terça-feira, abril 23, 2019

Um dia ainda vou fazer uma dieta verde.
E aprender a fazer papel à moda da China antiga.





Não sou vegan ou vegetariana e para provar que, sobre o tema, sou completamente ignorante até confesso que, ao escrever isto, nem estou a lembrar-me da diferença entre uma coisa e outra. Podia ir informar-me mas não me apetece. Como carne, como peixe, ovos, queijo. Mas cada vez como menos carne. Tenho lido que não é saudável nem para quem come, especialmente carnes vermelhas, nem para o planeta, e sou sensível a ambas as causas.

Sempre gostei de comida crua: saladas, frutas, sumos, frutos secos, mel. E queijo fresco e iogurte (agora quase todos os queijos). Quando andava na faculdade, alimentava-me bastante assim. E sempre que se proporciona, não hesito. 

Mas, como não sou de fundamentalismos, não há dietas ou regimes que consiga seguir à risca. Nada. 
Até porque tambem gosto muito de ervilhas com ovos escalfados, bacalhau com grão, gosto de comidinha apurada embora saudável, gosto de caracóis, gosto de choco frito, de sardinhas assadas, de pescada cozida com todos, gosto de petiscos cantoneses, gosto cozido à portuguesa, gosto de bacalhau à Brás, gosto de chamuças, gosto de quase tudo.
Mas a verdade é que sinto que, com o tempo, caminharei cada vez mais para a simplicidade absoluta.  Em tudo, nomeadamente na comida. Talvez venha mesmo, um dia, a tornar-me completamente crudívora. Completamente ou quase.

E atrai-me, cada vez mais, a vida simples, no campo, os trabalhos manuais, o silêncio, a quietude. Em contrapartida, a chamada vida social, que nunca me atraíu muito, é para mim cada vez mais um esforço. E, quando regresso à vida de trabalho e à perspectiva de reuniões e mais reuniões, necessito de, à noite, espairecer e mergulhar na calmaria dos bosques, da vida vivida em harmonia.

E os vídeos da série que agora aqui partilho são um bálsamo para mim. Por vezes têm legendas, por vezes não. Mas não me importo se não percebo o que a jovem faz. Gosto de ver. Dá-me vontade de me pôr também a fazer coisas assim. 

千年长安千年纸,原来最原始的纸张是这样造出来的
O milenar papel chinês



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E queiram descer para ver como Greta Thunberg, uma jovem com síndrome de Asperger, está a agitar as consciências em todo o mundo

Como uma miúda com Sindrome de Asperger está a agitar o mundo



Devo dizer que não engraço especialmente com miúdos com conversas de adultos, muito espevitados, muito sabichões. Também não acho grande piada à mediatização de talentos infantis. Por isso, quando comecei a ouvir falar na pequena Greta, não me interessei muito.


Até olhar mais atentamente e perceber que não existe ali vedetismo, não existe pose, não existe narcisismo. Greta não se arranja de uma forma apelativa, não se esforça para ser uma influencer ao estilo fashionist youtuber, apesar de muito solicitada não faz vida de selfies e likes, não se mostra deslumbrada com o palco que lhe dão nem com a adesão por parte de jovens um pouco por toda a parte do mundo dito desenvolvido.

Ouço-a e não há ali cedências ao facilitismo, não desloca a sua preocupação nem um milímetro da sua causa para si própria. Ela preocupa-se genuinamente com o que os adultos estão a fazer ao planeta. É uma lutadora implacável.

Frágil, uma menina. E, no entanto, a força da sua convicção está a agitar consciências e a despertar o mundo para a urgência na conservação do planeta.

É, na actualidade, um dos líderes mais carismáticos do mundo. 

Peço que vejam o vídeo abaixo. Nele Greta diz, com desarmante naturalidade que convive com o síndrome de Asperger e que talvez seja por isso que se entrega de uma forma tão intensa à causa do clima e do ambiente em geral.
A síndrome de Asperger é uma perturbação do desenvolvimento que afeta as capacidades de comunicação e relacionamento.

As crianças com esta síndrome exibem dificuldades no relacionamento com terceiros e interessam-se de um modo intenso por matérias muito específicas.
Quantas vezes se encara o futuro das crianças com Asperger com ansiedade, como se fossem incapazes de socializar ou de virem a afirmar-se por si próprias. Basta pôr os olhos em Greta para se perceber que não é bem assim.

Mas, independentemente dessa sua condição, há que pensar no que Greta diz. Poluição de qualquer tipo, falta de cuidado com os rios, com a qualidade do ar, falta de atenção à sustentabilidade dos recursos --- de tudo isto se fez o desenvolvimento industrial e o crescimento económico de muitos países. E tudo isto ainda acontece em muitos países, nomeadamente nos maiores, sem qualquer consciência, sem qualquer cuidado pelas gerações vindouras.

Por isso, muito gostaria que os jovens de todo o mundo obrigassem os adultos a reflectir e a mudar as suas más práticas, Com carácter de urgência. Como se a casa estivesse a arder.

How a 16-Year-Old Is Leading a Global Climate Movement

For hundreds of thousands of young people around the world, Greta Thunberg is an icon. In August 2018, dismayed by adults’ lack of action on the global climate crisis, the teenager sat herself down in front of the Swedish Parliament, pledging to strike from school every Friday until Sweden aligned its policies with the Paris Agreement. Greta’s actions have earned her a Nobel Peace Prize nomination and speaking engagements at the World Economic Forum and COP24—but most importantly, they’ve encouraged students from all over the globe to stand up for Earth and their futures.


E agora vejam, por favor, o emotivo e potente discurso de Greta aos líderes da União Europeia

Greta Thunberg's emotional speech to EU leaders

A sometimes tearful Greta Thunberg criticised EU leaders in Strasbourg for not taking the threat posed by climate change seriously enough. The 16-year-old activist said: 'If our house was falling apart our leaders wouldn’t go on like we do today ... if our house was falling apart you wouldn’t hold three emergency Brexit summits and no emergency summit regarding the breakdown of the climate and the environment.'


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segunda-feira, abril 22, 2019

Uma extraordinária descoberta in heaven.
E mais um vídeo onde, orgulhosa, mostro o fruto do nosso trabalhinho.




De volta à cidade e tentando manter-me agarrada ao espírito sagrado do meu heaven, agora que já tratei da lida doméstica, aterro no meu sofá para rever fotografias e vídeos.

Tal como referi no post anterior, este domingo de Páscoa fiz uma descoberta que me deixou não apenas surpreendida como mais do que encantada.

Parece que, de semana para semana, aquele meu lugar é mais habitado. Os pássaros são invisíveis mas penso que cada vez são mais. Cantam, cantam. Um despique, cantares diferentes, alto e bom som, uma alegria. E lagartixas. E gatos. E volta e meia uns cãezinhos pequenos que vêm da casa do outro lado da estrada. E penso que coelhos que sempre os lá houve embora, tal como os pássaros, sejam geralmente invisíveis. E borboletas e abelhas e formigas.


E sei lá que outros seres por lá vivem. Espreitei melhor para um dos ramais da gruta e parece-me impossível que seja desabitada. Uma rocha linda, a que está dentro da gruta. Macia, umas cores inesperadas mas suaves.


Mas, então, andava eu por lá passarinhando e fotografando e filmando quando vi, em cima de um arbusto de alecrim, uns ramos já secos de pinheiro. Depois da fase do desbaste, enquanto o meu marido anda a acabar com os rebentos no chão, eu ando a apanhar restos de ramos, pauzinhos secos.

Então, quando me debrucei para os apanhar, ouvi um barulho. Depois, uma corrida assustada por entre os arbustos. Olhei e vi que tinha saído de lá a correr um gatinho branco. De manhã já tinham saído a correr, à minha frente, dois gatinhos brancos mas isso foi perto da casa e agora, ali, estava bem longe. Espreitei. A caruma quando cai dos pinheiros, forma uma cama no chão e, quando cai em cima de arbustos, fica como que suspensa -- e eu já tinha reparado que se formam uma espécie de tocas.

E foi no fundo de uma dessas tocas que vi outro gatinho branco, já grandinho e, olhando melhor, pelo menos mais dois bebés, um todo branquinho e outro preto e branco. E eu fiquei ali a olhar para eles e o maior a olhar para mim, um olhar fluido, quase transparente.

A princípio parecia-me apenas um. Mas depois vi uma cabecinha pequenina a mexer-se.

Aproximei-me. Foquei melhor. Baixei-me. O pequenino dava às patinhas, queria mexer-se.

Depois vi que, ao lado (à esquerda na fotografia), outro serzinho se mexia. Um gatinho preto e branco

Não percebo qual o papel do que fugiu e qual o do que ficou. Não me parecem ainda adultos mas a verdade é que ali estavam dois gatinhos bebés. Talvez este maior seja um irmão mais velho dos bebés. Não sei. Ou será a mãe e o que fugiu o pai? Seja como for, uma ternura.

Que este meu espaço acolha estas vidas que aqui se reproduzem não me parece apenas maravilhoso, parece-me bem mais que isso. Sinto-o como uma bênção, uma dádiva, um presente divino, uma recompensa que me enternece, mais um laço que aqui me prende de uma forma visceral.

Depois afastei-me devagarinho, para que percebessem que sou bicho de paz, que comigo podem sentir-se tranquilos.

Fiquei foi a pensar: de que se alimentam? O meu marido diz que caçam. Mas será que o que há dá bem não apenas para os animais crescidos como também para os bebés quando forem mais crescidinhos?

Bem. A natureza é mãe, sabe o que faz. Não vou pôr-me a levar ração para tornar os gatinhos gordos e preguiçosos.


Para gordinha e preguiçosa já basto eu que, de tarde, estive deitada ao sol, no banco de pedra debaixo do pinheiro grande (aquele da primeira fotografia, lá em cima).

Mas aqui chegada devo esclarecer que resolvi voltar a fazer dieta. À vinda não pedi para o meu marido se desviar para eu ir comer o gelado de kumquat que adoro e o meu jantar foi uma barrigada de fome. A ver se não vou voltar a poder usar, nas calmas, calças 40, justinhas - ah vou, vou. Nem que jejue durante dias, nem que fique todos os dias aqui a escrever e com uma vontade danada de ir comer amêndoas, bananas, queijo.

Mas pronto, mostro-vos mais um dos vídeos feitos hoje de manhã. Por vezes, parece que está com a imagem um bocado tremida, não sei porquê. Falta de jeito minha, só pode.

O meu marido ouviu-o, há bocado, e perguntou porque é que eu, ao princípio, parecia cansada.  Pois não sei. Tinha estado a caminhar e a apanhar ramos secos e coisas assim mas nada que me fizesse ficar cansada. Na volta sou eu que, antes de começar a gravar, retenho a respiração para ver se a voz me sai com maior potência e depois, em vez de voz, sai uma expiração ofegante. Mistérios. Mistérios irrelevantes, acho eu.

Mais um passeio in heaven para mostrar como as árvores foram limpas até grande altura


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A quem aqui chegou, convido a descer por aí abaixo que há mais vídeos e fotografias in heaven e mais desta conversa solta e sem nada a ver.

[Por exemplo, nada a ver com essa ave de quem ainda há umas pequenas coisitas por descobrir, esse tal Pardal, Pedro Pardal Henriques de seu nome]

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E a todos desejo uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

domingo, abril 21, 2019

Quem sabe este não é mesmo um lugar poderoso aqui in heaven?
E que o seu poder não chega até vós...?





Dia tranquilíssimo. Uma aragem suave, um sol ameno. Limpei a casa, pasmei com o que a casa se suja mesmo com pouco movimento. A casa tem cinco portas que dão para a rua. Destas usamos regularmente três. E como andamos sempre dentro e fora, deve entrar pó ou somos nós que o trazemos connosco. Pó, não. Terra. Folhinhas, coisinhas do campo. 

E passeei, sentindo-me de férias. Três dias de férias.

E fiz uma descoberta que me deixou maravilhada e de que falarei mais logo.

E vi, espantada, que as roseiras bravas floriram. Costumo chamar-lhes rosinhas de Maio (e se calhar é mesmo o nome delas -- não sei) e, vendo-as agora, em Abril, perfumadas e efémeras, enterneci-me.

E o gatinho cor de mel veio pôr-se no banco de pedra junto à casa, como se fosse um barão. Ou uma baronesa -- não faço ideia.

E outro, o preto e branco, andou a passear-se sobre um muro e eu, que estava noutra, só o apanhei em desfocagem.

Depois, mais à frente, apareceram dois branquinhos a correr, assustados.

E, portanto, andei pelos campos a flanar e a fotografar e, de novo, fiz vídeos.

O meu marido hoje apanhou alguns dos infinitos rebentos ladrões que despontam por todo o lado mas circunscreveu-se à parte de cima do terreno. Está com dor nas costas.
Esta nossa terra, pela morfologia e por tudo, nunca poderá ser um terreno agrícola mas de terreno seco e pedregoso virou esta terra fértil onde tudo nasce, tudo cresce. E cresce de forma descontrolada. Se um dia deixarmos de tentar conter toda esta exuberância tenho a impressão que os caminhos desaparecerão no meio de árvores e arbustos e que a própria casa se tornará mais uma gruta para animais ou outros seres dos bosques.
Depois queimou o que apanhou mas num bidão para não ter que levar tudo lá para baixo. Não sabemos se mesmo para queiminhas destas tem que haver autorização mas, por via das dúvidas, pedimos na mesma.

Um dos vídeos que fiz foi uma tentativa de repetir um que tinha feito ontem ao fim do dia e que não pude aproveitar.
Como sempre que ando muito tempo fora quando a tarde vai alta, o meu marido começou a chamar por mim. Não respondi, claro, pois estava a filmar mas, na ausência de resposta, ele foi andando e chamando e o meu nome acaba por se ouvir perfeitamente. 
Hoje repeti mas não ficou nada bem pois deu-me para fazer com a máquina o que faço quando lá estou mas, pelos vistos, a uma velocidade muito maior. Portanto, uma almariação. Uma das coisas que tenho que aprender é a pôr alguns bocados dos vídeos em slow motion. Assim, como poderão constatar, fica complicado de ver. Fechem, por favor, os olhos para, no fim do vídeo, não caírem para o lado ou então tomem antes comprimidos para o enjoo.

Mas, acreditem, a intenção é boa.

Círculo de pedras in heaven



Entretanto, vou procurar uma coisa.

Cá está. Mostro um bocadinho daquilo do livro de Feng Shui para não pensarem que é delírio meu.


Aliás, o livro tem boas ideias e a disposição das coisas e dos jardins transmite uma sensação de grande harmonia. Não sei se algo mais que isso mas serenidade e harmonia transmite.

Tenho também a dizer que, quando me ouço, percebo que a meio das frases parece que me distraio e me esqueço de conjugar o sujeito com o predicado ou outras coisas do género. Um exaspero. Não sei se isso daria para editar mas devia dar porque há casos em que é uma vergonha.

E uma rectificação. Quando estamos na cidade a preparar as coisas para virmos para cá, andamos numa azáfama, a guardar isto, aquilo e o outro, e eu arrumo umas coisas, ele arruma outras e eu pergunto-lhe se ele já guardou isto e ele diz que eu me despache, que está farto de estar à espera. Ora bem. Eu sou despassarada, faço as coisas em piloto automático e, volta e meia, no meio destes preparativos, nem me lembro bem de as ter feito. E tão habituada estou a cometer gaffes que hoje, quando constatei que, em vez do cabrito pascal, tinha vindo porco, logo assumi que tinha sido mais uma das minhas. Quando, arreliada comigo mesmo, contei ao meu marido que não iríamos sacrificar nenhum cabrito, ele saíu-se com esta: 'Mas não era o saco que estava em cima, no congelador?'. E aí percebi que não fui eu, foi ele. Mas pronto, o assado de porco, cozinhado como um cabrito, ficou quase a saber ao dito. E comeu-se. 

Fiz assim: 
Num tabuleiro de forno, coloquei uma grande cebola nova cortada grosseiramente, um bom ramo de salsa, uns dentes de alho, um bocado de casca de laranja. Por cima a peça de porco. Por cima, pouco sal, mais salsa, orégãos, alecrim. Reguei com um pouco tinto alentejano e de azeite. O forno que estava previamente aquecido, foi reduzido para receber o tabuleiro. Esteve lá cerca de duas horas em forno a 170º. De vez em quando, virava a carne. No fim, cozi batata doce e, quando cozidas, verti-as sobre o tabuleiro. Parte das batatas absorveu o molho. Por cima pus um pouco mais de orégãos e um fio de azeite. Voltou tudo ao forno para bronzear. 
E esta fotografia é para o Soliplass que talvez reconheça a silhueta que se vê ao fundo.
Boa Páscoa, Lenhador que se fez ao Mar

E, uma vez mais, boa Páscoa a todos

Onde a contralto UJM reincide, passeando-se in heaven e mostrando um ex-tufinho redondinho até ser brutalmente interrompida por dois intempestivos ramos de cedro





Bem. Disse contralto mas também poderia ter dito soprano, mezzo soprano e, até mesmo, sabe-se lá, encorpando a voz, tenor ou, mesmo, quiçá, barítona. Também poderia ter dito outra coisa qualquer nessa base embora, para falar verdade, me pareça que nem que nasça mil vezes aparecerei com outra voz que não esta.
Imaginem quando dava aulas. Incapaz de gritar. Se queria zangar-me em voz alta está bem, está. Se tentava, dava-me tosse. Portanto, não podia ir por aí senão destavam-se todos a rir. Ficava calada. E eles, vendo-me calada, acabavam por se calar. 
Quando faço apresentações em salas grandes ou bem que há microfone ou tenho que me focar na forma como coloco a voz. E até consigo colocá-la. Mas tem que ser coisa propositada pois, se não estiver focada nisso, a voz sai-me mais apropriada à intimidade do que ao palco, ou seja, soft, sem elevações nem espinhos.

Se virem num post mais abaixo há por aí quem ache que a minha voz é uma porcaria. Eu não seria tão derrotista mas, já se sabe, tendo a ser caridosa (em geral, incluindo comigo mesma). No entanto, reconheço que não poderei fazer a vida com esta voz com que nasci. E daí... não sei, não. Ainda vou pensar no assunto. Estou aqui a ter uma ideia que, se bem explorada, capaz de ter alguma saída. É que, pensando bem, ter uma voz baixa ou ter umas mãos pequeninas ou a pele assim ou assado é daquelas coisas que não faz bem nem mal, são o que são e a gente adapta-se ao que tem. Agora uma pessoa com má índole, não é por nada mas duvido que tenha grande saída. Mas ao contrário da voz ou das mãos ou da cor da pele que são coisas sem salvação, já o mau feitio pode ter tratamento. Eu, pelo menos, acho que sim. E recomendo.

Bem, adiante. 

Temos estado no campo e, como sempre, tem sido aquela luta contra o mato que rebenta, as árvores que devem ser mais desbastadas, as plantas secas que devem ser retiradas e queimadas.


No entanto, in between, ainda consegui estar deitada ao sol. Estava um calorzinho divino. Deitada sob o plátano, apanhando um solzinho dos deuses, ouvindo os passarinhos, não podia estar melhor.

Estava com a máquina a fotografar o céu e as folhas e tudo quando, uma vez mais, me senti observada. Aquela sensação oblíqua sobre a pele, um meio arrepio. Um olhar silencioso e penetrante pousado em mim.

Olhei em volta até que o vi,

Lá estava ele, o gato de mel. Lindo, uns olhos lindos, um pêlo macio e lindo. Fiquei a olhá-lo e ele a mim. Depois fotografei-o. E ali ficámos. Não sei se um dia serei capaz de me aproximar dele, nem sei se ele quererá chegar-se até mim. Nunca fui capaz de fazer uma festa num gato. Tenho medo que se vire a mim. E, no entanto, que encantamento ver a elegância arisca e inteligente dos gatos.

Andei também a fotografar rosmaninho, alecrim, musgos, líquenes, pedrinhas, folhinhas, florzinhas secas. Tudo me encanta.


Fiz também, outra vez, vários filmes. Mas nuns apanho o meu marido e isso não me parece bem, noutros é ele que chama outra vez por mim e ouve-se distintamente o nome e eu fico furiosa com ele, noutros mostro mais do que devo e isso também não se recomenda, etc. Uma luta. Tenho que aprender a editar estas obras, nomeadamente a truncar trechos de vídeo. 

A verdade é que nunca o tempo me chega. Tantos os afazeres no campo que chegamos ambos aqui à noite e estamos cansados e eu sem vontade para explorações e aprendizagens.

Portanto, sem mais delongas, eis o brilhante vídeo que se salvou e que era para ser uma coisa mas que, por causa de dois ramos de cedro caídos e secos que pediram para irem saltar à fogueira, se ficou por aquilo que é e que aqui, com vossa licença, se mostra.



E a todos desejo um belo domingo de Páscoa

Até que um dia tudo vira passado e saudade


Mais uma excelsa interpretação de Sergei Polunin, desta vez dançando uma sentida separação. Eu, que não gosto de separações e que prefiro sair de fininho, fico sempre emocionada quando testemunho de perto uma separação. Ainda no outro dia, quando uma colega se despediu, estava ela contida, vencendo a emoção, conseguindo falar e agradecer, e eu emocionada, com vontade de chorar. E ela ao meu lado. No fim, quis dizer-lhe alguma coisa mas estava tão em ponto de rebuçado que apenas consegui desejar-lhe boa sorte. 

No caso deste bailado, acresce que a Giselle é Natalia Osipova, justamente a ex-namorada, recentemente separada de Sergei. Mas, enfim, a petite histoire de pouco interessa face ao imenso talento dos seus intérpretes.



Para as selfies ficarem ainda mais compostas só lá falta mesmo o nosso Marcelo


Gorilas posam para selfie com guardas florestais


Duas das mais recentes estrelas do Facebook vivem no Parque Nacional de Virunga, património da UNESCO na República Democrática do Congo. Ndakasi and Matabishi são dois gorilas que estão a encantar a internet com os seus dotes para as selfies.

Na imagem partilhada no Facebook, os dois gorilas posam descontraidamente para a fotografia tirada por um guarda-florestal que protege os animais da caça furtiva. (...)




Há coisas extraordinárias. E eu a achar que isto de meio mundo gostar de se autofotografar é coisa de humanos deslumbrados consigo próprios quando, afinal, isto é é mas é coisa dos genes. E na volta eu descendo é de peixes ou de borboletas ou de espécies assim, indiferentes à sua própria imagem. Ou então ainda estou atrasada, ainda não descobri a maravilha de, em vez de fotografar a paisagem, me fotografar a mim com a paisagem em fundo -- e um dia lá chegarei. Ou whatever. 

sábado, abril 20, 2019

Onde se ouve a Sta UJM, sob um assombroso céu cor-de-rosa, a falar do deus fantástico que vive nas suas casas e a dizer palavras que beijam como se tivessem boca





Quando esta sexta-feira fomos, então, ver das roçadoras e quando o diligente funcionário explicava o seu funcionamento -- puxa o cordão, quando sentir que prende é que lhe dá a guinada, e descansa depois de usar não sei quanto tempo e etc. -- pensei que duvidava muito que o meu marido soubesse de todos esses cuidados. Por isso, mal o senhor se afastou, perguntei: não será que a nossa não está estragada e que tu é que não sabias estes preceitos todos? Ele olhou com ar de quem não sabia se devia ficar ofendido comigo se, ele próprio, estava nessa mesma na dúvida e disse: vamos embora.

E assim foi. Quando chegámos, depois de termos ido a casa dos meus pais, eu fui passear e ele foi-se a ela. E, claro, ela funcionou. Quando me aproximei, ele só disse: sem comentários. E eu apenas disse: aquela pergunta que fiz foi a chamada pergunta de cento e cinquenta euros. E ele riu-se.


Já cortou algumas coisas e já está mais do que avisado para amanhã se focar no tojo e nas silvas e poupar os orégãos. Mas temo. Os orégãos estão pequeninos e ele, com os óculos de protecção que me parece que turvam a visão e com a falta de cuidado que o caracteriza, não vai prestar atenção.

E eu, como disse, andei a passear e a fotografar e a fazer vídeos. O primeiro ficou com dezassete minutos e o YouTube diz que, para o carregar, tenho que provar que sou eu e, para tal, tenho que lhe dar mais informações do que me apetece dar-lhe e, por isso, mais um vídeo que vai para o lixo. O terceiro, feito aqui à porta da sala, para mostrar um céu cor-de-rosa que se formou durante uns instantes, ficou bem, acho eu. Só que a meio, o meu marido, ao ver-me em cima de uma pedra, a olhar para o céu e a falar sozinha, chamou por mim, pelo meu nome, a perguntar-me o que se passava. E eu, querendo que não se ouvisse isso, desviei a máquina e fiz sinal para que se calasse e, agora, ao ouvir, parece que soluço. Fica estranho, não gosto. Portanto, o céu cor-de-rosa, tão lindo, também não vai para o ar. Fico-me pelas três fotografias que fiz antes de filmar e que aqui partilho.

A robínia está florida, dá estes belos cachos de flores brancas. E o céu cor-de-rosa visto através das flores brancas pareceu-me de uma beleza assombrosa.


Portanto, de toda a minha produção cinematográfica, salvo apenas o vídeo lá mais abaixo do abrigozinho verde de que tanto gosto.

E, tirando isso, nada. Tudo tranquilo. O meu pai na forma do costume, como a minha mãe diz, ela sempre bem disposta apesar dos pesares, e uns a sul com amigos, outros em campeonatos de futebol. 

A Páscoa para nós não tem grande significado. No nosso pensamento racional não encaixa o significado místico que se atribui à ressurreição. Se é para ser metáfora de que manteremos sempre viva a presença dos que amamos mesmo quando partem então, sim, é bonito e verdadeiro e nisso acreditamos -- mas é coisa de todos os dias, não de um dia único que, segundo os rituais do catolicismo é precedido de encenações e restrições e celebrações de milagres.

Num àparte direi que a religião católica tanta roupagem coloca sobre os acontecimentos históricos que acaba por esbater a sua importância e por desvirtuar a singeleza das ilações que deles se poderiam retirar. Lembro-me sempre que o divórcio que em mim se operou relativamente à igreja católica teve lugar num dia em que as catequistas, por alturas da Páscoa, levaram à escola um vídeo sobre a traição, sobre o calvário, sobre a crucificação, sobre a ressurreição. E tudo era muito realista, muito assustador. E lembro-me de ter pensado que aquilo não era coisa que se mostrasse a crianças. Teria eu uns nove anos. E a religião sempre me foi apresentada como uma expiação para pecados que eu não sabia que tinha cometido, como um desfiar permanente de culpas, de interditos --  tudo coisas a que sou naturalmente avessa. Nunca me foi apresentada como um espaço de recolhimento interior, como a possibilidade de superação das nossas limitações através de um querer ilimitado que nasce dentro de nós. Nunca me foi apresentada como uma transcendência como a que se pode verificar no milagre permanente que testemunhamos na observação atenta da natureza.

Mas, enfim, chega de conversa.

Eis o pequeno vídeo deste meu pequeno recanto verde aqui in heaven. A Sophia e o O'Neill frente a frente e eu no meio falando no anjo fantástico que habita as casas em que vivo e dizendo palavras que nos beijam como se tivessem boca. E ouvem-se os passarinhos que é das coisas boas e alegres desta vida por vezes tão cheia de agruras e sustos e tristezas.

[A minha voz é o que é, involuntariamente sempre a meio caminho de se desvanecer num sussurro. Começo a convencer-me que nada há a fazer.] 

A senhora em repouso in heaven e a poesia em verde com anjos e palavras que beijam


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[Tentarei, durante este sábado, responder aos comentários de ontem. Hoje não consigo]

A todos desejo dias felizes

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O dia a seguir


Isto foi ontem. Pensámos chegar um pouco mais cedo para irmos ver das roçadoras e dali directamente para ao cinema. Afinal o trânsito e outros contratempos fizeram com que apenas quase tangencialmente conseguíssemos chegar a tempo.

Andava com vontade e o meu marido a dizer que ver porcarias não ia. Mas este pareceu-me bom e, dizendo-lhe que se passava na Alemanha do pós-guerra e patati patatá, lá se deixou convencer.
Sempre que venho do cinema venho escaldada, incomodada com aquela gente que vai com litros de coca-cola e baldes de pipocas para dentro da sala de cinema, seres ruminantes que não respeitam a sacralidade dos lugares. Mas, depois de jejuar, volta sempre a vontade. Além do mais, sendo o filme que era, o mais provável é que a sala estivesse vazia.
Depois de passarmos pela provação de estarmos na fila enquanto os que estavam à nossa frente, tal o tamanho dos baldes, se aviavam como se não comessem há semanas e estivessem a açambarcar para as próximas, lá fomos.

E a sala estava mesmo quase vazia e os poucos que lá estavam não tinham ido para comer. Por isso, durante o filme imperou o silêncio.


E o filme foi bom. Bem feito, bem interpretado, uma boa história, um argumento a caminhar sobre a ténue linha de equilíbrio entre o éxpectável e o pouco óbvio. E Alexander Skarsgård -- que não conhecia -- belíssimo, sensibilíssimo, gostosíssimo de ver.


E o enredo com drama e com romance e com sedução e com saudade e tristeza e com perigo e com compaixão. 

Por duas vezes chorei e por duas vzes o meu marido olhou para mim admirado a perguntar porque é que eu estava a chorar. Sabe-se lá porque é que se chora. Porque a emoção do momento transborda da tele e chega até nós. Porque, por algum motivo, estamos mais frágeis. Porque quando vamos ver um filme destes já vamos com predisposição para nos deixarmos tocar. Sei lá.

O filme é 'O dia a seguir', The Aftermath, de James Kent com: Keira Knightley, Alexander Skarsgård, Ned Wills, Pandora Colin, Jason Clarkee.

Transcrevo do Cinecartaz:
Hamburgo, Alemanha. O ano é 1946. Rachel Morgan (Keira Knightley) chega à cidade para se reunir com o marido, Lewis (Jason Clarke), um coronel inglês encarregue da reconstrução daquele lugar, quase totalmente destruído pelos bombardeamentos da Segunda Grande Guerra. Está estipulado que o casal vá viver para um palacete que foi propriedade de Stephen Lubert (Alexander Skarsgård), um alemão viúvo que ali tem vivido com a filha pequena. Decidido a fazer algo pelo futuro do país que está a ajudar a reerguer, Lewis toma a decisão de deixar Stephen e a criança viverem com eles. Contudo, este gesto de generosidade trará consequências devastadoras e irrevogáveis para si e para a sua família.


Se é que a minha recomendação vale de alguma coisa, aqui fica ela.

sexta-feira, abril 19, 2019

Quem é Pedro Pardal Henriques?


Quando ontem à noite vos disse que me parecia haver muito para investigar nesta greve selvagem dos motoristas de produtos perigosos não esperava que a coisa começasse a saltar tão rapidamente. 

No entanto, em boa verdade vos digo: ou muito me engano ou a procissão ainda vai no adro. 

Uma simples pesquisa no google permite chegar até onde ele paira (BNI - A maior organização profissional de negócios e referenciação do Mundo onde é Secretário e Tesoureiro + International Lawyers Associated, sociedade que se apresenta como se a ele se resumisse: Pedro Pardal Henriques assume-se com referência na advocacia Portuguesa e Internacional como um escritório de advogados especialmente vocacionado para áreas relacionadas com as Sociedades Comerciais, os Investimentos e os Investidores, com todas as áreas do direito que lhe são conexas, tais como o Direito Societário e o Direito do Trabalho, o Direito Fiscal, o Direito Bancário, o Direito dos Seguros, Fundos de Investimento e o Direito Imobiliário)

O Diário de Notícias destapa parte do véu.  Quem é o advogado de Maserati que dirige os camionistas?

O país descobriu-o como vice-presidente do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas. Mas Pedro Pardal Henriques é advogado. E dele há más memórias em França e referências pouco claras em Portugal. (...)
E aí pode ler-se sobre as divergências entre datas de licenciatura na Lusófona e o que agora diz, as bastas acusações contra ele (por exemplo, por se apropriar indevidamente de verbas), etc. E pode ler-se o espanto de todos quantos o conhecem por, do nada, agora aparecer à frente de um sindicato de motoristas quando nunca foi motorista.

Pedro Pardal Henriques, in DN

E o artigo expõe ainda como a sede do Sindicato, SNMMP, do qual Pedro Pardal Henriques é vice-presidente, é afinal a mesma da International Lawyers Associated: Avenida Visconde de Valmor, n.º 66, 3.º Piso, 1050-242 Lisboa


Por isso vos digo. Read my lips: parte do véu. 

Recomendo ainda a leitura de Uma greve contra todos de Daniel Oliveira que analisa parte do assunto. Mas em verdade vos digo: cá para mim, o busílis da questão está mais fundo. Mas, como ontem referi, acredito que haja quem se esteja a ocupar do assunto.

Já agora: vejam, pf, o vídeo de apresentação do grande, imenso, escritório de advogados, uma verdadeira multinacional (aparentemente nascida há um ano e subitamente transformada num dos mais relevantes escritórios de advogados de Portugal -- ou do mundo, nem sei), e que tem como cartão de apresentação a fotografia do insigne fundador (que, noutros sítios, é também administrador, tesoureiro, secretário, sindicalista e etc) Pedro Pardal Henriques com o ubíquo Presidente Marcelo (que um dia ainda se há-de arrepender de andar a posar ao lado de tudo o que é cão e gato, sem ofensa para os cães e para os gatos, claro)



Ah, e outra coisa: Pedro Pardal Henriques tem um problema a escrever e, em especial, a colocar vírgulas. E isso, em cima de tudo o resto, só contribui para me arreliar ainda mais.

quinta-feira, abril 18, 2019

Read my lips


À vinda, as estradas estavam vazias e eu, que vinha ao telefone com a minha mãe, estava intrigada com tão poucos carros, se seria que já estava toda a gente de férias ou se teriam ficado com os depósitos vazios. Hoje já ouvi uma que dizia que não podia ir trabalhar porque não tinha como ir sem ser de carro e que o combustível já estava por um fio e, ao comentar isso, disseram-me que estava a acontecer por todo o lado. 

Ontem estive muito tempo em fila porque uma das faixas estava parada para ir para a estação de serviço mas quando, ao fim de quase uma hora, passei por lá reparei que só uma bomba estava a abastecer. Se calhar, gasolina. Hoje, ao passar por lá, estava tudo inactivo.

Como pode tão pouca gente tão facilmente paralisar um país e como pode isto acontecer assim quase de súbito....?

Presumo que a esta hora os Serviços Secretos estejam numa azáfama porque o que se anda a passar de há uns tempos a esta parte tem muito que se lhe diga. Desde enfermeiros desencabrestados que não se importam de provocar mortes ou causar sofrimento e que se financiam de uma forma que tem tanto de eficaz quanto de suspeita até a este sindicato dos motoristas que nem meio ano tem de existência e que já está a causar um abalo que, a não ser a greve interrompida, só tende a piorar -- tudo isto fede. 

Não posso afirmar de atestado passado se há gente da extrema-extrema direita metida nisto, se há financiamento de russos se quê mas ou muito me engano ou alguma coisa há.

Não sou paranóica, detesto teorias de conspiração, não sou de especulações à toa mas uma coisa vos digo: Portugal é um exemplo bom demais, uma democracia bem sucedida demais para não incomodar quem tudo faz para enfraquecer a União Europeia e os regimes verdadeiramente democráticos. Quem anda a fazer isto, fá-lo inteligentemente, usando armas que conotamos com direitos e liberdades e que, por hábito e cultura, não queremos atacar. Mais: estas acções assentam em descontentamentos legítimos (repito: legítimos). E que os sindicados antigos usam metodologias acabadas é também um facto, pelo que fugir deles é também mais do que legítino. O aproveitamento das razões legítimas é  que, na forma, pode ser ilegítimo. Demolidor. Virando a população contra incertos, contra o Governo (mesmo que o Governo não tenha nada a ver com o assunto), contra os 'políticos' em geral.

E são estas as armas que quem quer que anda a conjecturar para minar os pilares da democracia está a usar.

Presumo que os Serviços Secretos portugueses estejam a trabalhar em articulação com os Serviços Secretos de outros países democráticos europeus porque quem assim actua fá-lo de forma planeada, inteligente e global. Coletes amarelos aqui, greves selvagens acolá. A porta cada vez mais aberta ao populismo que destrói a democracia.

E não, não estou a viajar na maionese. Read my lips. 

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Mudando de assunto, aligeirando o tema -- não para nos distrairmos mas para conseguirmos manter a serenidade e o discernimento mesmo no meio da baderna: Charlie Chaplin é perseguido por um polícia.


quarta-feira, abril 17, 2019

Carta de Paulo* aos políticos e aos capitalistas hipócritas






Permita-me algumas considerações pessoais sobre o debate em torno da “Sustentabilidade do sistema de pensões português”. Não sou especialista na matéria e, correndo os riscos de imprecisão de um leigo, procurarei apenas com as minhas considerações pessoais ancoradas no tal estudo demonstrar que o grande problema do estudo não é “técnico” mas político. 

O “crime” cometido pelos autores e promotores do estudo é exatamente procurarem esconder a relação – incontornável – entre a economia (enquanto ciência) e a política.

Ora, os estudos em ciências sociais (e na economia em particular) adotam necessariamente um conjunto de pressupostos e assumpções as quais, na generalidade, podem facilmente ser associadas a determinadas opções políticas.

Neste estudo em particular as conclusões são facilmente explicáveis desde logo pelos pressupostos explícitos (ou seja, sem analisarmos os implícitos): consideram-se a) a imutabilidade das regras atuais do sistema, b) baseia-se num determinado cenário de projeções demográficas e c) assenta numa análise da evolução da economia no que concerne apenas ao emprego e salários.

O que salta logo à vista neste trabalho é uma análise cuidada dos diferentes efeitos associados à evolução da produtividade e à consequente distribuição da riqueza gerada.

- Para começar, mensurar a produtividade não é tão simples como possa parecer. O estudo adopta a perspetiva salários+contribuições sociais / hora trabalhada. Ora, este indicador é especialmente indicado para avaliar a resistência de uma dada opção política estabelecida face a possíveis efeitos exógenos. Por exemplo, a produtividade mensurada pelo PIB / horas trabalhadas dá-nos, naturalmente, perspetivas diferentes sobre a economia como um todo e é especialmente útil para analisar diferentes opções políticas face a um mesmo cenário.
https://data.oecd.org/lprdty/gdp-per-hour-worked.htm#indicator-chart 
Um dos argumentos do estudo para os resultados negativos do atual sistema de protecção social é uma evolução muito comedida do primeiro indicador de produtividade que referi. No entanto, um comportamento negativo deste indicador não tem de representar necessariamente uma baixa geral da produtividade dos trabalhadores (ou seja, não tem de ser propriamente “negativo”). De facto, tal poderá ocorrer por motivos positivos (por exemplo, redução do horário de trabalho mas manutenção dos níveis remuneratórios). Infelizmente, os motivos negativos provavelmente são os mais prováveis: uma tendência de moderação dos salários e contribuições, mantendo-os sistematicamente abaixo da evolução do produto interno bruto (ou seja, uma diminuição do bolo que é produzido atribuído aos trabalhadores…). Assim, um dos primeiros pressupostos questionáveis do estudo é considerar que os cidadãos vão permitir uma perda dos ganhos crescentes associados ao cada vez maior volume e valor da produção (que pode ser obtido por via da crescente automatização e robotização de muitos processos produtivos num período em que transitoriamente os trabalhadores não terão as competências necessárias para abraçar os novos trabalhos que surgirão na economia – e note-se que até estou a pressupor que no longo prazo não haverá propriamente uma destruição de emprego por via da robotização, mas no curto / médio prazo acho-a inevitável. 

Vamos agora às questões de distribuição.

As contribuições para a segurança social somam apenas 9,3% do PIB (valor que não tem registado grandes alterações desde 2000), sendo uma das percentagens mais baixas da Europa.
https://data.oecd.org/tax/social-security-contributions.htm 
Ora, não vejo porque devemos admitir que esta opção política de colocar em segundo plano o esforço coletivo na construção do sistema de segurança social não se irá alterar. De facto, poderá alterar-se de muitas maneiras. Podemos, claro, privatizar o sistema, o que provavelmente tornará o sistema mais caro e, desta forma, para os mesmos níveis de protecção, necessitaremos de gastar mais. Mas podemos admitir também que a segurança social passa a ser um dos grandes desígnios de política pública e, das duas uma, admitimos um aumento da carga fiscal (com a contrapartida de um sistema melhor e mais robusto) ou, mantendo a mesma carga fiscal em % do PIB, abdicamos do papel do estado noutras áreas geridas pelo estado. Note-se, no entanto, que o estudo refere, no cenário mais negativo, a necessidade do orçamento de estado transferir para a segurança social o equivalente a 5,2% do PIB. Ora, independentemente deste valor ser obtido por via do aumento de impostos ou realocação da despesa do estado, isto colocaria o peso relativo do financiamento da segurança social ao nível do que se regista hoje em países como a Alemanha, Eslovénia ou República Checa. Nada de extraordinário portanto.

Por fim, olhemos para o problema concreto do financiamento indexado às compensações por trabalho recebidas pelos trabalhadores assalariados (salários mais contribuições para o sistema de proteção social). O indicador que mede o peso dessas compensações em função do valor acrescentado produzido pela economia tem vindo a cair ligeiramente (de 54,92% do valor acrescentado em 2000 para 50,12% em 2015 e uma ligeira recuperação para 51.87% em 2018. https://data.oecd.org/earnwage/employee-compensation-by-activity.htm#indicator-chart Ora, estes dados sugerem que um dos grandes problemas do sistema de segurança social pode ser exatamente a cada vez menor repartição do valor acrescentado produzido com trabalhadores; como o financiamento da segurança social é sensível à alocação de recursos que a economia coloca nos trabalhadores, se estes recebem uma proporção cada vez menor, naturalmente o sistema, num momento de transformação demográfica, ver-se-á sobre pressão (lembra-se daquela medida fantástica do Passos Coelho de diminuir drasticamente as contribuições asseguradas pelas empresas por cada trabalhador e aumentar as contribuições diretas do trabalhador? Vinha exatamente acelerar este fenómeno de realocação dos recursos produzidos pela economia, beneficiando a empresa e os seus proprietários). Claro que a direita argumenta que é necessário dar uma parte maior do bolo às empresas, para elas investirem e fomentarem o crescimento económico; dando crédito a esta ideia peregrina em Portugal… eu diria… sim, tudo bem, mas não vamos financiar as empresas à custa da segurança social! (e depois são os “ciganos” que vivem à custa da segurança social…)



Agora que descasquei no estudo, vamos ao que interessa mas que os senhores do estudo se esqueceram – bem como a maioria dos actores políticos no geral: existem mudanças importantes / opções políticas “indirectas” que poderiam ser adoptadas e ter efeitos muito positivos sem mudar por aí além o sistema atual (ou seja, como os senhores do estudo fizeram, assumindo o sistema atual como ele é e atuando noutras variáveis do sistema socioeconómico que alterem, de alguma forma, os pressupostos base adoptados nas previsões que fizeram). De entre essas alternativas destaco algumas que poderiam permitir aumentar significativamente a eficiência do sistema contributivo atual:

- Acabar com grande parte dos inúmeros regimes de exceção de contribuições para a segurança social, os quais abrangem desde a) isenções a empresas como forma de estímulo ao investimento e à contratação (note-se que não falo acabar com estímulos ao investimento, mas sim que os mesmos não sejam financiados pela segurança social!) até b) os regimes de trabalho não reconhecido – puxando a brasa à minha sardinha – como é exemplo os bolseiros de investigação (mais de 25 000 que não contribuem durante anos para a segurança social, na fase da sua vida em que mais “lucro” dariam ao sistema! Estamos a falar de valores que devem andar na ordem dos dez milhões de euros por ano, que o estado desvia da segurança social para outras despesas públicas… ou seja, mais uma vez, fazendo outras políticas públicas com o financiamento que deveria ser direcionado para a segurança social!)

- Tornar os sistemas de proteção social na doença mais eficazes. É necessária uma “reforma estrutural” enérgica nas condições de segurança e higiene no trabalho: continuamos a ter estatísticas negras de acidentes de trabalho e a eficiência de utilização dos seguros de acidentes de trabalho está longe de ser efetiva (acabando quer por o serviço nacional de saúde ser onerado em muitos casos sem ser ressarcido pelas seguradoras, quer a própria segurança social que acaba por assegurar prestações e afins que deveriam ser asseguradas pelas seguradoras!). 

- Tornar o sistema de protecção no desemprego muitíssimo mais eficiente e focado naquilo que é essencial: requalificar a força de trabalho, diminuindo dessa forma as probabilidades de desemprego e aumentando o valor acrescentado que o trabalhador pode oferecer ao sistema produtivo. O sistema de proteção no desemprego atual está inundado de ineficiências – desde colocar os desempregados em formações curtas, de qualidade e utilidade questionáveis, desarticulando / segregando os desempregados socialmente, colocando os desempregados a cumprir exigências absurdas e descabidas (como a caça ao carimbo em empresas para comprovar a procura ativa de emprego) e terminando nos benefícios fiscais (mais uma vez redução ou isenções nas contribuições para a segurança social dos empregadores) na contratação de desempregados, sem que se garantam exigências como contrato sem termo, taxa de rotação reduzida, etc.


Desculpe(m) o longo comentário mas é um tema que me interessa e que me preocupa, pelo que não podia deixar de debater. E desculpe(m) a escrita enrolada (é texto bruto, sem revisão).

Permita-me só mais um comentário:

As conversas criticas / miserabilistas que refere não são propriamente uma inveja genuína sobre quem ganha razoavelmente. Essas conversas, parece-me decorrem de várias situações, das quais destaco: 1) as pessoas têm rendimentos miseráveis (o rendimento declarado por 72% dos agregados familiares não vai além de cerca de 1300€/mês mais coisa menos coisa!! cerca de 650€/mês/pessoa num agregado com dois elementos que obtém rendimento), pelo que acaba por ser difícil de compreender e aceitarem as decisões de consumo de outros que os rodeiam (até porque as condições miseráveis tornam as pessoas muito mais dependentes umas das outras e isso leva-as a criticar a pessoa que compra um livro e depois dá o golpe no autocarro e não paga o bilhete...); 2) as pessoas têm ambientes de trabalho muitas vezes inacreditáveis, convivendo com desigualdades gritantes no dia-a-dia, inclusive com a ostentação agressiva de pessoas que ganham pouco mais que elas mas o suficiente para investirem na ostentação e em mecanismos de uma patética demonstração de estatuto; e isto nem é tão pronunciado na grande empresa, onde o tal CEO , filho do patrão, ganha 153x (tipo pingo doce) mais que o empregado caixa (mas nunca se cruza com este e até mostra um certo low profile quando isso acontece) [se bem que me recordo do recente caso do senhor da altice que veio visitar o centro de investigação e desenvolvimento da empresa que comprou (PT), de helicóptero, com aparatos de rock star... e passado uns tempos desatou a despedir malta de forma agressiva... e estamos a falar de malta altamente qualificada nas tecnologias de informação... ], mas por vezes não se imagina a violência dessa ostentação agressiva a que as pessoas são sujeitas na "chafarica" da porta ao lado, onde trabalham, numa pequena / média empresa familiar, em que 50% dos funcionários são familiares em primeiro ou segundo grau, que não cumprem códigos do trabalho, de segurança e higiene, etc (e o nosso tecido económico é maioritariamente constituído por pequenas e médias empresas).

Sim, por cada exemplo mau, acredito que haja pelo menos um bom. Mas ainda assim... para quem vive com a corda na garganta todos os meses até o mais ínfimo luxo (um livro) pode ser uma "afronta". 



A classe média é importante sim. Mas infelizmente ela é muito reduzida e não tem propriamente aumentado. O que temos é muitas situações miseráveis e uma massa de malta remediada mas que tem pouco autonomia, depende muito da decisão do vizinho do lado (porque se ele se mostrar muito aberto a luxos, aumentam o pão...) e por isso pouco racional nas observações que faz sobre a vida dos outros.

Um problema complicado!




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* O texto que acima transcrevi é da autoria de Paulo Batista e gostei tanto de lê-lo que tomei a liberdade de o puxar dos comentários do post dos 'misteriosos pobrezinhos'  aqui para cima.

Fui intercalando pintura contemporânea da Argentina apenas porque me apeteceu ter aqui cores vibrantes e juntei-lhe Itzhak Perlman a tocar o meu tango preferido  só porque sim.

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Posfácio de Paulo Batista, depois de reler o texto publicado:


Acabei de reler o texto.

Desde logo fico preocupado: a displicência "gramatical" com que escrevo nos comentários deixa-me envergonhado exposto assim. Desculpe (e desculpem) o menor cuidado.

Fazendo alguma autocrítica ao texto, não posso deixar de salientar que talvez tenha sublinhado demasiado um certo conflito trabalhador versus empresa, quando não é tanto esse o ponto fulcral. Por exemplo, quando falo na opção de aumentar a carga fiscal não é tanto nesse dualismo trabalhador vs empresa. De facto, não sublinho o problema essencial que não permite que tal medida possa sequer ser equacionada: as enormíssimas desigualdades de rendimentos dos indivíduos e, sobretudo, a enormíssima desigualdade na taxa de esforço nas contribuições. Ou seja, o foco não é tanto um problema na divisão do bolo entre os trabalhadores e a empresa em abstracto, mas o comportamento, cada vez menos solidário, dos indivíduos que lideram essas mesmas empresas - não só aqueles que delas extraem o grosso dos seus rendimentos, mas também daqueles que as lideram, extraindo um quinhão substancial do rendimento gerado (os tais que ganham 153x mais que os trabalhadores que menos recebem). 

São estes grupos de indivíduos que não só recebem uma proporção pornográfica do rendimento, como ainda por cima contribuem substancialmente menos que a generalidade do trabalhador assalariado de baixo e médio rendimento - ou seja, são estes que subtraem a responsabilidade social das empresas que lideram em benefício próprio.

Alarmante ainda é a completa cegueira política, não só sucessivamente incapaz de desenhar soluções para esse problema, de redistribuição dos esforços, como tendo vindo a promover exatamente medidas que amplificam estes problemas. 

O problema não é assim tanto de desigualdade entre trabalhadores assalariados ou até dos esforços contributivos genéricos / proporções dos contributos trabalhadores vs empresas (enquanto instituição coletiva). O problema está nestes buracos negros de privilégio - dos monopólios entregues pelo estado e por ele protegidos, das suas concessões e parcerias ("público - privadas"), das suas ações de discriminação "positiva" desses mesmos "rendistas" (o caso do imobiliário é gravíssimo embora se fale pouco por desse fenómeno...), da proteção dessa elite "gestionária"(nomeadamente, da elite financeira / bancária), (etc etc etc), porque a estes "buracos negros" estão associados esses indivíduos que subtraem a esmagadora maioria do rendimento gerado, fazendo-o desaparecer (tantas vezes legalmente!), sem qualquer contribuição.

Concluindo, coloquei demasiada ênfase naquilo que são opções políticas, quando na verdade faltam até as condições de base para essas opções políticas serem discutidas. 

Um problema ainda complexo...