Sobre o que já consegui saber sobre o Orçamento para 2024, tenho a dizer que, para além de algumas medidas que me parecem positivas, há aspectos que acho pouco positivas e que deveriam ser corrigidas:
1 - A receita fiscal assenta, em montantes consideráveis, no IRS. E, no IRS, há que ter em consideração o aspecto referido por Pedro Nuno Santos: 42% das famílias não paga IRS. Ou sejam são beneficiários líquidos do que os outros andam a pagar. Quando ouço imensa gente a queixar-se de tudo e mais alguma coisa quando não pagam 1 euro de IRS fico chocada. Estas pessoas não dão valor a nada pois não têm noção do que é andar-se a trabalhar para deixar ficar grande parte nos cofres do Estado. Claro que, se não pagam, é porque ganham pouco. Mas também se será tudo assim pois há muita gente que também recebe 'limpo', 'por fora'.
E não estou a falar apenas de quem faz biscates ou trabalhos simples (que, aí, a excepção, a raríssima, quase invisível excepção, é quem passa factura). Falo também de empresas que pagam ao pessoal ordenados baixos e, por fora, como subsídios de transporte, quilómetros, isto ou aquilo, que não pagam impostos. E são os empresários e os trabalhadores que querem isto.
Tudo isto deveria ser passado a pente fino. Se há área que merece investimento a sério (e pôr algoritmos de inteligência artificial, em força, em cima disto e pôr fiscais em campo) é este, o da fuga ao fisco.
Ou seja, tenho muitas dúvidas de que todos os 42% que não pagam IRS recebam, de facto, os valores que declaram.
E há um outro aspecto que deveria merecer muita atenção. 53% do IRS é pago por apenas 6% das famílias.
Ou seja, 6% das famílias andam a levar às costas grande parte do que os outros usufruem. Ora será que estes 6% são os muito ricos? Não, nem pouco mais ou menos.
Quando se fala em grande injustiça fiscal, é também disto que se fala. Taxar como milionários pessoas que são classe média pura é um abuso, um esbulho.
Uma coisa seria taxar como milionários quem ganhe de facto valores folgados como, por exemplo, acima dos 150.000€ (que, mesmo assim, do que se pratica, na realidade, por aí, é absurdo chamá-los de milionários). Quando há tempos escrevi sobre isso, considerei um escalão com um imposto já razoável para os que ganham entre 150.000 e os 250.000€ e pela medida grossa, então, os que ganharem mais de 250.000€.
150.000 ou 250.000 É muito? É. Não digo que não. Mas compare-se com o que ganham futebolistas, treinadores, etc...
O que me choca, nisto, não é tanto o que ganham mas que os ganhem, na realidade, e não paguem impostos.
Por tudo isto, uma coisa é certa: taxar tão pesada e injustamente quem ganhe acima de 80.000€ é absurdo, é pesado e muito injusto.
2 - O que acima escrevo tem a ver com aquilo de que falei acima e também aqui, há pouco tempo. A fuga ao fisco.
Quem, em Portugal, é de facto rico ou muito rico é mais, mas muito, muito mais, do que os tais que são taxados pela medida grossa. Já o referi: bastaria ver quantas casas caríssimas há neste país, de norte a sul, para perceber que, as famílias que as adquiriram e mantêm não são apenas os que pagam o IRS máximo.
Há, com certeza, muitos que continuam impunemente a fugir ao fisco. Profissões liberais, comerciantes, empresários, senhorios, etc. Do que se ouve falar quase generalizadamente há muitos senhorios, alguns em bairros ou condomínios caríssimos, que não declaram as rendas. E os explicadores? Quantos declaram o que ganham? E das inúmeras profissões liberais quantos não recebem 'limpinho' já que os clientes também preferem pagar menos? E comerciantes? Nos restaurantes, por exemplo, quantos são os que passam facturas apenas se o pedirmos?
Se todos esses pagassem impostos, de certeza que os 6% que hoje são tão penalizados seriam muito mais que 6% e, certamente, menos penalizados.
Portanto, se aliviassem os impostos nos escalões mais altos e, ao mesmo tempo, caíssem a pés juntos sobre os que fogem ao fisco, tudo seria mais transparente e justo.
Assim, é uma injustiça e uma estupidez.
3 - Volto ao imposto sobre as rendas. É de tal forma alto o imposto sobre as rendas que é um convite directo e explícito à fuga ao fisco. Tem que baixar mais, mas baixar a sério. Para os senhorios, para os inquilinos (e até para as pessoas das agências imobiliárias que lidam com esta realidade) é normal que se aceite que não vale a pena declarar as rendas pois ficam todos a ganhar. Acho que é imperioso andar em cima do assunto mas só se consegue alguma coisa se se baixarem os impostos sobre as rendas, muito a sério.
O plafonamento das rendas é outro disparate. Não têm que ser os senhorios a ter um papel social junto dos inquilinos. As rendas devem aumentar conforme a inflação. Há muitos senhorios que têm nas rendas um auxílio ao seu rendimento e que cumprem com todas as suas obrigações fiscais.
Em contrapartida, os que agem na ilegalidade, nos domínios da informalidade e da fuga ao fisco, fazem o que querem.
Mas, se o problema das rendas altas tem a ver com a falta de casas, pois que se incentive a construção de mais casas. E o mercado encarregar-se-á de ajustar os valores ao equilíbrio entre a oferta e a procura.
4 - Há pouco, de raspão, ouvi o Bagão Félix, pessoa sempre objectiva e isenta, falar de um outro aspecto. Antes, o imposto sobre os juros das poupanças era de 20%. Passou para 28% e aí ficou. Ora, num país em que a poupança é tão baixa, como se consegue incentivá-la se o pouco que se consegue de juros é tão descaradamente comido pelos impostos?
5 - Não vou falar muito mais pois não conheço o documento em pormenor nem este será o espaço mais indicado para grandes análises económico-financeiras.
Mas, ou o OE24 ainda é ajustado ou será, apesar dos pontos positivos, uma decepção. Se há altura para fazer ajustamentos estruturais, profundos, é esta.
Evitar o défice, tentar que haja excedentes e pagar o mais possível da dívida parece-me importante, garantir a realização de investimentos críticos também. Mas mexer nos aspectos que referi e que têm a ver com sustentabilidade, transparência, equidade e justiça parece-me indispensável.