terça-feira, abril 21, 2020

Em tempos de Covid, carta de um médico aos velhos e vulneráveis





Quem acima se vê é um senhor do grupo de risco. Tem setenta e dois anos. É daquelas pessoas de quem temos que nos manter longe para não os infectarmos. É daqueles que integram o grupo dos que terão maiores probabilidades de morrer se forem infectados.

Nos primórdios da era pré-Covid eu dizia que tínhamos que nos preparar, aumentar a limpeza dos escritórios, tínhamos que nos distanciar, deixar de apertar a mão e dar beijinhos, preparar a ida para casa. A resposta que eu recebia era invariavelmente: 'Tem medo...? Eu não... Não faço parte dos grupos de risco...'. E gozavam comigo. Mulher. Medrosa. Fraquelas.

E, por todo o lado, eu ouvia, como se não houvesse motivo para a gente se ralar: 'Dá com força é nos velhos... Calma... Não é para ter medo....' E eu não apenas sabia que não era só nos velhos, era em quem calhava, como, ainda que fosse verdade, seria tão dramático como se desse só nas pessoas de cinquenta, só nas de quarenta. Que é isso de ser alívio dar nos velhos? Velho é gente --  e gente é gente é gente é gente.

Ainda agora, quando ouço algumas notícias, é com uma indisfarçada nota de alívio que se percebe que dizem que era velho, que quem mais morre são os velhos. E ainda me apercebo, no tom, que subliminarmente a mensagem é que, pleeeaaseee, não há crise, nada de alarme, isto é mal que dá é nos velhos. 

E as notícias vão-se sabendo. Velhos deixados ao abandono, lares cheios de velhos doentes, entregues à sua sorte. Velhos mortos, abandonados. Ouço e nem quero ouvir, leio e não quero ler. Os velhos somos nós se lá chegarmos. Nós os jovens e saudáveis, nós os que resistiremos de certeza ao covid, nós talvez um dia cheguemos a velhos e a ver se não acabamos num lar, rodeados de outros velhos, infectados e contagiosos, alguém de quem toda a gente quer fugir a sete pés, nós velhos, bons é para ir engrossar a estatística e deixar de chatear os jovens e saudáveis.

Eu, com a minha mãe, falo é nos nonagenários e centenários que saem de boa saúde do hospital. Uma que saíu a dizer que estava com fome. Outro que resistiu a guerras e agora a mais uma. Falo-lhe é de casos surpreendentes de bons. E sou sincera. Fico surpreendida, fico contente. Gente resistente é um hino à vida.

E fico varada, tenho que me conter para não mostrar a minha náusea sempre que ouço falar com displicência, sem compaixão ou solidariedade, em que 'isto é mau é para os velhos'. Não lhes passará pela cabeça a angústia que sentem as pessoas de idade ao ouvirem falar do fantasma malvado que anda de foice em punho à solta por aí? Não lhes ocorrerá o medo que isto lhes causa?

E depois há o lado dos médicos, enfermeiros e demais pessoal hospitalar... São gente de carne e osso e, por mais que tenham nervos de aço a lidar com a doença, com a dor e com a finitude da vida, são também confrontados com momentos difíceis sabendo que, por vezes, não há nada que possam fazer para salvar algumas vidas. Aliás: sabem. Sabem ser honestos, humanos, sabem aliviar o sofrimento físico, sabem tornar digna e não penosa a passagem para o outro lado.

O vídeo abaixo é duro de ouvir. Mas é um vídeo franco. Um vídeo humano, honesto e, apesar de tudo, revelando uma tocante sensibilidade. 




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Para desanuviar, uma outra carta, esta cheia de ironia sobre o que se pode esperar dos humanos. Deliciosa.

Stephen Fry reading a letter from E. B. White to a gloomy fan


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As imagens que aqui juntei claro que não têm nada a ver com nada disto. Talvez tentem, apenas, aligeirar o que não pode ser aligeirado. São fotografias que tentam glosar pinturas conhecidas e respondem a um desafio. A coisa pode ver-se no Bored Panda onde outras proezas do género podem ser vistas. Museums Ask People To Recreate Famous Paintings At Home, Get 30 More Hilarious Pics

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E, agora, para algo completamente diferente....


O mundo está de doidos e nem vou entrar em grandes conversas: petróleo dado a balde -- dado não: pagam para que alguém o receba --, sectores e sectores em catadupa a baquearem, os hotéis sem saberem quando conseguem reabrir, os aviões em terra, os navios ancorados, os carros parqueados, os modelos de negócio a sofrerem impensáveis reviravoltas, meio mundo sem conseguir antever a saída para isto e a perceber que, quando a luz estiver ao fim do túnel, o mundo já se terá readaptado e já devemos ser outros.
Claro que pode acontecer que o mundo seja outro mas que os mais bolsonaros e trumpas de entre os humanos persistam em ser como eram antes: burros todos os dias. Mas sonhemos, cantemos hossanas e demos a mão enquanto dançamos em roda da fogueira, e esperemos que o mundo, lato sensu, saiba tratar como refugo inaproveitável as excretáveis criaturas que acima referi bem como todos os apêndices que os apoiam. 
Passando o dia inteiro a labutar no mundo da economia real, deparando-me permanentemente com as dúvidas e os problemas de quem se debate para se aguentar à tona de água, muitas vezes sem saber como andar ou nadar quando as águas são turvas e as areias movediças, depois de jantar e de falar com a família e de ainda despachar mais uma data de coisas que revelam tudo o que atrás referi, abro o computador para descansar a cabeça e ouço um médico no Prós e Contras a dizer que o corona pode deixar sequelas naqueles que apanha, inclusivamente no cérebro e mais nem sei o quê... e nem vou entrar em detalhes que a coisa pode ser assustadora. E, aqui chegada, desisto, caguo (reparem cagar escrito com u para não ser a mesma coisa) e vou deitar-me à sombra do YouTube, ruminando um silenciado que se fornique (e, lá está, claro que, uma vez mais, não uso mentalmente o verbo fornicar mas uma sua declinação; os meus filhos lêem esta coisa e longe de mim que eles pensem que a mãe diz palavrões, mesmo que palavrões mentais).

E é então que o meu amigo algoritmo, o mais amigo de entre os amigos, se chega à frente e me apresenta, como recomendável para mim, uma série de vídeos. Clico no primeiro e, no fim, senti-me compensada. Amigo do seu amigo, diria eu, voz embargada, na televisão, se me pedissem para falar do meu amigo algoritmo do youtube.

Mais: não apenas gostei do vídeo que ele me propôs como me deu ideias. Muitas ideias. Ui. 


Resmas, resmas deles a quem eu faria o mesmo.

segunda-feira, abril 20, 2020

Não é preciso chegar ao cimo







Acabei o livro. Sem nunca chegar ao cimo. Entrar dentro das montanhas. Não propriamente chegar ao ponto mais alto, pôr bandeira, marcar pontos mas, apenas, conhecer a vida das montanhas.


Conheço bem esse sentimento. Olhar a montanha e ter vontade de entrar dentro dela. No meu caso, em especial, o que mais gosto mesmo, mesmo, mesmo, é de estar de longe e saber: ali é a minha casa. E nada se ver. Parece que ali não há nada. E, no entanto, distingo: aquelas árvores são as que plantei. Por debaixo delas passo eu às vezes. Por ali passeia o gato branquinho e cor de mel. Mas de longe nada se adivinha. É sempre assim. Uma montanha, seja ela de impor respeito ou pequena serra de trazer por casa, é sempre uma arca de tesouros, um lugar de mistérios. De longe, tudo igual. Mas, quando nos aproximamos, quando entramos pelos caminhos, quantas descobertas. 


Entrar dentro de uma, conhecer-lhe os caminhos, identificar os cheiros, os sons, perceber as nuvens que se anunciam ao longe, a árvore recortada contra o horizonte, a ruína de pedra num lugar que já poucos conhecem. Mesmo eu aqui. Parece que estou sozinha no universo, só eu e o meu compagnon de route. E, no entanto, quando, ao cair do dia, sinto um cheiro que vem de longe eu sei que é o vizinho que mora no início da estrada, longe, que foi limpar os currais das vacas que são lá em baixo, perto do vale, onde há uma represa. Deve ter passado na sua carrinha de caixa aberta e deve ter ido recolher os animais, limpar, pôr o feno, encher os tanques. E, no entanto, de longe nada se vê. Nem eu, que vivo entre a sua casa e o lugar das vacas, lá muito para baixo, dou por nada. Se não fosse pelo cheiro que o vento traz lá de baixo eu também não saberia.


Dantes, incomodava-me muito com esse cheiro. Diria 'que horror, não se aguenta, que cheiro a estrume...'. E, no entanto, agora sei que durará pouco tempo e que é um cheiro natural, um cheiro que assinala uma hora do dia, uma rotina. Sei também que é a essa hora que os pássaros cantam com maior entusiasmo. Despedem-se uns dos outros. Ou festejam que tenha passado, em paz, mais um dia. E os dias parecem todos iguais mas é ilusão, são todos diferentes. E tudo adquire uma cadência própria que parece instalar-se no que é a ordem natural das coisas.


Paolo, que andou pelas alturas, nos Himalaias, e que habitualmente também vive nas montanhas, gosta da vida simples e sabe da simplicidade fazer páginas de uma escrita que me prende. O sol no vale, as subidas escarpadas, os lagos, os animais que se vêem e os que apenas se pressentem (como o leopardo que deve estar alerta, espreitando lá no alto), as poucas pessoas das poucas aldeias, o frio, os ramos cobertos de gelo, as árvores muito altas, as pegadas que se encontram, as cabanas abandonadas, os pequenos templos que o tempo vai erodindo, a água que corre por entre as pedras, as aves que voam nas alturas, os dias feitos de pequenas tarefas e que marcam o passar do tempo, andar em círculo, um devir manso, sem propósito, apenas apaziguado, a existência simples.

Não é preciso um argumento, não é preciso suspense, não é preciso um desfecho. Basta o simples suceder dos dias, a simplicidade das pequenas tarefas. E as páginas do livro vão fluindo à medida do caminhar de Paolo.


Também eu aqui. Varro, sacudo tapetes, lavo, estendo roupa, cozinho, leio, caminho, falo ao telefone, escrevo, preparo uma infusão, bebo-a, ouço o gato a chamar, dobro a roupa lavada e perfumada pelo sol e pelo vento, preparo-me para dormir. Pouco mais tenho a declarar. E, no entanto, sinto cada vez mais que esta é a forma certa de viver. Falta-me só a proximidade dos meus. Se, ao que tenho hoje, pudesse juntar a vinda da família cá a casa e eu e fazer comida para todos e andar a agarrar-me aos pequeninos enchendo-os de beijinhos, fotografando a doçura do tempo suavemente pousada nos nossos sorrisos, esta minha tranquila existência seria perfeita.


Não se deve querer muito, não se deve pedir muito, não se deve esperar muito. Deve-se é ficar bem com pouco. O pouco basta.

E eu digo isto como se estivesse certa do que digo, é uma característica minha, mas não estou, é simplesmente o que penso, o que penso agora. Pode acontecer que, quando viver mais, quando aprender mais, consiga ter maior ambição. Mas hoje penso isto.


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As fotografias, como é bom de ver, foram feitas aqui, neste pedaço de terra a que chamo heaven.

A canção é a mesma mas gosto tanto e gosto tanto destas duas interpretações que conto com a vossa compreensão para me perdoarem o exagero. Quando gosto, gosto. Exageradamente.




Não é uma maravilha?
Eles, todos eles, o espaço, a paz, a harmonia, a beleza, a quietude, a suavidade.
Intemporal como devem ser os momentos perfeitos.

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A todos desejo uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

Saúde. E, se possível, alegria.

domingo, abril 19, 2020

Cartas (e concertos) em tempos de corona






Não poderia ser médica ou enfermeira. Assusto-me demais, impressiono-me como se a dor dos outros fosse minha, mas mil vezes superior ao que poderia suportar. Lembro-me de uma das minhas primas, um pouco mais nova que eu. Brincávamos na escada da minha casa. Eu era mãe das bonecas, mãe dela, toda eu ternura e instinto maternal, ou era cabeleireira e fazia tranças ou outros penteados ou fazia de conta que lhes cortava o cabelo ou lhes lavava a cabeça, ou era vendedora numa mercearia e tinha uma balança e uma caixa registadora e vendia coisas a peso e dava o troco. Mas ela era médica. E ou eu ou as bonecas éramos as doentes. Quando, uma vez, a nossa avó se queimou numa perna e ficou em muito mau estado, de cama, a perna envolta em ligaduras, eu fiquei assustada, com medo pela dor da minha avó, imaginando e temendo a gravidade das chagas. Mas a minha prima não, a minha prima quis ver as feridas, quis perceber o tratamento que tinha sido feito. Não sei se a minha avó lhe mostrou pois eu, a prima mais crescida, fugi com medo de ver.

É uma questão de vocação.


Numa altura em que nos resguardamos com medo do contágio, ela e outros médicos e enfermeiros e auxiliares e técnicos continuam a sair de casa para irem cumprir a sua missão. Não se sentem heróis. Sentem apenas que fazem o que devem fazer. E depois vai a casa dos meus tios. Descalça-se, despe-se, usa máscara -- e vai a casa dos pais. Eu não. Tenho medo de lhes levar algum contágio. Já basta ter que ir lá a senhora que ajuda no tratamento do meu pai. Acho que quanto mais resguardados estiverem melhor. Telefono duas vezes por dia, faço os pagamentos, tratei do irs, os netos também telefonam, fazem as encomendas online, garantimos que nada lhes falta, mas mantemo-nos fora da sua casa. Mas a minha prima é destemida, mesmo frequentando hospitais, não deixa de ir ver os pais. É corajosa.

Enquanto escrevo, artistas entram a partir de casa para o concerto One World: together at home. Toda a gente agradece aos profissionais de saúde. Mas agradece também a todos os profissionais de outras áreas que não tendo actividades que possam funcionar em teletrabalho continuam a ir todos os dias enfrentar os riscos que aí estão.

E tinha acabado de ouvir o convite de Benedict Cumberbatch a que, quem quiser, grave a leitura de uma carta e a envie, uma carta alusiva a estes tempos de distanciamento, distanciamento que, por vezes, é sinónimo de isolamento.


Fiquei com vontade de escrever uma carta e gravar a minha voz mas sei que, se a tenho naturalmente ciciada, muito mais frágil ela fica quando estou emocionada.

Por isso não escrevi nem li. Limito-me a estar para aqui a escrever coisas de nada e a esconder que me apetece receber também uma carta -- apesar de não ser técnica de saúde e apesar de ser uma sortuda e não ser devedora nem de gratidão nem de nada que se pareça com nada disso. Só porque gosto de receber cartas.


Seja como for, se, a si que está a ler-me, este isolamento está ser-lhe pesado, se gostava de receber uma palavra de atenção, se gostava de sentir que é em si que estou a pensar enquanto escrevo, se gostava de receber um abraço em forma de palavras, então saiba que sim, que são para si estas palavras, é para si que vai o meu pensamento. Tenho recebido tanto desde que aqui escrevo, tenho conhecido pessoas tão especiais, tenho-me sentido tocada pelo afecto que não sinto como distante mas, sim, genuíno, generoso, tão próximo. Não tenho como agradecê-lo. Sempre estarei em dívida.

[Mas, ainda assim, gosto de receber cartas. Ou poemas. Ou, simplesmente, palavras simpáticas.]


E sei que isto que estou a dizer é um absurdo pois o concerto a que assisto ou as cartas que devem ser escritas e lidas são para quem verdadeiramente as merece e eu deveria ter tino e não estar para aqui, em total despropósito, a confessar que também gostava de receber umas palavras para mim.

Mas adiante que tudo tem que ter limites, até a parvoíce.

O tema é: querem ouvir uma de que gostei de ouvir? Esta aqui abaixo. Quanta dignidade a de Joss Ackland, 92 anos.



E esta de Ana Frappell, tão comovente. 


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As flores foram pintadas por Van Gogh mais para lembrar que, como é bom de ver, ele não pintou apenas girassóis e, também como é bom de ver, não faço ideia de porque é que disse isto.

E antes de vos convidar a descer para verem a malta da Porta a parodiar as cenas da videocoisa, deixem que vos deseje um bom dia de domingo.

Saúde e boa disposição, pessoal.

E agora, se estiverem para aí virados, deixem-se deslizar até ao teletrabalho que vem já aí a seguir.

A videocoisa no teletrabalho



Para quem está em teletrabalho, mantendo o relacionamento profissional através de videoconferência, o vídeo abaixo deve ser familiar.

Desde gritos de crianças na rectaguarda, vozes do outro progenitor a gritar com elas, pessoas a passarem de fininho na rectaguarda mas, obviamente, a serem vistas, miúdos que se chegam aos pais, em plena reunião, até a um beijo na boca em directo (beijo dado pela namorada do participante, sem que tivesse percebido que ele estava em videoconferência, deixando-o corado até às orelhas). Já assisti a tudo.

Outra coisa frequente e que tem o seu quê de engraçado é quando há uma interrupção na rede e a pessoa a quem a rede fraquejou fica no ecrã com a expressão congelada, boca aberta, olhos enviesados, ausente da situação. Continua-se a falar para os que ainda mexem e espera-se que o congelado ressuscite. 

Tudi isto tem o seu quê de bizarro mas rapidamente nos habituámos.

Habituamo-nos a tudo. Não é bom nem mau: é o que é.

Por mim não me importo e sou altamente adepta do teletrabalho. Um dia que acabe a quarentena e que possa sair livremente, ainda assim não me importava de ficar em teletrabalho. Este ritmo acelerado e intenso por demais há-de acalmar e, de resto, estou em crer que há colegas meus que antes ocupavam muito do seu tempo com confraternização e que hoje, em casa, devem estar folgados, sem ter muito que fazer. E se hoje me queixo do ritmo estuporado em que tenho vivido estes meus dias tenho esperança que, se isto normalizar e se puder sair e flanar sem restrições, o teletrabalho fique como uma opção inteligente, racional, amiga do ambiente, mais equilibrada na gestão da vida pessoal.

Há colegas que me dizem que estão desejando voltar ao escritório. São essencialmente colegas que têm crianças pequenas a quem têm que dar assistência. E gerir as rotinas domésticas, ir às compras, teletrabalhar e tomar conta de crianças é, realmente, obra.

Mas quando as escolas reabrirem e ir à rua volte a ser normal, não vejo porque, quem o possa, não se mantenha em teletrabalho. Poupam as pessoas, poupam as empresas, poupa o planeta. 



sábado, abril 18, 2020

Uns vídeos que mostram a inteligência e os bons sentimentos de alguns animais





Chego a sexta-feira a desejar que seja friday e que só me apeteça dizer que thanks god it's friday. Mas os astros não se alinharam. Foi do piorio. Aliás. Corrijo: não foi todo o dia que foi do piorio. Até ao meio-dia eu estava in the mood for the soi disant fds. Mas a partir daí a coisa começou a descambar.

Há fulanos que só estão bem a chatear os outros. E outros que se agarram às suas vacas sagradas como se não houvesse outras, profanas e boas. E outros que gostam de andar a pisar ovos, cautelosos, caguinchas, fazendo de um tudo para não partirem um prato. E a minha paciência vai enfraquecendo e eu a pensar que, afinal, era para ser uma santa antecâmara para um abençoado fds e está é a ser um longo e penoso calvário. Ninguém merece, penso eu quando tenho que aturar burro e estúpido.


Caneco.

E, à tarde, eu farta, farta, farta, fartinha, aparece-me um estupor, um velhaco, um estafermo, e eu, capaz de o mandar bugiar e a ter que me conter mas sem conseguir, acabei, já com a voz alterada, em crescendo: 'Faça o que quiser. E ficamos por aqui. Bom fim de semana' e pimbas, deslarguei-me da videoconferência.

E, acto contínuo, suspirei e disse, alto e bom som: 'Porra!' e vesti um casaco, peguei na máquina e no telemóvel e fui para a rua, andar, espairecer.


Depois, já mais descontraída, vim pôr meio franguinho no forno, temperado com fio de azeite, alho, alecrim. E. com os miúdos do frango, fiz um arroz com ervilhas, bacon, cenourinha. 

E, até que o franguinho tostasse, voltei à rua. 

Ainda não tinha soltado todas as feras que se tinham acoitado dentro de mim. Quando estou esbaforida, asfixiada, doida da vida de ter tido que aturar bandido disfarçado de executivo, preciso de bater perna. E ver o dourado do sol através das folhas, das flores. E sentir o frio e o cheiro limpo do eucalipto. E andar à pressa, subir, descer, andar -- até ficar cansada e pensar que tomara chegar a casa para descansar.


Meanwhile, falei com a minha mãe, falei com a minha filha.
A minha mãe diz que já sente falta de ir ao mercado, ao supermercado, à farmácia, dar umas voltas. Pois. Convenço-a a subir e a descer escadas, a regar o jardim -- mas ela diz que com o que tem chovido não faz sentido regar e eu digo que pois não mas que apanhe sol quando houver, faça respirações. E ela diz que sim. 
Entretanto, de tarde, enquanto estava a aturar gente insuportável, tinha visto, em fotografias, os dois meninos a jogar squash na parede da cozinha ou a jogarem à bola no quintal da outra avó, ali perto deles. Para eles, a quarentena deve ficar na memória como um tempo bom, cheio de coisas inabituais. Meus meninos queridos, crescidos. A minha filha conversou sobre o seu trabalho, sobre eles, sobre como lhe apetece ir à praia ou passear junto ao rio e eu conversei sobre o que calhou.

Dantes conversava enquanto conduzia. Gostava. Agora converso enquanto caminho e ouço os passarinhos. 
Ainda não contei que os passarinhos andam a saltitar do lado de fora e eu, do lado de dentro, a vê-los, pois não? Mas é. Se calhar, se abrisse a porta, ainda eram capazes de entrar. Pequeninos, peitinho amarelo, muito bonitos e mimosinhos, aos saltinhos, a cantarem, tão lindos. E eu, em videocoisa, a vê-los. A invejá-los.
Depois regressei, horas de jantar. O frango estava dourado e cheiroso de bom, o arroz bom, a saladinha a acompanhar, fresquinha, o pãozinho de sementes mesmo a calhar.


Enquanto jantávamos, o telefone. O bebé, já tão crescido, agora com o cabelo curtinho, sem os caracóis de bebé. Mostrou-me a janela para dizer que estava escuro. Perguntou se aqui também estava escuro. Fui lá fora mostrar que sim. Depois de termos conversado, apareceu o mano do meio, sempre alegre e brincalhão. Falei-lhe da fotografia que a mãe me tinha enviado, ele na escola, todo compenetrado. Depois a menininha mais linda, que já tem um quarto só para si, falou sobre as aulas e sobre o seu quartinho, tão bonito, ela já tão independente. E o mano do meio passou para a cama de cima e o bebé para a a cama do mano e, portanto, já não dorme na cama dos pequenos. Todos contentes.

No outro dia, pensando neles, disse: 'Quando estiver com eles vou agarrar-me completamente, dar-lhes mil abracinhos, mil beijinhos, não os vou largar, vou andar colada a eles, a dar-lhes beijinhos'. O meu marido, que não é disso, limitou-se a tentar esfriar-me os ânimos: 'Acho que não vais poder fazer nada disso'. Fiquei espantada: 'Ora essa, porque não?'. Mas ele, secamente, explicou que o distanciamento social vai continuar. Quero lá saber. Aqui no campo não há covid que me apanhe. Portanto, posso abraçar à vontade que não contagio ninguém. (O pior é se eles têm medo e não querem).

Bardabolas para o merdinhas.

[Aliás, para rematar aquela conversa, o que me apeteceu dizer foi: que se fornique o covid. Mas não disse. De resto, se dissesse, não era tão erudita no dizer para além de que prefiro verbos da segunda conjugação].


E, aqui chegada, a meia-noite dobrada, fico a pensar: em vez de estar para aqui a descrever dias sem história, na realidade a chover no molhado, não deveria eu antes escrever sobre ginástica em tempos de quarentena? Sobre truques para parecer mais gira e mais nova? Sobre sumos detox de uva temperados com framboesa? Sobre técnicas de relaxamento mental? Sobre como confeccionar máscaras fashion a partir de baby dolls vintage?

Mas não, tudo isso é too much areia para a minha pequena caminheta. Portanto, pus-me a fazer o do costume: a pastar por entre os campos de vídeo do YouTube.


E, para atestar o quão fraca é a esta little cabeça, tudo o que chamou a minha fútil atenção foi coisa de bicho. Vá lá saber-se porquê.


Aqui é uma mãe elefante a agradecer a quem salvou o seu bebé



Aqui é a mamã vaca a pedir ajuda para salvarem o seu bebé recém-nascido



E vi mais uma data deles. Tudo nesta onda. Tenho é a decência que não vos maçar mais.
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As fotografias que usei provêm do site 2019 Comedy Wildlife Photography Awards Winners e claro que nada disto tem a ver com a malta da Estudantina a cantar à uma em quarentena style. Portanto, façam o favor de dar o devido desconto.

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Fiquem bem, está bem? 
Enjoy. 
E saúde, malta.

sexta-feira, abril 17, 2020

Coisas de nada em tempo de confinamento





Dia preenchido demais. E muita chuva. Tanta. De noite acordámos com a sua intensidade. Pareceu-me ouvir dizer ao meu marido, eu meia a dormir e ele provavelmente também, que tinham aberto a torneira. Mas era mais do que torneira, era mangueira, mangueira de espantar manifestante. Muita chuva. Foi todo o dia. Só abrandou ao fim do dia. Quando acabei a última videoconferência ainda chovia. Abri a janela do canto, a que é resguardada, e fui fazer os telefonemas que não tinha atendido. Chovia muito. O meu marido passou por ali e, com o dedo rodando na testa, fez sinal de que sou maluca. Com a cabeça perguntei porquê. Disse em voz baixa e tom censor: 'Com o frio e essa chuva é bom estares aí, de janela aberta'. De facto, quando acabei um dos telefonemas, tive um ataque de espirros. Mas tentei abafar para ele não achar que tinha razão. 


A seguir, sem transição, avancei para a cozinha e pus entrecosto a estufar e, mal ferveu, resolvi ir andar.  Já passava um pouco das oito da noite. Vesti um impermeável e fui para o campo. Felizmente estava apenas uma chuva branda. Telefonei à minha mãe, depois ligou a minha filha. Caminhei apressadamente, estava frio, estava a molhar-me.

Regressei a casa. Fui ver se o entrecosto estava quase. Ainda não estava. Voltei à sala e fui responder aos mails, fazer umas aprovações, despachar umas gaitas.

A seguir, já estava a fazer-se tarde e o meu marido já a perguntar a que horas íamos jantar, fui juntar as favas. Esperei que levantassem fervura, baixei o lume e regressei à sala.


Estou cansada. Confinada. Ainda por cima hoje foi dia. Daqueles dias em que um tempo e uma tarefa enervante ocupam parte do dia: à hora de almoço fomos ao supermercado na vila mais próxima. Poucas pessoas, poucas, poucas, e todas de máscara. Curiosamente, apesar da distância, as pessoas quase fogem umas das outras. Como estava com pressa e tendo a ser distraída, cruzei-me com uma senhora que quase deu um salto para o lado para se pôr a uns dois metros de mim. De imediato, nem percebi aquela reacção. Depois é que percebi que a senhora estava, e, se calhar, bem, a distanciar-se de mim. No entanto, estávamos ambas de máscara.

Depois, quando chegámos a casa, foi aquele filme. Uns nervos. Ambos cheios de fome e a ter que cumprir aquele cerimonial absurdo. Sinto-me sempre estúpida a fazer aquilo mas acho que me sentiria ainda mais estúpida se aparecesse doente e pensasse que tinha resultado de ter menosprezado o bicho. E, então, foi levar os sacos para o estúdio, retirar tudo o que não fosse fresco e deixar ali  para ficar de quarentena uns dois ou três dias e, depois, os frescos para casa mas tudo vazado para sacos limpos, a fruta e os legumes lavados e postos de molho em água com um bocado de vinagre, o pão bem como peixe e carne para o congelador. A seguir despimo-nos e banho; e a roupa toda para a máquina. Depois escorrer a água avinagrada, passar as coisas por água corrente, secar tudo bem seco, guardado em sacos limpos, os morangos numa taça.

E a olhar para o relógio a ver que a reunião estava quase a começar, e ele só a receber chamadas. Almoçámos restos, separados pois ele não se despachava com os telefonemas e eu já estava atrasada.

Uma vez mais fui para uma videoconferência com o cabelo molhado. Wet hair. É um estilo. Por acaso até gosto de me ver, arranjada, de brinquinhos, e de cabelo molhado. Mas será para outra ocasião, não para ter uma reunião. Mas paciência. O dress code em teletrabalho pode ter algumas adaptações. Quando acabou o primeiro team meeting da tarde já estava varada de fome. Fui meter na boca um quadrado de chocolate negro a 85% de cacau e, ao mesmo tempo, uma flor de hibisco seca, que não sei se é confitada, se caramelizada. Uma flor mesmo. Óptima. Uma linda flor cor-de-rosa misturada na boca com chocolate negro. Vi no supermercado e não resisti. Nem sabia que eram comestíveis. O meu marido estava incomodado: nem sabes se isso é para comer. Não quero saber. Se não fosse, não vendiam. E estou viva. Portanto, quod erat demonstrandum.

Voltei ao trabalho. A seguir à outra reunião estava na mesma. Quando almoço à pressa e vou trabalhar de seguida, o meu cérebro não percebe que almocei e, então, espermeia como se estivesse na hora de refeiçoar (esta do outro maluco, o super-maluco, refeiçoar, ficou-me; acho que foi a única). Então levantei-me a correr e fui à cozinha: foi a vez de me deliciar com uns quantos cajus com arandos secos. Bom. Também trouxe de lá.

Cenas parvas as que estou para aqui a contar. Mas é que os meus dias são assim: daquilo que mais me marca, não falo, não posso. Há aquilo do silêncio, do dever de reserva -- noblesse oblige. Falo do resto mas, na realidade, das frioleiras fico a achar que não passam disso mesmo.


Entretanto, soube do Luis Sepúlveda e senti outro desgosto. No outro dia o meu marido tinha perguntado por ele, se se sabia alguma coisa. Disse-lhe que eu não sabia mas que, se calhar, já estava em casa, já lá ia muito tempo, já deveria estar bem senão sabia-se. Afinal não. Bicho traiçoeiro. tinhoso, sarnento, este merdinhas do covid. Há-de ser destruído com mata-piolhos mas mesmo para isso há que dar tempo, não se pode pôr dose cavalar senão mata não só o corona mas também outras coisas essenciais dentro da pessoa. Isto de matar vírus, pelos vistos, tem que se lhe diga. O homem que gostava de Portugal e que escrevia histórias boas de imaginar já não as escreverá nem contará mais. Mais um escritor que se vai e mais uma vida que o vírus piolhoso levou.


E, tirando isso, muita coisa: o anunciado regresso à nova normalidade com as dúvidas que isso trará, o vírus que, segundo o Trump, é fabricado pelos chineses, os quais, Trump à parte, também não são flor que se cheire, o Bolsonaro que demitiu o ministro da Saúde o que é bem feito para o ministro, que quem apoia o anormal do Bolsonaro merece mesmo é ser destratado, a dor que tenho na mão e não sei porquê, se calhar dei mau jeito com saco pesado demais, não sei, não faço ideia, só sei que me dói que se farta, e não é bem a mão, é mais o pulso, e ainda os amigos ditos improváveis que, à hora a que escrevo, estão na televisão a mostrar que o mundo é grande e nele cabem todos, e a chuva que ouço cair, sempre esta copiosa chuva, o gato que ouvi miar alto aqui perto, quem chamaria ele?, e também as saudades que tenho, muitas, muitas, as muitas dúvidas que me assaltam, as perplexidades com tantas coisas, os livros que não consigo ler, o tempo que passa a correr, o frio que faz e eu que me apetecia tanto estar estendida ao sol. Coisas assim.


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E mais isto, tão bom, tão bonito.

Dire merci

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As fotografias são fotografias do dia do National Geogarphic e a June Tabor está cá porque eu gostava que esta casa também fosse a casa dela.
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Uma boa sexta-feira para si que aí está a aturar-me.

Saúde.

quinta-feira, abril 16, 2020

Dona Helena, de quarentena, ensina como se faz a vacina.
O Economist também fala nisso mas não tem a mesma graça


A Dona Helena, ainda e sempre de quarentena, preocupada com o devir e sempre pronta a intervir, conta como soube a receita milagrosa para a vacina e, amiga de seu amigo, corre todos os riscos para vir aqui contar. Dona Helena é gente informada, relaciona-se com conhecidas que fazem parte de grupos onde se troca muito conhecimento, sabem de informação quente, coisa comprovada.

Partilho o vídeo onde poderão tirar a receita e fazer em casa. Claro que poderão não obter todos os ingredientes. Em altura de confino, nem sempre é fácil arranjar elementos científicos para confeccionar o preparo.

Portanto, sequenciei, contrastei pela lente da inteligência artificial e modelei com vista a arranjar sucedâneo. Coloco aqui e, tal como Dona Helena, peço para partilhar que é para viralizar.

Prestem atenção:
Pestana de chinês, tinta garnier asa de corvo, pingo de licor beirão (ingrediente sagrado que não pode falhar no remédio anti-covid), hóstia moída -- mas dentro do prazo (atenção que consta que andam a dá-las a eito mas é porque estão fora de prazo) --, bolor de pão esquecido num canto, pingo de óleo fula, duas sementes de chia, sabão azul e branco e leite de burra. Prensam bem, misturam tudo, levam ao micro-ondas, separam em tacinha para ter uma dose diária. Todos os dias, passam o besunto na pele para afastar piolho, carraça e corona. Tem como efeito secundário que a pele vai ficar mais macia que a de Dona Cleópatra mas isso é coisa em que nenhum Marco pode botar defeito.



A conversa do Economist é capaz de ser mais seca que a quarentena da Dona Helena e não sei se a gente, a partir do que eles dizem, consegue reproduzir as receitas aqui em casa mas, para quem aprecia o género, aqui fica o vídeo.

How to treat covid-19


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Saúde e um xi para os meus amigos

Rubem Fonseca


Gente, morreu o Rubem e eu, que gosto de malandro e que não me asfixio com palavrão e, por isso, gostava muito dele, fiquei com pena grande. Aquilo era mau-mau de faca leve a saltar no punho, aquilo era polícia choldra de dar asco, aquilo era tareão de criar bicho, aquilo era puta marmaja fazendo e desfazendo, aquilo era coroa safado comendo bichinha. Um mundo de maus exemplos. Mas, céus, que prosa mais sarada, que verbo mais escorreito, que manuseio mais elegante da língua portuguesa. José. Homem mais insolente, mais vagabundo. Sentimento mais delicado.

De tarde, estava a falar com a minha filha, todo o dia temos sempre muita conversa para pôr em dia, e ela, sempre cheia de notificação, recebeu a notícia. Pensei que era covid. Mas ela a leu sobre o sucedido e não era covid, era desacerto de coração, coisa de homem com coração muito vivido.

Rubem era homem urbano. Os seus livros estão na cidade. Se tivesse aqui algum, ia buscar bocadinho para lembrar a sua prosa insurrecta. Mas não tenho, aqui é campo.

Fica aqui apenas isto, estas palavras que lembram a alegria com que sempre segurava livro novo, o desfrute que era ler aquelas frases tão cheias de ambiente malandro e de amor à língua que era dele e que é também minha.

E mais este vídeo


quarta-feira, abril 15, 2020

Como e quando vai ser o day after?
[Reflexões enquanto curto a arte da quarentena]





Durante os primeiros tempos assisti, revoltada, preocupada, a uns tontos a não perceberem o que estava a acontecer. Gabavam-se que não tinham medo, gabavam-se de não fazer parte dos grupos de risco. Punham os outros em risco ao exibirem a sua marialvice que não era senão estupidez.

No espaço de dias foram ultrapassados pelos acontecimentos. Estão em casa, calados, sem saberem qual o seu espaço nestes tempos de confinamento, reduzidos à sua inutilidade. 

Entretanto, algumas pessoas conscientes, desde logo, assumiram várias linhas de conduta e aí animei-me: em primeiro lugar preservar a saúde das pessoas, em segundo lutar pelo rendimento que auferem, em terceiro -- ou ao mesmo tempo, sabe-se lá qual a real ordem dos factores quando a gente mergulha de cabeça na procura de uma solução -- aguentar a sustentabilidade das empresas, não interromper a cadeia de valor, não deixar de pagar a fornecedores. Meio mundo para casa em teletrabalho e, ao mesmo tempo, assumir mil cuidados para que quem tem que continuar a trabalhar o faça em segurança. Tem sido uma luta. Tudo se tem feito, tudo. E tem estado a correr menos mal.

Muita gente começa a adaptar-se. Outros continuam sem perceberem nada e sem conseguirem acompanhar o andamento das coisas. Mal nos lembramos deles. Hoje lembrei-me de um e lembrei-me para pensar que há que séculos que nada sabia dele, que há séculos que nem me lembrava dele, para constatar a pouca falta que faz.


Começa agora a pensar-se no retomar. E, uma vez mais, os que não perceberam antes, continuam a não perceber agora. Acham que se vai voltar para os mesmos lugares, nas mesmas condições. Não vai. Digo: não vai. Ficam calados. Se insisto, dizem: logo se vê. E eu percebo que é uma maneira de dizerem: não chateies. Mas não sou só eu, é meio mundo que diz o mesmo: não vai voltar a ser o mesmo.

E há que começar a pensar em como vai ser. É nisso que deveríamos estar concentrados. É que vai ser muito diferente. Nós vamos estar muito diferentes. Por isso, grandes mudanças devem ser encaradas.

Quem for inteligente, ajustar-se-á e saberá ficar bem, talvez melhor que antes. E este 'quem' não é apenas aplicado a pessoas, é também a empresas e organizações em geral. As empresas podem ser mais sustentáveis, melhores, melhores para os trabalhadores, melhores para o ambiente, para a economia em geral.

Pelo meio, perder-se-ão hábitos antigos. Mas ganhar-se-ão outros. O padrão de consumo vai mudar e pode ser que mude para melhor.
Contudo, vi uma fotografia da abertura da Hermès na China, depois do confinamento, e fiquei com dúvidas quanto à minha ideia: filas compactas na rua, muitas pessoas sem máscaras, uma loucura, tudo ávido de consumo, tudo a marimbar-se para o corona, tudo danado para matar saudade de écharpe, de gravata, de luxo. Olhei a fotografia e pensei: será que o bicho homem é burro mesmo, não aprende nem por mais uma? 

Mas sou crente. Não crente de dar beijo em cruz que alguém segure por mim mas crente de crer mesmo, no mais íntimo de mim, na capacidade de superação de que, por vezes, o bicho-homem é capaz. Desde que bem enquadrado, desde que com baias, sem ter muito por onde se espalhar, bem trabalhadinho, o bicho-homem é capaz de lutar pela sua sobrevivência e é capaz de criar belas obras de arte, belos feitos, belos actos de generosidade. Acredito nisso. E acredito na força da natureza. Cada vez mais, acredito na imensa sapiência da natureza. E acredito na omnisciência, omnipresença e omnipotência do tempo. O tempo e a natureza e uma carreiro apertado e bem vigiado na carneirada que é o bicho-homem e talvez a coisa vá.

Aqui no campo, com o tempo frio e chuva que deus a dá, só tenho os canais generalistas e o computador. Sou, pois, poupada a comentadores ou a notícias dadas e reprocessadas. São poucos os comentadores que vejo e, ainda assim, ou é gente de saber ou vai de asa. Por isso, apenas ao de leve me chegam ecos de gente ansiando pelo regresso. Não sei bem o que defendem nem me interessa. O que eu sei, mas sei por mim e sei pelo que vejo nos círculos em que me movo (agora, de forma virtual), é que, tirando os descerebrados do costume, o que há é muito cuidado. Em casa os que podem ficar em casa e, quase numa redoma e sob apertada monitorização, os que têm que sair para ir trabalhar no local de trabalho habitual. E muito agradecimento, muito, muito, muito, a todos os que se arriscam todos os dias. E que assim continue enquanto não existirem melhores informações ou tratamento ou vacina.

Claro que, no meio da desgraça que está a acontecer à economia, tenho a sorte de trabalhar num Grupo grande, que opera em áreas que, apesar de tudo, apresentam maior resiliência face a este embate. Mal, mal, está tudo o que tenha a ver com turismo, com restauração, com espectáculo, com pequenos estabelecimentos, com actividades individuais (por exemplo, como estará a aguentar-se o pequeno salão de cabeleireira de bairro, em que só há uma cabeleireira, a dona, onde vou quando o rei faz anos?; e como estarão a aguentar-se as empregadas de limpeza dos escritórios que estão fechados?; e será que todas as clientes de empregadas domésticas lhes pagam como se elas estivessem a trabalhar?; e será que faz sentido eu continuar a ter empregada doméstica se ficar em casa nos próximos meses, sei lá quantos? e os ATL? o que vai acontecer a todos os funcionários se, nos próximos tempos, os pais vão estar, na maior parte, em casa? etc. etc, etc). Muitas dúvidas, muitas armadilhas, muitas incógnitas.


Por isso, antes que se comecem a dizer coisas, deve é pôr-se os pés na terra e começar a imaginar o que vai ser o mundo daqui para a frente. E começar a encontrar soluções para os problemas que se forem identificando.

E as soluções devem passar por ter em consideração que novas necessidades vão nascendo -- e que vai haver um certo retorno ao interior, a outras formas de vida.

Mas lá está. Para que tudo isto se encarreire e se encarreire com o menor dolo possível é bom que haja baias, que o bicho-homem seja tocado para entrar nos caminhos certos.

E aqui entra a liderança necessária. Liderança política, antes de mais.

Até aqui António Costa tem estado bem: tem ouvido cientistas, tem ouvido economistas. Deve ouvir também sociológos, antropólogos, urbanistas. Deve criar grupos mistos de reflexão que contenham cientistas, artistas, economistas, engenheiros, arquitectos, agrónomos, consultores de estratégia com implantação internacional, etc. Mas deve pôr esta gente a pensar para produzir orientações estratégicas globais dentro de muito pouco tempo.

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Numa de #achatar a curva#, há quem transforme em arte a quarentena. As obras aqui expostas provêm de um lugar bem pensado. E a Joan Baez, interpretando Diamonds and Rust, faz sempre uma boa companhia.

E, para rematar, uma mescla de COW, Swan lake e Midsummer nights dream, obra do genial Ekman

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E uma boa quarta-feira.

Dantes, quarta-feira era o dia em que se dobrava a semana. Agora as semanas são um contínuo. 

Mas que seja um dia bom, seja como for.

terça-feira, abril 14, 2020

Tudo por causa daquilo das 'emoções positivas'


Voltou a chover e a estar frio e isso maça-me. Não basta não ter tempo para me pôr ao sol de papo para o ar como, cúmulo dos cúmulos, nem sol há para eu poder ter raiva por não aproveitá-lo.

E tenho a dizer que, como não tive que fazer o almoço, almoçámos rapidamente. Quando vinha de lavar os dentes, passei pelo quarto e vi o meu marido estendido em cima da cama, de pernas e braços abertos. Conferi: 'Estás vivo?'. Respondeu: 'Se me deixares, estou a fazer meditação'. Achei boa ideia. Peguei numa mantinha e fui deitar-me no sofá a ver se também meditava. Por causa das coisas, pus o despertador para daí por vinte minutos. Quando o despertador tocou já ele estava a trabalhar. Disse-lhe: 'Acho que não cheguei a meditar'. Ele confirmou. 'Adormeceste instantaneamente'. Não tive como negar mas, se foi, não foi por muito tempo.

No resto do tempo já não surgiu oportunidade de dormir ou meditar. Mas falei com um filósofo o que também produziu em mim um efeito curioso. Como estava zen não exerci o contraditório.

Numa outra reunião, tentei falar o menos possível para ver se não atraía. Penso que consegui. Mas fiquei a roer-me pois um zelig escapou incólume quando deveria ter sido punido. Mas o efeito da meditação ainda perdurava pelo que relevei.

Depois disso, por entre os pingos da chuva ao cair do dia, fui dar uma circulada. Ao regressar a la maison li uma coisa que despertou la pasionaria que há em mim; e, vai daí, não foi tarde nem cedo, enviei um mail daqueles que não fica pedra sobre pedra. Depois, rosnando o ¡No Pasarán! que palpitava dentro de mim, peguei nesse mail e dei conhecimento dele a mais cinco pessoas e, não contente com isso, enviei um mail ao primeiro a informar que tinha dado conhecimento do mail que lhe tinha enviado a ele a cinco que não são de se assoar. ¡No Pasarán!, não senhor. Isso é que era bom.

A seguir, satisfeita por já ter feito a má acção do dia, fomos jantar. Arroz de bochechas. Belo.

E, estando a jornada concluída, vim informar-me sobre os sucedidos do dia. Do lido, apenas um vídeo prendeu a minha atenção. No Guardian, uma senhora explicava a importância das emoções positivas para reforçar o sistema imunitário e para fazer face à neura do confinamento. Sendo eu toda adepta da boa onda, coisa que me é natural e, logo, involuntária, a verdade é que encanito com tudo o que me pareça conversa de xaxa, do tudo em cima e conversa do pensamento positivo e enlatado. Portanto, ouvi a senhora à espera de pensar que melhor faria ela se fosse dar banho ao cão. Ao cão ou à Margarida Rebelo Pinto, que também é toda moderna e positiva. Ou ao Valtinho que eu nisso estou como o Diogo que parece que também não vai à bola com aquela pia alma que destila positividade e ternurinha pelas leitoras mas que a mim só me dá ânsias. No entanto, achei que, na volta, a senhora tem é razão e a gente andar na boa e fartar-se de rir também mal não faz. E vai daí, segui o conselho dela, e pus-me a ver cenas bem dispostas. 

Com vossa licença -- e que  me desculpem os tristes, melancólicos e ensimesmados militantes -- aqui estão algumas das macacadas que já me fizeram rir. Riam também, está bem?

















E este foi o vídeo responsável por isto tudo:


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E uma terça-feira bem disposta para si que aí está desse lado.

segunda-feira, abril 13, 2020

Um domingo de Páscoa com um acontecimento misterioso e muitas descobertas





Estes dias têm momentos bons e momentos maus.

Adoro andar pelo campo, adoro fotografar, adoro aspirar o ar perfumado. Também gosto de fazer limpezas ou cozinhar. E gosto de ler e este domingo consegui ler, em tranquilidade, quase todo o último Cogneti. E ao longo de todo o dia fui recebendo fotografias e falando com a família. Também recebi mails e mensagens de colegas e amigos a desejarem boa páscoa. 

Mas depois há momentos de um certo vazio. Não estou de férias mas as minhas rotinas estão viradas do avesso. Saber que se avizinha uma semana cheia de responsabilidades e que esperam que dê orientações ou tome decisões agora em ambiente tão incerto e em que vejo tanta gente que me parece que ainda não percebeu a dimensão da mudança incomoda-me tanto mais quanto vou estar em casa, intercalando tudo isso com a preparação do almoço ou a arrumação doméstica. Acho que o teletrabalho é a solução que se antevê para muitos dos problemas de qualidade de vida pessoal, urbanísticos ou de organização territorial, mas este teletrabalho que vem em doses cavalares, absorvendo os meus dias de sol a sol e, ainda por cima, atado ao confinamento e à obrigatoriedade de engolir as muitas saudades que sinto, é-me deveras incómoda. Direi mesmo: traumatizante.

Claro que se estivesse presa num andar me sentiria ainda pior mas isto é sempre tudo relativo já que nunca ninguém está contente com o que tem. 


O futuro deve passar por teletrabalho para toda a gente que o possa fazer sem prejuízo da produtividade, disso não tenho dúvidas, mas deverá ser num horário não superior a seis horas diárias,  que, vendo bem as coisas, para que haja trabalho para todos, chega e sobra, e sempre permitindo a saudável separação entre período de trabalho e período de lazer e de descanso. Provavelmente deve estar assegurado que talvez um vez por mês haverá uma reunião presencial entre equipas para que se mantenha o vínculo afectivo.

Bem, mas isto não é agora para aqui chamado.

O fim de semana foi bom, descansado, mas tanto me tinha ficado por fazer durante a semana que, inevitavelmente, tive que ver apresentações, mandar mails, marcar reuniões. E essa invasão do meu espaço doméstico e do meu tempo de descanso anda a ser-me saturante. Tenho que tentar encontrar um ponto de equilíbrio.


Hoje de tarde, estava eu, absorta, a ler a subida de Paolo às montanhas, quando comecei a ouvir um barulho curioso. O meu marido levantou-se, foi ver. O barulho intensificou-se. Dir-se-ia que estávamos a ser atingidos por uma chuva de projécteis. O meu marido chamou-me, que eu fosse ver. E fui. Como uma chuva de pipocas, saltando ao atingirem o chão, fazendo ricochete nas pedras. Num instante tudo se cobriu de bolinhas brancas, pareciam pétalas. Mas eram bolinhas de gelo. E o céu a ribombar. Uma trovoada vindo do nada. Um epifenómeno. Mais um. Uma chuva torrencial, granizo, trovoada. Fui a correr fotografar para ficar com a prova de tão inusitado mistério. O paraíso é um lugar misterioso.

Algum tempo depois estava sol. Se não fosse a água ainda escorrendo das árvores ou a terra tão molhada, dir-se-ia que aquilo não tinha acontecido. Assim é a vida. Acontecem coisas, intensas, incompreensíveis, e depois, passado algum tempo, custa a acreditar que tenham acontecido.

Quando saí para passear ao fim do dia, os pássaros estavam mais efusivos que nunca, cantavam que era uma alegria, parece que estavam a soltar a franga que existe dentro deles depois do valente susto que devem ter apanhado. Uma cantoria que me pôs a sorrir. Também eu estava com vontade de festejar a alegria de tal mistério.

Do gatinho nem sinal. Tive pena pois gostava de perceber como tinha reagido ao que aconteceu. Se calhar abrigou-se numa das grutas e achou prudente não se arriscar a outro banho de pérolas geladas.


E agora que aqui estou, depois de ter visto em que param as modas no Japão no que ao corona diz respeito, um programa que passou na RTP 3, pus-me para aqui a descobrir o vasto mundo do YouTube. E pasmo. Pasmo com o que para aqui vai. Uma coisa infinita, impossível de adivinhar tudo o que para aqui se aloja. Não é a dark web, porque está tudo à vista, mas é um salsifré, a casa da mãe joana, o albergue espanhol, a sopa da pedra, o pot pourri, um bric a brac de milhões de peças multicores e multiformes.

Hoje descobri que há mulheres que têm canais próprios para explicarem como se maquilham os olhos, como se disfarçam as rugas, como se encobrem olheiras, como se tapam papos estejam eles onde estiverem, como se aplica a base, como se valorizam as sobrancelhas, como se enrolam as pestanas, como se alivia o semblante. Vi vídeos em que elas aparecem como se levantam, enrugadas, macilentas, e, ao fim de pouco tempo, estão frescas, iluminadas e desejáveis como se viessem de hollywood. Outra aparece velha e acaba o vídeo a parecer filha de si própria. Dei por mim a ver um atrás do outro. A aprender cenas. E dei também por mim a perceber que tenho andado a passar ao lado de uma outra eu.

Vejo que todas têm vários pincéis e que os conhecem pelo número. E há-os para todos os fins, para aplicar, para esbater, para iluminar, para realçar. e há toda uma paleta de cores e de produtos para que qualquer mulher banal pareça uma mulher não apenas apresentável como, direi mesmo, bela e intemporal.

E isto já para não falar das técnicas mais invasivas, em clínica, para preencher rugas, para encher lábios, para elevar as maçãs do rosto. Um mundo de oportunidades para contrariar o efeito do tempo ou a má qualidade estética de origem.


Nunca fiz nenhuma intervenção estética mas, mesmo a nível de tratamento de pele e de maquilhagem, que descuidada tenho sido. Mentalmente revejo a minha pobreza franciscana quanto a produtos. Aqui, in heaven, então, zero pincéis, zero blush, zero iluminadores, zero rímel, zero praticamente tudo. E depois o tempo que é preciso. Geralmente se gasto mais de uns quatro ou cinco minutos com a cara, de manhã, é muito. Ora, para toda a montagem de cenário que aqui tenho estado a ver, precisaria de uns dez a quinze minutos. No mínimo. Onde é que, em tempos normais, sabendo que tenho trânsito pela frente e um dia preenchido para não perder minuto, como arranjá-los? Ainda por cima, a deitar-me sempre às quinhentas, como levantar-me um quarto de hora mais cedo para me embonecar...? Mas que fiquei a pensar no assunto lá isso fiquei. Fiquei, fiquei.

Outra coisa que vi num vídeo é a altura a que se deve pôr o computador e a iluminação quando se está em vídeoconferência. Há técnicas para tudo quando o que está em causa é aparecer glamorosa do outro lado. E eu, no maior amadorismo, a andar com o computador de um lado para o outro e sem saber de todos os truques que afinal estão em tutoriais à disposição de quem o queira.

O meu amigo algoritmo, talvez por me achar uma intelectual extravagante dada aos números, às artes e às coreografias maradas, sugere-me sempre vídeos nessa base. Nunca me propôs estes vídeos espectaculares que tive que descobrir por mim mesma. E são viciantes.  É que há vídeos para tudo: penteados para cabelos que não se deixam pentear, franjas para todos os tipos de caras, maquilhagem para jantares em casa, batons para lábios finos e para lábios grossos, protectores solares para quem não quer usar base, sei lá. De tudo. Se me deixasse estar aqui mais um bocado nisto e se tivesse um arsenal a preceito a ver se esta semana não surpreendia os meus colegas. Nem saberiam com quem estavam a falar. 


No meio disto, imagine-se, apareceu-me um filósofo checo a falar do corona; mas a rede dele lá em casa devia ser pior que a minha pelo que não percebi nada do que ele disse. Desisti ao fim de um minuto. Para além de que é belfo e tem um sotaque cerrado que, em inglês, mal se percebe o que diz. E a meio dos tutoriais para peles e olhos claros e como parecer eternamente adolescente apareceu-me ainda o Chomsky, também a falar do corona. Testezinho do algoritmo, a ver se a quarentena me deu volta ao miolo, só pode. Abri o vídeo do Noam mas mais de trinta minutos e a perceber-se um bocado mal era coisa que cansaria a minha beleza, coisa certamente não recomendada para a iluminação da minha cútis. Fechei. Ficará para um outro dia em que me sinta mais capacitada para profundidades. 

Mais umas semanas de quarentena e ponho-me eu a fazer tutoriais. Modelos, cenários, green fields, inteligência artificial ou o escambau nem vê-los. Só tutoriais sobre beleza feminina.

Tirando isso, mais nada. Só se for que o cozido à portuguesa ficou bom e que o que sobrou ainda dará para esta segunda feira, pelo menos para o almoço. 


As fotografias estão aqui porque gosto delas e estão à venda no site Pictures For Elmhurst (A Print Sale Fundraiser for Elmhurst Hospital in NYC), uma iniciativa interessante e que talvez pudesse ser seguida por cá, divulgando fotógrafos nossos e beneficiando os nossos hospitais.

Se não me enganei na ordem, os autores são, respectivamente, Jody Rogac, Benedict Brink, Yelena Yemchuk, Samantha Casolari, Hart Lëshkina,  Zora Sicher e Sharif Hamza. Vieram ao som de HAEVN interpretando We Are 


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Uma boa semana para todos. Saúde.