Estes dias têm momentos bons e momentos maus.
Adoro andar pelo campo, adoro fotografar, adoro aspirar o ar perfumado. Também gosto de fazer limpezas ou cozinhar. E gosto de ler e este domingo consegui ler, em tranquilidade, quase todo o último Cogneti. E ao longo de todo o dia fui recebendo fotografias e falando com a família. Também recebi mails e mensagens de colegas e amigos a desejarem boa páscoa.
Mas depois há momentos de um certo vazio. Não estou de férias mas as minhas rotinas estão viradas do avesso. Saber que se avizinha uma semana cheia de responsabilidades e que esperam que dê orientações ou tome decisões agora em ambiente tão incerto e em que vejo tanta gente que me parece que ainda não percebeu a dimensão da mudança incomoda-me tanto mais quanto vou estar em casa, intercalando tudo isso com a preparação do almoço ou a arrumação doméstica. Acho que o teletrabalho é a solução que se antevê para muitos dos problemas de qualidade de vida pessoal, urbanísticos ou de organização territorial, mas este teletrabalho que vem em doses cavalares, absorvendo os meus dias de sol a sol e, ainda por cima, atado ao confinamento e à obrigatoriedade de engolir as muitas saudades que sinto, é-me deveras incómoda. Direi mesmo: traumatizante.
Claro que se estivesse presa num andar me sentiria ainda pior mas isto é sempre tudo relativo já que nunca ninguém está contente com o que tem.
O futuro deve passar por teletrabalho para toda a gente que o possa fazer sem prejuízo da produtividade, disso não tenho dúvidas, mas deverá ser num horário não superior a seis horas diárias, que, vendo bem as coisas, para que haja trabalho para todos, chega e sobra, e sempre permitindo a saudável separação entre período de trabalho e período de lazer e de descanso. Provavelmente deve estar assegurado que talvez um vez por mês haverá uma reunião presencial entre equipas para que se mantenha o vínculo afectivo.
Bem, mas isto não é agora para aqui chamado.
O fim de semana foi bom, descansado, mas tanto me tinha ficado por fazer durante a semana que, inevitavelmente, tive que ver apresentações, mandar mails, marcar reuniões. E essa invasão do meu espaço doméstico e do meu tempo de descanso anda a ser-me saturante. Tenho que tentar encontrar um ponto de equilíbrio.

Hoje de tarde, estava eu, absorta, a ler a subida de Paolo às montanhas, quando comecei a ouvir um barulho curioso. O meu marido levantou-se, foi ver. O barulho intensificou-se. Dir-se-ia que estávamos a ser atingidos por uma chuva de projécteis. O meu marido chamou-me, que eu fosse ver. E fui. Como uma chuva de pipocas, saltando ao atingirem o chão, fazendo ricochete nas pedras. Num instante tudo se cobriu de bolinhas brancas, pareciam pétalas. Mas eram bolinhas de gelo. E o céu a ribombar. Uma trovoada vindo do nada. Um epifenómeno. Mais um. Uma chuva torrencial, granizo, trovoada. Fui a correr fotografar para ficar com a prova de tão inusitado mistério. O paraíso é um lugar misterioso.
Algum tempo depois estava sol. Se não fosse a água ainda escorrendo das árvores ou a terra tão molhada, dir-se-ia que aquilo não tinha acontecido. Assim é a vida. Acontecem coisas, intensas, incompreensíveis, e depois, passado algum tempo, custa a acreditar que tenham acontecido.
Quando saí para passear ao fim do dia, os pássaros estavam mais efusivos que nunca, cantavam que era uma alegria, parece que estavam a soltar a franga que existe dentro deles depois do valente susto que devem ter apanhado. Uma cantoria que me pôs a sorrir. Também eu estava com vontade de festejar a alegria de tal mistério.
Do gatinho nem sinal. Tive pena pois gostava de perceber como tinha reagido ao que aconteceu. Se calhar abrigou-se numa das grutas e achou prudente não se arriscar a outro banho de pérolas geladas.

E agora que aqui estou, depois de ter visto em que param as modas no Japão no que ao corona diz respeito, um programa que passou na RTP 3, pus-me para aqui a descobrir o vasto mundo do YouTube. E pasmo. Pasmo com o que para aqui vai. Uma coisa infinita, impossível de adivinhar tudo o que para aqui se aloja. Não é a dark web, porque está tudo à vista, mas é um salsifré, a casa da mãe joana, o albergue espanhol, a sopa da pedra, o pot pourri, um bric a brac de milhões de peças multicores e multiformes.
Hoje descobri que há mulheres que têm canais próprios para explicarem como se maquilham os olhos, como se disfarçam as rugas, como se encobrem olheiras, como se tapam papos estejam eles onde estiverem, como se aplica a base, como se valorizam as sobrancelhas, como se enrolam as pestanas, como se alivia o semblante. Vi vídeos em que elas aparecem como se levantam, enrugadas, macilentas, e, ao fim de pouco tempo, estão frescas, iluminadas e desejáveis como se viessem de hollywood. Outra aparece velha e acaba o vídeo a parecer filha de si própria. Dei por mim a ver um atrás do outro. A aprender cenas. E dei também por mim a perceber que tenho andado a passar ao lado de uma outra eu.
Vejo que todas têm vários pincéis e que os conhecem pelo número. E há-os para todos os fins, para aplicar, para esbater, para iluminar, para realçar. e há toda uma paleta de cores e de produtos para que qualquer mulher banal pareça uma mulher não apenas apresentável como, direi mesmo, bela e intemporal.
E isto já para não falar das técnicas mais invasivas, em clínica, para preencher rugas, para encher lábios, para elevar as maçãs do rosto. Um mundo de oportunidades para contrariar o efeito do tempo ou a má qualidade estética de origem.

Nunca fiz nenhuma intervenção estética mas, mesmo a nível de tratamento de pele e de maquilhagem, que descuidada tenho sido. Mentalmente revejo a minha pobreza franciscana quanto a produtos. Aqui, in heaven, então, zero pincéis, zero blush, zero iluminadores, zero rímel, zero praticamente tudo. E depois o tempo que é preciso. Geralmente se gasto mais de uns quatro ou cinco minutos com a cara, de manhã, é muito. Ora, para toda a montagem de cenário que aqui tenho estado a ver, precisaria de uns dez a quinze minutos. No mínimo. Onde é que, em tempos normais, sabendo que tenho trânsito pela frente e um dia preenchido para não perder minuto, como arranjá-los? Ainda por cima, a deitar-me sempre às quinhentas, como levantar-me um quarto de hora mais cedo para me embonecar...? Mas que fiquei a pensar no assunto lá isso fiquei. Fiquei, fiquei.
Outra coisa que vi num vídeo é a altura a que se deve pôr o computador e a iluminação quando se está em vídeoconferência. Há técnicas para tudo quando o que está em causa é aparecer glamorosa do outro lado. E eu, no maior amadorismo, a andar com o computador de um lado para o outro e sem saber de todos os truques que afinal estão em tutoriais à disposição de quem o queira.
O meu amigo algoritmo, talvez por me achar uma intelectual extravagante dada aos números, às artes e às coreografias maradas, sugere-me sempre vídeos nessa base. Nunca me propôs estes vídeos espectaculares que tive que descobrir por mim mesma. E são viciantes. É que há vídeos para tudo: penteados para cabelos que não se deixam pentear, franjas para todos os tipos de caras, maquilhagem para jantares em casa, batons para lábios finos e para lábios grossos, protectores solares para quem não quer usar base, sei lá. De tudo. Se me deixasse estar aqui mais um bocado nisto e se tivesse um arsenal a preceito a ver se esta semana não surpreendia os meus colegas. Nem saberiam com quem estavam a falar.

No meio disto, imagine-se, apareceu-me um filósofo checo a falar do corona; mas a rede dele lá em casa devia ser pior que a minha pelo que não percebi nada do que ele disse. Desisti ao fim de um minuto. Para além de que é belfo e tem um sotaque cerrado que, em inglês, mal se percebe o que diz. E a meio dos tutoriais para peles e olhos claros e como parecer eternamente adolescente apareceu-me ainda o Chomsky, também a falar do corona. Testezinho do algoritmo, a ver se a quarentena me deu volta ao miolo, só pode. Abri o vídeo do Noam mas mais de trinta minutos e a perceber-se um bocado mal era coisa que cansaria a minha beleza, coisa certamente não recomendada para a iluminação da minha cútis. Fechei. Ficará para um outro dia em que me sinta mais capacitada para profundidades.
Mais umas semanas de quarentena e ponho-me eu a fazer tutoriais. Modelos, cenários, green fields, inteligência artificial ou o escambau nem vê-los. Só tutoriais sobre beleza feminina.
Tirando isso, mais nada. Só se for que o cozido à portuguesa ficou bom e que o que sobrou ainda dará para esta segunda feira, pelo menos para o almoço.
As fotografias estão aqui porque gosto delas e estão à venda no site Pictures For Elmhurst (A Print Sale Fundraiser for Elmhurst Hospital in NYC), uma iniciativa interessante e que talvez pudesse ser seguida por cá, divulgando fotógrafos nossos e beneficiando os nossos hospitais.
Se não me enganei na ordem, os autores são, respectivamente, Jody Rogac, Benedict Brink, Yelena Yemchuk, Samantha Casolari, Hart Lëshkina, Zora Sicher e Sharif Hamza. Vieram ao som de HAEVN interpretando We Are
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Uma boa semana para todos. Saúde.