sexta-feira, outubro 13, 2023

Quando um pai, em lágrimas, diz que sorriu e gritou: 'Boa!' ao saber que a filha de 8 anos tinha sido assassinada e não raptada, violada, agredida, deixada morrer à sede e à fome

 

Tudo é horroroso demais. O horror escancarado, cheio de pó e de sangue, em que os gritos e as lágrimas quase são de somenos, as pessoas transformadas em corpos, os corpos na rua, no chão, enrolados em plásticos ou panos, no meio do pó, dos escombros, do sangue. Ao pé crianças chorando, os rostos também cobertos de pó ou de sangue. Outras rindo e brincando, inocentes, convivendo com o horror.

As cidades destruídas e sem um raio de sol ou de esperança. 

A agonia. A aflição. O medo. 

A raiva. A sede de vingança.

Um ciclo infernal de destruição.

O fundo de um poço tenebroso, onde há almas afogadas, corpos em decomposição, sonhos destruídos, vísceras. E sangue e pó.

Não sei o que sobra.

quinta-feira, outubro 12, 2023

Noites em que se desce ao fim da noite


O que está a acontecer em Gaza e em Israel deixa-me sem palavras. Parece que, por vezes, em algumas partes do mundo, alguma pessoas parecem querer fazer-nos convencer que o mundo é de loucos. 

Há gente que consome a própria vida e a dos outros a congeminar no mal, há gente inclemente, há gente que parece desabitada, gente sem amor à vida ou aos outros.

De quantas mortes precisam pessoas assim até conseguirem perceber a finitude e a irracionalidade de tudo? De quantas mortes precisam pessoas assim até perceberem que a loucura que as habita é absurda, sem propósito?

Numa situação dramática como a que se vive neste momento, não vou desfiar argumentos ou fazer contabilidades. Tudo isso é contraproducente. Numa situação destas, uma pessoa só pode querer que acabe depressa e que se enterrem todos os rancores. Qualquer ajustamento de contas que se faça só levará a mais mortes. Há ciclos ruinosos, letais. A única coisa a fazer é enterrá-los. Começar de novo. 

A solução tem que ser política, generosa. 

Mas temo que muito sangue ainda vá correr e que muita dor, muito sofrimento, muita desumanidade venham ainda a ver a luz do dia.

___________________________________________________________________

Palestinian Poet Describes Life in Gaza Amid Israel’s Retaliatory Attacks 

| Amanpour and Company

With Gaza’s main electrical plant shut down, the Ministry of Health is saying hospitals on generators will run out of fuel by Thursday. These facilities are already overwhelmed, as Israel continues to hammer Gaza with retaliatory airstrikes. More than 1,100 have been killed, according to the latest statement from the Palestinian Ministry of Health. The number includes four paramedics whose ambulance was reportedly bombed. Christiane speaks with a resident of Gaza about what is happening on the ground.

Originally aired on October 11, 2023


____________________________________________________________

Mas, se os humanos, alguns humanos, são desprovidos de humanidade, há animais que a têm e muita. Veja-se os burros.

Orphaned Donkey Can’t Stop Hugging Her Rescuer

The beautiful and emotional journey of an orphaned donkey getting adopted by a pack of dogs will surely make your day.

Kadife’s mother was abandoned on the streets while she was heavily pregnant. The mother died giving birth to Kadife and the little donkey was confused and stayed beside his dead mother until she was found by the right people who changed her life. 



Desejo-vos um dia tão bom quanto possível. 
Saúde.
Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz.

quarta-feira, outubro 11, 2023

OE 2024 -- perna curta no IRS, rendas, poupanças.
E, ainda por cima, pernas atadas no combate à fuga ao fisco?

 

Sobre o que já consegui saber sobre o Orçamento para 2024, tenho a dizer que, para além de algumas medidas que me parecem positivas, há aspectos que acho pouco positivas e que deveriam ser corrigidas:

1 - A receita fiscal assenta, em montantes consideráveis, no IRS. E, no IRS, há que ter em consideração o aspecto referido por Pedro Nuno Santos: 42% das famílias não paga IRS. Ou sejam são beneficiários líquidos do que os outros andam a pagar. Quando ouço imensa gente a queixar-se de tudo e mais alguma coisa quando não pagam 1 euro de IRS fico chocada. Estas pessoas não dão valor a nada pois não têm noção do que é andar-se a trabalhar para deixar ficar grande parte nos cofres do Estado. Claro que, se não pagam, é porque ganham pouco. Mas também se será tudo assim pois há muita gente que também recebe 'limpo', 'por fora'. 

E não estou a falar apenas de quem faz biscates ou trabalhos simples (que, aí, a excepção, a raríssima, quase invisível excepção, é quem passa factura). Falo também de empresas que pagam ao pessoal ordenados baixos e, por fora, como subsídios de transporte, quilómetros, isto ou aquilo, que não pagam impostos. E são os empresários e os trabalhadores que querem isto. 

Tudo isto deveria ser passado a pente fino. Se há área que merece investimento a sério (e pôr algoritmos de inteligência artificial, em força, em cima disto e pôr fiscais em campo) é este, o da fuga ao fisco. 

Ou seja, tenho muitas dúvidas de que todos os 42% que não pagam IRS recebam, de facto, os valores que declaram.

E há um outro aspecto que deveria merecer muita atenção. 53% do IRS é pago por apenas 6% das famílias.

Ou seja, 6% das famílias andam a levar às costas grande parte do que os outros usufruem. Ora será que estes 6% são os muito ricos? Não, nem pouco mais ou menos.

Quando se fala em grande injustiça fiscal, é também disto que se fala. Taxar como milionários pessoas que são classe média pura é um abuso, um esbulho.

Uma coisa seria taxar como milionários quem ganhe de facto valores folgados como, por exemplo, acima dos 150.000€ (que, mesmo assim, do que se pratica, na realidade, por aí, é absurdo chamá-los de milionários). Quando há tempos escrevi sobre isso, considerei um escalão com um imposto já razoável para os que ganham entre 150.000 e os 250.000€ e pela medida grossa, então, os que ganharem mais de 250.000€. 

150.000 ou 250.000 É muito? É. Não digo que não. Mas compare-se com o que ganham futebolistas, treinadores, etc...

O que me choca, nisto, não é tanto o que ganham mas que os ganhem, na realidade, e não paguem impostos.

Por tudo isto, uma coisa é certa: taxar tão pesada e injustamente quem ganhe acima de 80.000€ é absurdo, é pesado e muito injusto.


2 - O que acima escrevo tem a ver com aquilo de que falei acima e também aqui, há pouco tempo. A fuga ao fisco. 

Quem, em Portugal, é de facto rico ou muito rico é mais, mas muito, muito mais, do que os tais que são taxados pela medida grossa. Já o referi: bastaria ver quantas casas caríssimas há neste país, de norte a sul, para perceber que, as famílias que as adquiriram e mantêm não são apenas os que pagam o IRS máximo. 

Há, com certeza, muitos que continuam impunemente a fugir ao fisco. Profissões liberais, comerciantes, empresários, senhorios, etc. Do que se ouve falar quase generalizadamente há muitos senhorios, alguns em bairros ou condomínios caríssimos, que não declaram as rendas. E os explicadores? Quantos declaram o que ganham? E das inúmeras profissões liberais quantos não recebem 'limpinho' já que os clientes também preferem pagar menos? E comerciantes? Nos restaurantes, por exemplo, quantos são os que passam facturas apenas se o pedirmos?

Se todos esses pagassem impostos, de certeza que os 6% que hoje são tão penalizados seriam muito mais que 6% e, certamente, menos penalizados.

Portanto, se aliviassem os impostos nos escalões mais altos e, ao mesmo tempo, caíssem a pés juntos sobre os que fogem ao fisco, tudo seria mais transparente e justo.

Assim, é uma injustiça e uma estupidez.


3 - Volto ao imposto sobre as rendas. É de tal forma alto o imposto sobre as rendas que é um convite directo e explícito à fuga ao fisco. Tem que baixar mais, mas baixar a sério. Para os senhorios, para os inquilinos (e até para as pessoas das agências imobiliárias que lidam com esta realidade) é normal que se aceite que não vale a pena declarar as rendas pois ficam todos a ganhar. Acho que é imperioso andar em cima do assunto mas só se consegue alguma coisa se se baixarem os impostos sobre as rendas, muito a sério.

O plafonamento das rendas é outro disparate. Não têm que ser os senhorios a ter um papel social junto dos inquilinos. As rendas devem aumentar conforme a inflação. Há muitos senhorios que têm nas rendas um auxílio ao seu rendimento e que cumprem com todas as suas obrigações fiscais.

Em contrapartida, os que agem na ilegalidade, nos domínios da informalidade e da fuga ao fisco, fazem o que querem.

Mas, se o problema das rendas altas tem a ver com a falta de casas, pois que se incentive a construção de mais casas. E o mercado encarregar-se-á de ajustar os valores ao equilíbrio entre a oferta e a procura. 


4 - Há pouco, de raspão, ouvi o Bagão Félix, pessoa sempre objectiva e isenta, falar de um outro aspecto. Antes, o imposto sobre os juros das poupanças era de 20%. Passou para 28% e aí ficou. Ora, num país em que a poupança é tão baixa, como se consegue incentivá-la se o pouco que se consegue de juros é tão descaradamente comido pelos impostos?


5 - Não vou falar muito mais pois não conheço o documento em pormenor nem este será o espaço mais indicado para grandes análises económico-financeiras.

Mas, ou o OE24 ainda é ajustado ou será, apesar dos pontos positivos, uma decepção. Se há altura para fazer ajustamentos estruturais, profundos, é esta.

Evitar o défice, tentar que haja excedentes e pagar o mais possível da dívida parece-me importante, garantir a realização de investimentos críticos também. Mas mexer nos aspectos que referi e que têm a ver com sustentabilidade, transparência, equidade e justiça parece-me indispensável.


terça-feira, outubro 10, 2023

Num diazinho (bom por um lado, menos bom por outro), chego à noite a preocupar-me com o que diz o padrinho da Inteligência Artificial

 

Dia tranquilo. 

No meio, as coisas da minha mãe. O que ela arranja para levar a dela avante... A racionalidade dela é, sempre foi, muito diferente da minha. Sempre me disse que eu era excessivamente racional. Sou racional, sim. Pelo menos, tento ser. E não sei se, no que se refere a racionalidade, há medida, há isso de se ser excessivamente racional. Para mim, ou se é racional ou não se é. Para mim, se A implica B e se B implica C, então A implica C. Ou 2 mais 2 é igual a 4 (isto na base decimal que é aquela em que usualmente trabalhamos). Coisas simples. E não é função da gradação da racionalidade. Não é por eu ser mais ou menos racional que o que é, deixa de o ser.

Mas, eu falar de coisas lógicas e racionais com a minha mãe em situações em que está tolhida pelo medo e pela ansiedade (e não é preciso muito para ficar assim), deixa-a ainda mais fora de si.

Complicado.

Mas, tirando as muitas que ela apronta -- e que, obviamente, me afectam --, o sol, o calor, o tempo de verão foram bons. No entanto, há que reconhecê-lo: este calor em Outubro não é normal.

Trabalhei bastante. De manhã à noite. A minha filha diz que não consigo deixar de ser workaholic, que ainda continuo na lógica de despachar projectos. Alcançar os objectivos a que me proponho. Sem um desvio, nem em prazos nem na quantidade e qualidade do que faço. Talvez tenha razão, ela. Mas parece que, afinal, é assim que me sinto melhor.

Mas, apesar disso, caminhámos por aqui e, à tarde, fomos à praia e caminhámos lá, a maré estava vazia, o areal plano e duro. Quando regressámos a casa já era de noite (mas os dias também já estão pequenos).

Estive a ver as mensagens trocadas nos grupos dos meus amigos. Centenas. Escrevem muito, partilham fotografias, piadas, vídeos divertidos ou apimentados, creio que muitos provenientes do facebook. É um grupo fantástico.

Agora, aqui à noite, estive a ver o vídeo abaixo. Também concordo que, bem orientada, bem controlada e bem regulada, a Inteligência Artificial pode ser muito útil. Na medicina, na radiologia, por exemplo, pode ser um veículo precioso. A máquina analisará com maior rigor e minúcia (e em menos de nada) possíveis problemas, mesmo os que escapam ao olhar humano. 

O pior é o resto... o pior é sermos ultrapassados por ela... É ela começar a conceber linguagens que nos deixem de fora. É ela tomar decisões que escapem ao nosso controlo.

Os riscos são imensos e, sinceramente, não faço ideia de como mitigá-los. As vantagens também são muitas mas já sabemos que tendemos a ficar deslumbrados com as coisas boas e a cagar para os riscos, pois somos muito de nos fiarmos na virgem (e só darmos pelo buraco depois de termos caído nele).

"Godfather of AI" Geoffrey Hinton: The 60 Minutes Interview

There’s no guaranteed path to safety as artificial intelligence advances, Geoffrey Hinton, AI pioneer, warns. He shares his thoughts on AI’s benefits and dangers with Scott Pelley.

[Geoffrey Everest Hinton CC FRS FRSC (born 6 December 1947) is a British-Canadian cognitive psychologist and computer scientist, most noted for his work on artificial neural networks. From 2013 to 2023, he divided his time working for Google (Google Brain) and the University of Toronto, before publicly announcing his departure from Google in May 2023, citing concerns about the risks of artificial intelligence (AI) technology. In 2017, he co-founded and became the chief scientific advisor of the Vector Institute in Toronto]


__________________________________

Uma boa terça-feira
Saúde. Força. Paz.

segunda-feira, outubro 09, 2023

Viajar. Ler. Estar.

 


Tenho uma amiga a passear em Itália, outro anda pela Grécia, outra está na Turquia. Outras duas, separadamente, vieram há pouco dos Açores e uma pessoa da minha família próxima chegou hoje de uns dias de férias em Paris. Outro anda em Trás-os-Montes e outra, que vive fora e cá veio de férias, sei que anda por aí, por 'este nosso belo país', mas neste momento não sei por onde. 

E eu, que tanto gostava de passear e que tanto passeei, parece que me fui desabituando disso ao longo dos anos em que, por o meu pai estar mal e sempre naquele limbo em que qualquer coisa de pior poderia acontecer a cada momento, ganhei receio a afastar-me não fosse dar-se o caso de não estar por perto em caso de emergência.

Além disso, agora não há o permanente estado de quase alarme em que vivia na altura do progressivo declínio do meu pai, mas há a minha mãe que, com os seus noventa anos e a sua tendência para a ansiedade quando algum sintoma se anuncia (mesmo que ao de leve), faz com que também não me sinta confiante em afastar-me.

Como entretanto mudei de casa e adoro aqui estar, nesta minha tranquila casa que tem um jardim tão romântico e sereno, já para não falar naquele lugar tão especial a que aqui chamo heaven, e porque, por ter deixado de trabalhar, tenho agora tempo para os desfrutar, parece que deixei de sentir o apelo por me pôr a caminho.

Com tudo o que já visitei, com todas as viagens cá e lá fora que já fiz, com as fotografias que toda a gente envia de todo o lado, com os sites, com os documentários, os vídeos e tudo o mais que por aí há, parece que tenho a sensação de que já não me surpreenderei muito com o que tenho por ver, se lá estiver, ou seja, in loco

Sobretudo, sabe-me muito bem estar. Permanecer. Desfrutar. Não ter que fazer malas, estar a ir e vir. E o meu marido está na mesma. Adora o sossego. Adora poder ler ou ver televisão ou passear com o cão ou o que lhe apetecer, sem a preocupação de ter que se despachar para ir fazer outra coisa qualquer.

Talvez daqui por algum tempo, me dê uma daquelas travadinhas que me leva a querer mudar de vida e não descanse enquanto não me puser a caminho. Mas, por enquanto, sinto uma grande felicidade em estar sossegada, poder acordar tarde, caminhar por aqui perto ou ir até à praia, jardinar, regar, lavar, varrer, cozinhar, etc., ler, escrever até às tantas, ter a família reunida ao fim de semana (ou nos dias feriados), comunicar-me com amigos, por vezes estar com eles. 

Sobre livros, a minha filha queixa-se que parece que não encontra agora livros que a encantem. Frequentemente deixa-os a meio, sem paciência para esforços que sabe de antemão que não vão compensar. Eu, desde há algum tempo, também estou assim. Mesmo muitos daqueles livros altamente propagandeados ou ditos clássicos agora me parecem básicos, sem substância ou arte. Disse-me ela que, do que tinha lido ultimamente, só um lhe tinha parecido digno de realce, 'As primas' de Aurora Venturini. Por isso, comecei hoje a lê-lo. E é verdade, ela tem razão: só não foi de penalti porque se meteram outras coisas. Mas amanhã com certeza que vai. Depois digo porquê.

Ela estava a ler e acabou-o cá, hoje à tarde, 'O quarto do bebé'. Eu já o espreitei e também me pareceu demasiado plain mas ela diz que se lê bem, que não é nenhuma obra literária, que, por ser de quem é, também estava à espera de outra coisa, que é um diário e que se percebe que é autobiográfico e que, por isso, à parte os bocados em que Anabela Mota Ribeiro descreve sonhos e outras partes mais nhec-nhec, se deixa ler sem sacrifício.

Não sei se é como nas viagens. A gente já leu tanto de tudo que, às tantas, já tudo parece simplório ou dispensável.

Por acaso o meu filho no outro dia disse que estava a ler um livro e que era talvez dos melhores livros que já tinha lido. Sabendo-o também exigente, fiquei curiosa. Mas era um nome algo estranho, não fixei. Não posso esquecer-me de lhe perguntar. Só que receio que seja um daqueles livros gigantes que ele lê com facilidade mas que a mim já me custam. Parece que agora também já tendo a sentir um certo sentimento de rejeição em relação a livros muito grandes, com mais de trezentas ou quatrocentas páginas.

Enfim, cenas.

Tirando isso, é pena que o mundo não se amanse, que as pessoas não ganhem tino. O próprio planeta devia arranjar maneira de espalhar pelos ares uns pozinhos de perlimpimpim que deixassem as pessoas todas numa de peace and love.

______________________________________________________________

A fotografia é da autoria de Matt Coughlin e Eva Cassidy interpreta Autumn Leaves

____________________________________________________

Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Amor. Paz.

domingo, outubro 08, 2023

Em dia de casamento real para os pequenitos e de tiroteios para doer ali onde a gente sabe, há tempo para se falar nos reais riscos que a IA pode trazer?

 

Casou-se a filha do rei de faz de conta e a TVI, que provavelmente bancou o espectáculo, cobriu o evento como se estivessem às portas de Buckingham. E o povo (sic) colocou-se no exterior para ver, aplaudir e comer qualquer coisa à conta.

Tenho que confessar: só vi durante uns cinco minutos. A infanta (sic) vinha num coche (ou caleche?) com o senhor seu meio acabado pai, acenando à populaça. 

Lá dentro, os nobrezinhos, os newcomers e mais uns quantos vestidos a rigor aguardavam. E algures o Goucha e mais umas pessoas comentavam.

Desandei pois tudo ali me pareceu desfasado da realidade.

Podia ser apenas um casamento, e um casamento é sempre um momento com a sua graça. Mas não: quiseram fazer daquilo uma encenação fajuta de um casamento real como se Portugal fosse uma monarquia. E esse faz de conta elevado a esta escala faz-me um bocado de espécie.

E sei que o tema do dia é a desgraça que para ali vai no Médio Oriente mas como não serei a pessoa mais indicada para falar nisso, limito-me a dizer que não compreendo como podem os países envolver-se em guerras tão sangrentas quando têm tudo a perder. Bem sei que assiste aos humilhados e perseguidos o direito à indignação mas, se entramos por aí, logo virão os agredidos dizer que lhes assiste o direito à retaliação face à agressão. A uma escala planetária o que se vê é que por incapacidade de serem inteligentes, os humanos passam a vida a matar-se uns aos outros.

Claro que com estas cabeças, uns a iludirem-se feitos totós, outros a, maquiavelicamente, espezinharem populações, outros a invadirem outros países, e os atacados a defenderem-se, o que sobra são uns pobres coitados, cada vez mais velhos.

E sobra espaço para que tudo o que é dispensável avance como cão por vinha vindimada. E aqui incluo os populistas, os chico-espertos, os pequenos génios que inventam o que lhes dá na gana e que ninguém controla.

A entrevista abaixo é interessante. Recomendo-a. Ali Harari fala para os riscos reais da Inteligência Artificial. Estivesse a humanidade atenta e cautelosa em relação a isto, poderia usar-se apenas o seu lado bom. Mas andando tudo aos tiros uns para os outros ou para os pés e outros distraídos a brincar às divas, aos reis e princesas, às selfies e beijinhos, não sei se há quem seja capaz de pôr um travaão quando for caso disso.

(Dá para pôr com legendas a partir de tradução automática para português. Para quem não se entende com o original sempre é uma ajud)a. 

Piers Morgan vs Yuval Noah Harari On AI | The Full Interview

Piers Morgan Uncensored is joined by historian and philosopher Yuval Noah Harari for an in-depth conversation about the intricacies, benefits and threats of Artificial Intelligence and how the world should move forward using AI and the risks of what could happen without regulation.

Yuval believes that AI development needs to be regulated in a similar manner to how new medicines are studied and introduced. He feels that new technology needs to be thoroughly tested before being deployed for public use.

Yuval believes the main threat of AI is that it will break the trust of human-to-human interaction with 'fake humans' and believes our entire society, democracy and economy are based on the trust of human-to-human transactions and relationships. Yuval suggests we should look to ban 'fake humans' and 'deep fake' AI before it reaches a point of self-design and starts creating independent-thinking fake humans.


Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Boa sorte. Paz.

sábado, outubro 07, 2023

Sexta-feira presencial

 

Lembro-me de um dia, uma sexta-feira de um Março que me parece longínquo, participar numa reunião ao mais alto nível, na maior e mais nobre sala de reuniões. Estávamos todos surpreendidos e muitos sem perceber ainda o que estava a acontecer.

Sendo uma empresa tão grande, dispersa por várias geografias e com muitas instalações a funcionarem vinte quatro horas por dia, todos os dias do ano e operando num sector estratégico e crítico para o país, tínhamos que tomar uma decisão. E tomámo-la. Ali mesmo foi criado um comité de crise, traçadas as linhas gerais, escrito um comunicado com carácter de urgência. 

E ali mesmo combinámos que todos os que tivessem computador portátil pegariam nele e trabalhariam a partir de casa até ordem em contrário e durasse isso o tempo que durasse.

É uma imagem de desolação que guardo desse dia. Naquele escritório, em concreto, toda a gente tinha portátil. Uma pessoa estava cheia de tosse e sentia-se febril. Foi mandada embora de imediato.

E todos pegámos nos computadores e, olhando uns para os outros com espanto e preocupação, despedimo-nos sem saber quando voltaríamos a vê-los.

À maioria deles não voltei a ver.

A partir daí a empresa entrou numa voragem para tentar que todos conseguissem fazer o seu trabalho a partir de casa e para que os que tinham que estar 'presenciais' o fizessem em segurança.

Poucos dias depois, o pai de um colaborador directo morreu de covid. Os casos na empresa sucediam-se. Tínhamos que arranjar maneira de recompor equipas. Foram meses muito difíceis.

De seguida, surgiu-me um convite que não podia recusar, um desafio de loucos. Fui trabalhar para outra empresa. Portanto, deixei de trabalhar com aqueles de quem me tinha despedido em Março.

Durante muito tempo, por segurança, o trabalho foi remoto para quem isso era possível.

Depois passou a híbrido.

Ainda bem que assim é. O normal é que se ajuste a forma de trabalhar. Desde que o trabalho se faça, é bom que haja flexibilidade de parte a parte. 

E é verdade: quando alguém se recusa a trabalhar a partir de casa e defende intransigentemente o trabalho presencial não arredando pé do local físico de trabalho, já parece um pouco estranho. Confirmo que, por exemplo, ao ver um colega que entrava todos os dias quase de madrugada e era o último a sair, eu e toda a gente pensávamos que o fulano só podia ser alguém sem vida própria.

É disso que o episódio de hoje da Porta dos Fundos trata. O que aqui abaixo está escrito e que transcrevi do Canal deles não tem nada a ver.

Sexta-feira presencial

É sexta-feira, o expediente começa às 10h. Mando uma figurinha de "bom dia" no grupo da firma e continuo caminhando pela praia. Vou pro judô, tomo banho, chego ao computador de cabelo molhado às 11h30. Vejo vídeos no Youtube enquanto uma reunião acontece. Opa, meio-dia, hora daquele almoço de 2 horas. Mais uma reunião começa e eu entro no link ainda do restaurante. A partir das 15h, ver séries. 16h? Passar um café. Ok, hora de mandar um e-mail que enrolei tanto pra escrever, já são 16:55, hora de uma parada pra um cigarro porque às 17h encerro meu expediente mais cedo. Mais tarde é meu vôo pra Itália. Muito bom ser um CEO que exige trabalho presencial obrigatório.


Desejo-vos um bom sábado

Saúde. Bom descanso ou bom trabalho ou bom passeio. Paz.

sexta-feira, outubro 06, 2023

Tostas saborosas em família e um belo, belíssimo, Animaris Rex
Never gonna be alone

 


O dia foi dos bons. Um dia feriado é dia de férias e é bom ter o pessoal todo cá em casa. Almoçaram, descansaram, foram jogar padel, foram dar um mergulho. Depois, de volta a casa, todos os homens fecharam-se na sala de televisão para verem o futebol sem interrupções do sector feminino ou do cão. Mesmo os benfiquistas se solidarizaram com os sportinguistas e permaneceram na sala.

Portanto, o lanche foi dividido entre o que levei para os que estavam fechados e para as meninas que aproveitaram o sol e o ar livre.

Tinha trazido dois pães de forma de Rio Maior que fatiei, um de chia e mais qualquer coisa e um pão rústico, tudo fatiado no supermercado. Não aproveitei as fatias que se partiram ou enrolaram umas nas outras. 

As duas grelhas do forno já não são suficientes para as tostas. Enquanto o pão está no forno, vou tostando mais fatias na torradeira.

Fiz de três tipos. Como todos gostam muito, partilho convosco pois podem querer aproveitar a ideia.

1 - Levo umas fatias ao forno. Quando já estão a alourar, tiro-as e pincelo-as com um pouco de azeite com alecrim. Vão de novo para o forno. Depois de lourinhas, retiro-as. Tiro o alecrim pois já lá deixou o sabor (e não vão eles embirrar com as folhitas secas; se fosse para mim, deixava ficar). Ponho uma fatia de queijo em cada tosta (no caso, era Terra Nostra). Vai ao forno outra vez, para amolecer. Quando está praticamente derretido, tiro do forno, ponho uma fatia finíssima de presunto em cima. Antes de servir, passo por cima, muito ao de leve, uma brisa invisível de azeite e uns quantos subtis orégãos.

Dios pratos, dos grandes, destas.

--------

2 - Já contei mas, para ficar aqui, repito. Num copo misturador ponho dois tomates de rama, grandes e bem maduros. Ponho um pouco de sal e um pouco de orégãos. Com a varinha mágica, moo muito bem. Depois de moído, junto um fio de azeite enquanto continuo a bater com a varinha, o que faz engrossar. Esta emulsão é muito boa e saudável.

Tiro mais um tabuleiro de tostas do forno e, com uma colher, ponho uma boa quantidade desta emulsão em cada tosta. Por cima de cada, ponho uma fatia de salmão fumado. Em algumas ponho, ainda, um apontamento de queijo mozarella de búfala. Noutras, polvilho um pequeno nada de alface ou de cenoura ralada. Por cima, o mesmo sopro invisível de azeite e uns salpicos de orégãos.

2 pratos destas

--------

3 - Os restantes 2 pratos são parecidos mas apenas com a emulsão de tomate, umas fatias bem generosas de mozarella de búfala. Em algumas salpico, por graça, com uns discretos toppings de salmão fumado.

--------

Desaparece tudo, num ápice.

Uns acompanham com bongos, outros com iogurtes líquidos magros, outros com minis.

A seguir, uvas.

---   ---   ---   ---   ---

Um pormenor relativo ao almoço. A pedido de várias famílias, tudo o que é doce ou engordativo deve ser banido. Portanto, para sobremesa, fiz assim: para uma taça grande de vidro, cortei aos bocadinhos dióspiros bem maduros, pêssegos maduros e doces, maçãs, muitas uvas inteiras e sem grainha. Depois deitei lá para dentro um iogurte magro de frutos vermelhos e seis embalagens de gelatina sem açúcar acrescentado, de pêssego e manga. Envolvi tudo e coloquei no frigorífico até ser servido. Ficou muito agradável. Gostaram. As crianças assim comem bastante fruta, sem protestarem

--- --- --- --- ---     --- --- --- --- ---

E, para terminar, um momento maravilhoso. A perícia de Theo Jansen é surpreendente pois alia a inteligência da técnica à leveza da poesia.

Animaris Rex

Since the beginning of this summer I have been trying to connect several running units (Ordissen) in succession. Animaris Rex is a herd of beach animals whose specimens hold each other as defense against storms. As individuals they would simply blow over, but as a group the chance of surviving a storm would be greater. It is 18 meters long (5 meters longer than the largest Tyrannosaurus Rex found.)

Theo Jansen


_____________________________________________________

Lá em cima, obra de Oliver Marinkoski

Jacob Collier - Never Gonna Be Alone (feat. Lizzy McAlpine & John Mayer)

__________________________________________________________

Desejo-vos uma feliz sexta-feira
Saúde. Harmonia. Paz.

quinta-feira, outubro 05, 2023

Os jovens desactivistas que andam a atrapalhar a vida a quem trabalha e a serem levados ao colo pelos desjornalistas.
[Isto em mais um belo dia de férias]

 


Mais um belo dia de férias. Praia. Tempo bom. Uma luz branca, levemente enevoada, muito levemente, quase um tule.

Fazemos umas boas caminhadas. Parte do caminho faço-o dentro de água mas apenas os pés. Tão agradável. A água está em boa temperatura.

As pitangueiras estão plantadas. São uma pontinha, apenas, uma ervinha. Espero que vinguem e que se cubram de pontinhos amarelos e encarnados. 

Tratei do que tinha a tratar e tive tempo para escrever. 

Escrevo, escrevo, escrevo. Não sei de onde saem tantas palavras.

Aconselham-me a que escreva menos, que pondere mais. Mas isso é o mesmo que me dizerem que pense menos ou que respire menos. Não sei pensar antes de escrever. Quanto muito, penso depois de escrever.

Aliás, hoje estava a caminho do fim de uma história e, sabendo já como ia acabar, a minha cabeça começou a deslizar para uma próxima. É muito estranho, bem sei.

Tirando isso, vi, num relance, meia dúzia de jovens com aspecto vagamente alternativo que por aí andam a fazer parvoíces, cortando o trânsito, atrapalhando a vida a quem anda a trabalhar. Quando entrevistados, os jovens só dizem palermices, vacuidades. Estão desfasados da realidade, são incultos, mal informados. São um vulgar subproduto das redes sociais. Contudo a televisão ouve-os, dá-lhes palco. Uma gentinha desqualificada, tanto eles como quem lhes dá palco.

Enfim.

Enquanto estou a escrever, estou a ver uma entrevista com o Woody Allen. Diz que o trabalho é fundamental mas que a sorte é muito importante, que se pode trabalhar bem toda a vida e nunca ter sorte. Um médico que conheço diz o mesmo:  a gente tratar-se ou monitorizar-se é importante mas mais importante é ter sorte.

E é mesmo. Por isso gosto tanto de desejar boa sorte. A mim própria me desejo boa sorte.

_________________________________________

A fotografia foi feita há dois dias. 

As Boygenius interpretam Cool About It

__________________________________________

Um bom dia feriado

Saúde. Boa sorte. Paz.

quarta-feira, outubro 04, 2023

A felicidade através das pequenas coisas

 


Por acaso hoje não fomos à praia, isto é, para a areia, para a água. Ontem, sim. O meu marido mergulhou e eu estava afoita, convencida que não teria dúvida em ir também. Mas à última hora vacilei. Não passou do peito.

Estar na praia nesta altura do ano é uma maravilha. A praia quase sem ninguém, a temperatura amena, a luz muito limpa. Por todo o lado pequenos gaivotinhos, saltitando à beira de água.

Enquanto lá estava pensava que há menos de um ano estava eu a trabalhar, com toda a gente a trazer-me problemas para que eu, com invisíveis varinhas mágicas, os resolvesse num ápice. Isto enquanto o meu colega (e amigo) lutava contra os medos por ter descoberto que o cancro, que julgava extinto, afinal, silenciosamente, se tinha espalhado. Mas, para não desastabilizar, não quis que se soubesse. Ausentava-se para exames ou por não estar bem e eu tinha que aguentar tudo sozinha, inventando desculpas para as ausências dele. Foram tempos muito complexos e pesados. 

Por mil motivos, estas minhas belas férias sabem-me pela vida. Sinto-me feliz por poder estar a desfrutá-las.

Poder andar a fazer exercício dentro de uma piscina funda, durante o dia, também me enche de bem estar a satisfação. Antes trabalhava de sol a sol sem tempo para mim. Agora posso levantar-me às horas que me apetece, posso ir à praia, andar na piscina, escrever, dormir a sesta, ler, apanhar sol, caminhar... e isto durante o dia.

Muitos antigos colegas de escola, da minha idade, portanto, ainda trabalham. Dizem que não se imaginam sem nada que fazer. Digo-lhes que é uma sensação tão boa, que, se soubessem, não quereriam outra coisa.

Não fomos para a praia mas, ao fim do dia, fomos caminhar à beira dela, respirar o pôr do sol, ver o mar.

Trouxemos sushi para o jantar, um sushi muito fresco, muito bem feito. Também é bom não ter que fazer todas as refeições.

Vi um vídeo em que um estudioso, um professor universitário, investigador, dizia que a felicidade se obtém com coisas simples: 

  1. ter amigos, amigos de verdade, não amigos virtuais, não amigos daqueles que fazem parte de um networking de interesses, pessoas que nos podem ser úteis, mas, sim, amigos de verdade, que não servem para nada a não ser existirem e serem nossos amigos
  2. partilhar afecto com a família, falar com a família, partilhar momentos e memórias, acarinhar as raízes comuns, cuidar do futuro com cuidado e devoção
  3. sentir que se faz parte de algo maior, seja porque se professa uma religião ou se está integrado num clube ou se adora e venera a natureza, ou coisas assim, em que nos sentimos bem
  4. sentirmo-nos agradecidos por estarmos vivos, por termos o que temos, por sermos como somos (diz ele que o maior inimigo da felicidade é a inveja)
  5. perceber que os outros não têm que ser iguais a nós, não querer, a todo o custo, encontrar almas gémeas, perceber que é das diferenças que nasce a aprendizagem
  6. procurar a beleza das coisas facilmente alcançáveis: ler, ouvir música, apreciar a arte, descobrir a perfeição das flores

Coisas simples. Não alimentar rancores, por exemplo. Não ficar preocupado por não ter o que outros têm. Não traçar objectivos difíceis de alcançar cujo não atingimento seja interpretado como um fracasso.

Gosto bastante de ler ou ouvir coisas assim. Revejo-me nelas. Gosto mais de ouvir isto do que estar junto de quem desfia viagens que fez ou de quem despeja citações, títulos de livros, ou exibe o que toma por sinais de um status superior. Isso cansa-me. Ouvir falar de coisas simples agrada-me.

Por exemplo, uma colega de piscina levou-me um vasinho com pés de pitanga para eu poder plantar no jardim. Fiquei agradecida e tocada pela generosidade dela, por se ter lembrado de mim, por ter tido essa ideia e por ter ido com o vasinho para me dar. 

E é isto, por hoje. Há pouco adormeci e custou-me a acordar. Lá o consegui pois queria escrever isto. E agora ainda quero ir fazer outra coisa. 

______________________________________________________________


Nick Cave & Warren Ellis interpretam We Are Not Alone 

(do filme La Panthère des Neiges)

Pintura de Kang Un

_____________________________________________

Desejo-vos uma boa quarta-feira

Saúde. Alegria. Paz.

terça-feira, outubro 03, 2023

Marcelo & Melão

 

Não gosto de dizer mal daqueles de quem receio que não estejam na plena posse das suas faculdades ou de quem está na mó de baixo. Ora -- e estou a falar com toda a franqueza -- não estou certa que o Marcelo Rebelo de Sousa de hoje seja o mesmo de há uns cinco ou seis anos.

É certo que já lhe conhecíamos a grande apetência pela luz dos holofotes. Lembremo-nos, por exemplo, do seu mergulho no Tejo, numa altura em que o Tejo era mais impróprio para a natação que hoje, dando, com o seu acto, um mau exemplo aos cidadãos. Lembremo-nos do nonsense da vichyssoise, tendo sido desmascarado em directo por Paulo Portas que contou como Marcelo tinha engendrado, de alto a baixo, uma mentira descabelada.

Depois de anos em prime time na televisão, saltou para a Presidência da República. E, na sua mente, isso deve ter sido pensado como um mega palco no qual poderia ostentar a sua extraordinária ubiquidade.

Se teve, no primeiro mandato algumas atitudes correctas, agora parece ter entrado numa preocupante derrapagem. Por vezes, parece tomado por um complicado desvario que prefiro pensar que é cansaço, exaustão e que, tal como as crianças ficam insuportáveis quando não descansam, também ele fique assim. Depois, quando se excede. aparece a dizer que não era bem aquilo. 

A forma como se abraça a toda a gente, a forma como enche toda a gente de beijos, parece excessiva. Nós vamos desvalorizando, levando para a brincadeira, ah é um beijoqueiro... 

Mas, convenhamos, é excessivo, é, frequentemente, despropositado. 

No outro dia as câmaras mostraram-no a chamar a atenção para uma pessoa por ter algum peso a mais. Inconveniente, temos que reconhecer. Depois foi a 'boca' sobre o decote de uma rapariga. Bem pode desculpar-se... mas já são lapsos a mais.

Anda tanto de um lado para o outro, quer tanto estar sempre presente, que deve andar freneticamente à procura de situações onde possa estar presente, e isso, em qualquer pessoa, é uma canseira. Ora com 74 anos, e anos e anos de rodopio, só pode estar desgastado, mais parecendo estar em verdadeira roda livre, a precisar de uma cura de sono e, eventualmente, um retiro para praticar meditação e técnicas de relaxamento.

Andar a correr para ir ver um eléctrico que teve um acidente no meio de Lisboa ou para não sei onde para acudir a uma avioneta que se acidentou ou a aparecer no meio dos cenários de incêndio ou a ir a hospitais, cafés, feiras, ou ligar em directo para a Cristina Ferreira... este ano a reunir a comunicação social todos os dias na praia para mandar recados... tudo isto parece coisa de quem já não tem lá muito bem presente o que se espera de um Presidente da República.

O que fez com o Ministro Galamba foi inqualificável. Repito: inqualificável. Nessa altura pensei que Marcelo tinha batido no fundo e que, portanto, a partir dessa altura só poderia melhorar.

No entanto, infelizmente, isso não aconteceu. Não melhorou.

O que todos temos constatado, direi que com alguma estupefacção, é que não tem feito outra coisa senão tentar minar a confiança dos portugueses no actual Governo. Convoca Conselhos de Estado para tratar de assuntos que não são da sua competência, mete-se no tema dos professores (sem acrescentar coisa alguma), arma confusão no tema da habitação (mesmo que involuntariamente, quase incentivando um inútil e perigoso extremar de posições contraditórias entre partes), tenta infectar a opinião pública contra uma maioria absoluta (esquecido que foi assim que os portugueses votaram, em plena liberdade). Etc.

Marcelo hoje em dia, segundo creio que começa a ser opinião dominante, não é um elemento de estabilidade mas, sim, lamentavelmente, de desestabilização.

Hoje li que telefonou ao cantor Melão que teve um acidente e está no Hospital Garcia de Orta. Sem desmerecimento para o valor do Melão, pergunto-me se Marcelo telefona a todas as pessoas que tiveram acidentes ou que estão doentes. Pergunto-me também porque o faz. E pergunto-me ainda como é que a comunicação social sabe tudo o que faz. Será que há linha directa entre a Presidência da República e a Comunicação Social? E como consegue ele os contactos das pessoas? Faz da vida das pessoas da Casa Civil um autêntico inferno, pondo-os a procurar tudo isso, ligando para aqui e para ali para obterem os números de telefone das pessoas? E para quê' Para as pessoas gostarem mais dele? Mas porquê? Achará que foi eleito para isso?

Só espero, e sinceramente o espero, que Marcelo compreenda que deve fazer uma pausa e que, depois, com a cabeça fresca, reveja quais as atribuições de um PR e interiorize que não precisa e não deve ir além do que constitucionalmente lhe compete. E que, sem inibições, procure acompanhamento psicológico para ver se aprende a lidar melhor com as suas carências afectivas. Não tem que ser amado por todos. Ninguém é amado por todos. 

Se continuar nessa sanha, correrá o risco de se transformar em alvo de chacota, desprestigiando a Presidência da República enquanto instituição que deve ser prestigiada, respeitada.

____________________________________

segunda-feira, outubro 02, 2023

Um domingo bom e dedicado a limpezas com uma tarde afável e feliz.

[E Joan Baez revela segredos, um dos quais bem pesado]

 

O que esta casa se suja, apesar de estar fechada, não dá para explicar. Tudo fechado, tudo, tudo bem fechadinho. Antes de sairmos, tudo limpinho. E chego lá, e não sei como, vejo teias de aranha nuns cantinhos, afasto os sofás e vejo pó ou, quando enfio a vassoura por debaixo dos móveis, constato que saem rolos de cotão. Posso fechar os olhos, fazer de conta que não vejo. Se estou cansada demais ou com pressa é isso que faço. Fica para a próxima, digo. Mas nunca saio sem limpar, pelo menos, a maior.

Hoje tinha tempo, foi a preceito, tapetes não apenas bem varridos mas bastamente sacudidos, sem esquecer de afastar tudo o que havia para afastar, tudo, tudo. Se há coisa de que gosto de fazer é isso. Parece que o ar depois fica mais limpo. Ou, então, é psicológico. Mas, seja o que for, é bom na mesma.

E, no entanto, há menos de quinze dias tinha deixado a casa limpa. 

Não sei se é por haver um cão em casa, se é por trazer paus que se entretém a roer como se fossem ossos, se é por trazer tojo seco agarrado ao pelo. Não sei. Creio que não pois quando saio a casa fica limpa. 

E, se eu estive dedicada aos interiores, o meu marido andou de volta das árvores. Depois de anos e anos a lutar por cada pé de árvore, agora estou outra. Percebi que quando há ajuntamento de pés, nenhuma árvore se desenvolve muito e há pés que ficam infelizes e esquálidos. Era minha ideia que a natureza era sagrada e que isso tinha que ser levado à letra. Mudei. Agora acho que devemos ajudá-la, fazendo a misericórdia de eliminar o que não está fadado a vingar. Leio-me ao escrever e sinto-me cruel. Mas não estou a falar do reino animal, apenas do vegetal.

Por isso, alguns aglomerados de pés de aroeiras e de azinheiras, justamente os que estão em frente das janelas da sala da televisão e da sala do lado, foram hoje aligeirados. Ele teve uma trabalheira a serrar aquilo tudo, a cortar aos bocados, a transportar ramagens e troncos.

Mas fica muito melhor, mais desafogado, uma visão mais ampla. Gosto muito mais. Quando me ouve a louvar a nova vista, o meu marido limita-se a dizer: 'Há anos... há anos que ando a querer fazer isto...'

Tenho constatado que, neste tipo de coisas, sou lenta, custo a perceber.

Deixo para fim uma mágoa, uma mágoa gigante. Estou quase certa que os esquilos debandaram. Aquela semana de máquinas a serrar ramos pelas árvores acima e de outras a desbastar mato devem tê-los assustado e muito. E, de facto, como não...? Eu tinha era esperança que, susto passado, regressassem. Mas, pelos vistos não.

O que fizemos tinha que ser feito e reconheço que há agora uma maior segurança (contra incêndios, por exemplo) e, apesar de tudo, não menos beleza. Mas afugentarmos os esquilos é daquelas que para sempre me ficará como uma grande pena. Voltei a deixar a banheira de quando os meninos eram bebés com água e à sombra. Mas não sei se, onde estão, os esquilos vão adivinhar que ali pus a água.

Tomara, tomara que sim. Vê-los, ou simplesmente sabê-los, nas árvores enchia-me de felicidade.

___________________

Entretanto, de tarde, casa cheia. 

A alegria, o bom apetite de todos... e o que as crianças estão a crescer... Estão naquela idade em que espigam como feijões mágicos. 

O mais crescido já quase um homem, com a sua personalidade cada vez mais definida, já sem a mesma apetência pelas brincadeiras dos demais. Não tarda será ela. Também já mais esguia, coquette, meiga, toda ela decidida nos seus objectivos. Seguem-se os dois que estão ainda a espreitar de longe a adolescência, um com onze e outro com doze, brincalhões, amigos, com os mesmos interesses. E, depois, o mais novo, seis anos cheios de filosofia. Para um projecto na escola sugeriu como tema: 'Porque é que há seres humanos'. A professora chutou para canto, claro. Numa sala de 1º ano, como trabalhariam o tema durante todo um ano lectivo? Ele ficou decepcionado, bem entendido. Menino mais fofo (e mais terrivelzinho...)

Enfim, um encanto muito grande, um calorzinho bom no coração.

__________________________________

Termino com um vídeo com uma pessoa de quem gosto bastante, Joan Baez. Não apenas fala da sua vida como faz uma revelação terrível. O que me espanta é como quem sofre abusos sexuais em criança consegue arrumar isso num canto da sua mente e fazer uma vida normal. Dir-se-ia que as vítimas ficariam com traumas tão avassaladores que não conseguiriam livrar-se dessa devastação. Mas conseguem. E, até por isso, temos que estar todos bem atentos a todos os mais ínfimos e subtis sinais pois, como se sabe, quer os abusadores quer as vítimas ocultam tudo bem ocultado.

Mas, para além disso, há a voz e a forma maviosa como Joan Baez interpreta o que canta.

Joan Baez, revealing secrets

In a new documentary, "Joan Baez I Am a Noise," which features the singer-activist's personal archive of home movies, letters and drawings, the Rock & Roll Hall of Famer opens up about her 60-year career and her life on the front lines of social change. Baez talks with correspondent Tracy Smith about the film and the surprising secrets she revealed; how Bob Dylan broke her heart; and how she expresses her less serious side.


______________________________

Desejo-vos uma semana feliz a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Amor. Paz.

domingo, outubro 01, 2023

O olhar perto chão no adeus aos Sinais de Fernando Alves, o Senhor Rádio

 

Quando ia trabalhar, tentava sempre ouvir os Sinais. Cheguei a ficar estacionada fora do edifício (porque no parque subterrânea perdia o sinal de rádio) para ouvir o apontamento do dia. Se não conseguia, tentava ouvir à hora de almoço.

Não eram apenas as palavras em si, tão bem escolhidas, e a forma como o Fernando Alves as entretecia mas também a voz e a maneira de as dizer. Qualquer coisa de poético. Frequentemente, arrepiava-me.

Claro que a sua intervenção na TSF ia muito além dos Sinais. E, fosse nas reportagens fosse nas entrevistas, ele era sempre exímio. Tudo o que ele fazia dava vontade de ouvir várias vezes. 

A sua voz e os seus trabalho  eram dos mais esplêndidos da rádio.

Reformou-se. Compreendo. Sei bem o que isso é.

E a TSF em particular e a rádio em geral perdem uma parte relevante da sua graça. Claro que virão novos jornalistas e que o rejuvenescimento, em si, não é mau. Mas o Fernando Alves é todo um património, um património que leva muito tempo a edificar. E tudo envolto numa toada que encanta -- e com esse talento nem todos têm a sorte de nascer.

Para que aqui fique como um saudoso pro memoria, transcrevo o último texto que disse no seu pessoalíssimo Sinais

Sugiro que cliquem no link para poderem ouvi-lo dito por ele.

O olhar perto do chão

No seu mais recente livro, "Montevideu", que nos é apresentado como "uma ficção verdadeira", Enrique Villa-Matas descreve-nos um dos seus vários encontros com Tabucchi a quem muito admirava desde "Mulher de Porto Pim", esse livro que, assim o vê o catalão, trata "com leveza poética" questões "difíceis e complicadas". Os dois haveriam de tornar-se amigos, partilhando experiências em várias cidades, em conferências literárias ou movidos pelos fios invisíveis de um acaso feliz.

Certa vez, sentados numa esplanada nas margens do Arno, em Florença, Tabucchi contou a Villa-Matas que tinha chegado à fala com um tipo estranho, um vagabundo que muito impressionara o amigo, em Paris.

Villa-Matas guardava do vagabundo uma imagem vincada. Todos os dias, ele sentava-se no chão, à porta de uma livraria, no Boulevard Saint-German. Em frente, havia um quiosque de jornais. O que retivera a atenção de Villa-Matas, nesses longínquos dias parisienses? O modo elegante como o vagabundo se comportava, cumprimentando quem entrava e saía da livraria. Por vezes, levantava-se, fumando, com o olhar perdido no horizonte, um magnífico havano. Durante a maior parte do tempo, permanecia sentado no cartão de vagabundo, lendo um clássico. Durante algum tempo, enquanto viveu em Paris, o catalão viu com muita frequência o estranho vagabundo. Anos depois, em Florença, conversando com Tabucchi, este confidencia que, certa vez, chegara à fala com o homem. Estava sozinho em Paris, vagueou pelas ruas e deu com aquele homem sentado no chão lendo o seu clássico. O vagabundo convidou-o a que se sentasse a seu lado, no chão, apreciando o mundo desse patamar ao nível dos pés. Tabucchi não hesitou. Sentou-se ao lado do vagabundo, ficaram ambos durante algum tempo em silêncio, observando os que passavam por eles com total indiferença.

Na noite estival de Florença, Tabucchi contou a Villa-Matas o modo como o vagabundo quebrou o silêncio. Ele nunca mais esqueceria aquelas palavras. Disse-lhe o vagabundo: "Estás a ver, amigo? Daqui uma pessoa pode vê-lo muito bem. Os homens passam e não são felizes".

Partilho convosco esta passagem do magnífico livro que me ocupa por estes dias, na última crónica que assino nesta rádio. A meu modo, vou ocupar as horas, em grande medida, um pouco à maneira do vagabundo desta história. Não penso sentar-me no chão, à porta de uma livraria. Mas procurarei, muitas vezes, bancos de jardim, à sombra. E assim me deixarei ficar, absorto, tomando notas para uma improvável emissão futura, feita de silêncios e de palavras elementares, assim me pouse no ombro a ave clandestina. Ambição chã. Ficarei a ver passar os transeuntes com o seu ar triste, como só os vagabundos sabem detectá-lo. Até sempre.

_________________________________________

Tomara que alguém da rádio o convença a voltar 

(nem que seja 'apenas' para continuar com os Sinais).

__________________________________________

Desejo-vos um feliz dia de domingo

Saúde. Afecto. Paz.

sábado, setembro 30, 2023

Dia 29 de Setembro de 2023

 

Hoje não vou escrever muito pois estou um pouco exausta. Esta sexta-feira foi um dia muito especial para mim.

Acontece que, em vez de poder focar-me completamente na preparação para o evento em que ia participar durante o dia, de manhã tive uma série de assuntos para tratar. E depois a pessoa com quem tinha que falar não estava, a secretária disse que ela logo ligava, e eu pedi que fosse, no máximo dos máximos até às onze pois, a seguir iria ficaria indisponível... e o tempo passava e nada de telefonema e, a seguir a esse telefonema, teria que fazer um outro e ainda mandar o mail... e nada, nada, nada. Uns nervos. Tudo isto foi acontecer no pequeno intervalo de tempo que eu hoje tinha livre e que tinha destinado a outra coisa. 

Não sei se acontece convosco mas as coisas podem acontecer ao longo de meses e não acontecem. Mas, quando acontecem, parece que acontece tudo ao mesmo tempo.

E, estava eu a correr de um lado para o outro e a preparar-me para ir enviar o mail, recebo uma mensagem em que as pessoas com quem eu ia diziam que já estavam estacionadas à minha espera. Mas diziam que estavam num sítio que eu desconhecia. 

Saí para a rua e nada delas. Liguei. Disseram-me o nome da rua em que estavam. Rua desconhecida para mim. Ou seja, tinham ido parar a outro sítio. O meu marido, gozão como é, já tinha antevisto: 'Vão perder-se'. Pois.

Mas lá nos achámos.

E foi um dia muito bom. Um dia escreverei sobre isso. Foi daquelas coisas cuja descrição daria uma novela. Mas não quero escrever a quente, prefiro que as coisas assentem dentro de mim.

Só que não sei se para os vossos lados também esteve assim. Presumo que sim. Um forno. Ao sol não se aguentava. Muito, muito calor. 

Mas, tirando esse pormaior, o que posso dizer é que esta sexta-feira foi daqueles dias que jamais esquecerei -- pelo menos enquanto tiver os neurónios em bom estado.

Felizmente houve quem fizesse a reportagem e, portanto, para além da memória terei esse testemunho de que tudo aconteceu de verdade.

Fico-me por aqui até porque agora, desabituada que estou de acordar cedo e com despertador, quando isso acontece durmo muito pouco, acordo antes de tempo. Acresce que, ainda por cima, cometi o mesmo estúpido erro de sempre: sabendo que tenho menos horas para dormir, levo-me a mim própria mais cedo para a cama. Ou seja, ainda sem sono. Portanto, uma espertina do caraças.

Agora, ao escrever a data lá em cima, no título da mensagem, reparei que por uma diferença de dez dias, por pouco não tinha também comemorado o dia porventura mais decisivo da minha vida.

sexta-feira, setembro 29, 2023

Casório, pedido de casamento, porquinhos da guiné, catatuas, kookaburras

 

Uma vez mais o meu dia começou com um telefonema a acordar-me. Os deuses conspiram para não me deixarem dormir aquilo de que preciso. Desta vez não foi um telefonema com drama mas, sim, uma situação tão inesperada, tão insólita, tão nem sei dizer o quê, que não sei como não pedi para desligarem e voltarem a ligar para eu me certificar que não estava a sonhar.

Além disso, nesse momento, andava eu, uma vez mais, num daqueles sonhos/pesadelos que me deixam de rastos. Quando eu tinha reuniões a norte e tínhamos que lá estar às nove, saindo de madrugada, muitas vezes encontrava-me com um colega e íamos juntos, geralmente ele a conduzir. Acontece que ele mora perto do local em que trabalhávamos. Pois bem, no meu sonho eu ia ter a casa dele e, de casa dele, seguíamos para o trabalho. Ou seja, uma versão absurda do que acontecia. Só que, às tantas ele tinha que fazer não sei o quê e eu tinha que ir sozinha. Ora, no sonho, ele morava numa torre sobre o mar, mas uma torre arranha-céus, com dezenas de andar. E eu tinha que ira pela escada de serviço, fora do prédio, e aquilo não tinha corrimão. Portanto, um terror para mim. E, para agravar, como sempre, ia com os meus netos. Então, estava em pânico com medo que caíssem, que se despenhassem, gritava por eles, que não se mexessem, que esperassem por mim. Mas eles fugiam e eu deixava de vê-los e ficava num total desespero com medo que tivessem caído. Depois eu perguntava se não havia outra maneira e diziam que sim, era voltar atrás e apanhar o comboio lá em baixo. E, então, eu ia com os miúdos, sem mãos para os agarrar a todos, e, afinal, para lá chegar, eram outras escadas quase a pique, sem corrimão. E eu já atrasada. E queria entrar em casa do meu colega mas só podia lá chegar por uma das duas escadas. E eu agarrava o mais novo e ele, a querer esgueirar-se ainda se colocava em mais risco. E os outros, vendo o mar lá em baixo, já falavam em mergulhar e eu, numa aflição, a implorar que fossem junto a mim, nem pensassem em mergulhar nem em andar depressa nem sequer em espreitar.

E estava eu nesta aflição toca o telemóvel. Não que fosse má notícia mas não era o que esperávamos, precipita as coisas. Fiquei estupefacta, quase sem saber que decisão deveria ser tomada.

Portanto, parte do dia foi depois a tratar desta bomba que nos caiu em cima. 

Acresce que esta sexta feira é um dia ultra super hiper especial. E, afinal, em vez de poder estar totalmente focada nisso, ainda vou ter que tratar de cenas relacionadas com o tema do telefonema.

Com este calor, demos um salto até à praia, Uma névoa. Um certo calor mas envolto em névoa. Bonito, apesar de tudo. Ou, sobretudo, por isso.

Ao chegarmos, um casal de noivos no areal. Só os dois. A olharem para cima, certamente intrigados por estarem só eles, como se o resto do pessoal tivesse tido mais que fazer. 

Passado um bocado chegaram duas convidadas e lá foram para um palanque.

Fomos fazer a nossa caminhada. Depois sentámo-nos na areia. Mal estendi a minha toalhinha e me sentei, logo o urso felpudo veio deitar-se sobre ela ao meu lado. Passado um bocado, pôs-se a fazer o buraco do costume e a encher-nos de areia.

Nessa altura, o meu marido disse-me: 'Olha ali'.

Ao princípio, de longe e com a neblina, não dava para perceber. Depois percebemos. Dois casais. Um era uma dupla de fotógrafos e o outro casal era o objecto da sessão fotográfica: de joelho em terra (leia-se, em areia mais do que molhada) o homem pedia a namorada em casamento. Mas isto com a fotógrafa a pedir e a ensaiar poses, ângulos, orientação solar. Portanto, chegámos a isto. Um homem pergunta à mulher se quer casar. 

Mas fá-lo em público, com pessoal contratado a fotografar. Agora, toda a gente, qualquer vulgar anónimo, acha-se uma estrela de cinema com direito a publicação de reportagem fotográfica de momentos que, em situações normais, deveriam ser íntimos. E, mais do que certo, já estava mais do que pedido, ou seja, mais do que tudo combinado, aquilo ali na praia deve ter sido apenas um faz de conta.

Ora, pergunta a minha ignorância: para quê isto? Para impressionar os outros? Para se sentirem famosos?

Dá ideia que parte das pessoas se vai afastando da genuinidade, da espontaneidade, da simplicidade... e isso, cá para mim, não pode ser saudável.

Pelo contrário, no extremo oposto, há outros que se afastam totalmente deste mundo e buscam a quase eremitagem, o isolamento. No outro dia, quando perguntei a uma amiga pela outra filha, contou-me, com um certo desconcerto na voz, sobre a sua opção de vida, a viver no campo mais campo deste país, a viver do pouco que as suas mãos produzem, sem preocupação em acautelar o futuro, apenas querendo viver em paz, no silêncio, de quase nada, longe de tudo. 

São pólos opostos. Provavelmente a virtude estará a meio destas duas realidades. Mas que sei eu...?

-----------------------------------------------------------------

O que sei é que vi estes vídeos e achei o máximo.

Cockatoo teasing Kookaburra


Existential Guinea Pig


Are you filming me?


_____________________________________

Desejo-vos uma feliz, feliz, feliz sexta-feira

Saúde. Afecto. Paz.

quinta-feira, setembro 28, 2023

Vamos jogar tinta para cima de quem...? Vai uma sugestão...?

 

Hoje recebi um mail que, podendo não querer dizer nada, pode querer vir a dizer muito. Com a humildade de quem está a aprender a dar os primeiros passos, dou ouvidos a tudo e levo a sério o que para outros, talvez, não tenha qualquer significado.

E, assim sendo, deitei mãos à obra e trabalhei afincadamente quase todo o dia. A resposta acabou de seguir. 

Não sou fantasiosa pelo que não vou ficar toda excitada a acreditar que vai correr bem. Como sempre, atiro-me às coisas tentando conseguir chegar onde quero mas mentalmente precavida para não conseguir nada. 

Ou seja, não é fácil desanimar pois, de cada vez que não consigo, vou à volta, tento de outra maneira. Difícil para mim é desistir.

Com isto ainda conseguimos fazer uma caminhada à hora de almoço e ir um bocado à praia ao fim da tarde. Estava-se bem. Tarde bonita.

E, porque não tinha jantar, trouxemos um belo sushi. 

Portanto, como síntese, o dia foi produtivo e bom. Não disse mas acho que se depreende que, para os lados da minha mãe, as coisas estiveram mais calmas.

______    ______    ______    ______    ______

Com este programa de festas, foi quase de raspão que vi a tinta verde que atiraram ao ministro do Ambiente e a tinta encarnada com que sujaram as paredes da FIL. E não ouvi o que o Marcelo disse mas ouvi o meu marido revoltado, dizendo que o Marcelo quase parecia estar a sancionar a forma de actuar dos jovens.

E o que tenho a dizer é que:

1 - A crise climática é um motivo sério, dramático, e é para nos preocuparmos, mesmo. Que não haja dúvida: é assunto que deve ser levado muito a sério. E não é um tema português: é, sim, um tema mundial. E tem diversas vertentes pelo que tem que ser visto numa perspectiva integrada. Não é simples, pois acabar com uma actividade poluente (a aviação, por exemplo) alteraria o modo de vida das populações de todo o mundo, acarretaria despedimentos, implicaria vultuosos investimento em actividades alternativas, levaria anos a ser posta em prática. Não se pode acabar, de caras, com nada. Pensar isso é ter uma visão simplista e errada sobre o funcionamento da vida real. Mudar o modelo económico do mundo actual requer visão, estratégia, planeamento, recursos, capacidade de execução apesar dos escolhos, muito esforço, infinitos sacrifícios.

2 - Contudo, apesar de tudo, há que operar a transformação. Levará tempo, implicará compromissos, imporá acordos transversais. Penso que, mais ou menos, todos os países civilizados estão empenhados nisso. Claro que quem gere os países são os políticos (eleitos) e sabemos como tantas vezes se elegem políticos que estão na política a servir interesses que não os dos que, ingenuamente, os elegeram.

3 - Para lidar com a urgência das medidas e com a resistências que políticos impreparados ou a soldo, há que ter inteligência.

4 - O processo que os jovens portugueses moveram no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra 32 países, entre os quais, Portugal, parece-me uma iniciativa inteligente. 

5 - As iniciativas inteligentes são as que constroem soluções ou apontam caminhos

6 - Neste domínio, as iniciativas ineficazes, pouco inteligentes, censuráveis e, até, criminosas são as que resultam da ameaça, do insulto, da destruição, do arremesso seja do que for contra pessoas ou património

7 - Nos casos em que há crime (e não sei se arremessar tinta ao Ministro ou às paredes de um edifício é apenas uma estúpida e inútil falta de respeito ou se é crime), devem os acusados ser julgados.

8 - As lutas justas devem ser travadas com lisura, respeito pelo outros e pela lei, civismo e, claro, inteligência. 

9 - Se Marcelo não percebe isto, estamos mal. Ou seja, a ser verdade que o nosso Presidente não se demarcou e não censurou muito claramente a forma infantilóide, desrespeitadora e absurda com que os jovens actuaram, vamos de mal a pior.

_________________________     _________________________

Yo-Yo Ma, Kathryn Stott - The Swan (Saint-Saëns)


_______________________________________________

Desejo-vos uma boa quinta-feira
Saúde. Bom senso e razão. Paz.

quarta-feira, setembro 27, 2023

Mais um daqueles dias....

 

O meu dia começou cedo, bem mais cedo do que o habitual. Começou com um telefonema. Embora não fosse bom, tenho este meu jeito optimista de ser. E, enquanto ouvia, pensava: 'enquanto for ela a ligar-me, menos mal'. É que as más notícias de verdade nunca são dadas pelos próprios.

De qualquer forma, toda a manhã estive em suspenso sem saber se era para avançar de imediato ou se não. E de tarde fui para lá. 

Em acréscimo à óbvia preocupação, esta circunstância de não poder ser dona da minha agenda traz-me alguma ansiedade. 

Receio afastar-me, receio combinar coisas a que não possa comparecer. 

E outra: agora estou sempre naquela de, quando tenho algum tempo livre de crises, tratar de tudo por atacado não vá o diabo tecê-las e depois não ter tempo. E isto também é um bocado estúpido. Mas parece eu que adivinho. Tendo várias coisas para tratar, na segunda-feira foi uma overdose. Estava saturada mas parece que pressentia que o melhor era aguentar pois poderia surgir alguma coisa que me impedisse de diluir por vários dias. Afinal fiz bem. Agora já estou despachada.

Mas, enfim, é verdadeiramente aquilo que se costuma dizer de um dia de cada vez. Até porque, na realidade, tenho sempre a sensação de que é tudo mais psicológico do que fisiológico. Mas depois, não percebo como, os exames confirmam que há mesmo qualquer coisa e isso é que é pior.

Eu deveria mesmo ter estudado psicologia para saber lidar melhor com estas coisas.

Uma amiga médica, no outro dia, falava-me na dificuldade que é para eles, médicos, conseguirem extrair a raiz do problema de doentes que somatizam, chegando lá a relatar sintomas e mais sintomas, dramas em cima de dramas. Muitas vezes, dizia-me ela, ao fim de estar na conversa uns minutos, já passou tudo, já tudo foi relativizado. Involuntariamente, as pessoas assim transformam o medo em sintomas. 

Tirando isso, ainda consegui, durante uma meia hora, passear à beira mar e apanhar algum sol.

Sinto falta de ter tempo para escrever. Há um fenómeno estranho a dar-se na minha vida. Quando trabalhava, trabalhava mais do que as oito horas por dia, perdia tempos infinitos no trânsito e, apesar disso, tinha tempo para tudo. Agora falta-me o tempo e isso é inexplicável. 

Também há esta coincidência de as coisas com a minha mãe se estarem a complicar com uma frequência algo inesperada justamente agora que tenho disponibilidade para andar a acompanhá-la e a tratar de coisas para ela. Se fosse há uns meses como é que teria sido? Pergunto-me mas, na volta, tal como conseguia arranjar maneira de fazer tudo também acomodaria mais isso. Não sei.

O que sei é que ando um bocado psicologicamente esgotada. Para além disso, também um bocado fisicamente cansada. 

Mas, enfim, todos os males fossem estes. Portanto, bola para a frente.

E, enquanto escrevo, estou a ouvir este vídeo que aqui partilho. E estou a gostar muito. Se tiverem ocasião, não deixem de ouvir. É mesmo uma maravilha.

Barenboim & Argerich : Mozart Sonata for Two Pianos, K.448


Desejo-vos um dia feliz
Saúde. Alegria. Paz.

terça-feira, setembro 26, 2023

Stefanos Kasselakis --- qual o espanto...?
É simples... está à vista....

 

Parece que há agora um novo líder no Syrisa. E meio mundo ficou de queixo caído por ter aparecido, do nada, um manganão que vivia nos States, empresário, que trabalhou no Goldman Sachs e sei lá que mais. Ou seja, tal como se tivesse sido gerado e alimentado pelo sistema capitalista, apareceu esta ave rara. E muita gente, muito justamente, veio dizer que já não se percebe nada disto: afinal onde é que está a linha que separa a esquerda da direita.

Eu não sei responder a nada disto. Nunca tinha ouvido falar no Stefano. Agora uma coisa eu sei. Tal como é sabido e consabido desde os tempos em que Harry Selfridge organizou os seus armazéns no início do século passado, colocando na entrada o que agradava às mulheres (maquilhagem, moda, chapéus, luvas, etc), quem decide como vai ser são as mulheres.

E as mulheres, santa paciência, simpatizam de caras com o Stefanos. Virão advertir-me que o safado é gay. Pois, bem sei. Mas mesmo que não fosse, o que é que eu e as muitas mulheres que votaram nele íamos fazer com ele..? Nada, certo...? Olhar... Ouvir... Acreditar... Ora, se é para olhar e ouvir e acreditar... que diferença faz que seja gay...?

Portanto, se é para ver e ouvir (coisa forçosamente platónica, digamos assim), não é melhor que seja um giraço com um sorriso lindo, fofo, queridésimo, simpático todos os dias...?

E isto sou eu, hetero, a falar. Agora, se a mulherada se encanta, imagine-se o que não pensarão os homens gays lá do burgo...? Tudo a votar no menino... Ora não.

Mas se acham que isto é conversa da treta -- e claro que é -- deixem que transcreva o que o Guardian diz (tradução às três pancadas do artigo Stefanos Kasselakis: ex-banker who lit up Greek politics to lead Syriza):

Ao meio-dia de segunda-feira, Stefanos Kasselakis, um executivo do setor marítimo e ex-negociador do Goldman Sachs, caminhou pelos corredores do parlamento grego para ser coroado chefe do Syriza, o outrora partido radical de esquerda do país.

Ninguém poderia parecer mais fora de sintonia com uma força política tão mergulhada na turbulência da sangrenta história do pós-guerra da Grécia. Mas Kasselakis, com um sorriso aparentemente permanente nos lábios, desafiou todas as probabilidades. Depois de iluminar os céus da sóbria cena política do país com uma campanha no alto do vigor das redes sociais, o greco-americano de 35 anos não só emergiu como o vencedor da corrida de duas voltas para liderar o Syriza – ganhando 56,69% dos votos – mas provou que é muito mais do que uma estrela cadente.

Há apenas seis meses, Kasselakis era um desconhecido político arrancado da obscuridade pelo líder cessante do Syriza, Aléxis Tsipras, para se apresentar como candidato expatriado nas eleições estaduais do partido nas eleições nacionais de Maio. Desde que deixou a Grécia, ainda adolescente, com uma bolsa de estudos num prestigioso internato de Massachusetts, depois de vencer uma competição de matemática, ele não olhou para trás.

Se os roteiristas tivessem tido a chance de escrever o roteiro, eles poderiam ter tropeçado. E não só porque o antigo “Garoto de Ouro” – apelido dado a Kasselakis pelos colunistas – vem dos EUA com um currículo que nenhum esquerdista que se preze poderia endossar.

Num país mediterrânico mal preparado para eleger uma mulher como primeira-ministra – e muito menos um homem assumidamente gay – ele chegou à Grécia com o seu marido, Tyler McBeth, um enfermeiro norte-americano que conheceu e por quem se apaixonou em Miami.

McBeth, que assim como Kasselakis, começa o dia malhando na academia, apareceu sorrindo ao lado dele desde o início da corrida pela liderança – o casal entrou na união civil há quatro anos. “A minha mãe”, disse recentemente o novo líder do Syriza, “nada mais quer que nós tenhamos filhos e possamos vir ajudar-nos”.

No domingo, Kasselakis fez de tudo para garantir que a sociedade socialmente conservadora da Grécia soubesse exatamente quem era o seu marido, chamando McBeth para se juntar a ele no seu discurso de vitória fora da sede do partido.

Além disso, a ascensão de Kasselakis surgiu do nada.

O escritor de esquerda Dimitris Psarras, evocando a ansiedade que o súbito aparecimento do greco-americano desencadeou entre os quadros do que outrora foi uma aliança de marxistas, ex-comunistas, ecologistas e social-democratas, disse: “É como se a Netflix tivesse entrado, assumido o controle do party e agora está transformando-o em uma série. As pessoas não têm ideia do que se trata a sua política, ou se ele tem algum programa. É claro que eles estão em choque.”

(...)

Em retrospectiva, o anúncio poderia ter sido escrito por psicólogos comportamentais – o recém-chegado político falou publicamente sobre fazer terapia para lidar com a sua sexualidade.

Pesada na história de vida e na verdade, a declaração começa: “O meu nome é Stefano e tenho uma coisa para vos contar. Nasci em Maroussi [um subúrbio de Atenas] em 1988, num país com primeiros-ministros hereditários; numa família com pais que se criaram por conta própria. A minha mãe, dentista, trabalhou dia e noite para sustentar o meu pai enquanto ele abria sua empresa.”

No final do vídeo, Kasselakis falou sobre o colapso económico de sua família, como foi parar aos EUA “sozinho com bolsa integral”, cursou a Universidade da Pensilvânia, conseguiu um emprego no Goldman Sachs, entrou no mundo do transporte marítimo – ganhando uma pequena fortuna no processo – e conheceu “o sopro de liberdade” na sua vida, Tyler.

A sua decisão de aderir à corrida pela liderança do Syriza – permitida a qualquer membro assalariado do partido – nasceu, disse ele, do desejo de “construir o sonho grego”.

“Tenho consciência de que não tenho experiência partidária. A minha experiência é no trabalho e na vida social”, disse Kasselakis aos ouvintes, insistindo que com o seu melhor inglês, melhores competências empresariais e melhores diplomas, poderia não só derrotar o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, mas também expulsar o centro-direita do poder. “Para que o sonho grego se torne realidade, temos de derrotar aqueles que beneficiam de uma Grécia que é um campo árido e não da Europa na prática”, disse ele.

Quer quisesse ou não, Kasselakis fez o que nenhuma outra pessoa conseguiu fazer: transformar a política grega num pseudo-reality show televisivo em menos de um mês.

Mas o que ele também mostrou tão acertadamente é que quatro semanas é muito tempo na política, o suficiente para apagar o passado e para “redefinir” um partido.

_________________________________________________

 Uma boa terça-feira

Saúde. Boa disposição. Paz.