resultado. Nem cinco minutos consegui passar pelas brasas. E depois foi toda a tarde a bombar.
Lembro-me frequentemente daquilo que uma colega que se reformou recentemente me disse uma vez que me encontrou no Colombo, poucos dias antes do apocalipse de Março do ano passado. Estava toda gira, ela, mais jovem, um corte de cabelo todo moderno, melhor pele, uma roupa toda fashion. Ouvi um grito: 'Olha para ela...!'. Reconheci logo a sua voz. Tinha-me visto. Estava apressada, ia encontrar-se num restaurante com uma amiga. Disse-me ela: Ai é tão bom não trabalhar. Penso muitas vezes que, se quem trabalha soubesse que é tão bom não trabalhar, ficariam todos muito infelizes.Ai é tão bom poder fazer o que me apetece. Faço ginástica, encontro-me com amigas, vou aos concertos da Gulbenkian, vou ao cabeleireiro, durmo a sesta, vou até Sagres, faço o que quero.
Aqui em casa, em teletrabalho, penso muitas vezes que é uma tristeza não conseguir gerir o meu tempo por forma a guardar algum para me sentir mais livre, nem que seja por apenas umas horas. De quando em vez lá acontecem uns lampejos que me deixam toda feliz da vida, até faço de conta que estou a entrar em férias. Mas dias como o de hoje, a meio de Julho, já com várias pessoas de férias, com a agenda pouco sobrecarregada, em que penso que vai ser pera doce e, afinal, um telefonema, um mail, uma reunião, outro telefonema, e mais outro, entristecem-me um bocado. O dia vai decorrendo assim, sem tempo para descanso e, quando chega ao fim, acho que foi uma estupidez. Uma seca.
Mas é um propósito que tenho, por todas as razões e mais a que se prende com o que me aconteceu há mês e picos: ir doseando a carga de trabalho e ir aprendendo a guardar algum tempo para mim. Tem que ser.
Quando estava naquela maca de hospital, no meio de gente aos gritos, sem perceber bem o que me estava a acontecer, não posso dizer que tenha sentido grande medo. Acima de tudo o que me ocorria era que seria uma chatice se a minha vida terminasse mais cedo do que era suposto ou se ficasse com limitações.
Penso muitas vezes no caso do meu colega que trabalhou para além do que era suposto pois foi acedendo a todos os pedidos para que se mantivesse por mais algum tempo em funções e que, ao fim de poucos meses, quando finalmente se reformou -- e quando começava a gozar a liberdade de fazer caminhadas, de almoçar com amigos, de estar mais tempo com a família --, num dia igual a todos os outros, sem que nada o fizesse prever, sentiu um cansaço, sentou-se, apoiou os cotovelos nas pernas e pousou a cabeça nas mãos e, sem qualquer sinal de alguma coisa se passasse, caiu morto. Morte santa, sem dúvida. E não ficou cá para lamentar a morte prematura mas, se tivesse sabido qual o desfecho que lhe estava reservado, certamente teria sabido gerir melhor o seu tempo, guardando mais tempo para si e para os seus em vez de se ter entregue, quase por inteiro, à empresa.
Naquele fatídico dia de inícios de junho, estava eu na maca, sem perceber se o meu coração se preparava para deixar de trabalhar, auto-vigiando os sintomas pelos quais tanto me perguntavam -- tem dor no peito? custa-lhe a respirar? está a transpirar? sente alguma má disposição? náuseas? sente formigueiros? -- e ia pensando que era uma chatice se ainda gozava menos a vida que o meu colega.
Claro que estava também muito chateada por estar assustar tanto a família. E pensava que, se lá ficasse internada ou se tivessem que me operar, ia estragar-lhes o fim de semana. Sobretudo pensava que o meu marido nem devia ter jantado, que, na volta, mal dormia tal a preocupação de se levantar ainda mais cedo do que o costume. Medo de morrer acho que não senti, só chatice e incompreensão pelo que estava a acontecer. Mas, naquela noite terrível, agora que penso nisso, penso que, sobretudo, senti muita solidariedade e compaixão pelo sofrimento alheio a que ali estava a assistir.
Quando, de manhã, se aproximaram de mim para me repetirem todos os exames, o braço já cheio de cateteres, senti ansiedade mas era sobretudo medo de se descobrir mais alguma coisa estranha que os fizesse querer que eu continuasse lá, preocupação pela preocupação do meu marido e do meu filho lá no hospital e da minha filha em casa sem saberem se eu tinha alguma coisa grave, preocupação de que fosse coisa complicada que tivessem que contar à minha mãe, sabendo eu, de antemão, que ela iria ficar em pânico.
Mesmo quando, antes, accionaram o protocolo dos acidentes cardíacos e chamaram do INEM e me vi enfiada numa ambulância, as luzes azuis a rodar, não tive medo de morrer. Foi mais apreensão por aquilo tudo. Ou talvez, até, incompreensão: bolas, mas será que me está acontecer alguma coisa grave? será que vou desta para melhor sem ter tido tempo de gozar a liberdade do meu próprio tempo? Caraças, que é isto? O susto que estou a pregar a toda a gente, que chatice... Tomara que não se assustem muito... Será que há o risco de isto estar a acabar para mim...? Haverá risco de ir desta para melhor sem sequer me ter prevenido...?
E pensei, uma vez mais, naquela outra vez quando o meu carro ficou sem travões, numa descida que ia dar a uma rotunda cheia de trânsito. Percebi que havia sérios riscos de me espetar. Quando vi que estava a galgar uma rotunda e a ir desenfreada contra uma estrutura metálica, pensei que aquilo me poderia cortar o pescoço. Também não tive medo. Pensei apenas que, se calhar estava a viver os últimos instantes da minha vida e que se calhar nem tinha tempo de pensar em cada um dos meus queridos para mentalmente me despedir deles. Naqueles breves instantes, pensei isso com muita tranquilidade.
Nestas coisas não tenho medo de morrer. Aliás, nem penso nisso. É como aquilo de andar de avião. Não tenho medo. Penso que se tiver que ser, será. E não penso mais no assunto. Não tento controlar ou evitar o que depende do acaso e da lei das probabilidades. Penso que o que for soará.
O que gostava era de, até que a guia de marcha chegue, para além de me manter disponível para os meus, ter também tempo para fazer o que me der na gana: preguiçar, ler, fotografar, passear, dormir, não fazer nada, jardinar, escrever contos, escrever um diário, escrever inacreditáveis maluquices, estar mais perto da natureza, ir comer um gelado quase todos os dias, aprender a fazer coisas, conhecer outras pessoas, vadiar, um dia ter o cabelo azul, noutro platinado, noutro cor de violeta, ousar, experimentar, descobrir estrelas, descobrir poetas, descobrir diseurs. Rir. Dançar. Nadar. Festejar a minha liberdade. Coisas assim.
E é para isso que, mentalmente, tenho que me ir preparando, abrindo caminho.
É com alegria que aqui recebo, uma vez mais, o fantástico Dude (with sign), Seth Phillips de seu nome, que, como anteriormente, vem reivindicar grandes medidas.
O som é Bird's Teardrops || Estas Tonne feat. Peia.
Tenho cá para mim que o título, em especial naquilo das odds, não tem lá muito a ver --
-- mas ando com esta expressão na cabeça e assim, escrevendo-a, talvez me passe.
Hoje, ao ver Marcelo a opinar e a contra-opinar, pensei que, na volta, o próximo presidente vai ser Paulo Portas. Depois do percurso jornalístico e político, está a fazer o seu caminho na televisão que, em política, é o caminho mais directo para as cadeiras do poder. Fala bem, sabe falar claro, tem presença, gosta de ser amado. A minha avó acrescentaria: e é um homem bem posto. E isso, parecendo que não, num cargo como o de Presidente da República, também conta (pelo menos junto de parte não despicienda da população).
O meu marido disse que sim, talvez, até porque, depois de Marcelo, já ninguém vai querer voltar a querer um Cavaco. Talvez aceitem alguém menos ubíquo do que Marcelo, menos carente de afecto e de reconhecimento, mas quererão alguém que saiba mostrar algum espírito didáctico, que não os envergonhe em público comendo de boca cheia ou exibindo um perpétuo ressentimento.
Paulo Portas não faz propriamente o meu género. É manipulador, é conservador, frequentemente vê as coisas por um prisma liberal que, em meu entender, poderia ser aceitável num mundo ideal mas que, comprovadamente, não resulta no mundo real. E gosta mais dele próprio do que do país. Mas a sua preocupação em ficar bem visto e sem manchas de maior na História talvez o leve a corrigir exageros e a tentar ser justo e equilibrado. E é culto. E há-de ter herdado genes contraditórios que o levem a ser tolerante e inclusivo.
Provavelmente vai competir com Louçã, a eminência parda, o cardeal que aconselha as princesas. Também não faz o meu género. Também é manipulador, também é conservador, também gosta demais das suas próprias ideias. E gosta de andar pelos corredores a soprar recados e estratégias num registo que me causa até uma certa repulsa.
Apesar de Portas alinhar à direita e Louçã hipoteticamente à esquerda, apesar de tudo o que se conhece a Portas, entre Portas e Louçã prefiro Portas.
Nenhum dele personifica o presidente que eu desejaria.
No PS não estou a ver ninguém que se atravesse para presidente. Se forem convencer um Vitorino, por exemplo, também não me sentirei convencida. É um artista das palavras, um tacticista. Não sei se ainda anda por aí a dar o nome em conselhos de administrações ou sei lá por onde é que ele já andou, supostamente respaldado na sua lista de contactos, a aconselhar este e aquele, a abrir portas a este ou a aquele. Não faz o meu género. Aliás, é daquelas picaretas falantes a quem nunca vi obra feita. Posso estar enganada, claro, mas não faz nadíssima o meu género.
Era bom que aparecesse uma mulher que os metesse a todos num chinelo mas não estou a ver nenhuma que me pareça convincente, mobilizadora. A política portuguesa está fraca em mulheres e isso é uma pena.
Hoje ao ver o Marcelo, igual a ele próprio, pensei: iniciou a trajectória descendente. Perdeu a graça. Esgotou-se. Não tarda vão começar a perfilar-se os candidatos.
E, agora que estou a escrever isto, penso que é urgente que se estabeleçam quotas para mulheres em tudo o que sejam lugares de poder: na política, na gestão, nas instituições sociais ou culturais. Durante anos fui contra as quotas. Acreditava que o caminho se faria caminhando, sem os artificialismos das quotas. Já vi que não. Os órgãos de poder estão, na maioria, blindados: as mulheres muito dificilmente lá entram. Só com pé de cabra se conseguirá abrir a porta. As quotas são o pé de cabra necessário.
Mas não chega: toda a sociedade tem que se organizar de forma mais paritária para que as mulheres que o queiram possam ter a mesma amplitude de movimentos que os homens. E tem que se esbater um mito que tem envenenado isto tudo: o exercício do poder não tem que se uma actividade de 24 horas x 7 dias por semana. Tem que haver a compreensão de que, seja para homem ou mulher, tem que haver espaço na sua vida para a actividade profissional e para a actividade pessoal --- para a família, para o próprio, para o seu lazer. É esta mania que uma pessoa, ao estar num lugar de poder, tem que dar tudo, tem que se entregar em absoluto, que inibe muitas mulheres de tentarem aí chegar receando que isso signifique terem que abdicar de ter uma vida pessoal realizada, de serem boas mães, de terem tempo para si próprias. Este mito tem que ser combatido por palavras e actos, aprendendo todos a gerir melhor a dedicação necessária ao bom desempenho de um cargo.
Gostava de ter no meu país uma mulher presidente mas, infelizmente, a esta distância não estou a ver nenhuma. Por isso, parece-me muito provável que, até para manter viva a memória da célebre vichyssoise virtual, Portas suceda a Marcelo.
Um aparte: ao ouvirmos, nas sondagens, que o Comandante Gouveia e Melo está com um percentagem de apreço superior ao Marcelo, o meu marido disse: está tramado, o Marcelo não lhe vai perdoar isso. Rimo-nos mas, no fundo, vamos esperar para ver.
A autoconfiança é uma virtude. Mas, na escala da autoconfiança, tal como em tudo, há uma linha vermelha. Quem tem um ego que se alimenta de si próprio, por esse ser um processo autofágico, pode acabar reduzido a nada.
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Obviamente este post é um mero e insignificante exercício de futurologia presidencial. Coisas da silly season, claro.
Ontem não contei mas o dia teve os seus quês. Para começar, eu estava esperançosa de pôr o sono em dia. Estávamos à espera de umas pessoas às oito da manhã para fazer uns arranjos no jardim. O meu marido madrugou para cumprir o seu desporto matinal e estar de volta antes disso. Quando sai deixa o alarme parcialmente ligado. Ao regressar, esqueceu-se e o alarme disparou. Acordei sobressaltada. Quando estava a ver se voltava a adormecer, tocou-me o telemóvel. Levantei-me para ver quem era, tão cedo. Era ele. Estava com o telemóvel no bolso e o telemóvel, com vontade própria, ligou-me. Portanto, desisti de tentar dormir mais. Os homens chegaram muito mais tarde. Depois não tinham as ferramentas necessárias. O meu marido disse-me que, sem aquilo ou eles se iam embora ou iam às compras e nunca mais apareciam. Fomos nós. Depois saíram para almoço antes do meio dia e pouco tinham feito. Regressaram quase às duas. Às três e tal foram-se embora, deixando metade por fazer e tudo desarrumado. Eu furiosa. Ele a dizer que ou nos sujeitamos a estes artistas ou desistimos dos arranjos pois melhor que isto já vimos que não arranjamos.
Ele apanhou algumas coisas mais pesadas para o jardim ficar transitável para os miúdos.
Por volta das cinco, estava chateado e farto e disse: vamos para a praia. Eu ainda disse: não haverá ainda muita gente? Na minha, apenas deveríamos ir lá para as seis. Mas ele estava cansado e com calor e disse que não, que era boa hora, que estava no ir.
Quando chegámos perto, deveríamos ter tido o discernimento de perceber que havia carros a mais e já confusão para sair. Mas, distraída como sou e ele deserto que estava de estar na praia, não valorizámos a questão. Tenho ideia de ter pensado que com a confusão que já estava a sair, a praia capaz de já não estar tão cheia.
Estava boa e como a maré não estava muito cheia, o maralhal não estava muito concentrado.
Contudo, ao caminharmos, de longe via-se uma compacta mole humana. Como no outro dia, reparámos nos grupos multi-agregado, na falta de cuidado. Mas tínhamos levado a toalha larga e pude deitar-me, estar tranquilamente a sentir o sol e a ouvir o mar -- e não pensar na covid.
Por volta das seis e meia pensámos que íamos andando. Metemo-nos no carro às vinte para as sete.
Pois bem: chegámos a casa mais de três horas depois. Um caos. Um mar de carros.
Em casa tinha estado a beber um chá frio. Por volta das oito e tal comecei a pensar que já fazia chichi. Tentei dormir para não pensar no assunto. Às nove já estava que não podia. O meu marido dizia: sai e faz. Claro que não era possível. Ainda era dia, carros por todo o lado, impossível.
Às nove e tal já tinha arrepios, uma dor na bexiga que mal aguentava. O meu marido dizia: mas a quem é que lembra antes de vir para a praia pôr-se a beber chá? Só que, quando me pus a beber chá, umas duas canecas das grandes, não estava a pensar que iria para a praia.
Quando o meu filho ligou, eu já mal conseguia falar. O meu filho dizia: sai e faz. E eu expliquei que não havia onde, que eram só carros. O meu filho disse: ou isso ou arranjares uma infecção urinária. Mas eu já mal o ouvia, estava verdadeiramente transtornada, aflita até ao quinto dos infernos.
Quando, finalmente, aquilo começou a andar eu já não tinha posição, a bexiga quase a rebentar. Pedi que mal saíssemos dali e encontrasse um lugar decente, parasse. Assim fez: talvez às nove e meia, já tinha anoitecido, encostou o carro na berma numa zona de árvores e, logo ali, diluviei. Foi um alívio e um bem estar imediato. Caraças.
Este domingo, mal me levantei, fui para a cozinha e fiz sopa de tomate e corvina. Já expliquei como faço, não expliquei?
Enquanto aquilo se cozinhava, tomei banho, tomei o pequeno almoço, depois concluí-a. A seguir fomos fazer a nossa caminhada e depois fomos buscar a minha mãe.
Almoçámos lá fora. Estamos os três vacinados mas já se sabe que as vacinas não previnem o contágio, previnem apenas a gravidade (o que é o mais importante). Por isso, como temos que tirar as máscaras para manducar, manducamos ao ar livre.
Depois estivemos à sombra, a conversar. Eu perdida de sono. Depois ela aborreceu-se de estar sem fazer nada e foi varrer as folhas do terraço.
Depois chegou a trupe do meu filho. O mais novo foi buscar uma vassoura, pediu para eu ir buscar uma pá para mim e varria e eu apanhava.
Passado um bocado chegou a trupe da minha filha. As crianças vestiram os fatos de banho e puseram o escorrega de água na descida do relvado e foi aquela brincadeira de dar gosto. Fiz vídeos e fotografei-os.
Depois o meu filho com o apoio do sobrinho mais novo e sob acompanhamento do filho mais pequeno, grelhou salsichas. Entretanto, a minha nora preparava o pão bao no forno, cozinhando-o em vapor.
Tivemos, então, a primeira leva de lanche com cachorros em pão bao, com molhos a gosto.
Creio que foi, a seguir, que a tia maquilhou e penteou a sobrinha, a sobrinha pintou as unhas a tia, acho que a minha filha pintou as unhas à avó.
Os rapazes estiveram a ver vídeos de futebol ou a jogar futebol, nem sei.
Os hambúrgueres eram para ficar para depois mas como as brasas estavam jeitosas, o meu filho achou que mais valia fazer já.
Entretanto, lá dentro, em frigideira, tinha caramelizado cebola e bacon.
Ele grelhou os hambúrgueres de vaca enquanto se aquecia o pão de batata doce. Depois da carne grelhada, fizemos os hambúrgueres com o bacon, a cebola e uma fatia de queijo cheddar. Deliciosos.
O meu filho grelhou ainda asas de frango mas o pessoal já estava tão cheio que sobraram muitas asinhas.
Depois nova interrupção. Momento de rugby e de vólei.
Já muito ao fim da tarde, com o bolo de cenoura e chocolate que a minha trouxe, cantámos os parabéns a você e comemos o clafoutis de maçã e os crepes com doce de ovos e chocolate que a minha mãe também trouxe.
Isto ao som de música. E ainda dancei com o meu namorado que até me pareceu que dança melhor do que quando era mais novo. Tenho que tirar isso a limpo.
Daqui por poucos dias teremos a terceira festa de anos desta leva e já disse que vai incluir bailarico.
À saída um dos meninos quis escolher a música, boa, de autor que eu desconhecia. Veio perguntar-me se eu tinha gostado. Gostei pois.
No outro dia, a minha filha e os seus filhos ofereceram-me um vídeo que me deixou emocionada. O mais velho ao ver-me emocionada, virou-se para a mãe: missão cumprida, pusemos a Tá a chorar.
A minha filha mandou o vídeo também à minha mãe que, quando o viu, se fartou de chorar. Disse que não esperava ver ali fotografias do meu pai. Eu também não e gostei de vê-lo ali. Há uma continuidade em tudo isto.
Por volta das nove e tal fomos levar a minha mãe a casa. Provavelmente vai ser como nos outros dias: vai daqui com uma pancada de sono, que cai a dormir que nem uma pedra. Também eu.
E não, não estou de férias. Ainda me falta um bom bocado. Disse que me sinto de férias pois o bom tempo, os dias grandes e uma certa vontade de arranjar tempo para espairecer fazem-me quase sentir que estou numa de férias. Mas, hélas, esta segunda-feira o dever voltará a chamar por mim. Mas vou tentar não acabar depois das seis para ainda aproveitar aquele bocadinho até à hora de jantar. Não sei se nos apetecerá arriscar a praia depois da tortura do outro dia mas, mesmo que seja apenas para ficarmos em casa sem fazer nada, já será bom. Pequenos momentos de férias. Mesmo que sejam momentos de uma ou duas horas.
E é isto. Mais um dia feliz, entre os que me são tão queridos. O tempo vai passando, as crianças crescendo, as estações do ano indo e vindo, as flores nascendo, as folhas caindo, as árvores crescendo, os pássaros felizes da vida, cantando. É assim mesmo, um devir cujo sentido talvez não seja muito óbvio. Mas a vida é mesmo assim, feita de mistérios e coisas mal explicadas. E mais vale a gente rir do que chorar (a menos que seja chorar a rir).
E eu, com vossa licença, vou ver se vou para o meu quarto pois isto, dormir sentada e a escrever, não é lá muito confortável. Estou completamente knocked out. Portanto, je m'en vais.
Se me saísse o euromilhões, naquelas vezes em que saem muitos milhões, há uma coisa que eu gostava muito de fazer: encontrava um terreno grande e, lá, fazia uma casa para cada um dos meus filhos e, se os meus netos ainda fossem pequenos, fazia só o projecto mas, se já fossem grandinhos, fazia também uma casa para cada um. Gostava que morassem perto uns dos outros. Mas haveria de ser uma espécie de condomínio para que cada um tivesse a sua independência e privacidade. E gostava de tratar do projecto em conjunto com cada um deles.
A arquitectura é das formas de arte mais completas e mais humanas. Gosto muito de (bons) projectos de arquitectura e tenho admiração por alguns (bons) arquitectos.
Vejo, sempre que posso, vídeos de projectos de arquitectura. As soluções encontrtadas são, muitas vezes engenhosas, inteligentes. Hoje vi o que aqui abaixo partilho e pensei logo no meu neto mais velho, menino muito querido (mas muito terrível, verdadeiro pimentinha-pestinha encartado), que vibra com arquitectura moderna. Onde os outros vêem cubos sem graça, linhas excessivamente direitas e algum exagero de volume, ele diz com entusiasmo que gosta e que era assim que gostava de ter uma casa. E eu percebo-o. Imagino-o, adulto, a viver num ambiente assim.
Eu, para mim, não consigo escolher um género. Gosto de casas amplas, luminosas, em que não se tenha a ideia de se estar confinado. Tirando isso, interesssa-me a funcionalidade, a beleza e, de preferência, que tenha alguns recantos.
Nenhuma das casas em que já vivi era nova quando para lá fomos. Prefiro encontrar uma casa que sinta como minha e onde sinta que há margem para o meu cunho, a nível de decoração, do que estar a construir de raiz. Parece um contrassenso, bem sei.
Se calhar tem a ver com um dos meus sonhos recorrentes. Chego e encontro uma casa. É uma casa grande e passa-se de umas divisões para outras e é uma surpresa pois a evolução é coerente e, ao mesmo tempo, inesperada. E eu estou ali e a pensar que aquela é a minha casa, como se estivesse à minha espera. E, na volta, na vida real sempre foi isso que procurei.
Quer esta casa onde agora estou quer a casa no campo, in heaven, têm uma característica comum: há um espaço grande em que se passa de umas zonas para outras num movimento contínuo, sem portas. E, as que há, estão sempre tão abertas que nos esquecemos delas.
Quando para aqui viemos nunca sabia onde tinha deixado a chave ou o telemóvel e a sensação que tinha é que havia um núcleo central com um corredor em volta de onde nasciam outras divisões. Quando andava à procura das coisas, tinha a impressão de que andava às voltas num espaço circular. Afinal, na verdade, não tem nenhuma área circular. Às vezes, à noite, ia ver a planta da casa para tentar perceber a razão da impressão que eu tinha. E, ao fim de um ano, de cabeça, parece que ainda não percebo bem.
Na primeira fase da pandemia estivemos no campo. Estava eu e o meu marido, ambos em teletrabalho. Algum tempo depois, juntou-se-nos a minha filha e os miúdos, ela também em teletrabalho, os miúdos em escola remota. Noutras vezes em que ela não estava, foi o meu filho. Estava ele e a minha nora em teletrabalho e os miúdos na escola.
Era sempre uma dificuldade pois, sem portas, não se conseguia ter o isolamento e privacidade que, por exemplo, ter reuniões pede, em especial para não haver movimento ou barulho por perto. O que valia era que uns iam para os estúdio e outros, como estava bom tempo, ficavam na rua.
Nesta casa também acontece isto. O piso de cima é todo aberto. Aliás, a escada nasce na sala, sem portas e vai até lá acima. Ter uma reunião lá é sinónimo de tudo se ouvir. Entre a cozinha, a salinha de refeições, a sala da lareira e a sala de jantar (e a dita escada para o primeiro andar) não há portas.
O meu marido usa o topo da mesa da sala de jantar pois está rodeado de janelas, tem imensa luz. Mas, se ele está a ter reuniões, não posso lavar louça à mão ou moer a base da sopa pois tudo se ouve.
Esse é o lado chato -- mas é pormenor pois, de resto, é uma sensação de fluidez e largueza que compensa o resto.
Mas há uma coisa que, para mim, ainda é essencial. E digo 'ainda' pois sei que a minha opinião evolui e que o meu gosto se adapta. Mas, por enquanto, é essencial que tenha paredes normais. Uma casa com mais vidro que parede cria dificuldades: é chato encostar móveis e não há onde pendurar quadros. Quando vim para aqui, como por uma milagrosa coincidência, todas as minhas coisas encontraram o seu recanto perfeito ficando melhor aqui do que no seu local original. Ao fim de poucos dias, sentia-me em casa. A casa tem janelas e portas-janelas mas tem as paredes necessárias e suficientes.
Em contrapartida, a anterior proprietária, que se mudou para uma casa maior, de linhas muito direitas e com muito vidro, diz que ainda anda às voltas com as coisas sem saber como dispô-las. Diz que não tem onde pendurar quadros, espelhos, onde colocar alguns dos móveis de que não quer separar-se. E diz que ainda não se sente em casa. Nós, antes de termos sido descobertos por esta casa, andávamos a ver uma outra: ultra-moderna, imensas superfícies de vidro. Uma casa que era um objecto de arte. Mas, quando esta nos encontrou, fiquei contente por o negócio da outra não se ter concretizado: teria tido a maior dificuldade em encaixar lá as minhas coisas.
Alguns arquitectos têm pouco trabalho. Se forem arquitectos incultos, básicos, pouco inteligentes ou pouco criativos, nada tenho a dizer. Mas tenho a dizer da falta de atenção que os poderes públicos geralmente dedicam às enormes mais valias da boa arquitectura na vida das pessoas, seja a nível dos espaços públicos, seja da vida privada. A (boa) arquitectura pode humanizar as cidades, pode introduzir novas zonas de convívio, pode deixar entrar a luz onde tal parece impossível, pode criar zonas de paz onde a confusão parece estar instalada.
Seria, para mim, um enorme prazer acompanhar o projecto da casa de cada um dos meus, cada um com sua visão e maneira de ser. Imagino bem como seria a casa de cada um, até a do mais novo. Não o espelho da sua personalidade, que a casa não deve ser isso, mas o cenário (ou o habitat) onde a sua personalidade floresceria.
E, como se fosse uma nota de rodapé -- mas longe de sê-lo --, acrescento que fico muito contente por saber que a Inês Lobo faz parte da lista do PS para Lisboa.
A Modern Brutalist House In Japan With Exquisite Details
Architects: Apollo - https://apollo-aa.jp/
According to the architects:
This ranch-style home is located in a quiet suburban neighborhood in the Kanto region. The clients purchased the tiered, irregularly shaped lot as a place to spend meaningful time as a family. They wanted courtyards to play a big part in their home life, and to fulfill that request, the design makes use of the distinctive property shape and topography.
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As esculturas feitas com livros são da autoria de Stephen Doyle e estão aqui na companhia de Ajeet Kaur que interpreta Light of My Soul
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E, antes de me ir -- e se estou cansada, cansada -- vou descansar a alma
After the Rain
(extract)
(coreografia de Christopher Wheeldon na interpretação de Beatriz Stix-Brunell, Reece Clark -- The Royal Ballet)
Acabámos de trabalhar a horas, concretamente por volta das seis da tarde. Uma coisa tão única que parecia que estávamos a entrar de férias. Cedendo à sugestão da minha filha, desafiei-o para irmos até à praia.
Fomos.
Muita gente e tanto mais quanto a maré estava quase cheia. Ainda assim caminhámos, depois ele deu um mergulho. Eu, como tinha guardado a máscara no soutien do fato de banho, tive essa desculpa para não mergulhar também. Ainda assim, andei dentro de água a apanhar com as ondas, mas de pé, virando-me de costas quando receava que me cobrissem até ao pescoço e estragassem a máscara. Estava boa a água. Tive pena de não ter ousado. Lá dentro parecia frescota mas, mal saía, pensava que estava boa e voltava a entrar; mas debalde. Deve ser a isto que há quem chame mixed feelings.
Como nos tínhamos esquecido de levar toalha ou whatever, estendi o vestido na areia e sentei-me em cima. Ter-me-ia apetecido deitar e ficar a sentir o sol macio do fim da tarde e a ouvir o mar mas o vestido não dava pano para tanto.
Vi uma jovem que não fazia outra coisa senão fazer selfies com o namorado. Fazia poses, fazia caras, trejeitos, arrebitava-se, dobrava a perna, atirava a cabeça para trás. Chamei a atenção do meu marido, interrogando-me sobre o que levaria o jovem namorado a prestar-se àquela absurda sessão fotográfica. Interiormente, pensei que talvez fosse amor. Mas um amor que assenta em cima do narcisismo de um dos membros do casal é coisa de perna curta, não vai a lado nenhum. A seguir, pensei que tal como há quem, em namoros, sofra de violência física há, certamente, quem sofra de violência psicológica. Aturar uma pessoa narcisista deve ser do pior que existe.
Eu acho que não aguentaria, às tantas andaria a atirar sucessivos copos de água por cima da cabeça do narcisista. E se a água normal não fizesse o narcisista pegar na trouxa e desamparar de vez, partiria para copos de água de cozer corvina para os deixar malcheirosos, quiçá até lhe juntasse uma pinguinha de azeite para não ficarem apenas a feder a pexum mas ficarem, também, completamente untuosos.
Adiante.
Contudo, qualquer coisa de inspirador aquela sessão deve ter tido porque me pus à frente do meu namorado e disse: vamos também fazer uma selfie. Ele empinou-se, fez corpo. Deu-me logo vontade de rir. Pedi para se pôr normal para não estragar a fotografia. E, antes que me desse daquelas imparáveis vontades de rir, carreguei no botão.
E coloquei no grupo da família do whatsapp, dizendo que também sabíamos fazer selfies.
Como não tinham assistido à macacada que aqueles dois para ali estavam a fazer à beira-mar -- certamente dezenas de selfies, se calhar até faziam vídeos, quiçá para publicar uma story no insta -- não devem ter percebido o porquê da legenda.
Agora uma coisa é certa: parece que acabou a covid. A malta já não está nem aí. Montes de grupos de jovens, grupos de amigas, grupos de casais, notoriamente mistura de vários agregados familiares. Claro que máscara zero o que não seria grave já que estão ao ar livre. A questão é que estão encostados, deitados ou sentados muito juntos, virados uns para os outros, tudo no maior chill out, desfrutando o belo sunset. Sem qualquer cuidado. Dir-se-ia que não há nem nunca houve covid. Só espero é que a versão delta ou gama ou lambda ou o escambau não seja da qualidade de ficar tinhosamente em suspensão durante o tempo suficiente para ficarem todos infectados, caso algum deles o esteja.
Vim impressionada com o descaso que observei.
Mas, vá, é tempo de férias pelo que corações ao alto.
Depois, resolvemos ir e eu, que estava com a ideia de que já estava em férias, disse que boa, boa, era se fossemos comprar caracóis. Ele disse que sim. Como ele é alérgico a caracóis, sugeri que comprássemos também gambas para ele, coisa a que eu sou alérgica. Não quis, disse que comia o resto das costeletas. Disse que então não valia a pena ir comprar caracóis, até porque teríamos que fazer um desvio. Insistiu.
Portanto, o meu jantar foi um prato de caracóis. Depois comi um pêssego e uma fatia de queijo. Ou melhor: duas. Melhor: três. Perco-me: uma fatia de pêssego fresquinho com uma fatiazinha de queijo da serra é um petisco de detrás da orelha. A seguir, comi um quadrado de chocolate preto com figo, uma maravilha que a minha filha me ofereceu.
A seguir começámos a ver Gambito de Dama.
Yes, Mr. Anónimo do Baldinho, fiz-lhe a vontade. Não estávamos numa de The Crown e, tem razão, Cold Water Man, o Virgin River é capaz de ser uma pepineira (mas acho que ainda vou ter que confirmar, ainda tenho esperança que aconteça ali um twist que vire a mesa e mostre que a chazada do início é só para despistar). Então, The Queen's Gambit. E foram três episódios de seguida. Viciante. Dou-lhe razão.
O meu filho ligou quando estávamos a ver. Tinha sido também uma sua fortíssima recomendação. Perguntou se não estávamos a ver The Crown. Confirmei. Disse-me que o conceito das séries não costuma ser andar a intercalar episódios de séries diferentes mas que, pronto, está bem.
Já disse ao meu marido que, se calhar, podemos ver estas coisas no computador e levá-lo para o jardim. Não percebeu, diz que na sala a ver na televisão estamos melhor. Expliquei que é para não estarmos fechados em casa, assim teríamos o melhor dos mundos, estaríamos ao ar livre e a ver séries. Isto durante o dia, bem entendido. Acho que não ficou convencido.
Agora foi-se deitar. Diz que amanhã há mais.
E haverá.
Tenho ainda a reportar um outro evento. As minhas orquídeas, que não têm nome nem pensamentos de gente, tinham largado as pétalas. Fiquei na dúvida se estavam a caminho de se finar ou se estavam simplesmente numa de mudar de visual. Mas deixei-as ficar à janela e fui regando. Eis senão quando vejo que estão a rebentar uns little botões e, hoje, que as flores começam a dar as caras. Estou contente. Há coisas que quase parecem milagres. Mas, se calhar, não é milagre, se calhar é normal. A menos que, em vez de cor-de-rosa, me apareçam amarelas. Isso é que era bom, milagre para ninguém botar defeito.
Gostava também de falar de Léa Seydoux, actriz que muito admiro e que, ao que parece, está em quatro filmes em Cannes e que, tendo testado positivo, não poderá esta presente.
Mas o adiantado da hora faz-me protelar a intenção. Já vão sendo horas de me recolher aos meus aposentos.
As borboletas são obra de Salvador Dali e sobre a escolha destas imagens para enfeitarem este texto e sobre a escolha do título do post, a Wendy McNeill tirou-me as palavras da boca: Ask Me No Questions