terça-feira, novembro 25, 2014

José Sócrates em prisão preventiva. Três dias depois de ter sido detido e depois do incrível aparato mediático, aconteceu o que era quase inevitável. [No meio deste clima de transtorno emocional colectivo em que meio mundo acha que todos são culpados de tudo - incluindo Pinto Monteiro que, por ter ido almoçar com Sócrates e, pelo que ele diz, terem falado de livros, já é descrito como um mentiroso descarado]


O processo Marquês teve mais um episódio notável. Para um ex-Primeiro Ministro foi decretada prisão preventiva, como se estivéssemos a falar de um assassino, violador ou terrorista. Se antes, com o que os jornais e televisões divulgavam, já era difícil defender a presunção de inocência de José Sócrates, agora ainda o será mais. José Gomes Ferreira no Expresso, Helena Matos do Observador e certamente outros já andam a desenterrar suspeições antigas, boatos, desentendimentos políticos como se de crimes inquestionáveis se tratassem e já houvesse sentença transitada em julgado sobre todos eles.



José Sócrates em prisão preventiva - mais uma humilhação 


E se antes eu não percebia porque é que tinham prendido José Sócrates para o interrogar, agora fico ainda mais chocada com a decisão: prisão preventiva! Porquê?! 

  1. Havia perigo de fuga? 
  2. Mesmo depois das buscas já efectuadas, havia perigo de que destruisse provas? 
  3. Havia perigo de que continuasse a praticar crimes? 
  4. Havia perigo de que a população ficasse aterrorizada por ele ficar à solta?
  5. A sério...? Juram...? E são capazes de dizer isso sem que lhes caia um dentinho...?


A acusação é de corrupção, fuga ao fisco, branqueamento de capitais. Mas teria sido saudável para a democracia e justo para com a população - e isto já não dizendo que seria decente para com José Sócrates - que tivesse sido explicado de que se trata.

Em que âmbito esses presumíveis crimes ocorreram? Quando?
  • E foi enquanto cidadão normal? 
  • Ou enquanto primeiro-ministro? 
  • Corrompeu alguém? Quem? 
  • Ou foi corrompido? Por quem?
  • E em quanto? 

Ou seja, de que é que exactamente estamos a falar?
  • Da mãe lhe ter dado dinheiro? 
  • De ele próprio ter comprado livros seus para oferecer a amigos?
  • Ou será que estamos presente um ser alucinado, demente, que enganou amigos e correlegionários e que, esquecendo-se de todos os riscos que corria, escondeu dinheiro em contas de amigos, recebeu dinheiro em maços de notas, fez toda a espécie de irreflectidas tropelias como se de um mentecapto se tratasse? 
  • Ou, se não é nada disto, é o quê?

Nebulosa de Órion

Não deveria ter sido o Ministério Público a informar sobre que é que estamos a falar?

Fará sentido que seja o Sol e o Correio da Manhã a destilarem, gota a gota, informações que ninguém sabe se têm algum fundamento, crucificando o homem na praça pública?

Quem aqui me costuma visitar deve perceber qual o meu estado de espírito. Estou a escrever isto e estou chocada, incomodada, triste. 

Não sei de que se trata, não sei o que é que Sócrates fez ou deixou de fazer, e continuo a ter esperança de que ele esteja inocente. Mas, enquanto ouvia os comentadores durante o longo compasso de espera que decorreu até que se conhecessem as medidas de coação, fui ficando com a certeza de que seria esta a que caberia a José Sócrates. O meu marido também garantia que não podia ser outra a decisão, a Justiça seria ridicularizada e gozada se do interrogatório não escorresse o sangue de Sócrates. É que todos os jornalistas e comentadores diziam que, depois de tudo aquilo a que se vinha assistindo, era bom que os indícios fossem fortes, era bom que não tivessem feito tudo isto a um anterior governante por engano, era bom que se mostrasse que a justiça era igual para todos. Ou seja, toda a gente clamava por razões tremendas que justificassem tamanho espalhafato e, portanto, dificilmente a decisão poderia ser outra.

Nebulosa de Hélix

Face a isto, tenho que dizer que temo o pior. Custa-me admitir que uma pessoa vivendo sob escrutínio, sob desconfiança permanente, se fosse meter em trapalhadas. Do que lhe vi, aquando da sua actuação política, custa-me admitir que, às escondidas, Sócrates fosse um vulgar corrupto, um evadido fiscal. Ele tentará agora provar a sua inocência e tomara o consiga - mas não sei como tal vai ser possível com os cães raivosos à solta, com investigadores e jornalistas em conúbio, com a opinião pública a ser violentamente manipulada a toda a hora, em todo o lado.

A sociedade portuguesa está doente. Por qualquer ângulo pelo qual se olhe para a actualidade só poderemos concluir de que algo vai mal em Portugal. É triste viver em Portugal nestes dias de chumbo. É triste e começo a sentir que é perigoso.

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Nebulosa do Caranguejo

Enquanto agora escrevo, ouço na televisão comentadores a soldo a opinar sobre tudo e mais alguma coisa, incluindo sobre a entrevista de Pinto Monteiro na RTP 1. Disse o senhor que, durante o almoço com Sócrates (almoço amplamente divulgado pela comunicação social), não falaram de problemas de justiça mas, sim, sobre livros, sobre Lula, e sobre outros temas inócuos, podendo a conversa ser transmitida na televisão que veriam que não passou disso. Vi a entrevista na televisão e nada do que ele disse me pareceu merecer desconfiança. Magistrado toda a vida, Procurador Geral, Pinto Monteiro não é pessoa que possa dar-se ao luxo de ir a um canal de televisão dizer aldrabices.


Pois bem, por algum motivo que talvez Freud conseguisse explicar, agora também ele virou bombo da festa e, sem consideração nem respeito, toda essa gente insinua que o senhor disse mentira atrás de mentira. 

Como se Pinto Monteiro não soubesse que toda a conversa foi gravada e que, se outro tivesse sido o teor da conversa,  não era a notícia do almoço que tinha aparecido nos jornais mas sim a transcrição, tim tim por tim tim, da dita conversa. 


Só me interrogo de uma coisa: porque será que Sócrates desperta um ódio tão irracional em algumas pessoas? Que demónios desperta ele? Que transtornos emocionais? Alguém me explica?


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  • A propósito do papel dos jornalistas neste processo, se me permitem, agora a palavra a Fernando Alves cuja voz, nos seus imperdíveis Sinais, tantas vezes me emociona:


  • Recomendo também a leitura do texto Sócrates no blogue Vai e Vem

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E agora música, por favor. Ar puro.


Johann Sebastian Bach: Sonata for Viola da Gamba & Harpsichord in G minor, No.3, (BWV1029)

Jordi Savall & Ton Koopman




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E, caso queiram conhecer a minha resposta ao galanteio que um gentil Leitor me enviou, desçam, por favor, até ao post seguinte.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.

(E vamos ver onde é que as centenas de polícias que agora saltam a toda a hora de debaixo de tudo o que é pedra vão escarafunchar desta vez? Ontem andaram, na Operação Remédio Santo, em farmácias e laboratórios; esta terça feira onde será? Em talhos e peixarias? No Banco Alimentar? No Palácio de Belém? Onde?)

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segunda-feira, novembro 24, 2014

"Estamos de olho em si" diz um comentário num post aí abaixo. E eu não devia confessar mas confesso: gostei do piropo. Sempre ouvi dizer que o que é bom é para se ver e, portanto, olhem à vontade que eu não levo a mal.


Mas uma coisa me deixa apreensiva: a palavra 'estamos'. Estamos? Estamos, no plural? Isso é que é pior porque, se fosse só um, eu até estava capaz de antever algum perigo no ar. A coisa ainda podia dar em romance já que é sabido que muitas histórias de amor começam assim.

Agora, no plural, já não sei, não. Quantos são? Dois? Uma cena de ménage a trois? Ná....

Mas esperem lá. Tenho aqui uma rapaziada ao pé de mim e estão a dizer que alinham. Nada de orgias, não se animem. Mais uma cena de namorico inocente, até já os (e as) ouço falar em casamento colectivo. Que me dizem? Apontamos para o Dia de Sto António? 



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Chris Hemsworth foi considerado o homem mais sexy do mundo em 2014. Não sei quem é que o escolheu mas destes tenho eu às dúzias no meu caixote do lixo (virtual, claro!). E esta moda agora dos lumbersexuals também é de gritos. Não sei quem é que lhes disse que assim ficam giros mas, enfim, gostos não se discutem. (Claro que falo também na detenção de José Sócrates e noutras coisas e tenho música e tal, mas, enfim, acho que o tema principal é esta moda nova de os gays quererem parecer muito machos)


Pois. Escusam de me atirar à cara com a futilidade do tema que escolhi para hoje quando o país parece que está a cair de podre.

Eu sei, eu sei. Deveria centrar-me no tema mais mediático do momento até porque não é apenas um tema mediático, é mais a ilustração dos claustrofóbicos tempos que correm.

Sócrates mais uma noite preso.  Amanhã conhecer-se-á o que decide o omnisciente Carlos Alexandre. Os jornalistas estão ávidos: quais as medidas de coacção que vão ser aplicadas? Terão já na box, prontos para entrar em estúdio, comentadores de todas as cores e feitios para as interpretar: Prisão preventiva? Menos que isso? Mais do que isso (decapitação sumária, por exemplo)?


Ouvi Pedro Adão e Silva e Pedro Marques Lopes comentarem que, depois de um aparato destes, já não há reversibilidade possível. Mesmo que se provasse que tudo não teria passado de um monte de equívocos e falsas suposições, o que ia a Procuradoria Geral da República dizer? Que se tinham enganado...? Não, não o fariam. Se o fizessem, seria o descrédito total da Justiça. Seria uma vergonha. A coisa ganhou tal repercussão mediática, aqui e no estrangeiro, que já não é possível senão ir em frente mesmo que não haja razão válida para isso.
Se havia razões de suspeição, que averiguassem com discrição, com reserva. Se se viesse a confirmar que havia razões, então avançaria o processo. Se não houvesse, também não teria havido aparato, ninguém perdia a face. Agora assim? Carros de polícia a apitar pela cidade, interrogatórios de dias inteiros, um ex- primeiro ministro já 3 noites a dormir nos calabouços do Comando Metropolitano da PSP (calabouços como fazem os jornalistas questão de frisar, reforçando o dramatismo da situação)... Como arrepiar caminho? Também não vejo que seja possível.

Venho escrevendo isto desta sexta feira: este assunto incomoda-me muito, de forma quase visceral. Tudo nisto muito incomoda, a começar pelo forma como decorre. Não sei porque é que Sócrates não pode dormir em casa e apresentar-se na segunda feira para responder a mais questões (mas a sua mãe deu-lhe dinheiro porquê? Porque é que a sua mãe não espera para morrer para você só ter o dinheiro através de herança? ...etc). E também não sei o que leva as estações de televisão e os jornais a colocarem no meio da rua, à noite e ao frio, os jornalistas de microfone na mão à espera que passe o carro com Sócrates lá dentro. Nem sei como arranja ele vontade de rir para as câmaras que aguardam ansiosamente a visão de uma lágrima, nem sei como encontra ele força anímica para sobreviver a tanto embate da vida. De resto, também não sei como é que os comentadores profissionais encontram conversa para tanta opinião, a toda a hora, sobre todos os assuntos. Sempre os mesmos, uma seca, sempre, a toda a hora. 
Os mesmos não, que apareceu agora um advogado que tenho ouvido com agrado, o advogado Manuel Magalhães e Silva. Claro, directo, desalinhado, parece saber do que fala ao contrário dos papagaios que lhe têm posto pela frente. De forma fundamentada e isenta (diz que nem tem simpatia pessoal ou política por Sócrates), tem referido que a prepotência e arrogância da actual Justiça são preocupantes.

Depois há outra coisa que é de nos deixar a todos de pé atrás: o advento para a ribalta de gente que se arroga o direito de opinar como se fosse muito douta mas que revela ser superficial, leviana, medíocre. Aparecem, põem-se de bicos de pés, dão-lhes ouvidos, dão-lhes poder e, aos poucos, vão ganhando influência. Com esta escumalha miúda se vem fazendo a história em Portugal. É esta gente que vem ocupando, aos poucos, os partidos, os meios de comunicação social, a gestão das empresas, os órgãos de decisão de tudo o que é coisa.

Portugal vai-se afundando, empobrecendo, esvaziando. Enquanto isso, gente como Duarte Marques, Nuno Garoupa, Felícia Cabrita, e tantos outros vão fazendo o seu caminho, as alas vão-se-lhes abrindo.

Muitas vezes me interrogo como é tal possível e chego sempre à mesma conclusão (e nem estou a referir-me agora aos citados em particular): é, geralmente, gente sem pruridos, que não tem pejo nem pudor. 
Pelo contrário, com frequência pessoas que têm outro nível intelectual e moral têm uma humildade intrínseca, não se vangloriam, perante ataques desleais aquietam-se, desmoralizam, desistem. Por delicadeza deixam-se vencer, por delicadeza deixam-se morrer. 
Acabam por ser os porcos a reinar, a ditar regras. Prepotentes, estúpidos, indelicados, os porcos gostam de se fazer passar por gente a sério mas são e sempre serão porcos. Mas porcos que mandam nas pessoas, nas pessoas que, aos poucos, se foram deixando vencer.


Mas, enfim, apetece-me arejar a cabeça, falar de outra coisa qualquer. 

Por isso, agulha mental: vou desviar-me para um caminho lateral a ver se começo a semana com boa disposição.



Chris Hemsworth foi eleito pela revista People o Sexiest Man Alive em 2014. 



Todos os anos a revista People elege o homem mais sexy do mundo. Costumo conhecê-los. Mas este ano tenho que ser honesta: nunca tinha ouvido falar em tal pessoa. Fui ver as imagens: nunca o tinha visto mais gordo, deve andar por filmes ou séries que não vejo. Mas pronto, não é feio de todo. Bonitinho, musculado, ar saudável. 

Contudo, em minha opinião (e, pelos vistos, ando fora de moda), para um homem ser sexy deverá perceber-se nele alguma sabedoria, alguma malandragem subtilmente destilada, e deve ser evidente alguma patine. Ora este Chris parece que só tem saúde, carinha laroca e corpinho bem feito. Pode ser que daqui por uns anos esteja lá, mas, por enquanto, diria eu que ainda tem que deixar a vida passar um pouco mais sobre ele.



Vídeo em que Chris Hemsworth explica como é que ele e a mulher reagiram à notícia de que tinha sido eleito o homem mais sexy do mundo em 2014 e, vá lá, onde ele mostra um pouco da sua gracinha.




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Não sei se este Chris encaixa na categoria dos metrossexuais de que o Cristiano Ronaldo é um dos mais badalados ex libris mas, embora eu não seja especialista na matéria, parece-me que sim. Os metrossexuais são aqueles homens que prezam muito a sua imagem, que se depilam, se enchem de cremes, que cultivam o corpo, que gostam de ter músculos bem desenhados. Geralmente dedicam a sua atenção ao cultivo do corpo, esquecendo o cultivo da mente.




Mas leio que agora surgiu um novo tipo, que é o que agora está a dar. Os lumbersexuals. Barbudos, aspecto de lenhadores, camisa de flanela aos quadrados, gorros mal escondendo cabelos descuidados, e nada de depilações, todos bem peludos.





Olho para as imagens e, no entanto, e desculpem se estou enganada, o que me parece ver são bichas de tipo muito macho. Não me tomem por preconceituosa. Não sou. Mas há coisas que não enganam. Homem que não é bicha não se encaixa nestas modas muito moderninhas: nem é aparadinho, depiladinho, mariquinhas, nem é urso, ornamentado com pelos, gorros, botas e outros maneirismos.




Na sexta à noite jantei naquele cantonês magnífico ali em frente da Portugália da Almirante Reis. Ao nosso lado estava um casal de bichas. Barbudos, à primeira vista muito straights. Mas depois, para escolher, estiveram mais de meia hora, hesitações, risinhos, escolhe tu, não, tu, vá lá, diz lá e olhavam-se nos olhos, riam, todos dengosos. Pela conversa percebi que trabalhavam em revistas, ou designers gráficos ou jornalistas. Uma converseta gay todo o santo jantar. Mas, lá está, barbudos, pretensamente muito fashion, muito machões. Não tem nada de mal, claro que não, cada um é como é e que um casal de gays sinta afecto e o demonstre ou que tenha os seus flirts parece-me coisa completamente normal.

Agora o que não posso deixar de achar graça é a estas modas. Aparecem-nos como um novo tipo estético e a gente vai ver e parece coisa apenas para gays.

Com as mulheres isso não acontece, acho eu. Quando há modas que pegam, as mulheres aderem, sejam hetero sejam homo. Agora estão na moda as capas, os ponchos e, se a gente vê imagens, não nos passa pela cabeça dizer: olha, cá está, moda para lésbicas. Não: quando a moda é para mulheres e é das boas, todas aderem.


da Harper's Bazaar


Já agora. Este é o tipo de moda que me agrada: capas, écharpes largas. A minha mãe já me fez um poncho em castanho e creme, já fez um em cinza claro esverdeado com barra branca para a minha filha, agora está a fazer um azul e branco para a minha nora. São super confortáveis, quentinhos sem abafar.

Mas, enfim, esta conversa também não leva a lado nenhum. Estou para aqui a divagar apenas para fugir ao que me preocupa. 

Por isso, vou mas é ficar por aqui. Mas, antes, vou ouvir um pouco de música para ir mais confortada. Se me permitem, partilho convosco. Uma maravilha.



Daniel Müller-Schott interpreta o Concerto para Violoncelo de Dvořák com a Berliner Philharmoniker dirigida por Alan Gilbert





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E por hoje é isto. Desculpem-me por este post que não é carne nem é peixe, é mais o pot pourri possível numa noite em que a cabeça quer ir para um lado e eu, por outro, quero aligeirar (até para não vos maçar muito mais já que, como poderão ver pelos posts abaixo, ando, desde sexta feira, a falar neste tema que tanto me tem incomodado).

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda feira.
E a ver se o céu não cai de vez em cima das nossas cabeças.


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domingo, novembro 23, 2014

Felícia Cabrita adora José Sócrates. Ela sabe que, sempre que ataca Sócrates, volta à ribalta. Não sei se há algum investigador ou juiz que ande a segredar-lhe todas as informações ou se é ela que informa os investigadores. Uma coisa me intriga: ainda há quem leve a sério a Felícia Cabrita? E, quem diz a Felícia Cabrita, diz o Dâmaso do Correio da Manhã. Se calhar estão bem para o Juíz Carlos Alexandre que, pelos vistos, não se atira ao ar com o que se passa com as investigações a seu cargo. Para limpar o ambiente, acabo com Mitsuko Uchida e Beethoven.


Chegada a casa vinda do campo, com dois dos pimentinhas a pernoitarem cá, mal consegui ver as notícias com o cuidado que a aberração mediática em curso justificaria.

Felícia Cabrita, a dama do jornalismo de sarjeta



Enquanto eles jantavam querendo a minha atenção, o meu marido fazia zapping e, às tantas, parou na TVI. A Judite Sousa com um cabelo ondulado, bastamente aberto e espalhado sobre os ombros, perguntou qualquer coisa que não ouvi à pessoa que tinha a seu lado. Então, para meu espanto, estava uma com um cabelo que a Judite parecia imitar e que aparece sempre que lhe cheira a tema que facilmente pode atear a fogueira do primarismo emocional: a pseudo-jornalista Felícia Cabrita.


Sempre ouvi dizer que Felícia é muito dada, que entre ela e alguns investigadores tende a haver uma empatia especial, um autêntico sistema de vasos comunicantes onde se trocam segredos de toda a espécie. Ela não investiga, não processa a informação, não pensa nem se esmera na escrita, ela limita-se a divulgar o que lhe chega aos ouvidos seja lá de quem for. Pessoas como a Felícia Cabrita têm abrigo certo em jornais como o SOL (tal como poderia alojar-se no Correio da Manhã). 

Não tendo ouvido a pergunta que a Judite fez à Felícia, mal consegui também ouvir o que esta respondia mas vi que ria com ar quase alarve, que estava eufórica, e apenas a ouvi falar em abrir champanhe. O meu marido retirou-a do ar e ainda bem pois gente assim não deve poluir o ar que os meus queridos pimentinhas respiram.

José Sócrates em bolandas pelas ruas da cidade, num carro da polícia,
à mercê de uma Justiça prepotente


(FOTO PAULO CARRIÃO / LUSA aqui)

Entretanto, vi que fizeram deslocar Sócrates num carro da polícia seguido por mais 3 carros com luzes e sirenes, coisa aparatosa, e, claro, com as televisões, os fotógrafos e demais jornalistas a apontarem as câmaras para a sua cara. 

E ouvi que, depois de estar detido há mais de 24 horas, ainda não foi ouvido e que está a passar mais esta noite na prisão.


E, agora que os meus meninos dormem descansados - depois de lhes ter contado histórias inventadas que meteram uma princesa que se chamava Margaret e vivia num castelo perdido no meio da floresta, esquilos marotos, e amigos brincalhões - dei uma vista de olhos pelos jornais. 

E leio coisas como que a mãe de José Sócrates transferiu dinheiro para a conta dele. E daí? Se a mãe tem dinheiro, e é sabido que sim, porque não há-de ajudar o filho? É proibido uma mãe transferir dinheiro para a conta do filho? A minha mãe passa a vida a dizer que está farta de chatices e preocupações com as crises dos bancos e que, um dia destes, se desfaz do dinheiro todo que amealhou ao longo de uma vida e o transfere para mim e para os meus filhos. Poderemos nós, eu e os meus filhos, vir a ser sujeitos a estas humilhações por isso, caso ela venha a levar a dela avante? Ora abóbora.

Felícia Cabrita, a biógrafa oficial de passos Coelho
grande especialista em casos mediáticos,
dos quais geralmente é mais a parra do que a uva


E li outras coisas igualmente surpreendentes tais como as que a dita Cabrita publicou e que exemplifico:
As autoridades foram a casa de Sócrates, no edifício Heron Castilho, no centro de Lisboa (na rua Brancaamp, ao pé da praça Marquês de Pombal) e a uma empresa em Alvalade, onde o ex-primeiro-ministro tem arrendada uma boxe de 12 metros quadrados e guarda documentação, pagando da sua própria conta 160 euros por mês.
Como é que ela sabe isto tudo? E sabe em tempo real, já viram? Alguém lhe passa todas as informações. Mas, à parte isso, que raio de informações relevantes são estas? O homem tem uma box numa garagem alugada onde guarda os seus papéis e que paga da sua conta. Mas que é que isso tem? Tem mal? Que devassa nojenta da vida pessoal do homem, credo, que coisa doentia, que obsessão.

Tudo o que leio me repugna. Agora, enquanto escrevo, vejo imagens na televisão, mostram os carros da polícia a entrarem no prédio onde Sócrates vive, os carros a apitarem, não sei quantos polícias na rua. O anterior Primeiro-Ministro a ser tratado como se de um perigoso assassino se tratasse... Que vergonha o estão a fazer passar, que vergonha a forma como esta Justiça se está a portar.


Face a isto o que tenho a dizer, uma vez mais, é o seguinte: 
  • Um cidadão foi preso para ser interrogado quando poderia ter sido simplesmente mandado apresentar-se para prestar declarações. Mal vai a nossa Justiça, mas mesmo muito mal, quando querendo ouvir um cidadão, o prende. E isto aplica-se a Sócrates, a Ricardo Salgado, ao director do SEF, a qualquer pessoa de quem se sabe à partida que se apresentará se a tal for instada. Imagine-se o Leitor na mesma situação. Imagine que alguém suspeita de si e que, com base em suspeições e escutas ou sabe-se lá de quê, a Justiça resolve que a coisa deve ser investigada. Acharia bem, o Caro Leitor, se um dia, em público, se visse cercado por polícias, levado num carro da polícia, com as televisões a filmar e isso não porque tivesse sido apanhado a matar ou a roubar mas apenas porque um juiz queria interrogá-lo sobre a sua conta bancária ou sobre a casa onde vive?
  • Ou seja, os investigadores, uma vez mais, em vez de mostrarem respeito pela pessoa que querem ouvir (que, ainda por cima, não está ainda acusada de nada), mostraram um desrespeito absoluto, chamando as televisões, humilhando-a perante o mundo inteiro.
  • A haver qualquer coisa de errado no comportamento da pessoa em causa, isso provar-se-á no decurso das averiguações e do julgamento. Aí e só aí. Não na praça pública, não no pelourinho, não no circo mediático.
  • Antes da Justiça ter feito o papel que se espera dela, só mesmo gente muito nhurra, estúpida e perigosa pode insistir na acusação de alguém com base em notícias veiculadas por pessoas como a Felícia Cabrita ou o Dâmaso.
  • É fácil à Justiça prepotente que temos atacar os direitos de um cidadão, deixando-o indefeso, à mercê da súcia que pulula nos jornais e televisões, à mercê da turbamulta que ulula de torpe prazer sempre que assiste à pública humilhação de alguém que já teve poder. Mal de nós, qualquer um de nós, se tem a infelicidade da cair nas malhas desta Justiça que envergonha a democracia e alimenta a gosto pelos julgamentos populares e linchamentos na praça pública.
  • Se é verdade que a Justiça deve ser para todos, então ela deve mesmo ser igual para todos. Não pode ter mão leve para uns e agir devastadoramente sobre outros. Não é por ter sido ministro, director da polícia ou banqueiro que deve ser tratado com prepotência, indignidade, desrespeito, tal como algumas bestas tratam os animais indefesos. 

Clara Ferreira Alves, jornalista 

Nos antípodas de Felícia Cabrita está Clara Ferreira Alves. Pode, por vezes, ser arrogante ou superficial mas nada, nada, nada que se compare com a mediania dos falsos jornalistas que por aí abundam. Li agora 'A Justiça a que temos direito', o seu artigo no Expresso em que ela fala de coboiada cinemática e em que mostra temer esta perigosa forma de fazer justiça e abominar a insuportável promiscuidade com o falso jornalismo.


Concordo, ponto por ponto, com o que ela diz.

Este domingo teremos novo circo mediático. Uma vez mais Sócrates se verá transportado, indefeso, exposto ao primarismo irracional de uns quantos fanáticos, exibido pelas televisões e jornais. Uma tristeza.

E o Um Jeito Manso receberá, certamente e de novo, vários comentários de uma violência verbal assustadora, comentários escritos por gente maldosa que fica feliz com a infelicidade e a humilhação dos outros.

Em relação aos posts anteriores publiquei alguns e apaguei os que continham ordinarices, insultos estúpidos. Assim continuarei a fazer. Confesso que o meu primeiro impulso é não publicar nenhum dos comentários que revelam que quem os escreve padece de um ódio irracional, de má formação ou falta de chá. Contudo, porque o mundo é mesmo habitado por gente de toda a espécie, publico alguns até para lhes poder responder. Quem não consiga controlar as suas emoções e queira vir para aqui destilar ódios fundamentalistas ou exibir falta de educação, já sabe que vem de carrinho. 
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Para não acabar mal, partilho convosco um momento que tem uma beleza que não se vislumbra em nada do que tem vindo a invadir a nossa realidade. Mitsuko Uchida interpreta o Concerto Nº 3 para Piano de Beethoven. Dedico-o a José Sócrates e a todos quantos se vêem esmagados pelo poder triturante desta nossa peculiar Justiça, pelos vistos praticamente toda concentrada nas mãos de um único homem, o Juiz Carlos Alexandre.






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Nos dois posts abaixo falo também da detenção de Sócrates, transcrevo o comunicado da PGR (o único documento credível que, até à data, existe) e divulgo uma opinião que importa ler, a de Eduardo Costa Dias.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom domingo
(e desejo-vos também, meus Caros, que nunca tenham a pouca sorte de cair nas malhas da Justiça)


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sábado, novembro 22, 2014

Sócrates foi detido no aeroporto tendo os jornalistas à espera, filmando o carro onde seguiu para interrogatório. Tem a ver com a casa em Paris e as suas contas bancárias ou é, antes, uma tentativa de branqueamento de crimes de outros? Tem a ver com corrupção dele ou é areia para tapar a corrupção de outros? Não sei. Mas acho que os tempos que vivemos, com uma torpe promiscuidade entre polícias e jornalistas, são tempos perigosos. É fácil a manipulação da informação, das emoções, das opiniões, tão fácil. E a opinião de EDUARDO COSTA DIAS.


No post a seguir a este, descrevi em directo, e à medida que ia recebendo mais inputs, o que ia sabendo sobre a prisão de Sócrates, no aeroporto, na sua chegada de Paris.


Estava chocada e incomodada com a humilhação a que o anterior Primeiro-Ministro foi sujeito. E estava muito incomodada também, por mais uma vez, se constatar a estudada partilha de informação entre a polícia, a justiça e a comunicação social. Provavelmente, um dia vir-se-á a saber que a política também esteve, uma vez mais, metida neste caldo infecto. Os momentos em que estas coisas acontecem levantam suspeição. Quando as atenções estão focadas em determinada matéria, invariavelmente é atirado para os olhos da opinião pública um facto de diversão que desvia as atenções do que não interessa.

Não sei nada sobre a vida privada de Sócrates mas, por intuição, tenho-o por homem honrado. É assertivo, é homem de convicções, durante os 6 anos em que chefiou o governo afrontou muitos interesses, foi politicamente incorrecto, despertou ódios, arranjou inimigos. Eu, contudo, sempre tentei avaliá-lo pelos seus actos (pelos frutos os conhecemos) e, por isso, tirando alguns aspectos em particular, sempre achei que fazia o melhor possível, sendo um bom Primeiro Ministro.

Se vier a provar-se alguma coisa contra ele, ficarei admirada e triste. Até lá, continuarei a tê-lo por homem sério e de carácter - e considero que a forma perversa e promíscua com que a opinião dos portugueses é manipulada por gente medíocre é uma vergonha e, sobretudo, é um perigo.

Enquanto agora escrevo, vejo imagens do Correio da Manhã com o carro da polícia em que seguia Sócrates, assinalando o seu rosto como se fosse um criminoso. E ouço a televisão descrevendo todos os indícios, com pormenor de contas na Suiça, valores na ordem de milhões, nomes (Carlos Santos Silva do Grupo Lena, em destaque), etc: tudo, tudo. E que agora estão a decorrer buscas na sua casa, o apartamento da R. Braancamp que parece que era da mãe e que agora é do tal do Grupo Lena. Pasmo. Que devassa. Quem passa todas estas informações para os jornalistas? Com que intuitos? Que desrespeito mais nojento pelos direitos dos cidadãos, como se o direito ao bom nome não fosse devido a todas as pessoas.


E, como seria de esperar, tudo o resto passou subitamente para a invisibilidade. Já não há vistos gold, muito menos Tecnoforma ou submarinos, nem há crise, nem há citius, nem atentado aos direitos dos professores: nada! De repente a única notícia passou para Sócrates preso! Sócrates suspeito de corrupção! E ouço os jornalistas falarem de perigo de fuga, destruição de prova. A leviandade dos jornalistas é assustadora.


De uma pessoa que muito prezo, recebi um mail dando-me conta da sua opinião. Por reflectir a minha opinião e expressá-la de forma exímia, com a sua autorização, permito-me divulgar.


Trata-se da opinião de Eduardo Costa Dias a quem dirijo os meus agradecimentos pela sua permissão.



O Marechal de La Palice quase de certeza que não se importava de reivindicar como sua a seguinte frase feita “ Quando a lama ameaça atolar tudo à nossa volta pensemos em coisas importantes e não deixemos o inimigo colonizar o nosso pensamento”. O que me ocorre hoje e dadas as circunstancias é o seguinte.

A primeira efectiva penetração dos fascismo e do nazismos foi a captura, primeiro ideológica e depois pratica, das policias pelas agendas da extrema direita e da direita. Depois num relâmpago passou para a justiça. Sempre, num caso como noutro, com grande apoio de publicistas ao serviço – termo eufemístico na época para designar os jornalistas.

Em Portugal nos finais dos anos 1920 e na década de 30 também foi assim. E os mandantes e acólitos, nas policias e nas magistratura ficaram, depois do 25 de Abril. impunes ... como não tivessem nada a ver com nada. 

Vivemos desde há poucos dias, porquê esconder, uma nova ofensiva da direita e da extrema direita para controlar as policias. A barraca com a medida fetiche do inefável Portas, o Visto Golden, foi ouro sobre azul. Jornalistas amigos e outros idiotas úteis fazem o resto: uns “informando devidamente” o povo, outros assinalando ao povo, se possível, com espectáculo, por exemplo que “a justiça funciona e que não distingue pessoas ”. Dado que pão não dão, dão só circo para distraírem o povo!

Como o comentário anónimo, detesto os biombos virtuais e a não explicação do motivo porque se escreveu o que se escreveu. Tudo uma questão de feitio!

Envio um abraço ao José Sócrates. Nunca troquei com ele muito mais do bom dia-boa tarde-boa noite - como vai?” e não fui nunca um seu seguidor contra ventos e marés. Não lhe devo nada, nem ele, naturalmente, a mim.

José Sócrates, foi, contudo, um bom 1º ministro. 

Na noite passada, cumprindo-se um desejo antigo da direita portuguesa e sectores afins, foi enxovalhado e preso. Preso em pleno aeroporto sob a mira das maquinas de filmar de tudo o que era televisão, rádio, jornal e bicho careta. O circo já foi desmontado do aeroporto e deslocado, creio, para os arredores das instalações do omnipresente juiz Alexandre.



"Croix de feu do Coronel François la Rocque
que, com os amigos, infestou a bófia francesa nos anos 1930/1931 e depois a partir de 1940,
no Partido Social Francês,  mão na mão com Laval e Pétain.
Durante toda a década de trinta os publicistas mais louvadores estavam acoitados no Le Figaro"
- de Eduardo Costa Dias


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E agora, caso queiram conhecer na íntegra o comunicado da PGR e o andamento dos factos conhecidos ao longo da noite (enquanto estive acordada), desçam, por favor, até ao post seguinte.


E, sobre a forma abjecta como o direito à privacidade e ao respeito está a ser espezinhado, sobre Felícia Cabrita e outros como ela e sobre quem lhe dá ouvidos, falo aqui.


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Sócrates preso? Uma casa em Paris? Mas a casa não era alugada...? E prendem-no no aeroporto como se o homem fosse um vulgar marginal?!?! Ou o céu está a cair em cima das nossas cabeças? Pelo comunicado da PGR, deduzo que isto tenha a ver com as outras 3 detenções relacionadas com o Grupo Lena no âmbito de suspeitas de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Olhem: vou acender umas quantas velas a pedir ao céu que nos poupe que isto já é demais.


Ainda no outro dia a minha filha dizia que mais valia que parassem de investigar antes que não sobrasse um.

Acho isto do além. Sempre tive Sócrates por homem sério e, até ver, vou continuar a acreditar. Mas isto é um vendaval. Só espero que tudo isto tenha alguma racionalidade. Prende-se um ex-primeiro ministro assim, numa sexta feira à noite, no aeroporto, como se fosse um marginal? Credo, minha mãezinha.

Entretanto, leio que o Grupo Lena também está a ser investigado e 3 pessoas detidas. Ainda há algum tempo um colega meu, vindo de uma reunião qualquer, me dizia que tinha estado com um administrador do Grupo Lena e que era um tipo com visão, um empresário arejado. Será que isto está relacionado? Tenho ideia que o Grupo Lena se expandiu na altura dos Governos de Sócrates mas daí não se infere directamente coisa nenhuma.


Estou em estado de choque. Tomara que não estejamos a ser varridos por vento justicialista do caraças.

E logo agora que estou no campo, sem televisão por cabo. O que é que se está a passar, alguém me diz?

E irão prender o Belmiro de Azevedo, e aquele do Pingo Doce porque puseram as sedes na Holanda e mais as empresas que têm sede no Luxemburgo?

E todos os gestores que contratam as majors da consultoria para fazerem optimização fiscal? Vai tudo dentro? E os consultores também?

Ou não tem nada a ver?

Parece que sempre que os holofotes da suspeição se apontam para um lado, há logo um balde lama que, pouco tempo depois, é atirado para cima do Sócrates.
Os submarinos do Portas? A Tecnoforma de Passos Coelho?  - Lá vai disto! Lama para cima do Sócrates!

Antes era com a Moderna e com mais não sei o quê. Se não é perseguição, parece. Pode ser coincidência, claro. Mas, caraças, afinal há mesmo coincidências?

Ou isto é uma sanha persecutória que se vem abatendo sobre meio mundo ou então não percebo nada disto. Já o outro desgraçado que oferecia robalos e mais uns trocos levou 17 anos, Maria de Lurdes Rodrigues, porque o companheiro conhecia o outro a quem encomendou o trabalho, levou 3 anos - tudo coisas que parecem descabidas, exageradas. Em contrapartida, toda a gente ligada ao BPN, aos submarinos relativamente aos quais houve prisão lá fora para os corruptores, agora ao BES e a tantas outras coisas cabeludas, continua por aí, flauteadamente.

E fazem isto na véspera da eleição do António Costa para Secretário Geral do PS e na altura do congresso do PS... Não parece armação para derreter de vez o PS? Derreter, queimar, atirar de vez para o quinto dos infernos...? Caraças.

Agora uma coisa também vos digo: se se vier a provar algum dia que Sócrates é corrupto, entro de vez para um convento, completamente descrente da raça humana. E vou para carmelita descalça, para o isolamento. (Enfim, mais ou menos; isolada, isolada, também não)

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A minha filha enviou-me, entretanto, um sms referindo a nota da PGR relativa à detenção de Sócrates por volta das 10 da noite no aeroporto de Lisboa:



"Ao abrigo do disposto no art. 86.º, n.º 13, al. b) do Código de Processo Penal, a Procuradoria-Geral da República torna público o seguinte:

No âmbito de um inquérito, dirigido pelo Ministério Público e que corre termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), e onde se investigam suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, na sequência de diligências, desencadeadas nos últimos dias, foram efetuadas quatro detenções.

Entre os detidos encontra-se José Sócrates.


Três dos detidos foram presentes ao juiz de instrução criminal durante o dia de sexta-feira, sendo que os interrogatórios serão retomados este sábado. Também este sábado, o quarto arguido será presente ao juiz de instrução.

Foram ainda realizadas buscas em vários locais, tendo estado envolvidos nas diligências quatro magistrados do Ministério Público, e sessenta elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia de Segurança Pública (PSP), entidades que coadjuvam o Ministério Público nesta investigação.

O inquérito, que investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível, encontra-se em segredo de justiça.

Esclarece-se também que esta investigação é independente do denominado inquérito Monte Branco, não tendo tido origem no mesmo."


Então isto terá mesmo a ver com o Grupo Lena? Caraças. Qualquer dia enfronho-me mesmo de vez no campo porque isto não se aguenta. Até ver e até se provar o contrário, toda a gente é inocente mas, bolas para isto, que raio de clima é este onde toda a gente está sob suspeição e meio mundo vai dentro?


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Agora estou a ver a SIC generalista e, para meu espanto, está um repórter no aeroporto e estão a passar imagens de um carro onde seguia José Sócrates já detido a caminho de uma qualquer prisão. Ora como é que estava um repórter no aeroporto à espera dele? Quem é que os avisou?


País mais desgraçado este.

E acabo de ouvir que amanhã vai ser presente a interrogatório imagine-se conduzido por quem...? Pois... claro, sempre o mesmo, o juiz Carlos Alexandre. Será possível?! Só deve haver 1 (um!) juiz em Portugal. Santa paciência. Até nisto.


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Agora está o Ricardo Costa a dizer que nos últimos dias circulavam rumores de que algo estaria para acontecer e fala de que Sócrates teria trocado de voo na vinda de Paris. Como é que Ricardo Costa sabe disto? Os polícias já a bufar tudo para a Comunicação Social? Que fantochada é esta? E ninguém avisou o homem? Avisaram os jornalistas e não foram capazes de o avisar a ele? Ou avisaram e ele não teve como impedir um vexame destes? E por que raio de carga de água tiveram que ir prendê-lo ao aeroporto? Não podiam dizer-lhe que se apresentasse? Está tudo doido. Só pode.


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Este texto continua aqui (e inclui a opinião de Eduardo Costa Dias cuja leitura vivamente recomendo).


E, sobre a forma abjecta como o direito à privacidade e ao respeito está a ser espezinhado, sobre Felícia Cabrita e outros como ela e sobre quem lhe dá ouvidos, falo aqui.

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sexta-feira, novembro 21, 2014

Paulo Portas não se importa de formar governo com a Remax. Até porque a Remax cria mais postos de trabalho do que o Bloco de Esquerda (e do que o PSD e o CDS coligados). Está certo. E o Deputado Cabrita tirou o microfone e quase deu uma sapatada no Secretário Núncio dos impostos. Também me parece bem.


No post abaixo já dei oportunidade a que todos, vocês aí desse lado e eu aqui deste, nos juntemos em volta de um presépio (especial) e entoemos, em conjunto, um belo cântico natalício.

Não deixem, por favor, de lá ir para que o espírito de Natal desça em nós.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


Através da televisão, ouvi com estas orelhinhas bem arrebitadas e vi com estes olhinhos wide open um momento lindo, lindo, lindo, na Assembleia da República. Paulo Portas, como sempre bronzeado (ou anda a frequentar solários ou anda em países onde se está melhor do que cá), sorrindo cinefilamente, encenando um número de fantasia, todo contente, dando uma, duas e três razões, para provar que os vistos gold são do melhor que há para Portugal - vender casas a chineses (dando oportunidade a que vários metam dinheiro ao bolso) a troco de terem visto de residência e, ao fim de algum tempo, cidadania, é o que vai salvar o País. Coisa boa, boa, boa, da qual o País não se pode dar ao luxo de prescindir e que as árvores podem ser uma porcaria mas que a floresta é do melhor que há.  Dizia ele, mais coisa menos coisa.


Cecília Honório,
a gémea separada à nascença e com uns anos de diferença
de Jeanne Moreau


Jeanne Moreau,
a gémea univitelina, com anos de diferença,
de Cecília Honório


E, às tantas, olhar esfuziante, ar lampeiro, vira-se para aquela deputada do BE, a Cecília Honório - que dá ares de Jeanne Moreau e que o interpelava sobre que raio de investimento bom é este que não cria postos de trabalhos - e pergunta-lhe quem é que tinha criado mais postos de trabalho, se era a Remax se era o Bloco de Esquerda. Ela ficou em transe, tal a maluquice da pergunta e ele, feliz da vida, ficou radiante com a inteligência da sound bite.



A veia de stand up do vice-irrevogável anda a tomar conta dele: já o leva a dizer qualquer piada que lhe venha à cabeça.
Mas para ele não é piada pois, se a Remax se apresentasse a votos - com base nas casas que vendeu a chineses e nos postos de trabalho que criou, arregimentando vendedores para darem a volta a chineses -, é certo e sabido que ele não se ensaiaria nada para se coligar com eles. 

Eu só tenho pena que aquilo tudo pretendesse ser a sério e não uma rábula, uma série humorística britânica. Uma tirada parva daquelas merecia que alguém se levantasse e desatasse a fazer parvoíces ainda maiores, danças malucas, macacadas de partir o coco. Ou que a Cecília o surpreendesse dizendo coisas ainda mais esparvoadas do que ele, deixando-o sem saber como ser ainda mais engraçado que ela.

Uma coisa do género:
'Em nome das mulheres portuguesas digo-lhe que não queremos mais chineses no país, nem mais um. Diz que têm uma coisinha muito pequenina' e mostrava-lhe o dedo mindinho para ilustrar. 
Ou 'Irrevogalíssimo Vistos-Portas, num futuro governo de coligação entre o CDS e a Remax, com que pasta ficaria o Senhor? Com a pasta das Moradias Geminadas? Ou das Varandas com toldos às Riscas Vermelhas?'
A ver como é que ele se saía, se dava troco, e de dedo espetado como é seu hábito.



Além do mais, dada a época que se avizinha, só espero é que da próxima que se apresente no Parlamento, se apresente a preceito, ou seja, se aperalte de pai natal para ter ainda mais graça.

E sugiro também que, para a coisa ser ainda mais animada, haja momentos de interlúdio não propriamente musicais mas, antes, para passarem episódios dos Monty Python. Aposto que, depois, estariam todos ainda mais inspirados. Por exemplo, este aqui vinha a calhar.


Apelo à saude mental e em nome da conservação natural




Mas os tempos vão bons para as maluqueiras. Dados os brandos costumes da rapaziada, não é costume ver-se os deputados à batatada como por vezes se vêem noutros países. Mas estamos quase lá. Esta quinta-feira o circo ia pegando fogo com o Eduardo Cabrita, do PS, e o Paulo Núncio dos Impostos do CDS. Com palavrinhas corteses chamaram-se mentirosos e o deputado-presidente não sei de quê não emprestou , porque não, o microfone para o outro continuar a chamar-lhe mentiroso em alta voz. Por pouco não batia na mãozinha do secretário fiscal. Foi lindo. Só faltou a malta das bancadas organizar-se em claques e fazerem a onda ou entoarem cânticos específicos a cada equipa.



No Parlamento da Ucrânia não sei porque é que andaram à bulha. Ao princípio, parecia que queriam apossar-se do púlpito. Depois não sei o que foi aquilo. Mas mobilizaram-se, não são como estas moscas mortas dos nossos deputados. E estavam organizados, e, lá está, até entoaram cânticos. Assim, sim. Uma lição.


Mass fight between MPs breaks out in Ukraine's parliament






Mas, enfim, sabendo da doçura dos portugueses, não espero que haja cá disto. Mas, bolas, uma de cheerleaders, porque não?

Daqui lanço uma ideia para próximas ocasiões em que aqueles dois se peguem por causa do microfone. Com uma coreografia adequada, bem que deputadas e deputados travestis poderiam incentivar os dois cabeças de cartaz. Qualquer coisa nesta base:




Deputadas e travestis da oposição:


Eduzinho, ó meu fofo cabrita, 
tira-lhe, tira-lhe o microfone, 
que a gente não usa sonotone
e ele não vale uma batata frita!

E viva o dudu e viva o cabrita!




Deputadas e travestis da coligação:


Ó paulinho, paulinho do fisco,
ó meu lindo, aguenta-te aí
querias ser um belo petisco 
mas tadinho, tens cara de pipi!

E viva o pauly e viva o audi!




Mas vou deixar-me de lérias e vou mostrar o vídeo

Eizi-os picados e quase à marrada um ao outro, o Cabrita e o Núncio, e tudo por causa de um microfone


(Aliás até se poderia vender bilhetes à entrada da AR para as garraiadas com o Cabrita e com o Núncio)



São uns pândegos, estes fofos.


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Só espero é que agora saibam tirar partido do sucedido. Bora lá a plantar spins nos media, malta?


DEPUTADO

(Uma sessãozinha de coaching a cargo dos moços da Porta dos Fundos)




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Relembro que, para verem o presépio que recebi de presente, é só descerem até ao post seguinte.

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Por hoje fico-me por aqui.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.

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O Natal está a chegar e já aqui tenho o presépio (um presépio especial, claro).


As iluminações de Natal já aí estão, as lojas estão cheias de enfeites, brinquedos, banquinhas para fazer embrulhos com laçarotes - e eu estou a ver se não reparo pois chateia-me este apelo ao consumo. Preferia que o Natal fosse ali pelos fins de Dezembro e, vá lá, uns diazitos antes para se preparar a casa para receber a família.

Mas, enfim, tenho que me deixar de lirismos e surfar a onda. Afinal, vendo bem, já falta apenas pouco mais de 1 mês: Santa Claus está quase a chegar à cidade.

Hoje já recebi um cartão com um presépio e, com o espírito natalício a querer entranhar-se em mim, aqui o partilho convosco.


Mas vamos com música que é para sentirmos um estremeçãozinho, daqueles bons que antecedem as coisinhas gostosas que estão para acontecer. 


Jingle Bells, se faz favor.




E agora o presépio que recebi de presente.

Tadinho, só tem o burro mas, ainda assim, agradeço e acho que fica aqui muito bem.




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quinta-feira, novembro 20, 2014

De que acasos ou escolhas é feita a nossa vida?


No post abaixo falei de um caso que está a agitar os media: a acusação de que o actor e comediante Bill Cosby violou algumas mulheres alguns anos atrás. A última a revelar o que se passou é a ex-modelo Janice Dickinson e o seu testemunho é duplamente impressionante. Em contraponto, mostro a nossa bela Sara Sampaio que vai ser capa da Vogue dedicada a jóias e que é objecto dos mais desmedidos elogios.

Mais abaixo ainda mostro um cartoon que diz bem sobre o estado de espírito dos portugueses nos dias que correm.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, falo de outra coisa. Memórias, reflexões.


Mas vamos com Bach pelas mãos de Glenn Gould que vamos melhor



(Goldberg Variations var25)




Aqui há dias li o texto do José Catarino e fiquei a pensar. Sabemos lá o que nos vai levando a optar pelas bifurcações que se vão desenhando à nossa frente ou que acasos nos esperam a cada dia que passa. Vamos indo, apenas isso, e vamos arcando com as consequências das nossas escolhas.

Tantas que tenho feito ao longo da minha vida. Tantas, tantas. De vez em quando encontro pessoas que se mantiveram no trilho em que eu, em tempos, também estive e que, mais tarde, abandonei. Parece-me, então, que recuo no tempo. Falam-me pessoas de quem apenas me lembro já vagamente, descrevem-me situações que me parecem longínquas. E, no entanto, ainda são o seu presente e, não tivessem sido outras as minhas escolas, ainda poderiam ser as minhas na actualidade.

Permitam que recue no tempo das minhas memórias. Receio estar a repetir-me mas a minha vida é uma, não posso recriá-la apenas para ser criativa.

A minha mãe gostava que eu tivesse sido professora o que, segundo ela, era uma profissão prestigiada, que permitia conciliar bem uma vida profissional com uma vida pessoal, que os horários eram muito reduzidos, etc. Quando fiz o bacharelato (3 anos de faculdade), querendo ter a minha independência, concorri para professora e fui colocada. Tinha habilitações próprias e horário completo o que, na altura, correspondia a 22 horas por semana em horário diurno e menos que isso quando, no ano seguinte, tive horário nocturno. De facto, achei que aquilo era uma peninha, um trabalho leve. Continuei a estudar, estava casada, tinha amigos, ia ao cinema e ao teatro e tudo era conciliável. Quando acabei a licenciatura, podia ter ficado na universidade, tinha acabado com média de 16, a carreira académica abria-se à minha frente. Mas não quis, achei que, se ficasse, me ia enfronhar num meio fechado, o oposto do que queria para mim. A última coisa que me apetecia aturar eram alguns dos professores chatos que tinha tido ou alunos marrões como os que tinha tido por colegas. Desconsiderei, pois, a hipótese da carreira académica e, levada pela conversa da minha mãe e constatando que de facto aquilo era uma rica vida, candidatei-me a um estágio no ensino secundário e fui colocada. 

Um dia, o meu pai falou-me num anúncio no jornal para um projecto que me pareceu aliciante. Escrevi uma carta a candidatar-me. A minha mãe achou uma tontice e arreliou-se com o meu pai, tanto mais que eu até ia começar o estágio dentro de pouco tempo, e, de seguida, tornar-me-ia efectiva o que, para a minha mãe, seria o cúmulo da estabilidade. O meu jovem marido felizmente não opinou, que fizesse eu o que entendesse. 

Era verão. Pouco depois, recebi uma carta, uma convocatória, que me apresentasse em tal sítio. Apareci para a entrevista de jeans justinhos e coçados, tshirt justinha, malinha de verga, como se fosse para a faculdade ou passear na Baixa. Uma miúda totalmente à vontade. Tinha 22 anos acabados de fazer. Não me aconselhei com ninguém, não fazia a mínima ideia do que era aquilo, nunca tinha ido a uma entrevista. Quando cheguei e vi um edifício de muitos andares, uma portaria cheia de empregados fardados, não sei quantos elevadores, um movimento de sobe e desce, fiquei muito admirada. Depois tinha uma secretária à minha espera que parecia minha mãe, vestida à senhora. Fui para um gabinete decorado muito formalmente onde fui recebida por um senhor bem mais velho que eu, de fato e gravata, uma simpatia. A entrevista deve ter demorado uma hora. Gostei. Contudo, passado um dia ou dois já nem me devia lembrar, estava de férias, na boa, sempre tudo na descontra. Uns dias depois nova carta e, para minha surpresa, nova entrevista.

Acho que para esse dia tentei arranjar-me de forma mais formal. Se ainda vivesse com a minha mãe, ela ter-me-ia aconselhado, moído a paciência, feito mil recomendações, sei lá. Assim, casada já há dois anos, estava por minha conta. Nova grande entrevista, desta vez com um senhor de idade, o director central de recursos humanos. As coisas do além que ele me perguntou. Às tantas já estávamos os dois a rir. As perguntas pareciam-me malucas mas as respostas se calhar também o foram. Lembro-me de algumas e ainda me rio. Dizia-se que por esse ilustre doutor passaram das melhores cabeças deste país, muitas das quais pertencentes a pessoas que vieram a tornar-se personalidades importantes da vida pública nacional.

Tenho ideia de que ainda houve uma outra entrevista mas dessa apenas tenho uma vaga ideia. 

Entretanto, iniciou-se o estágio na escola secundária onde tinha sido colocada. Não tinha ainda tido resposta sobre as entrevistas e sempre pensei que aquilo não daria em nada ou, melhor, não me preocupei com o assunto. Nunca me ocorreu perguntar se havia muitos candidatos e quais as minhas probabilidades. 

Na escola, reuniões com orientador, tarefas, sei lá que mais. Nessa altura comecei a ser confrontada com uma inesperada carga burocrática, uma coisa meio parva, muitos planos e planinhos (como diria o pintas de lima), e com uma certa competição pacóvia entre os demais estagiários face a um orientador também meio parvo. Estava, pois, mesmo in the mood para zarpar dali para fora.

Até que veio nova carta. Sem perceber bem como, fui admitida. O ordenado era cerca do dobro do que ganhava como professora. Mas só o soube depois porque tenho ideia de que não me lembrei de averiguar esses aspectos práticos durante as entrevistas. Aliás esse ordenado era à entrada e vigoraria salvo erro um ano, tendo-me logo sido comunicado qual o plano de carreira, que, se eu fosse provando a minha competência, seria sempre a subir. E falavam-me de termos que eu nunca antes tinha ouvido, conceitos que, todos eles, me eram estranhos. Aliás, tinha ideia de, vagamente, ouvir aquela terminologia lá em casa dos meus pais, mas eram assuntos a que eu nunca tinha prestado atenção (tanto mais que tinha saído para viver sozinha com 17 anos acabados de fazer e só ia a casa aos fins de semana e, logo aos 20, me casei).

Entrei então num novo mundo. A minha mãe quando sabia dos meus horários, das viagens que tinha que fazer, lamentava muitas vezes a minha opção, que os professores querendo ganhar mais também se fartavam de ganhar a dar explicações e que nunca tinham aquelas responsabilidades e stresses a que me via a mim sujeita. Mas não tinha sido a questão financeira que tinha sido determinante e também nunca lhe dei ouvidos mesmo em alturas complicadas em que me via um bocado aflita para conciliar uma vida profissional cada vez mais intensa com uma casa com duas crianças a quem sempre quis dedicar a mesma atenção que uma mãe dona de casa a tempo inteiro. Nem mesmo me arrependi quando me vi metida em processos de mudança que envolviam mudar de empresa, mudar de local de trabalho, guerras abertas com colegas que tinham visões antagónicas em relação às minhas ou coisas do género. E ela sempre dizendo que eu podia ter uma vida tão mais sossegada. Pois, talvez.

Até ao dia em que as coisas começaram a mudar para os professores. Com ataques permanentes por parte de um governo que parece odiá-los, o prestígio social quase se foi, o nível de vida presumo que não seja extraordinário, o stress deve ser mais do que muito, a estabilidade já não é a que se imaginava perene.

Por isso, sabemos lá nós o que é o melhor para nós. Olhem, acho que o melhor é ir aceitando fazer escolhas, fazê-las da forma o mais intuitiva possível, irmo-nos adaptando às circunstâncias, não querermos tudo porque o querer tudo geralmente é sinónimo de ter nada.

A semana passada  almocei com esse meu primeiro chefe. Depois dele já tive vários outros, mudei várias vezes de funções, de empresa, de local de trabalho. No entanto, para mim, ele continua a ser uma referência. Ao longo dos anos sempre mantive o respeito, admiração e até carinho por ele. Já tem setenta e tal anos, está reformado há uns largos anos e é ainda a pessoa querida, generosa, de espírito aberto que sempre foi. Nunca o vi movido por objectivos fátuos, ambições pessoais, nunca o vi desleal, mesquinho, fútil. Sempre me apoiou e me deu asas para voar. E eu voei mantendo a gratidão que sempre senti em relação a ele.

Um dia destes vou almoçar com dois outros colegas de outros tempos. Mantemo-nos amigos e quando nos encontramos é como se tivéssemos estado juntos na véspera. Eles às vezes referem o facto de a minha vida ter ido por outros caminhos, de os ter abandonado,  e eu também penso nos bons tempos que lá vivi. Mas tem acontecido tanta coisa entretanto e a empresa onde eles ainda estão também já mudou de mãos, já deu mil reviravoltas, e estabilidade e motivação é coisa que agora também não há por lá em grandes quantidades.

Por isso, não vale muito a pena olharmos para trás ou preocuparmo-nos demais com o que vem pela frente. Tudo muda. Sabemos lá o que teria sido melhor, sabemos lá o que nos espera.




A vida é uma sucessão de pequenos momentos e eu penso que é em cada um deles que deveremos querer sentir-nos de bem connosco e com os outros. Sobre o resto não sei nem quero saber.


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Benedict Cumberbatch lê Shakespeare: 'The Seven Ages of Man'





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As imagens referem-se a pinturas de René Magritte

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Relembro: mais abaixo falo de mulheres muito belas e de mulheres que lidam mal com o avançar do tempo, mulheres a quem a vida parece ter quase destruído. Isto a propósito de um caso que está a dar que falar e de um outro que está a despontar. 

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E salve J. Rentes de Carvalho!
O seu Tempo Contado ilumina o vasto espaço que nos une.
(... E olhe que à espera temos nós estado e à espera sempre estaremos.)

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quinta-feira.


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