terça-feira, outubro 25, 2016

E se fosse consigo...?
E se fosse consigo...?
E se fosse consigo...?


Não posso olhar apenas para o hoje. Em todas as eras houve maldições, êxodos, desesperanças. E se alguma coisa me causa estranheza é apenas que a espécie humana, ao contrário de outras, nada aprenda.

O aperfeiçoamento natural, fruto de experiências anteriores, não acontece com as pessoas. Encontramo-lo em animais que vivem no fundo do mar, nas mais inóspitas escarpas, em grutas onde o ar mal circula. Mas não nos humanos. 

Em nome de religiões, de racismos, de guerras fraticidas do passado, em nome de qualquer coisa, os homens viram-se uns contra os outros, esquecem séculos de civilização (e falo em séculos porque sei como a memória é curta, senão diria milénios) e, sem pesos na consciência, regridem aos tempos da escravatura, da barbárie, da mais rudimentar selvajaria. A espécie humana é autofágica.


O que se passa com os refugiados é disso prova. Pessoas como nós fogem à guerra e à miséria, despojados dos seus bens, dos seus familiares, de afectos, de tudo, atravessam mares, caminham pela noite. Procuram a paz, esperam encontrar o futuro. E nós, os que ainda não fomos tocados pela gangrena da miséria absoluta, indiferentes.

Sujeitos à abjecção, tratados como indesejáveis animais, deitados pelas ruas, ao frio e à chuva, acantonados em tendas, vendo frustrado o sonho em nome do qual arriscaram a vida, os refugiados vivem o grau zero da dignidade humana. E nós, os locais, indiferentes.

Nem imagino o que estas pessoas sofrem. Nem imagino. 

E ver o sofrimento -- humano, tão humano -- destas pessoas reconduz-me à minha condição de cúmplice. Envergonho-me de mim.


A solução para um problema desta dimensão não a conheço. Tem que ser construída. Se fossemos gente de bem, unir-nos-íamos para estudarmos como pôr fim a tamanho sofrimento. Saberíamos ajudar estas pessoas no seu país ou, se impossível, saberíamos acolhê-los com humanidade.

Não são gestos individuais que podem travar esta calamidade -- todos os dias a morrerem nos mares, todos os dias a virem em carrinhas sem condições, vítimas de um asqueroso comércio. Sinto que as minhas lágrimas de nada servem quando vejo as lágrimas indefesas de gente igual a mim. 

A selva de Calais está, e bem, a ser esvaziada. Aquele era um zoo imundo em que se enjaulavam pessoas que, coitadas, se tornavam violentas, más, perigosas. 


E aqueles milhares de pessoas, que deixaram a vida para trás e sofreram todas as dores para chegarem até lá na esperança de alcançarem um imaginado el dorado, um reino unido que os receberia de braços abertos, vêem-se agora divididos em grupos e transportados para outros alojamentos, mais longe da fronteira dos seus sonhos. Voltam a separar-se de amigos, voltam a ver o seu destino à mercê nem sabem de quê. 


Na despedida da selva, abraços e lágrimas. Arrastam malas com mudas de roupa e agasalhos que lhes foram doados. Uns partem para uma nova paragem do desconhecido acreditando que a sua vida um dia fará sentido, outros vão tristes, sem asas, sem amparo, temendo novos perigos.

E nós aqui sem querermos saber de nada.

Mostram-lhes um mapa de França, pedem-lhes que escolham e, consoante a escolha, assim são encaminhados.
Muitos escolhem ao acaso

(Na madrugada do do 1º dia da evacuação de Calais)



Desespero e esperança no campo de refugiados de Calais


(17 de outubro de 2016)



Evacuação da 'jungle' de Calais: a manhã de segunda feira


(24 de Outubro de 2016)


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Para um registo completamente diferente (e para o caso de serem como eu -- assistir ao sofrimento é tão insustentável que, perante a minha humilhante impotência, sinto necessidade de mudar de assunto), desçam por favor para verem o que é uma declaração de amor a preceito.

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Uma declaração de amor a preceito


Não sei se ainda se usam as declarações de amor. Nem sei bem o que é uma declaração de amor. 

É, do nada e sem que nada o fizesse antes suspeitar, uma pessoa chegar ao pé de outra e confessar-lhe o seu amor? Se for, imagino a surpresa, talvez até o incómodo. Deve ser estranho, isso. 

Ou é, depois de já ser mais que óbvio que uma pessoa gosta de outra, aparecer-lhe como se fosse dar -lhe uma grande novidade? 

Mas isto sou eu a pensar. A minha mãe volta e meia dizia: 'Esta rapariga parece que é muito racional, racional a mais, não sei...' E é verdade, tenho um lado mesmo muito racional. Se há coisas que não fazem sentido, não arranjo maneira de as fazer parecer úteis ou suportáveis.

Nisto do amor, no que me diz respeito, tenho cá para mim que a primeira e última palavra é forçosamente a minha. Por isso, se chegasse ao pé de mim alguém por quem eu nunca antes tivesse mostrado interesse e me aparecesse com declarações de amor, claro que levava uma corrida em osso. Pelo contrário, se eu mostrasse interesse por alguém e esse alguém também interesse por mim, qual a lógica de se pôr a chover no molhado com uma converseta melada?

Outra coisa é uma demonstração de amor, um momento a dois. Isso, sim, muito bem. É bom, é necessário, é útil. E não venham dizer-me que demonstração e declaração vai dar no mesmo. Não vai. Nada a ver.

Portanto, se a declaração de amor caíu em desuso, caíu muito bem. E, se não e se algum dos meus Leitores (ou Leitores) é um romântico de antanho e quer surpreender a senhora (ou o senhor) do seu coração, aqui está um modelo altamente inspirador.

João de Deus declara-se a Helena



Assim, sim.

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segunda-feira, outubro 24, 2016

Conversar




Não sei se chove lá fora. Há pouco, estava eu a escolher as fotografias do mar e a ouvir um ribombar surdo, ao longe. Ontem à noite, aconchegada num canto do sofá, a ver na RTP1 um filme francês muito bonito sobre uma prova de vela em solitário, ouvia chover, a chuva a bater com força nas janelas. Soube-me tão bem.

Agora, como habitualmente, a sala está quase às escuras, apenas a televisão com o som baixo e um foco de luz sobre mim para ver o computador. Gosto muito de estar assim.

Hoje acordei com vontade de pegar no tapete de arraiolos que, em tempos, deixei a meio. Antes gostava muito de me sentar num cadeirão pequenino, baixinho, as grandes carpetes sobre os joelhos, eu rodeada de lãs, a tecer, a fazer aparecer figuras, cores. Mas depois troquei esse prazer, bordar noite dentro, pelo de escrever aqui. Já tinha feito tantas carpetes que já não tinha onde as pôr. Hoje olho para todas elas quase abismada, sem compreender como consegui eu fazer tudo isto.


Mas não consegui matar essas saudades. De manhã fui para a praia e almocei por lá, peixe a saber a mar, depois fui às compras, depois fui para casa do meu filho onde a minha filha se nos juntou para lancharmos. Depois foi a costumeira algazarra dos pimentinhas, as jogatanas de futebol entre os rapazes (de todas as idades) e ela, a única menina, a fazer comidinhas na sua cozinha de brincar (parece que agora diz que, quando for grande, quer ser cozinheira em Paris). Já era quase noite quando regressei a casa. 

Coloquei a roupa a lavar. Arrumei outras roupas. Deixei de lado a roupa de amanhã.

Como, durante a semana, chego sempre tarde, deixo feita a comida para que seja só aquecer. Por isso, seguiu-se a horinha da culinária.

Estive, então, na minha cozinha. Conto-vos.

Sopa de cenas
Numa panela com água, deito duas cebolas grandes, cinco cenouras de bom tamanho, um chuchu, uma courgette avantajada (tudo descascado e cortado aos bocados) e sal. Ponho ao lume (não é lume porque a placa é electrica -- mas isso é pomenor), espero que ferva e depois baixo a temperatura.
Num tachinho ao lado, deito uma cenoura cortada aos cubinhos e uma courgette mais modesta também cortadinha. Da panela ao lado, depois de levantar fervura, despejo um bocado de água sobre os legumes e ligo o lume. Faço esta manobra do transbordo da água para regular melhor a quantidade total da sopa. Quando ferve, baixo a temperatura. Depois de uns minutos, junto uma embalagem inteira de folhas de espinafres já lavadas. Continua ao lume por mais uns minutos.
Depois de desligar, junto um fio generoso de azeite virgem à panela, e moo até ficar um puré bem macio. Junto-lhe então os legumes e o caldo do tachinho. Com uma colher grande, envolvo tudo bem.

Mão de borrego no forno, com sabor a campo
Ligo o forno à temperatura máxima (calor em cima e em baixo) enquanto preparo o tabuleiro de pirex. No fundo, coloco vinho tinto. Espalho duas cebolas cortadas aos bocados no fundo. Estendo então a mão do borrego (limpa de gorduras, lavada e com uns golpes) sobre essa cama. Ponho algum sal por cima. Ponho ainda uns dentes de alho cortados, 3 ou 4 folhas de louro, alecrim esfarelado e polvilho ainda com orégãos. Rego com azeite. Coloco, então, o tabuleiro no forno e reduzo a temperatura para uns 190º. Passados uns minutos volto a reduzir para os 160º e passado mais um bocado volto a reduzir para os 150º. Na segunda hora baixo para uns 140º. De vez em quanto, viro para que, à vez, uma parte fique mergulhada no molho e a outra exposta ao calor de cima. Não sei bem quanto tempo ao todo, talvez umas três horas. Vejo que está bom quando a carne se afasta do osso e mostra um ar apetitoso.

Quando jantámos ainda o borrego estava no forno. Mas nem eu, depois de lanchar, teria fome para carnes. O meu jantar foi sopa (o meu marido, ao comê-la, disse: a sopa está mesmo boa e eu fiquei toda contente) e depois queijo fresco que comi ao mesmo tempo que uma maçã e uvas. Como sobremesa, comi um figo seco, daqueles que a minha mãe torrou e recheou com amêndoas. Depois, quando estava a sair da cozinha, voltei atrás e fui rapinar outro. Claro que fiz isso à socapa de mim pois os figos engordam que se fartam e eu devia dosear. 

Só depois aqui cheguei. Estive a colocar um brilhozinho nas unhas, não ando em maré de unhas gritantes, só um brilhinho transparente. Como estou com uma blusa fininha de verão, deu-me o frio. Ainda pensei ir buscar um casaco mas, por preguiça, deixei-me aqui ficar. Peguei então numa mantinha, que estava sobre um dos braços do sofá, e cobri os ombros. Está a saber-me bem.

Estive também a ler alguns blogues. Há quem escreva muito bem ou sobre assuntos bem interessantes. Leio-os com a surpresa de ter, à minha disposição, palavras tão bem entretecidas, palavras ainda jovens, acabadas de escrever e, tantas vezes, a saberem já a palavras boas, antigas.


Enquanto escrevo, vou vendo a televisão. Agora estou a ver Maria João Seixas com José Pedro Serra. Não o conhecia a ele mas já o googlei, já vi quem é. Falam da mitologia grega. O programa chama-se Afinidades e ele fala com paixão de Cassandra e diz frases muito belas. Ela olha-o com aquele quase sorriso que é todo empatia. Desde que lhe morreu o filho, Maria João está sempre com um ar tão triste, tão em suspenso, como se pairasse num tempo que lhe fugiu. Admiro-a pelo que ela é e também pela coragem. O cenário em que estão -- o fundo negro, umas flores lindas com um toque de carmim que se conjuga com o baton dos lábios dela; sempre tão elegante, ela -- anula qualquer hipótese de distração. Apenas a conversa interessa e a forma como se olham enquanto a conversa flui. Sorri ele, enquanto fala da simbologia grega, daquela cultura que encapsula todas as culturas por vir. Escrevi simbologia sem querer, queria dizer mitologia. Mas simbologia talvez se possa aplicar neste contexto. Fica.


Sorri serenamente Maria João enquanto José Pedro Serra diz poemas e eu olho-os e não sorrio, porque fico quase paralisada quando ouço falar assim. E já vejo Maria João quase emocionada. Ao terminar diz que vai querer voltar a ouvi-lo a falar da Eneida, de Nietzsche. José Pedro Serra sorri agradado e conclui dizendo que as viagens afins é difícil saber com quem as podemos fazer. Maria João sobressalta-se, sorri, quase tímida.

Não sei porque não está a televisão cheia de momentos assim. Em vez de futebóis a toda a hora, reportagens infindáveis sobre crimes e fugas, incêndios, um jovem que foi para Londres e armou confusão no aeroporto, o advogado de outro que foi agredido pelos filhos do embaixador, ininterruptas entrevistas a criaturas descerebradas como ao láparo ou à cristas -- não seria mil vezes mais interessante ouvir pessoas inteligentes a conversarem, aprender com quem sabe mais que nós?

Ah, mil vezes sim, mil vezes.
O que eu preciso de aprender -- tanto, tanto que não sei -- e o que eu gosto de aprender (mesmo que, logo de seguida, tente esquecer para, numa próxima vez, ser de novo surpreendida).
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Já é tarde. Daqui a poucas horas inicia-se mais uma destas minhas semanas meio loucas, em que um trabalho ciclópico parece abater-se sobre mim de forma quase torrencial. Os dias passam num instante e eu tento introduzir-lhes travões. Tento manter os almoços tranquilos, tento conseguir fazer uma caminhada à noite, mesmo que curta, tento manter-me acordada aqui à noite para descansar a cabeça enquanto converso convosco. 

Fico-me, pois, por aqui que o sono já se faz sentir. A conversa já vai longa e só eu é que estou a falar. De vocês nem um ai. Já devem estar fartos de tanta tagaralice, não? 

Tenho aqui ao meu lado um livro muito bonito com poemas de Pedro Tamen mas já não vou abusar mais da vossa paciência. Um dia destes logo transcrevo um poema.

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Reparei há pouco que ultrapassei hoje um milhão e setecentas mil visitas. Lembro-me do dia em que, incrédula, cheguei às mil, depois às dez mil. Mais ainda quando atingi as cem mil. Eram números que estavam para além do que alguma vez poderia esperar. Até que passei o milhão. Fiz uma festa, chamei a família. E agora acredito que um dia ainda chego aos dois milhões. É uma sensação inexplicável. Eu aqui sossegadinha na minha sala, a escrever despreocupadamente, e tantas pessoas aí a lerem estas minhas palavras. Afinidades, também? Gostava que sim, que pessoas que não conheço se sentissem estranhamente próximas de mim. Mas, próximas ou não, agradeço-vos do fundo do meu coração. A vossa companhia silenciosa sabe-me bem, é como se me agraciassem com a vossa generosidade.

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As fotografias que coloquei ao longo do texto mostram as paredes grafitadas do Ginjal.

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E, caso queiram ver como estava magnífico o mar neste domingo de alerta laranja, desçam por favor até ao post que se segue.

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O mar em dia de alerta laranja


A costa em alerta laranja, o mar alteroso -- e aí estou eu para o testemunhar que é assim que mais gosto dele. Respeito os avisos, olho-o da beira, não me achego à rebentação, até me assusto com os que desprezam os avisos e se afoitam. Mas ando por perto, ouço-o, vejo-o, cheiro-o.

E, claro, vou registando a sua força, as suas cores, as gentes que por ali andam.

Dois planos antagónicos

Ludwig van Beethoven: Symphony No. 3 "Eroica" / Herbert von Karajan

Estava um frio danado, quase toda a gente com agasalhos e impermeáveis e esta jovem toda ao léu,
a leve blusinha esvoaçando.
Tudo é relativo -- até a temperatura e a humidade do ar.

A tranquilidade de olhar um mar poderoso

O Bugio ao fundo entre ondas altas e consecutivas

A atracção pelo desafio: uma selfie com o mar perigoso em redor

E se, no pontão, os afoitos se aventuram para obterem uma fotografia apelativa, quiçá para o facebook,
no mar há quem dê mesmo o corpo ao manifesto e se aventure a sentir, na primeira pessoa, a sua frialdade e força
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Uma sucessão de montanhas recortadas contra o horizonte, uma floresta misteriosa, uma cidade banhada pela luz dourada do entardecer, um rio que corre docemente -- tudo isto é muito belo. Mas não sei se o mar não é a beleza maior. Não sei.

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domingo, outubro 23, 2016

Alô, alô Rosy Boy! Alô alô Super-Judge Alex! Alô, alô Cabrita!
Não procurem mais! O Miguel Abrantes não é António Peixoto... Sou eu.
É a mim que o Mão-de-Ferro anda a pagar para escrever o Um Jeito Manso (depois de ter andado a escrever no Câmara Corporativa)
E, só para vocês, mais um segredo.... shiu... shiu... eu sou o próprio Sócrates...


E, portanto, meus caros Sócrates-addicted, vejam se seguem o meu raciocínio:

Se o Sócrates paga ao Carlos Santos Silva para o Carlos Santos Silva pagar ao Rui Mão de Ferro, para o Mão de Ferro pagar ao António Peixoto, para o António Peixoto se fazer passar por Miguel Abrantes para o Miguel Abrantes dizer bem do Sócrates e se, afinal, o Miguel Abrantes sou eu e, ao mesmo tempo, se eu sou o próprio Sócrates, então o Sócrates anda a pagar a si próprio para se fazer passar por uma molhada de gente. 


E, portanto, o que é que se conclui disto?

Nem eu própria/o sei. Terei eu alma vagabunda? Terei vocação para me desmultiplicar em cinquenta personagens? Sou o/a mil-rostos? Sou alguém? Sou ninguém?

O que sei é que sou aquele que aparece disfarçado de outro homem, que aparece na capa de livros que outros a quem pago para parecer que são outros e não eu, que aparece disfarçado de mulher, de uma mulher que gosta de mar e poesia e escreve pela noite dentro, ou que aparece como mil outros, em universidades parisienses, em prisões alentejanas, em almoços com amigos, a conspirar contra cavacos e limas, a vestir-se com bons fatos, a frequentar bons restaurantes, a decorar apartamentos, a namorar, e, em tempos, nas horas livres, a ser primeiro-ministro. Eu.

A mim próprio me surpreendo. Escutem. Escutem que este é um raro momento confessional. Apareço em mil sítios, em blogues, em livros, em escutas, em encontros, em provas de vinhos, tenho mil mulheres a quem pago para elas me defendenderem mas elas sou eu, tenho mil amigos que fingem que sou eu para disfarçar que sou eu. E o dinheiro -- milhares para um, milhares para outros, milhões, muitos milhões -- circula em loop de uns para outros e todos sou eu e as mil mãos que tocam no dinheiro são todas minhas. Minhas.

E para quê, tudo isso? - perguntarão vocês.

Respondo. Tudo isto -- confesso -- para baralhar o Rosy e o Alex e para causar orgasmos em série à Cabrita e delíquios epifânicos ao Dâmaso. 


Ah, é tão bom ser tantos e todos os muitos eus perseguirem o sono dos investigadores que andam em círculo, quais baratas tontas, à procura de indícios e eu por todo o lado a deixar pistas, por todo o lado a deixar espelhos e eles, pobres investigadores e juízes, sem nunca saberem se estão a ver a realidade ou o reflexo, a sua vida já transformada num delírio, numa desatinada alucinação.

Ah... o que me divirto com os que se viciaram em mim.

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E, para que vejam como vos quero bem, meus caros Viciados-em-Mim, aqui vos deixo uma musiquinha boa para dançarem enquanto andam à caça de fantasmas.
Boa?
Vamos lá, então, a esticar as pernocas, seus marotos.



Beijinhos e abraços deste/a vosso/a que se assina

José Miguel António Rui Um Abrantes Jeito de Mão Peixoto Sócrates Ferro Manso 

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sábado, outubro 22, 2016

O futuro de uma pessoa contido num CV.
O futuro de uma pessoa contido em duas frases numa entrevista de emprego.





Os CVs agora são muito formatados. Faz já algum tempo que não leio um curriculum em escrita livre. Gostava de ler CVs que tinham vida lá dentro, nos quais as pessoas tentavam traçar o seu retrato. Agora não. CV em modelo Europass. Coisas assim. São mais rápidos de ler, lá isso é verdade. Não sei é se é a melhor maneira de uma pessoa se apresentar. A menos que a pessoa saiba dar-lhe um toque pessoal ou revelar uma formação ou experiência que sejam apelativas, os CVs agora são sempre mais do mesmo. Perceber se domina a gramática ou se tem alguma bagagem cultural...? Está bem, está.

Volta e meia passam-me pelas mãos CVs e, lá está, talvez por terem todos mais ou menos o mesmo formato, em poucos segundos ponho uns de lado e selecciono os que, em minha opinião, devem ser chamados para entrevista. Por vezes penso que, se calhar, ao fazerem os CVs as pessoas se apuram, pensam e repensam, põem todas as suas expectativas naquele documento e eu, afinal, ponho-os de lado em dois segundos. Mas as coisas são o que são. E, de resto, se uma pessoa procura alguém que saiba fazer alhos e aparecem CVs a referir que sabem fazer bugalhos... fazer o quê? Ou, se os CVs são tão standardizados, tão coisa nenhuma, como esperar que se perceba que ali está alguém com vontade de se afirmar como um bom profissional?

No verão, tínhamos recebido pedidos de acolhimento de estagiários. Achei que podia acolher dois. Dois colaboradores meus entrevistaram alguns, dois a fazerem mestrado, um a meio da licenciatura. Depois da entrevista disseram-me que um dos putos era completamente despassarado, tinha chegado tarde porque se tinha perdido, dava respostas um bocado inesperadas, um bocado fora da onda dos entrevistados e que tinha aparecido de jeans, ar completamente desenquadrado. Outro era um filho-família, compenetradinho, de fato e gravata, com objectivos de vida bem definidos. Um outro era tímido, pouco tinha falado. Os três pareciam ser conhecedores da matéria. Pelo que me contaram, achei logo que o despassarado era cá dos meus. O tímido também podia não ser má ideia, pelo menos não devia fazer barulho. O ambiciosinho e atiladinho é que não. Um dos meus colaboradores disse que alinhava. O outro estava cético e verdadeiramente nenhum dos candidatos a estagiários o tinha impressionado. Ficaram os dois que a um dos meus colaboradores e a mim me pareceram bem. Pois, no final do estágio, o que concluo é que fizeram um excelente trabalho e o melhor, que me impressionou e muito, foi o despistado. Que rapazinho fora de série. E o tímido também, que fantásticos profissionais vão ser.

Ultimamente não tenho estado em entrevistas pois não tenho tido necessidade de ter gente nova a trabalhar directamente comigo. Mas em áreas que dependem de mim têm estado a recrutar pessoas. Infelizmente não muitas que a economia não está para grandes expansões mas, ainda assim, algumas.

Hoje os meus colegas dos Recursos Humanos estiveram a fazer entrevistas a algumas pessoas que já tinham passado pelas fases anteriores de selecção.  Tinham-me antes falado neles e tinha-me parecido bem. Uma já tinha quarenta e tal anos e parecia experiente. Pareceu-me boa ideia ter uma pessoa sénior, com alguma tarimba. Depois das entrevistas, por telefone, falei com um dos meus colegas, um que apenas conheceu as pessoas nesta entrevista. Disse-me que um deles lhe parecia uma escolha segura, conhecedor da área, com formação superior adequada, já uns anos de experiência, sereno, seguro, simpático. A outra não o tinha convencido. Fiquei admirada porque, pelo CV e pela informação das fases anteriores, parecia pessoa sabedora da área e, pela idade, imaginei que pudesse ser uma âncora. No entanto, disse-me o meu colega que quando ele lhe tinha perguntado se gostava de trabalhar naquela área, ela respondeu pouco entusiasticamente que sim mas que também gostava de experimentar outras áreas. Ele perguntou-lhe em qual, por exemplo. Ela respondeu, referindo uma área que não tinha nada a ver com o lugar ao que estava a candidatar-se. Ele perguntou-lhe se tinha estudado ou adquirido alguma preparação para poder trabalhar nessa área. Ela disse que não. Eu ia no carro a ouvir este relato e disse logo que ela não, para esquecer. Se queremos uma pessoa para uma área, querermos alguém que mostre que gosta dessa área, que queira aí aprofundar os seus conhecimentos. A última coisa que vou querer é que se admita uma pessoa que, em vez de estar motivada na área, anda de cabeça no ar a ver se lhe aparece outra oportunidade para poder experimentar se gosta. Portanto, adiante, que se procure outra pessoa.

E esta conversa foi a meio da tarde. Depois disso tive duas reuniões, telefonemas, mails. Jantei, dormitei, acordei, dormitei, voltei a acordar. E continuo a pensar nisto: o que leva uma pessoa a candidatar-se a um emprego e, ao chegar ao que seria a última entrevista, deixar evidente que, provavelmente, é daquelas pessoas descontentes, que nunca está verdadeiramente bem em lugar algum mas que revela que não sabe bem do que gosta (pois, se gostasse mesmo, tinha investido pessoalmente na aprendizagem mínima sobre esse assunto)?

E, no entanto, e se não estou a avaliar bem a situação...? Poderia acontecer que até viesse a ser uma trabalhadora exímia? Posso estar a cometer uma tremenda injustiça?

Do que conheço destas coisas, acho que estou certa; mas...

Tenho trabalhado com pessoas assim. Ao fim de algum tempo revelam instabilidade, acham que poderiam fazer mais do que fazem -- mas noutra área -- porque acham que aquela em que estão está abaixo das suas possibilidades. E, no entanto, não são tão boas quanto se imaginam e, sobretudo, são pessoas tóxicas, sempre desmotivadas, que puxam o ânimo da equipa para baixo, sempre a reclamarem, sempre mal dispostas. 

Gosto de dar asas a quem as merece. Mas gosto também de me ver livre de quem nunca está bem em lado nenhum pois pessoas assim ensombram o ambiente e, tanto como a competência profissional, o mais importante numa organização é o ser-se capaz de trabalhar em equipa, é ser boa onda, ter vontade de atingir objectivos comuns, ajudar os outros, dar o litro mas sem se mostrar uma estrela. Ser único e especial mas não uma diva nem um cromo.



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Não sei se o que escrevi pode ser útil a quem anda à procura de emprego. Espero que sim.

(E se não vale a pena contar a história da carochinha ou ampliar a relevância do que fez, acho que é bom que o CV contenha algum toque de individualidade sob pena de, depois, a escolha ser ainda mais arbitrária do que, pela sua natureza, já o é. E, nas entrevistas, é importante que se se dê a perceber que agarrará o lugar com motivação, que tudo fará para que a equipa em que se insere dê o seu melhor; ou seja, que, se entrar para a empresa, pensará sobretudo nos objectivos da empresa e não, quase exclusivamente, nos seus próprios objectivos).

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Nina Simone interpreta Don't let me be misunderstood. Os retratos são de Steve McCurry.

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E desçam, por favor, para aderirem ao movimento #Protejam as vossas passarinhas

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#Protejamavossapassarinha


# Protect your pussy

Junto de marialvas, paspalhões, machões-parvalhões ou outros galifões as mulheres devem pôr-se em guarda. Não é só nos Estados Unidos que há babacas que gostam de se armar em papa-pussies. Geralmente são apenas inconvenientes e incomodam pela parvoíce já que não passam de gabarolas de meia tigela. Contudo, nunca fiando.

Junto de Trump, por exemplo, mesmo as mulheres da sua família, na sua presença, já colocam um obstáculo em frente da genitália. 

E até consta que já está em marcha um movimento: 

# Protect your pussy 

que é como quem diz, 

#Protejam a vossa passarinha


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sexta-feira, outubro 21, 2016

JV versus Bea


Duas mulheres falam da sua forma de sentir e viver o amor




E, como sempre fui completamente a favor de relações abertas, sem exclusividade, e crente de que é possível amar duas ou mais pessoas de forma igualmente poderosa, em simultâneo ou em momentos distintos da nossa vida, também não me custa a crer que alguém - Miterrand, no caso - tenha amado Anne Pingeot imensamente. 

Sou contra pensarmos que para amar alguém é preciso amá-la em exclusivo (e desde sempre tive a ideia de que aceitar uma relação aberta era dar o maior voto de confiança e amor a outra pessoa), mas para mim tem de ser tudo às claras: se há enganos, mal entendidos, uma (ou cada uma das várias mulheres) acha que é mais que as outras, mas na verdade não é, então esse "tudo" que cada uma julga que é, pode ser, afinal, muito menos que isso, talvez mesmo quase nada. [JV]
As relações humanas - e sobretudo as amorosas - são coisa muito complexa para ser ajuizada do exterior. O melhor é não julgar, quem as vive já sofre por vivê-las, não precisa de juizos; e isso mesmo que julgamos pode ainda vir ao nosso encontro.
Relações abertas e com várias pessoas em simultâneo parecem-me extravagâncias. Mas podem não ser. Talvez haja maneiras - difíceis - de existirem em coexistência. [bea]

Quanto às relações abertas, vejo-as com a maior naturalidade. É claro que quando penso em relação aberta não penso em alguém estar constante e perpetuamente à procura de novos companheiros de vida (tipo ter muitos namorados/namoradas), se bem que isso é um fenómeno em crescimento, por exemplo, no Brasil (paradigmaticamente, o poliamor, em que vários homens e mulheres partilham uma vida em conjunto). Não me oponho obviamente a nada disso, mas aquilo a que me referia quando falava em relação aberta era apenas à possibilidade de uma pessoa, mesmo estando numa relação séria com outra, ter sexo com outra (com quem terá maior ou menor grau de intimidade). Recuso a ideia de que estar numa relação implica dar a alguém o controlo e o exclusivo do nosso corpo, implica abdicar da nossa liberdade sexual, da possibilidade de, querendo, ter relações sexuais com outra pessoa. Em minha casa, nunca foi segredo que o meu pai teve relações sexuais com mulheres para além da minha mãe e nunca me passou pela cabeça que isso fosse algo que me dissesse sequer respeito, quanto mais pôr em causa o seu comprometimento com a família. [JV]

Serei antiquada. É possível. Mas tenho para mim que pior que ser conservador é fingir ser quem não somos. Portanto aí vai: 
Se quando fala de relação séria está a falar de amor mútuo, que tem condições de realização, digo-lhe que ele dispensa terceiros. Por norma não é sequer pensamento que aflore à mente. Mas há quem saia da norma. E quem saia até com alguma inteligência prática, como o dito arquitecto que refere. Ou, quem sabe, o próprio Miterrand. Se os intervenientes as aceitam, por que razão os outros não hão-de fazê-lo?!
Mas lembro-me de um livro de Gabriel Garcia Marquez, não sei precisar, mas parece-me que "Amor em tempos de cólera", em que o protagonista leva a vida apaixonado por uma lady. O que se passa com um e o outro durante a maior parte da vida amorosa dos dois, cada um para seu lado - e na maior parte do livro -, não macula o que, pelo menos no caso dele, os prende. Ele não se coíbe de ter mulheres, ela casa com outro, tem filhos, envelhecem ambos separados... e, no caso dele, é como se essa existência quotidiana seja qualquer coisa de paralelo, que não inibe nem incentiva. Porque está aquém. São dimensões diversas.
Não me parece que essa seja uma relação aberta. Era a que podia ser. Mas apeteceu-me contá-la. [bea]

E as pessoas são todas diferentes. No meu caso, daquilo que já descobri de mim própria, não consigo estar com alguém (sexualmente) de quem não me sinta próxima, a nível sentimental. Mas há quem separe as águas (sexo e amor) com grande facilidade, o que é mais frequente (ainda que não exclusivo) nos homens. Por isso, não acho que alguém ame menos outrem apenas por ter vontade (desejo!) de estar com outra. Se alguém se compromete a não estar com mais ninguém, é claro que fazê-lo é cometer uma traição, quebrar uma promessa. Mas isso é outra história: cada um é responsável por aquilo a que se compromete.

Quanto a ciúmes, também todos somos diferentes. E podemos ter ciúmes de um(a) amante, de um(a) amigo(a), do tempo que o nosso parceiro dedica ao trabalho, a um hobby, de um animal de estimação, etc. 

Por fim, não creio o cerne da questão relação séria(aberta esteja em ela "dispensar terceiros": com certeza que esse "sacrifício" será/é possível. E, para alguns, nem é sacrifício nenhum, porque simplesmente só querem estar com uma pessoa. Mas exigi-lo, exigir que alguém renuncie à escolha de estar com outra pessoa, que nos ofereça essa sua liberdade, parece-me quase uma brutalidade. E que, na verdade, não serve de nada, porque se alguém se apaixona por outra pessoa, não é por não estar ou não poder estar com ela que se vai desapaixonar (aliás, quase sempre o efeito dessa proibição será o inverso: estilo o fruto proibido é o mais apetecido). [JV]

Todos nós somos uns ases teoricamente e na prática grandes aselhas. 
Ninguém, suponho, exige fidelidade. Confia-se que ela exista. E cobra-se se não existe. Por ser uma quebra de confiança, a traição é um golpe profundo numa relação e no amor que lá exista. Pelo que representa. Mas também porque o pior de cada um, aquilo que o amor iludiu ou afastou, se expressa em força. Não é montanha fácil de escalar. 
E não vejo que Miterrand fosse assim um mentiroso por dizer a várias mulheres que eram o seu sol; se o disse em tempos diversos, por que razão não estaria falando verdade?! Quase diria que pertencia ao género amores seriados, se não fora manter a legítima cuja existia fora da seriação.  
Também não vejo o cristianismo com esse peso negativo. É verdade que não estudei a seita nos seus tempos iniciais, ma fiquei curiosa, o que a faz ser menos higiénica que outras? As relações de um para um continuam a parecer-me saudáveis. E, ainda que a promessa seja arrojada, é exactamente assim que ela é sentida na altura: para sempre. Não o sendo, mais vale nem começar.[bea]


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A itálico as palavras da Leitora bea.
A direito as da Leitora JV
(Em comentários lá mais para baixo)

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Fotografias de Rosendo Ayala Dávila

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Não posso adiar o amor 
(António Ramos Rosa dito por José-António Moreira)


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E caso tenham vontade de padecer, queiram, agora, descer até ao meu comentário a propósito do Sérgio Figueiredo, esse insuportável basófias, que, com o pretexto de entrevistar António Costa, foi para ali, para a TVI, encher a paciência dos telespectadores.


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Sérgio Figueiredo entrevista António Costa (juntamente com José Alberto Carvalho)
e eu pergunto:
a quem é que a gente tem que se dirigir para pedir que nunca mais o deixem aparecer à nossa frente a fazer entrevistas,

arrogante, pesporrente, insuportável?
É que não há paciência para aturar espertinhos insolentes destes...!


Estou a ver a entrevista na TVI. António Costa tem uma paciência infinita para aturar a criaturinha. Responde, explica, ensina -- e sempre sorrridente para com um Sérgio Figueiredo convencidinho, antipático, mal humorado, com ar mal disposto.

Bem informado, uma conversa muito bem estruturada, uma visão clara -- assim António Costa nos aparece. E sorridente, bem humorado. Dá gosto um governante assim: disponível, com uma visão muito clara das suas opções e leal para com os seus parceiros de coligação.

E, no fim, os entrevistadores a quererem acabar a entrevista e António Costa, como se estivesse numa boa, na cavaqueira, a querer ficar à conversa. E guardou a 'boca' do diabo para o fim, uma biqueirada bem humorada no láparo.


Esta atitude por parte dos governantes -- de proximidade e afabilidade ao mesmo tempo que didáctica e tranquilizadora -- aproxima a política do povo. António Costa, uma vez mais, mostrou que é eximínio nisso. Assim é que é.

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Em contrapartida, aquele brilhantinoso Sérgio Figueiredo... Acha-se. Acha-se o maior, o mais esperto, o mais irreverentezinho.

Não se aguenta um homenzinho assim, todo cheio de si próprio, todo ele jactância, impertinente. Durante toda a entrevista, uma pessoa está incomodada, com vontade que ele se cale e deixe o José Alberto conduzir a entrevista. Tanta prosápia roça a má educação, credo. 

Por estas e por outras é que eu seria incapaz de andar nisto da política ou de exercer cargos que me obrigassem a ter que aturar criaturas assim. À terceira já me tinha saltado a tampa e não respondia por mim.

O drama para a TVI é que o dito Sérgio é director. Portanto, não sei se há lá quem o possa mandar enfiar o rabo entre as pernas e limitar-se a fazer jogos de paciências ou palavras cruzadas. Ou isso ou pô-lo em frente ao espelho a ver se ele se farta de si próprio.



Tudo menos aparecer-nos à frente. 


(NB: No DN já não o leio: Sérgio Figueiredo é um escorpião de cabeça vazia.)


quinta-feira, outubro 20, 2016

A voz (debochada) da sabedoria


Eu conto. 
Mas, antes, vou pôr aqui uma musiquinha boa e umas fotografias maneiras.



Vamos lá, então.

Podia falar do sexo oral que Madonna promete a quem votar em Hillary Clinton. Mas, como acho que é capaz de ser uma falsa promessa e não quero denunciar publicidades enganosas por parte de opositores a Trump, não falo.


Também podia falar da descarada da Maria Luís, ex-Miss Swaps, actual Miss Arrows, que é do mais desavergonhado que há. Mas, como não quero gastar o meu requintado latim com tão desqualificada criatura, não falo.

Claro que podia falar do Secretário de Estado Rocha Andrade que tem uma atracção fatal para armar fuzué e, no meio da confusão, dar tiros nos pés. Mas não falo pois até me dizem que é um bom fiscalista e gente séria -- e que uma pessoa possa ter algumas incompatibilidades declaradas não me choca nada. Agora uma coisa é certa: se ele é bom e o quer manter, António Costa devia mantê-lo na casota. Já se viu que, quando sai e abre a boca, arranja sarilho.


Há ainda também o assunto do ordenado do presidente da CGD que é um valor que, muito sinceramente, me parece um bocado estúpido num banco público e, sobretudo, me parece um bocado deslocado face à média de ordenados de quadros qualificados do País. Mas não sei se não arranjaram quem aceitasse ir para lá por menos e, por isso, para não alimentar populismos, não falo.

Podia falar do Pedro João Dias, a quem tratam por 'Piloto', esse desconhecido que anda perdido pelos montes, talvez ferido, talvez esfaimado, talvez acossado pelos lobos selváticos que o habitam. Mas não falo. Nada sei da vida dos lobos.


Enfim. Podia falar de muitas coisas. Mas hoje estou cansada. O dia não foi pêra doce e todos os dias desta semana começaram cedo demais. Já aqui estive a dormir. Há ali em baixo uns comentários de primeiríssima água e eu queria mesmo falar sobre eles. Mas acreditem. Isto hoje não está fácil. Talvez amanhã o faça. Hoje é impossível.

Por isso, se me permitem, vou pela via mais fácil.



Vou ouvir gente sábia. Isso descansa-me o espírito. Transcrevo excertos e de forma não sequencial:


Aos 66 anos de idade, morando em um apartamento em Copacabana, de frente à avenida Atlântica, o velho Nelson [Rodrigues] apresenta-se com o mesmo tom debochado e exagerado de sempre. Impondo a sua presença e aquele seu jeito peculiar e característico de se expressar e de se fazer entender: olhar insondável e apático; voz grossa e embolada; gestos vagarosos e ornamentais como os de um peixe colorido num aquário. Sem deixar, portanto, de esboçar certo entusiasmo e de exibir uma imagem de opulência física de causar inveja a qualquer um. Apesar de estar com a saúde um tanto quanto abalada, uma vez que ainda se recupera de uma colite ulcerática, doença essa que por pouco não o matou. As palavras tiradas da boca do entrevistado são as mesmas utilizadas em suas crônicas, contos, romances, peças teatrais, e difundidas por outros meios de comunicação (televisão, rádio e periódicos).


J. J. R. — Na sua opinião, o que é a beleza?
Nelson Rodrigues — “A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual”.
J. J. R. — E o que dizer acerca das mulheres?
Nelson Rodrigues — “Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível”.
J. J. R. — Sobre a adúltera?
Nelson Rodrigues — “Não existe família sem adúltera” — responde com ironia. E continua com as suas divagações: — “Nenhuma mulher trai por amor ou desamor. O que há é o apelo milenar, a nostalgia da prostituta que existe na mais pura”. — Olhando atentamente para o repórter: — “A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira”. — E mostrando o dedo indicador: — “Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém”.
J. J. R. — Algum recado para as mulheres?
Nelson Rodrigues — “Era preciso que alguém fosse de mulher em mulher anunciando: ser bonita não interessa, seja interessante”.
J. J. R. — E para os homens?
Nelson Rodrigues — “Se um dia a vida lhe der as costas, passe a mão na bunda dela”.
J. J. R. — E para os casais, alguma dica?
Nelson Rodrigues — “A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: — o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão”.
J. J. R. — E no que diz respeito à sexualidade humana?
Nelson Rodrigues — “Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém”.


J. J. R. — Falemos agora da virtude e daqueles que o praticam?
Nelson Rodrigues — “Perfeição é coisa de menininha tocadora de piano” — expondo-se, exultante. — “O puro é capaz das abjeções inesperadas e totais e o obsceno, de incoerências deslumbrantes”. — Reflete por alguns segundos e despeja: — “Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera”. — Toma fôlego e dá prosseguimento ao raciocínio: — “O ‘homem de bem’ é um cadáver mal informado. Não sabe que morreu”. — E numa alegação afirmativa: — “Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista”.
J. J. R. — E a Europa? E o europeu?
Nelson Rodrigues — “O europeu ou é um Paul Valéry ou uma besta!”. — Continuando a frase após breve distração, com coisas e objetos do seu entorno: — “… a Europa é uma burrice aparelhada de museus. (…) Ao passo que o Brasil é o analfabetismo genial!”.
J. J. R. — E com relação às feministas?
Nelson Rodrigues — “As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado”.
J. J. R. — Qual foi, no seu entendimento, o grande acontecimento do século 20?
Nelson Rodrigues — “O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”. — Silêncio profundo e grandiloquente. — “Em nosso século, o ‘grande homem’ pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta”. — Outro intervalo, para mais um gole d’água e acender o quarto e, talvez, o último cigarro a ser desbragadamente consumido nesta entrevista. — “Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina”.


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Nelson Rodrigues



Dá gosto ver gente inteligente, com sabedoria e graça.

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Portanto, perceberão que mil vezes ler as palavras e ver imagens de Nelson Rodrigues do que perder tempo com a mediocridade (ou, vá, mediania) de tanta gente que por aí anda.

É que, enfim, vocês sabem, eu também poderia agora aqui falar do 3º debate entre os dois candidatos finalistas nas eleições americanas. Mas é tão estranho que um palhaço ordinário seja um deles que também não vou por aí. Não diz se aceita o resultado das eleições se Hillary ganhar...? Pois, nem espanta que seja parvo a esse ponto. É mau demais.


Por vezes -- ou visto de alguns ângulos -- o mundo civilizado parece ter entrado num processo autofágico. Coisa feia de se ver, portanto. Portanto, com vossa licença, mas ficamos assim.

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As fotografias são da autoria do ucraniano Vadim Stein.

Se todos fossem iguais a você é interpretado por Tom Jobim

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.

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quarta-feira, outubro 19, 2016

Cartas para Anne
- 1218 cartas de um grande amor (clandestino)
François Mitterrand, o louco amante de Anne Pingeot


Chegarão cá e eu, que gosto tanto de cartas, lê-las-ei.

Para já, vou sabendo que a escrita culta, de sumptuosa gramática, transbordante de paixão e toda ela revelando cumplicidade e amor, mostram um François Miterrant completamente enamorado por uma outra mulher. A outra. Não Danielle, a sorridente legítima, mas a outra, a que todos desconheciam. Depois a que todos fingiam desconhecer. Anne Pingeot.




Na inauguração do Musée d'Orsay,
Anne é a cicerone vestida de branco,
com uma flor branca no cabelo e capa vermelha,
que acompanha a visita à área de escultura
com Miterrand e outros

Casado com Danielle, François, então com 47 anos, caíu de amores por uma jovem de 20. Era bela, culta, filha de uma família conservadora, gostava de arte. Ele o seu tutor, ansioso por ensiná-la. Ela a jovem cativa.

O amor durou até François morrer e encontra-se expresso nas imensas cartas que escreveu a Anne, sua namorada, sua amante clandestina. 


Formada em História de Arte, foi à escultura que Anne, a mulher-sombra, se dedicou, trabalhando no  Louvre e no Musée d'Orsay.


Vimo-la com um véu, tristíssima, no dia em que o mundo a conheceu, no dia em que o seu amor foi a enterrar. Era ela, a mulher que trouxe preso o coração de um dos homens mais importantes da Europa recente, a mãe de uma filha nascida fora do casamento oficial de François. Vimo-la, então, consolando a filha de ambos, a menina de seu pai, a jovem Mazarine. Muito perto, aceitando a situação, Danielle, a legítima com os filhos.

Então como depois, as fotografias mostram que Anne é uma mulher bela, uma estatura elegante, uma beleza serena e distinta. 

Discreta durante a vida do seu amor e discreta depois do seu amor se ir, Anne não deu entrevistas, não procurou o perdão da sociedade mais conservadora que tanto censurou o adultério de Miterrand, não procurou a luz da ribalta.

Até que agora cedeu ao pedido e mostrou que, aos olhos do seu enamorado, ela não era sombria mas luminosa. Anne aceitou agora revelar a imensa paixão que François nutriu por ela ao longo de tantos anos. Não sabe se fez bem ou mal ao fazê-lo. Esperou que Danielle também se fosse, não quis dar-lhe mais esse desgosto. Esperou. 

E, lendo excertos de algumas cartas das cartas de amor de Miterrand, enterneço-me.

No amor, no amor grande, todas as pessoas são iguais.
Frágeis, carentes, inseguras, ternas, exageradas, infantis, generosas, delicadas, arrebatadas -- assim são sempre as pessoas que muito se querem, que desenham caminhos de luz que só elas vêem, que se aproximam em pensamento mesmo quando os corpos estão longe, que se sentem docemente dependentes uma do outra, que anseiam por uma palavra, por um gesto, que vivem para o momento em que, de uma qualquer maneira, conseguem sentir-se próximas.
Transcrevo excertos de cartas que obtive na Elle francesa e no Le Figaro e, porque não saberia traduzir mantendo a intensa toada das palavras de amor tal como foram pensadas, peço-vos desculpa mas deixo-as em francês:

« Vous êtes pour moi la vie, la mort, le sang, l'esprit, l'amitié, la paix, l'espoir, la joie, la peine. Tout cela cogne, fait mal, ou bien émerveille et purifie »

« J'aime mes mains qui ont caressé ton corps, j'aime mes lèvres qui ont bu en toi, j'aime le goût de ton être mêlé de soleil et de lumière, avant de m'endormir j'ai évité de frotter la journée de mon corps à grande eau comme je fais toujours pour garder ta trace, ton parfum, ta présence vivante sur lui. » 

Ela, a quem ele chama Anne Chantilly, Nannon, Nannour ou Animour, retribui:

« Que j'aime ces merveilles que tu n'écris que pour moi ! » 

« J'aime toutes tes folies, toutes celles qui arrachent d'un gluant quotidien. Avec toi, on ne se laisserait pas faire par ce qu'on ose appeler 'la vie'. Ô mon créateur de joie, je vous aime. » 

Nas últimas cartas, dirigidas a Anne em 1995, um anos antes de morrer, François escreve: « Mon bonheur est de penser à toi et de t'aimer. Tu m'as toujours apporté plus. Tu as été ma chance de vie. Comment ne pas t'aimer davantage ? »

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Mas são muitas as cartas, muitos os excertos que a imprensa já divulgou:

O olhar cúmplice do amante secreto

«J'ai, moi, dépassé le point du non-retour.»

(…) Mais je veux que tu saches aussi ceci: j'ai, moi, dépassé le point du non-retour. Merci ô mon Anne d'être celle par qui j'atteins le sommet de ma course: jamais plus je ne reviendrai en arrière. Je suis à toi, comme hier, aussi intensément mais par mon âme et non mon corps quand je t'écris ceci: depuis toi je ne puis qu'aller et regarder devant moi.

(Nevers, samedi 25 juillet 1964)


«Je t'aime.»

Anne, mon amour,

Voilà, c'est fait, après de longues méditations, de longues hésitations et maintenant la certitude d'une lourde charge: j'ai fait connaître ce soir, à 6 heures, à l'issue de la conférence de presse du général de Gaulle, que j'étais candidat à la présidence de la République. Les moments d'hier soir et de ce matin ont été intenses, parfois dramatiques. Defferre, Maurice Faure, Mollet, beaucoup d'autres… le Parti socialiste a fait bloc pour me demander de mener ce combat… Bref j'en suis là. (…)

Sais-tu que je pense à toi et que c'est merveilleusement utile qu'il y ait l'amour Anne-François? Je t'adore Anne et je porte en moi la hâte de tes bras, de tes lèvres, de ta tendresse, de ta paix. Anne, mon Anne, à demain.

Je t'aime.


(Jeudi 9 septembre 1965, 17h30)

«Ô mon amour de vie profonde»

C'est une vague de fond, mon amour, elle nous emporte, elle nous sépare, je crie, je crie, tu m'entends au travers du fracas, tu m'aimes, je suis désespérément à toi, mais déjà tu ne me vois plus, je ne sais plus où tu es, tout le malheur du monde est en moi, il faudrait mourir mais la mer fait de nous ce qu'elle veut. Oui, je suis désespéré. Le temps de reprendre souffle et pied? Ô mon amour de vie profonde j'ai pu mesurer un certain ordre des souffrances. Ce sera peut-être le seul mot tranquille de cette lettre: je t'aimerai jusqu'à la fin de moi, et si tu as raison de croire en Dieu, jusqu'à la fin des temps. (…)

(3 juillet 1970)

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A quem se aventure pela língua francesa, recomendo:


ou


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