quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Receita de homem especial (ou seja, a special man, not a commodity man)


Em dois posts anteriores - que têm tido um número inusitado de visitas - Receita de Homem e Adenda teórica e alguns Casos Práticos enunciei os principais requisitos para que um homem seja interessante.

Contudo, para ser honesta para convosco, tenho que confessar que o que ali refiro é, para mim, o patamar mínimo. Com aqueles predicados estaremos apenas na presença daquilo a que poderemos chamar homens-commodities (no mundo dos negócios uma commodity é uma mercadoria vulgar, que tem procura, mas uma procura indiferenciada; petróleo é petróleo, açúcar é açúcar, não são produtos em que o design, a embalagem ou a qualidade intrínseca distinga uns de outros; a escolha geralmente é feita apenas por preço). Inteligência, sentido de humor, ser bom amigo, ter charme, etc e tal, são essenciais, sem dúvida, mas só por si não chegam para que um homem se transforme, aos olhos de uma mulher (exigente), nO homem.

Brad Pitt, inequívoco

Qual é então o predicado que torna um homem especial? Pois, é difícil explicar. Para o definir, teremos que entrar no domínio das partículas elementares, teremos que falar de um intangível quantum (passe a redundância) que faz toda a diferença. E não será apenas um, serão alguns. A arte de saber dirigir um olhar transversal, sabendo fixar o olhar da mulher por um momento infinito (parece uma contradição mas não é), a arte de saber confrontar a mulher com ela mesma mas de uma forma não litigiosa mas também não indulgente - enfim, pequenas coisas essenciais que, conjugadas de uma forma harmoniosa e única, se traduzem no 'terroir', no 'bouquet' que caracteriza inequivocamente um homem.


Sergio Batista, seleccionador da Argentina, not a commodity, for sure



Mas o principal não é isso. O principal, o que verdadeiramente acrescenta aquele distinguo que vale uma vida é outra coisa: é a sabedoria toda feita de intuição que permite distinguir um não que é um definitivo não, de um não que não passa de um velado convite ao sim.

Se uma mulher quer uma coisa mas não quer, ou não lhe apetece confessar, dirá que não. Se o homem acatar, estará perdido. Terá, portanto que perceber que terá que abrir portas, vencer resistências (aparentes mas resistências na mesma), desobedecer, arriscar, até que todas as portas se lhe abram, talvez para sempre (sendo que, nestas matérias, 'sempre' é apenas o momento enquanto dura)

Mas, se a mulher, de facto, não quer e diz que não e o homem não o perceber, estará igualmente perdido porque não passará de um melga insuportável (ou, nos casos limites, de um violador).

Há uns anos, tantos!, vi um filme extraordinário. 'La condanna', 'The conviction' em inglês, de Marco Bellocchio com a sensual Claire Nebout e o carismático Vittorio Mezzogiorno (que infelizmente morreu cedo).




A história é simples e vou contar tal como a recordo quase 20 anos depois: numa tarde, numa Itália dourada, uma rapariga visita um museu antigo (tipo castelo ou instalado num castelo) na companhia de amigas. O professor de arte, um arquitecto, também visita o museu e o seu olhar cruza-se com o dela. Naquele suave entardecer paira um ambiente de sedução através do olhar.

Quando o museu vai fechar, a rapariga repara que não tem o casaco e volta, sozinha, para o procurar. O professor segue-a e nós achamos que ela o percebe. Quando a rapariga dá por isso, o museu já fechou e eis que, sem surpresa, surge o professor. Procuram, sem se esforçarem muito, uma porta aberta. Não encontram mas isso deixa de ser fundamental. A atracção é crescente. Vão vendo o museu, há sorrisos no ar, há um desejo crescente. Percorrem os corredores desertos, apreciam a pintura mas todo o interesse está na aproximação física que se começa a desenhar como inevitável. Numa sala há uma cama perto de um quadro (Maja desnuda?), recriando o cenário. Ele sugere que ela se deite na posição da maja. A sensual Claire deita-se então, e é uma mulher bela e ardente que tenta um homem, que deseja um homem. Vittorio olha-a e fica encantado com a beleza sensual da jovem. Beijam-se e ele leva-a a atingir o orgasmo (e nós, que vemos de fora, sentimos que ele lhe quis oferecer esse prazer quase inicático). Ela nada lhe faz, está quase passiva recebendo esse prazer, nem ele procura qualquer satisfação para si próprio: a ideia com que ficamos é que proporcionar prazer à rapariga é o único propósito dele. Ela ao princípio vai dizendo 'não, não' mas di-lo de uma forma que a nós nos soa pouco convicto, quase como 'não pares'. Ele continua e ela vai também continuando a dizer que não até que deixa de o dizer e se deixa levar, e nós assistimos à sua fantástica expressão de prazer. Depois fica feliz, apaziguada.

De madrugada voltam a procurar a saída e ele vai até uma porta que se abre e ela fica admirada pois verifica que lá ficaram de noite desnecessariamente.

Nessa manhã, mais tarde, ele recebe a acusação: ela, com a sua mãe, tinha apresentado queixa de violação. A mãe, as colegas, a família, a comunidade escolar, todos se viram contra o homem mais velho que violou a jovem indefesa. É o escândalo. É a infâmia que se abate sobre o professor.

Quase todo o filme se passa, pois, no tribunal. A rapariga invocando que tinha dito que não, que tinha sido vítima de violação. Ele explicando que ela tinha dito que não, em palavras, mas que o olhar, a expressão corporal diziam que sim - e que compete a um homem saber perceber isso. Toda a sua defesa se faz em torno dessa indizível contradição e da intuição para a descodificar e que, nisso, reside o poder do homem. E o seu carisma, a força do seu olhar, a sua virilidade intrínseca, vão levando a que toda aquela comunidade comece a mudar o julgamento moral. As mulheres que assistem à sua explicação vão sentindo que ter na sua frente um homem assim, que as perceba sem que elas tenham que explicitar, que as leve até onde elas querem ir, não o querendo assumir, é tudo o que anseiam num homem. A masculinidade na sua essência mais pura.

Dois personagens paralelos do filme são o advogado (de defesa da rapariga?), muito moralista, casado com uma mulher muito esposa, um casamento muito certinho, muito imaculado,  e a sua esposa que se orgulha muito do marido e do seu irrepreensível casamento.

Contudo, aos poucos, ao ouvir o professor-arquitecto, a esposa comportadinha e feliz vai antevendo uma outra forma de se ser homem, muito diferente do que conhece no marido. E começa a achar o marido um insuportável maçador. Ouve deliciada as palavras do professor no tribunal e, mentalmente, vai sentindo um imenso tédio em relação ao marido.

Numa cena fantástica, os dois têm uma discussão, coisa até então rara entre eles. O advogado não percebe a transformação que se tem vindo a operar na mulher (coisa típica nos homens desinteressantes, nunca percebem nada). No fim da zanga, a mulher diz-lhe, fria, seca, definitiva: 'Vou-me embora e livra-te de vires atrás de mim'. Infeliz, o marido ali fica abandonado. A mulher vira costas e vai. E ele, triste, triste, ali fica, com vontade de ir atrás dela mas não o fazendo, tal como ela lho tinha ordenado. Enquanto isso, ela vai avançando, esperando que ele a persiga, a retenha, a impeça de se ir embora, o passo vai abrandando, aguardando, mas ele não vem. Não foi capaz de perceber que o não dela era apenas um desafio para que ele provasse que a queria mesmo. E ela, com a atitude frouxa e imperdoável por parte do marido, comprovou que, de facto, aquele não era o tipo de homem que ela, entretanto, aprendera a apreciar e, assim sendo, segue decidida, rumo a outra vida.

E assim é.

Aprende-se isto? Para os homens que me lêem e se interrogam 'mas como adivinhar o que as mulheres querem?' apenas lhes posso dizer que, em minha opinião, isto é genético. Na compreensão da vontade implícita não-expressa, ou mesmo contraditória, da mulher há que ter intuição, sabedoria, sensibilidade e bom senso, coragem, gosto pelo risco, humildade, irreverência, atenção, obediência e desobediência, altruísmo ... enfim, ingredientes que têm que ser usados em doses homeopáticas, num equilíbrio sem rede.

E quem não nasceu com o dom de ser especial? Bom, não é grave. O que não falta são mulheres pouco exigentes.

Mas talvez também se possa aprender. Nesse caso sugiro que, com uma mulher paciente, o homem  use a metodologia tentativa-erro, até acertar.

Nesta vida há solução para tudo.

Fui clara?

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Jerónimo como barriga de aluguer; PP e PPC como o casal de pais - a dissoluçãozinha que já se começa a planear

O Fairy Paulinho anda num assédio desesperado ao Sweet Pedrocas: parece uma virgem encalhada a atirar-se freneticamente a um hipotético 'bom partido'. Que quer amancebar-se, que quer porque quer, que não é preciso esperar pelo casamento, que poderiam partir já para uma união de facto, porque sim, porque sim, porque sim.

O discreto PPC, sentindo-se cortejado, faz-se caro, que não, que ainda é cedo, que ainda não, que está muito bem assim, sozinho.

E o PP que sim, que sim, e o PPC assobiando para o lado, que ainda não.. mas que está pronto, prontinho, que não receia a responsabilidade. Mas que não quer precipitar as coisas, que há tempo.

(A indiferença de um, o assédio explícito do outro)

E, no meio deste putativo namoro, eis que aparece o Jerónimo a oferecer-se para barriga de aluguer, que não se importa de ser ele a avançar com uma moção de censura, moçãozinha que o casalinho PP e PPC acarinharão como se a criança fosse sua.
Barriga de aluguer... e já está de muitos meses!

Padrinho já o bebé tem: Any Silva.

Só estou para ver, depois, o que dirão os papás da criança. Talvez digam como o Elton e o David: tem os olhinhos do PP e as mãozinhas do PPC.


Elton John e David Furnish com o filho Zachary

(Claro que o happy end da história do Elton e do David não tem nada a ver com o acima escrito - pois não é que o pequeno Zachary já não vive com os pais, já vive numa casa própria com uma nanny...? Não. Nem o PP, o PPC, o Jerónimo e o Any têm alguma coisa a ver com o Paulo Portas, o Pedro Passos Coelho, o Jerónimo de Sousa, o Cavaco Silva, a moção de censura, a queda do Governo de Sócrates, nadinha. Eu aqui é mais tapetes de Arraiolos, não me meto em políticas, isso é mais para a rapaziada do Café da Política que parece queaté  vai conseguir estabelecer uma liaison entre esta nossa política e a nossa vida)

Mas será que não há um dress code para se estar na Assembleia da República...?!

Vi na TV um bocado da reportagem sobre a ida da Ministra da Educação, Isabel Alçada, à AR (bem arranjada como sempre) e fiquei - uma vez mais - completamente chocada.

Cá fora os professores com a conversa populista e intelectualmente pobrezinha (tão pobrezinha...) do costume - ainda não explicaram a alguns membros desta classe profissional alguns conceitos básicos, nomeadamente os que se relacionam com demografia (já para não falar no sentido ético).

Lá dentro, o Parlamento quase vazio; mas se calhar é mesmo assim, se o assunto é educação quem não tenha a ver com isso, se calhar tem 'furo'.

Na galeria o sempiterno Mário Nogueira capitaneando uns quantos professores (agora uma das guerras é que querem que haja 2 professores em cada sala de aula de EVT e eu pasmo, pasmo com isto, quase nem dá para acreditar: 2 na mesma sala?!).

Mas lá em baixo, nas bancadas, o cenário é ainda mais deprimente. Há quem saiba como se apresentar quando vai para o trabalho na Assembleia da República mas, depois, há uma maltosa que vai para lá como se fosse para uma tertúlia bater umas bolas ou para uma tasca emborcar umas bejecas.

Vejam-me este jovem aqui abaixo, vejam se isto é maneira de um deputado em exercício se apresentar ao trabalho?

Será que ninguém ensina a este rapaz que aqui ele está a representar o Povo e tem que o fazer de uma forma digna a todos os níveis, incluindo ao nível de apresentação. Há mínimos!

Miguel Tiago, deputado do PCP disfarçado de geólogo que vai ver pedras para o campo

Mas depois há os que até tentam...mas que, nitidamente, precisam de ajuda, como o cavalheiro aqui abaixo. Olhei para o homem e custou-me a acreditar. Por ir à Assembleia e saber que ia ser filmado, apresentou-se vestido com uma roupa reluzente como se fosse à missa. Mas nem sei se não preferia que ele também viesse disfarçado de outra coisa qualquer. Alguém lhe deite a mão porque o homem revelou uma falta de jeito que dá vontade de chorar.

Alexandre Ventura, Secretário de Estado da Educação
Fato de tecido brilhante - que não imagino onde o tenha desencantado - mas eu até podia fechar os olhos a isso (especialmente para não ficar encandeada) se o resto fosse discreto. Mas qual quê? Camisa às riscas aparatosas de azul vibrante e brancas com um chamativo colarinho branco e... imagine-se... gravata brilhante rosa bebé...! Como é que é possível?!

Só espero que a senhora administradora da AR perceba a vergonha que isto é e ponha cobro a estes atentados, estabelecendo um dress code e, se vir que não consegue, então que se adoptem as regras da escola infantil, que vão de bibe! Antes isso!

Bolas para isto!

terça-feira, fevereiro 08, 2011

A relevância do homem consoante a perspectiva - de rei na sua casa a um invisível ponto na paisagem

: Fractal 1 :

(Prédio antigo. Um homem espreita na janela inferior à direita)

Sou um homem dentro da minha casa. Aqui é o meu reino, aqui eu sou o rei.

Estou reformado mas, enquanto trabalhei, trabalhei no duro. Turnos, sonos desencontrados, condições difíceis, soldadura, altas temperaturas, produtos perigosos, ambientes fechados, quantas vezes quase sem luz, quase sem ar para respirar. Mas nunca me recusei. Toda a gente sabia que, para os trabalhos que ninguém mais queria, podiam sempre contar comigo.

Agora vivemos da minha reforma, não é muito mas faço bem as contas, assento tudo o que se gasta, não vamos ao café, não compro jornais, à praça vamos a pé, não há um tostão mal gasto. Temos muito cuidado com a alimentação, comemos pouca carne porque é cara e porque agora parece que faz mal; sempre que o tempo está bom vou ali abaixo à pesca, o peixe é uma ajuda no orçamento familiar e faz bem à saúde. Nem quero pensar se um dia falto cá em casa, sou o sustento da família e a ajuda da minha mulher, que já lhe custa muito a andar e a lidar.

Faço os arranjos cá em casa, ajudo a minha mulher nas limpezas e até passo a ferro, quase não tenho tempo para me sentar a ver televisão.Também gosto de ver a rua mas não me ponho de janela aberta, não quero que pensem, olha lá está aquele sem nada que fazer, não, gosto de ver mas não gosto que me vejam.

Vejo na rua uma mulher que fotografa os prédios, deve ser uma turista, não me vê mas eu estou a vê-la.


: Fractal 2 :

(Pescador solitário num dos cais do Ginjal)

Estou à pesca. Venho para aqui porque não está mais ninguém. É mais longe e já me custa andar tanto para aqui chegar, com a cana, o cesto, o balde, os trapos, a bucha. Mas não tenho que repartir o peixe com os outros e o peixe dá muito jeito lá em casa, ou frito, ou de caldeirada, ou cozido. Grelhados já não faço.

Podia ficar ali mais perto de casa mas faço o sacrifício e venho para aqui. Mais perto, logo ali a seguir aos barcos de Cacilhas, junta-se muita gente, agora até brasileiros para lá vão, e conversam muito uns com os outros e eu não gosto de falatórios e as linhas quase se enleiam de tão perto que às vezes estão.

Aqui não, aqui sou eu só, eu e o Tejo, eu e o barulho das ondas e os gritos das gaivotas. Às vezes ponho-me a conversar, passam os barcos à vela, os barcos a motor e eu ponho-me a falar com eles, conto-lhes o que era a minha vida, conto histórias dos meus colegas, conto-lhes sobre o relógio que me ofereceram quando me reformei e que está guardado.

Sinto-me bem aqui, há muito espaço e este bocado de cais e de mar é como se fosse só meu. Olho à volta e não há ninguém, ninguém me vê. Não é como ali no Ginjal que é um corrupio de gente, uns a pescar outros a meter conversa com os pescadores, outros a namorar e muita malta a fotografar.

Aqui ao menos ninguém me fotografa, aqui ninguém me vê.

: Fractal 3 :


Aqui no Ginjal é tudo outstanding, overwhelming, excessivamente belo, seja no sentido do cais que avança no sentido do oceano, seja no sentido oposto, do cais que vai até Cacilhas.

Disparo incessantemente a máquina querendo captar, capturar, o momento perfeito que se me apresenta; o rio através da folhagem, a gaivota branca que se lança em voo, o barco que se perfila numa geometria perfeita, Lisboa dourada pelo sol da tarde ou envolta na névoa da manhã, o homem cujo olhar vai para além do horizonte, a mulher que dá a mão ao marido trôpego, o muro gasto pelo bater das ondas, a telha ocre e partida que deixa ver o azul do céu, a ternura que se respira, a beleza pura, absoluta. Disparo a máquina sem parar, centenas, milhares de fotografias. Grandes planos ou insignificantes pormenores, a mesma infinita perfeição.

Nesta fotografia consegui apanhar a majestosa ponte sobre o Tejo, e um dos cais, e o rio que não me canso de olhar e os barcos brancos e tão pequenos lá ao fundo e o céu que prolonga o rio. Está lá quase tudo, que pena a névoa não deixar ver Lisboa, a bela, a branca, que, naquela direcção avança com o padrão das descobertas, bordado fino, a linha branca. Mas, tirando isso, temos ali as cores suaves, o ambiente luminoso, rosado, a magia do local.

E o nosso homem também lá está mas, dada a escala, ele perdeu relevância, já não é rei de coisa nenhuma.

É apenas um pequeno ponto quase invisível, o pontinho que mal se vê na ponta do cais. Ninguém o vê.
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(Se me permitem, sugiro a leitura do Fractais - cherchez la beauté  no qual explico um pouco em que consistem os fractais) 

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Fractais - cherchez la beauté

Fractais (do latim fractus, fracção, quebrado) são figuras da geometria não-Euclidiana.


'As raízes conceituais dos fractais remontam a tentativas de medir o tamanho de objectos para os quais as definições tradicionais baseadas na geometria euclidiana falham.

Um fractal é um objecto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objecto original. Diz-se que os fractais têm infinitos detalhes, são geralmente autossimilares e independem de escala. Em muitos casos um fractal pode ser gerado por um padrão repetido, tipicamente um processo recorrente ou iterativo.

O termo foi criado em 1975 por Benoît Mandelbrot, matemático francês nascido na Polónia, que descobriu a geometria fractal na década de 1970 do século XX

Aproximações de fractais (Fractais naturais) são encontradas frequentemente na natureza. Estes objectos exibem uma estrutura complexa próxima aos objectos matemáticos, porém finitas, se as observarmos em escalas maiores.

Os fractais naturais estão à nossa volta, basta observarmos as nuvens, as montanhas, os rios e seus afluentes, os sistemas de vasos sanguíneos, os feixes nervosos, etc. ' (excertos da Wikipedia)


Um dos exemplos mais comuns e que ilustram bem o conceito são os brócolos.
 
Vamos fazendo zooms sucessivos e encontramos sempre a mesma imagem, o mesmo padrão.

Fotografia de um ramo de brócolo, tal como o comprei no supermercado.

De seguida vou partir um sub-ramo e, depois, desse, retiro um novo sub-ramo e assim sucessivamente. O que se verifica? Que cada sub-sub-sub ramo é idêntico na forma ao ramo grande inicial. Se a minha máquina fosse mais potente e eu tirasse uma fotografia com uma bela dose de zoom ao ramo mais pequeno, ele parecer-se-ia com o ramo grande inicial. É esta a lógica do fractal: o pormenor parece-se com o 'pormaior', vou do muito grande ao muito pequeno, mudando a escala mas verificando que as características se mantêm inalteráveis.

É tudo, afinal, uma questão de perspectiva.

 Decomposição do objecto inicial até onde a minha máquina conseguiu captar

Outro exemplo perfeito e que se encontra também facilmente na natureza são os fetos. Observemo-lo a este olhar:

Cada sub-folha é a réplica miniaturizada da folha-mãe

Fractais, a beleza matematicamente pura.


(Se me permitem, sugiro a leitura do texto A relevância do homem consoante a perspectiva que escrevi quase como ilustração do conceito matemático acima descrito)

Billy Brown no Ginjal

O Ginjal, como sabem todos os que me lêem, é, para mim, um dos sítios mais lindos do mundo. Passear ali, mesmo em cima do Tejo, a ver Lisboa do outro lado, líndissima, ver os barcos, as gaivotas, ouvir o rumor das ondas, ver os pescadores, os solitários, os casais, é, para mim, um prazer extraordinário.

A decadência que por ali se respira, cheia de encanto mas perigosa, parece que, finalmente, tem os dias contados. Foi recentemente anunciado que estarão para breve os trabalhos de requalificação. Vamos ver (como diz o ceguinho). Espera-se apenas que impere o bom gosto e o respeito sagrado pelo local.

Até lá vamos desfrutando o local, tal como ele está e que, apesar das circunstâncias, é um local mágico, recomendado para seres apaixonados.

Hei, look at me...!
Repare-se na perícia dos condutores que conseguem levar os carros para uma via tão estreita e desprotegida


E agora uma canção do Mika que acho o máximo: este rapaz é divertidíssimo e as suas canções têm uma alegria contagiante.
Enjoy.

Tapetes de Arraiolos, modelos clássicos e modelos modernos (de minha autoria)

Então, a pedido de várias famílias, vou mostrar mais tapetes de Arraiolos feitos por mim.

Este primeiro é pequeno, destina-se a um degrau onde nos costumamos sentar - como no inverno a tijoleira é fria, lembrei-me de fazer a gracinha de que mostro aqui uma parte. Não tem franja porque é muito pequeno, não comportaria. Fui fazendo o desenho directamente na tela. Poderemos incluí-lo na categoria de tapete de Arraiolos de modelo moderno.

Tapete de Arraiolos de pequena dimensão, desenho livre de minha autoria

(Nota: Deveria tê-lo esticado antes de ter tirado a fotografia. Sorry.)


A seguir mostro um de modelo clássico, em tons de amarelo e azul, que está perto de um outro nos mesmos tons e que já mostrei aqui no Um Jeito Manso. É uma pequena carpete de hall, com 2mx1,4m.

É muito bonito, muito alegre e, em minha opinião, é uma forma agradável de receber com boa disposição quem nos visita. Uma vez mais é uma réplica adaptada, neste caso de um Tapete de Arraiolos que se encontra no Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva em Lisboa.

(Tapete de Arraiolos, modelo clássico, atribuível ao Século XVII)

Volto a referir que há mais posts sobre este tema aqui no blogue. Bastará usar a pesquisa no topo ou a do lado esquerdo para os consultar.

sábado, fevereiro 05, 2011

Ben Marcato - uma fotografia que me intriga

Ben Marcato nasceu na Alemanha e é fotógrafo. Leio o que diz: "As minhas fotografias nunca são encenadas. São momentos do tempo numa situação real. Contam histórias eróticas e revelam ambientes, emoções e instantes fugazes" e, mais à frente, "As modelos perfeitas têm uma beleza 'invulgar'. Devem ter carisma e uma certa energia. Não têm de ser bonitas de um modo clássico, mas devem poder exprimir emoções e estados de espírito através de gestos e linguagem corporal."


Untitled, Ben Marcato

"Tenho um interesse profundo em relação à vida e ao comportamento das pessoas, sobretudo à vida da minha modelo", diz. (Não revela, contudo, a identidade da mulher que aqui lhe serviu de modelo)

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

John Malkovich, Cauã Reymond, Kristin Scott-Thomas e Clive Owen em Looking for a Dream um filme de ambição, ingenuidade, sedução, sexo, ciúme, morte e amor (e sangue e lágrimas e risos)

Que ninguém me interprete mal, que ninguém pense que sinto menos respeito pelo drama das familias de Carlos Castro e Renato Seabra.

Mas não sou dada a tristezas, a pensamentos mórbidos. Tristezas não pagam dívidas e para a frente é que é caminho.

Por isso vou aqui falar de uma ideia que me ocorreu. Ontem escrevi que a tragédia pessoal de Renato Seabra e de Carlos Castro tem todos os ingredientes para ser um êxito de bilheteira no cinema. Fossem outras todas as circunstâncias, já estaria eu a escrever uma história ficcionando os meses que decorreram entre a candidatura ao concurso À Procura do Sonho até ao julgamento em Manhattan.

Penso nos protagonistas que eu escolheria e, claro, se é para imaginar, imagino em grande.

Para o papel de Carlos Castro escolheria um actor fabuloso, excessivo, doido, insinuante, sibilino, sensual até à perversão. Nada a ver com o Carlos Castro mas a ficção permite melhorar a realidade. John Malkovitch, claro. Além disso, a sua recente incursão no mundo da moda como estilista seria um valioso inside know-how - ele faria certamente uma super convincente bichona dengosa a circular pelos meandros da fashion, da beautiful people.

John Malkovich como Carlos Castro

Para fazer de Renato escolheria Cauã Reymond, que teria que interpretar um personagem mais jovem do que é na realidade mas que me parece ter tudo para um papelão. Olha-se para ele e facilmente vemos um rapaz com um físico fantástico, mentalidade de estudante simplório, directamente do meio paroquial em que tudo se sabe, tudo se comenta, tudo se condena, para o mundo artificial das luzes, da alegria fácil, do ‘fantástico!’, em que vale tudo; saltando de uma vida remediada para uma vida de luxo; transitando dos braços das namoradinhas para o assédio de um obsessivo e possessivo gay – e no final a percepção fria do que estava a acontecer, a vergonha, o medo de que soubesse, os receios, as dúvidas, a vontade de apagar tudo, a insónia, a pressão, a impaciência, o asco, a raiva, a passagem para o lado de lá. Cauã seria um convincente Renato, sem dúvida.

Cauã Reymond como Renato Seabra

Para o papel de mãe, personagem de enorme relevância no meu guião (e na vida real, estou certa) escolheria uma actriz de quem muito gosto. Uma mulher aparentemente frágil, mas cuja inteligência a converte numa interveniente dominante, uma mulher elegante e envolta numa aura de discreto charme. Uma mulher com um olhar compreensivo, com uma enorme capacdade de se emocionar e de nos contagiar na emoção. Contudo, uma mulher que parece estar permanentemente à beira de derrapar para o lado proibido da vida. Kristin Scott-Thomas.

Kristin Scott-Thomas como Odília Pereirinha

Claro que como não aprecio a melancolia nem gosto de me mover in the dark side of life, a história teria a sua componente de sedução, atracção, amor bom, correspondido. Aí entraria o advogado, decidido, inteligente, arguto, manipulador, bon vivant que usaria os seus dotes de perfeito galanteador também com a mãe do rapaz, acabando afinal fatalmente perdido de amores por ela. O facto dela ser estrangeira, de ter como objectivo levar o filho de volta para o país natal, introduzindo aqui o aspecto da urgência face à separação eminente, daria o suspense necessário. Não podia ser outro que não Clive Owen.

Clive Owen como David Touger
Que tal? O que acham?

Pedro Mexia a caminho do Expresso - um grande começo de 2011 (pelo que presumo que esteja em vias de abandonar o seu pessimismo crónico)


Pedro Mexia, uma mais-valia para o Expresso

Verifico que todos os dias há várias entradas no Um Jeito Manso procurando escritos sobre o Pedro Mexia. Vejam bem... Acho uma graça, logo eu que sou tão desintelectual. Mas isso dá-me uma certa responsabilidade, não posso escrever qualquer disparate que me venha à cabeça.

E, tendo-me tornado expert na matéria, sinto-me na obrigação de papaguear uma notícia de que tive conhecimento noutro blogue.

(E agora vou ver se consigo falar mais ou menos a sério, tentando estar à altura do tema do post.)

Li hoje no Bibliotecário de Babel que Pedro Mexia vai deixar o Público e vai passar a escrever crónicas e crítica literária no Expresso. Uma transferência de peso, sem dúvida. Ainda bem, felicito-o.

Durante a semana não leio jornais e, ao fim de semana, de jornais, apenas leio o Expresso. E o que se passa comigo, deve passar-se com muita gente. Com esta transferência, alarga o leque de leitores e, além disso, pelo reconhecimento do seu valor, é um upgrade pessoal de que se deve sentir orgulhoso. De certa forma é correcto afirmar que o seu valor como mercadoria subiu e percebo agora melhor o seu post sobre o valor das pessoas.

Pedro Mexia é um produto vendável, disso não há dúvida. Aparece nos media e, como se sabe, isso faz vender qualquer obra impressa seja de uma Fátima Lopes, de um Jorge Gabriel ou seja de quem for.

[O target marget do produto Pedro Mexia não serão as donas de casa que consomem os programas diurnos mas, sim, quem via televisão a horas mais nocturnas, quem circula de carro à 6ª feira ao fim da tarde e ouve TSF ou quem lê blogues (onde o seu se distingue dos demais por não ser apenas um elo daquele círculo em que jornalistas, críticos literários e políticos que se comentam uns aos outros)]

Mas o seu goodwill está longe de advir apenas da sua exposição mediática.
Como tenho já referido, tem características que se lhe conhecem: escreve bem, é inteligente e, apesar de aparecer talvez demais, ao escrever, e mesmo ao falar, é circunspecto e, sobretudo, minimalista (a sua superfície de exposição é limitada) e, dessa forma, consegue resguardar-se da excessiva banalização.

Depois tem uma particularidade que o torna um motivo de interesse para o público feminino que, é sabido, é o quality and quantity market de quase tudo (as mulheres são geralmente as decision makers no purchase process, se me permitem o anglicismo do jargão): Pedro Mexia apresenta-se como um ser hetero, livre no mercado, carente e com vontade de um arrimo. Além do mais, a palavra é um dos melhores afrodisíacos e ele sabe usá-las. Por isso, imagino que o seu público seja, em parte, composto por um mulherio curioso, que deve beber as suas crónicas e posts pelo suspense de saber como evolui a sua vida emocional. (Já agora: há outras que o lêem pelo simples prazer de o ler)

Falta-lhe, contudo, ainda um plus de confiança - continua, com frequência, a resguardar-se atrás da obra dos outros. Mais do que chegar-se à frente, dando o peito às balas, ele tende, em primeira instância, a citar, invocar, notando-se um trabalho prévio de pesquisa sobre quem o diga, quem o cante, quem o filme da forma que, a ele, lhe parece adequada.

E, desta forma, se poderá dizer que a sua escrita é sobretudo reflexiva e pouco intuitiva.

Diz ele num post recente que mudar é interpretar; que a interpretação é a grande mudança - e, falando assim, é de novo o intelectual puro a falar, aquele que não sabe que mudar é fazer perseguindo um sonho, partindo à aventura rumo ao desconhecido (nada que seja passível de interpretação, portanto)

Claro que ao falar dos seus sentimentos (on line ou em diferido, tanto faz), no a-Lei Seca, ele se revira do avesso e nos mostra as entranhas. Nisso, porque de si próprio se trata, expõe-se e de uma forma tão pessoal que, certamente, inibe qualquer pessoa de ‘se meter com ele’. Há um pudor natural que a todos inibe de falar aos outros das suas vísceras à vista, ou de uma ferida aberta, ou de um buraco na manga.

Seja como for, pela forma como escreve, pela inteligência, pela cultura, é alguém cuja escrita é sempre estimulante. Para concluir, vou aguardar expectante a sua presença nos meus fins de semana.

E, desde já, os meus parabéns Pedro Mexia.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Momentos de fractura histórica - Tunísia, Egito e o mais que virá

Milhões de pessoas nas ruas, confrontos - e que alternativas ao actual regime totalitário?


O Egito a ferro e fogo, a revolta a contagiar países vizinhos, Israel certamente a tremer, contactos e negociações a fervilharem, e o mundo ocidental a tirar o tapete àquele que durante anos protegeu: Mubarak é neste momento um líder sem os apoios com que se habituou a contar.

E de pouco lhe serve silenciar estações televisivas ou a internet: quando as coisas assumem proporções imparáveis não há nada a fazer.



Obama, como sempre claro nas palavras, diz - em frases simples, curtas e com voz grossa - que esta situação é insustentável e que a transição para um regime que mereça a aprovação do povo egipcio deve ser pacífica e imediata.

E de todo o lado ocidental se ouve a mesma palavra de ordem: já!


David Cameron e Ban Ki-Moon, em uníssono, afirmam que a violência nas ruas deve ser evitada, que a reforma política é indispensável e que a transição tem que acontecer já.

Vejamos com atenção o desenrolar dos acontecimentos: a turbulência é preocupante, a psicologia de massas aponta no sentido da violência descontrolada.

Esperemos que se esteja a desenhar algures nos ministérios e embaixadas alguma solução viável e sustentável (não uma solução artificial que, a prazo gere ainda mais conflitos).

Mas não é difícil antever que uma importante mudança se vai operar: o mundo, depois disto, vai ser diferente.

E, uma vez mais, me vêm à ideia as minhas glicínias: rodearam completamente o gradeamento e um dos portões já não se consegue abrir (... porque achamos tão fantástico o que elas fizeram que não queremos serrar os troncos rebeldes...).


Porque 'não há machado que corte a raiz ao pensamento.'

O menino dentro do filme - Renato Seabra algemado, 'not guilty', Manhattan Supreme Court

Quantas vezes a mãe de Renato terá visto séries de TV passadas nos tribunais americanos, o réu entrando algemado, rodeado de guardas prisionais, depondo perante o Grand Jury? Quantas vezes, sentada na sua sala, tranquilamente, terá visto na televisão advogados planeando estratégias de defesa contra procuradores contundentes?

Nos seus sonhos para o seu filho, a mãe de Renato imaginou-o certamente a ter um bom futuro como a sua vida augurava: bom filho, bom menino, bom aluno, licenciado aos 21 anos, atleta universitário, depois finalista num programa na televisão, de repente conhecendo uma das mais conhecidas figuras do 'jetset' português, cronista social, organizador de eventos de moda. Ela própria costumava levar o filho ao seu encontro (ele ainda não tinha carta de condução), provavelmente imaginando que o estava a ajudar a singrar na carreira.

Nunca, nem nos seus piores pesadelos, deve ter imaginado que um dia esse seu menino bonito iria estar dentro do cenário das séries de televisão que contam histórias de brutais assassínios, nunca, mas nunca deve ter imaginado que o seu menino se iria tornar o personagem principal de um filme de terror.

Quantas vezes terá também Renato visto na televisão, nas séries americanas, os prisioneiros a chegarem nas carrinhas blindadas, quantas vezes terá brincado aos maus e aos bons, aos polícias e ladrões? Em que lado gostaria ele de brincar?

Menino da catequese, acólito na igreja em Cantanhede, Renato Seabra aparece-nos agora nas televisões, cabelo crescido, com a farda de prisioneiro, algemado, rodeado de polícias. Ele hoje é o mau, o assassino, o criminoso para quem a temível procuradora exige prisão perpétua.

Com fato de treino e blusão da prisão, algemado, no tribunal

Apático, rosto sombrio e inexpressivo, o bonito futuro modelo que um dia partiu à procura de um sonho, que sonhou ser famoso, aparece agora nas televisões de todo o mundo. É famoso, sem dúvida, e ninguém fica indiferente a esta história que tem todos os ingredientes para ser um êxito de bilheteira. Renato é agora o jovem amante de um gay de 65 anos a quem assassinou de forma inusitadamente brutal.

Renato Seabra no Supremo Tribunal de Manhattan

Sem a família, sem os amigos, com um advogado americano, típico advogado americano das séries de TV, com um tradutor, rodeado de polícias, Renato parece ter caído por acaso no meio de uma filmagem da qual não faz parte.

Com que angústia verá a mãe este rosto triste, de quem se sente perdido no meio de um pesadelo?

Nestes últimos tempos, quantas vezes não terá ela percorrido a sua própria história tentando descobrir em que falhou, tentando perceber, nas anteriores reacções do filho, se já se esconderia dentro dele o criminoso em que se iria mais tarde transformar? Quantas vezes não se arrependeu dos seus próprios actos, culpabilizando-se pelo acto bárbaro do filho? Porque uma mãe é mãe toda a vida em todas as circunstâncias e sempre pensa que está nas suas mãos proteger, amparar os filhos. 

Vendendo património para fazer face à enormidade das despesas, Odília não pode estar presente nestes momentos difíceis da vida do seu filho, tal como não pode acudir quando ele lhe ligou antes do crime pedindo ajuda. Tal como nós, é pela televisão que ela vê o seu menino.

Perante o grande júri declarou-se inocente, num murmúrio, not guilty, relativamente à acusação de ter havido intenção de matar. Neste momento, faz o que o advogado considerar a melhor estratégia de defesa.

Na confissão lida em tribunal, Renato descreve com detalhe a tresloucada sequência dos acontecimentos que levaram ao assassinato de Carlos Castro e à sua desfiguração e castração. Desconcertantemente, a seguir, sujo de sangue, toma banho, muda de roupa e sai.

Olhe-se para o rosto deste miúdo que ouve a acusação. Parece uma pessoa calma, como todos os amigos o descrevem. E é isso que ainda mais nos perturba. Não é como o Rei Ghob ou outras figuras preversas que parecem trazer o crime impresso na expressão. Não, olhamos para Renato Seabra e é um rapazito que vemos, um jovem inexperiente e sem maldade. 

Saíu cabisbaixo tal como entrou e, na imagem seguinte, o que vemos é a carrinha prisional que se afasta pelas ruas de Manhattan. Lá dentro vai o rapaz português que se desencontrou do seu sonho.

Carrinha celular em NY com Renato Seabra
Voltou para o Bellevue Hospital, onde se encontra preso e sob vigilância psiquiátrica. Vejo essa imagem e penso, uma vez mais, na sua mãe. Longe, num sítio em que as ruas estão cheias de neve, preso, sozinho, correndo o risco de ficar preso o resto da vida (ou grande parte da sua vida), está o seu menino, o menino cujo sonho ela própria incentivou.

Bellevue Hospital, EUA

Enquanto isto, por cá preparam-se mais umas cerimónias fúnebres, depositando o resto das cinzas de Carlos Castro num cemitério: acaba assim aquele que, no seu último dia, se disse mais apaixonado do que nunca, que tinha feito feliz uma pessoa como nunca antes, que gostava de morrer agarrado à recordação do grande amor que estava a viver. Paixão ingénua? Insana ilusão?

Não sabemos.

Nada sabemos da natureza humana.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

You Will Meet A Tall Dark Stranger - a very light Woody Allen

Uma crónica de gente comum, a simplicidade dos diálogos de gente normal no seu ambiente habitual, as usuais decepções amorosas, os desencontros casuais, as ilusões e desilusões por pequenos motivos, em jeito de comédia soft: é o recente Woody Allen. Está longe de ser um filme marcante mas transmite aquela boa disposição ligeira, permite-nos aquele sorriso vago de quando nos alienamos ligeiramente dos temas preocupantes da actualidade. E os personagens são simpáticos e o décor é de bom gosto.

Aconselhável para um programinha ameno: jantar num sítio agradável, depois um filminho simpático para se estar no escurinho do cinema (de preferência sem chupar 'balas' de anis e, muito menos, sem devorar baldes de pipocas!).

terça-feira, fevereiro 01, 2011

'Sophia, uma vida de poeta' - um objecto de estimação que recomendo

Belíssimo o livro Catálogo da exposição "Sophia de Mello Breyner Andresen - uma vida de poeta", Biblioteca Nacional de Portugal, 26 de Janeiro a 30 de Abril de 2011, organização de Paula Morão e Teresa Amado.

Que encanto vermos a sua bela letra - que o Dr. Alberto Vaz da Silva, Mestre Grafólogo tantas vezes usa, nos seus cursos, para exemplificar o que é a caligrafia de uma artista, de uma pessoa apaixonada, vibrante - e as suas fotografias, e as cartas que recebeu, e entrevistas: enfim uma amostra do que é o espólio da sua vida, doado pelos filhos ao Estado Português.

Uma obra imperdível para quem ama as palavras de Sophia, para quem estima esta admirável mulher que para sempre viverá junto de nós (ou dentro de nós) . 

Capa do livro em que Sophia aparece numa fotografia talvez de 1946

Na fotografia de baixo vemos Sophia escrevendo num recanto da sua casa da Travessa das Mónicas, vendo-se o jardim desenhado por Gonçalo Ribeiro Telles. Esta fotografia abre o capítulo Vida que tem como sub-título uma frase de Sophia: "Amei a vida como coisa sagrada" e eu, que amo a vida como coisa sagrada, agradeço-lhe esta frase (como tantas outras) porque ela, uma vez mais, me ensina as palavras para eu saber dizer com exactidão o que sinto.

Sophia fotografada por Eduardo Gageiro em 1969

"Raramente se dá o milagre humano de ser alguém simplesmente poeta. De alguém que diz humildemente o que viu e sentiu quando um dia lhe aconteceu a vida. E que sabe ver em todo o momento e em tudo o que existe, o sinal secreto da beleza, o selo inapagável das origens. Sophia de Melo Breyener Andresen surge assim na Poesia Portuguesa como alguém que não quis fazer versos; mas que precisou de dizer as visões maravilhosas que trazia, o entendimento misterioso do universo que nela cantava num ritmo intenso" - excerto de um texto escrito em Novembro de 1944 pelo marido Francisco Sousa Tavares. Todo o texto está escrito assim, descritivo, mas, sobretudo, deixando antever o amor e compreensão, a ternura que ele tinha pela sua mulher, tão especial, que habitava algures entre um mundo de fantasia e o mundo real, da gestão doméstica, da resistência política, a mãe dos seus filhos, a amiga, a companheira. A mulher que dançava de noite, quando a casa dormia (belíssimo texto do filho Miguel Sousa Tavares: "Dêem-lhe, sim, silêncio e tempo, manhãs como a 'manhã da praça de Lagos' e noites com 'jardins invadidos de luar'. E ela dançará. Ao longo das sílabas dos poemas, como dançava na minha infância.").

Na fotografia abaixo, Sophia aparece em Vale de Lobo tal como o referi num post anterior e, uma vez mais, a relembro luminosa, dançando e correndo na água, mergulhando, rindo, feliz. Será sempre assim que a recordarei, no mar, ao sol, como tanto ela amava.

Sophia no Algarve, Vale de Lobo, 1979


A quem puder, recomendo vivamente este livro.

Não é a Revolução do Jasmim nem é na Tunísia nem no Egipto

Jasmim (?) e Artemísia

Por esta altura aparecem as primeiras flores in heaven. Não estou certa que esta flor tão bonita seja jasmim mas assim me aparece lindíssima, de uma pureza quase transcendente, junto a uma artemísia delicada, platinada, perfumada.

Este ano o seu surgimento coincidiu com a revolução dos jasmins que, na Tunísia, marca o imprevisto surgimento da revolta popular - que agora se alastrou ao egipto e veremos o que por aí vem. Por estas alturas, a diplomacia e a política de bastidores jogam forte, é um xadrez para profissionais.

Nas ruas o povo mostra como é sempre possível tornear as dificuldades, as barreiras, as grades. E eu mostro-vos o exemplo das minhas glicínias. Sob o aspecto de etéreas trepadeiras de gentis cachos floridos, há esta força, esta capacidade de resistir, de tornear obstáculos.

Tronco de glicínia enrolado ao gradeamento

A política é um exercício que tem altos e baixos e países que marcaram a história da humanidade, como o Egipto, mergulham depois em marasmos como aconteceu nestas últimas décadas, sob um jugo unipessoal.

A Natureza tem também raivas e desatinos (como as recentes cheias assassinas no Brasil ou Austrália) mas é sempre uma coisa fantástica e eu amo-a como se amam as coisas divinas. Une force majeure, an act of God.

Talvez também por isso, aqui, neste meu reino, sinto que estou in heaven.

segunda-feira, janeiro 31, 2011

Jovens alemães problemáticos enviados para Portugal


Criança feliz brinca no jardim

Tenho estado a evitar escrever sobre isto porque não conheço os factos com a profundidade que o assunto mereceria. Talvez que o que eu penso que é uma coisa brutal seja afinal uma coisa normal, benéfica. Mas o assunto tem andado a incomodar-me. Vou escrever com reservas - esperando estar totalmente enganada.

Pelo que ouvi e li nos media, desde há alguns anos as autoridades alemãs enviam para Portugal, para famílias de acolhimento ou para associações, jovens problemáticos. Ouvi falar em já cerca de 300 jovens. Li também que o presidente do Instituto da Segurança Social, Edmundo Martinho, diz que nenhuma dessas associações tem existência legal. Aparentemente são constituidas por pessoas que se associam porque vêem nesta actividade uma forma de ganhar dinheiro, cerca de 3.800 euros por mês por cada jovem.

Além disso, não se trata, ao que parece, de associações ou famílias com preparação para lidar com a delinquência juvenil ou com problemas psicológicos ou neurológicos; nem usam o dinheiro que recebem para garantir que os jovens tenham os cuidados médicos ou apoio psicológico de que necessitam. Algumas dessas pessoas estarão, aliás, também sinalizadas como consumidoras de drogas.

Como se isso não bastasse, as notícias dão conta da grande inadaptação desses miúdos à realidade portuguesa e ao meio específico em que se viram inseridos. Alguns acabam por se entregar, eles também, à droga ou à delinquência; e, pior que tudo, é tanto o seu sofrimento que, pelo menos dois, já terão tentado o suicídio.

Avó ajudando o seu neto a andar num carrinho

Quando o assunto se refere a crianças ou a jovens o meu coração imediatamente entra em red alert. O meu sentimento pessoal vai sempre no sentido da necessidade absoluta de se protegerem aqueles que não pediram para existir e que ainda não têm os recursos íntrinsecos para serem psicologica e socialmente independentes.

Pensar que uma criança não tem pais - ou, na falta deles, outra família - que a cuide, a proteja, a ame, a eduque, a apoie no seu desenvolvimento, enche-me de profunda tristeza.

Mas, enfim, a vida por vezes é assim, desencontra-se de algumas pessoas. E é aí que deve entrar o Estado.

Quando falha o núcleo próximo, as instituições estatais devem zelar por que qualquer criança tenha quem a ampare (no sentido inglês de care, take care). Podem ser instituições sérias, de reputação imaculada (e não como foi, até tempos atrás, a Casa Pia, autêntica agência de lenocínio infantil masculino), poderão ser instituições de tratamento médico se for esse o caso, podem ser até famílias de acolhimento. Pode ser qualquer solução tecnicamente reconhecida como a mais adequada às circunstâncias concretas.

Agora o que o Estado não pode fazer, em meu entender, é 'despachar' as crianças para longe, ver-se livre delas. Não sei se o que a Alemanha faz, é feito também noutros países. Eu nunca ouvi. A palavra deportação é a que me ocorre. Mas nem quero fazer essa associação de ideias.

Agora o que não consigo imaginar é que possa fazer bem a qualquer jovem, problemático ainda por cima, enviá-lo para um país estrangeiro, onde a língua e a cultura são tão diferentes, desenraizá-lo de uma forma tão brutal, deixá-lo à mercê de quem vê nisto apenas uma forma fácil e pouco escrupulosa de ganhar dinheiro (a fazer fé no que a comunicação social tem relatado).

É esta a Alemanha da alta produtividade, do crescimento económico exemplar, que tem nas mãos o futuro da zona euro... e que assim trata, como resíduo tóxico, os seus jovens problemáticos e desprotegidos?

Aperta-se-me o coração por pensar que isto pode acontecer num país desenvolvido; aperta-se-me o coração pensar que se um dia, por cá, uma família nossa tem a infelicidade de se desestruturar e de ter uma criança desenquadrada, o Estado pode pegar nela e despachá-la para um qualquer outro país longínquo, à mercê de gente que não a vai amar nem proteger...

Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser!


Mãe levando o seu filho ao colo

Uma sociedade não poderá ser considerada desenvolvida se não garantir que todos os filhos possam ter um colo que os acolha, uma voz que os acalme, uma mão que os acaricie.

Mesmo que o colo, a voz, a mão não sejam as de sua mãe.

Momentos de beleza

Hoje.


Entardecer com muita beleza

Tapetes de Arraiolos modernos (desenho livre) - e que lãs se usam

Porque há uma entrada permanente neste blogue para procurar Tapete de Arraiolos, tenho todo o gosto em continuar a partilhar convosco alguns dos tapetes que tenho feito.

Começo por responder a questões relativas a lãs que são também frequentes. Eu compro-as em lojas normais que vendem lãs. Não existem estas lojas nos centros comerciais mas existem na baixa das cidades, onde ainda se encontra algum comércio tradicional. Por vezes algumas retrosarias também vendem lãs e bases para tapetes de Arraiolos. 

Tanto compro em meadas como em novelos. Têm que ser lãs próprias para o efeito, com tratamento anti-traça e tem que se verificar se a lã que se traz da mesma cor é da mesma tintura pois, se forem de lotes diferentes, podem ter tons diferentes.

Os tapetes que hoje mostro são uns tapetões (2 m x 1,3 m) que tenho numa salinha onde vemos televisão,  e estão junto aos sofás, com puffs de várias cores que se usam como assento ou como descansa-pés. São uns tapetes que fui fazendo, inspirando-me na pintura de Rothko (pintura que aprecio muito, tal como que já referi muitas vezes neste blogue).

À esquerda a banqueta de tecido amarelo ocre 

À esquerda a banqueta cujas cores mais ou menos inspiraram o tapetão


Uma vez que neste blogue há mais uma meia dúzia de posts sobre Tapete de Arraiolos, caso haja interesse, sugiro que, na tabela de temas no lado esquerdo do écran ou em cima no campo de pesquisa, procure os outros onde mostro mais modelos.

Qualquer questão, disponham.

domingo, janeiro 30, 2011

Sophia, Afonso Duarte e Aquilino - natureza, vida e morte e as palavras de que nos alimentamos

Da Magnólia, leitora de Um Jeito Manso, e com a sua devida autorização - e porque me revejo nas suas palavras - permito-me transcrever o seu comentário sobre o meu post sobre Sophia de Mello Breyner Andresen e sobre a nobre e generosa doação à Biblioteca Nacional do seu espólio por parte dos filhos.

"Há pessoas que não deveriam morrer. E essas, mesmo morrendo, não desaparecem da nossa vida. Apenas muda a sua maneira de ‘aparecer’: deixamos de as ver fisicamente, e passam a estar connosco de uma forma ainda mais íntima. Acontece com aqueles que amamos e nos amaram. E, estranhamente, acontece com aqueles que apreciamos, e que, mesmo sem nos terem conhecido, ajudaram a formatar uma grande parte do nosso verdadeiro ‘eu’. Sinto isso com a Sophia. Através dos livros que li desde que me lembro de saber ler, posso dizer que cresci com ela. Às vezes dou comigo a ‘repeti-la’, já sem saber se, sem ela, eu seria capaz de me expressar assim ou, mais do que isso, sem saber se, sem a ter lido, eu pensaria daquela maneira…

Canteiro forrado de azulejos com poema de Sophia 

E a dita ‘formatação’ lançou em mim raízes ainda mais profundas - porque telúricas e que estão na origem da minha pequena mata de ‘pinheiros, tílias, abetos e carvalhos’, árvores que povoavam o meu imaginário desde que, em miúda, li o Cavaleiro da Dinamarca, e que ao longo da minha vida, tornei reais, palpáveis e… minhas.

Pinheiro grande, já independente


Pinheirinho pequenino, ainda de fralda

Porque ao plantá-las e acariciá-las (agora que vão sendo grandes e independentes), vou inevitavelmente reflectindo sobre a vida – a delas e a minha, acode-me ao pensamento muitas vezes, aquele soneto ‘Rosas e Cantigas’ de Afonso Duarte, que me permito lembrar aqui:

‘Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosa here in heaven
Rosas? - Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.’


E confesso que, nesses pensamentos, se mistura a dúvida do nosso Aquilino, que, em momentos de maior fragilidade, faço minha: 

‘A Primavera, tantas vezes rebelde ao calendário, rejuvenesce tudo menos o homem. As leis da ciclicidade fisíca assim o mandam. Para o ano, por esta altura, voltarão as aves a cantar. Que chova, que faça um sol radioso, com o mundo vegetal pletórico de seiva, ou mais aganado, à triste planta humana é que nada a afasta da sua carreira para a morte. Será ela a obra prima da Criação ou a pior de todas’?

Musgo dourado, viçoso, prenuncia a vinda da Primavera

São estes todos – Aquilinos e Sophias, etc, que nunca vão desaparecer do nosso mundo, porque estão aconchegadinhos dentro de nós...

Foi notável o gesto dos filhos da Sophia de Mello Breyner: dignificaram-se e honraram-na como escritora e como Mãe."

Escrito por: Magnólia
Fotografias minhas de hoje, here in heaven