O processo Marquês teve mais um episódio notável. Para um ex-Primeiro Ministro foi decretada prisão preventiva, como se estivéssemos a falar de um assassino, violador ou terrorista. Se antes, com o que os jornais e televisões divulgavam, já era difícil defender a presunção de inocência de José Sócrates, agora ainda o será mais. José Gomes Ferreira no Expresso, Helena Matos do Observador e certamente outros já andam a desenterrar suspeições antigas, boatos, desentendimentos políticos como se de crimes inquestionáveis se tratassem e já houvesse sentença transitada em julgado sobre todos eles.
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José Sócrates em prisão preventiva - mais uma humilhação |
E se antes eu não percebia porque é que tinham prendido José Sócrates para o interrogar, agora fico ainda mais chocada com a decisão: prisão preventiva! Porquê?!
- Havia perigo de fuga?
- Mesmo depois das buscas já efectuadas, havia perigo de que destruisse provas?
- Havia perigo de que continuasse a praticar crimes?
- Havia perigo de que a população ficasse aterrorizada por ele ficar à solta?
- A sério...? Juram...? E são capazes de dizer isso sem que lhes caia um dentinho...?
A acusação é de corrupção, fuga ao fisco, branqueamento de capitais. Mas teria sido saudável para a democracia e justo para com a população - e isto já não dizendo que seria decente para com José Sócrates - que tivesse sido explicado de que se trata.
Em que âmbito esses presumíveis crimes ocorreram? Quando?
Ou seja, de que é que exactamente estamos a falar?
Em que âmbito esses presumíveis crimes ocorreram? Quando?
- E foi enquanto cidadão normal?
- Ou enquanto primeiro-ministro?
- Corrompeu alguém? Quem?
- Ou foi corrompido? Por quem?
- E em quanto?
Ou seja, de que é que exactamente estamos a falar?
- Da mãe lhe ter dado dinheiro?
- De ele próprio ter comprado livros seus para oferecer a amigos?
- Ou será que estamos presente um ser alucinado, demente, que enganou amigos e correlegionários e que, esquecendo-se de todos os riscos que corria, escondeu dinheiro em contas de amigos, recebeu dinheiro em maços de notas, fez toda a espécie de irreflectidas tropelias como se de um mentecapto se tratasse?
- Ou, se não é nada disto, é o quê?
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Nebulosa de Órion |
Fará sentido que seja o Sol e o Correio da Manhã a destilarem, gota a gota, informações que ninguém sabe se têm algum fundamento, crucificando o homem na praça pública?
Quem aqui me costuma visitar deve perceber qual o meu estado de espírito. Estou a escrever isto e estou chocada, incomodada, triste.
Não sei de que se trata, não sei o que é que Sócrates fez ou deixou de fazer, e continuo a ter esperança de que ele esteja inocente. Mas, enquanto ouvia os comentadores durante o longo compasso de espera que decorreu até que se conhecessem as medidas de coação, fui ficando com a certeza de que seria esta a que caberia a José Sócrates. O meu marido também garantia que não podia ser outra a decisão, a Justiça seria ridicularizada e gozada se do interrogatório não escorresse o sangue de Sócrates. É que todos os jornalistas e comentadores diziam que, depois de tudo aquilo a que se vinha assistindo, era bom que os indícios fossem fortes, era bom que não tivessem feito tudo isto a um anterior governante por engano, era bom que se mostrasse que a justiça era igual para todos. Ou seja, toda a gente clamava por razões tremendas que justificassem tamanho espalhafato e, portanto, dificilmente a decisão poderia ser outra.
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Nebulosa de Hélix |
A sociedade portuguesa está doente. Por qualquer ângulo pelo qual se olhe para a actualidade só poderemos concluir de que algo vai mal em Portugal. É triste viver em Portugal nestes dias de chumbo. É triste e começo a sentir que é perigoso.
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Só me interrogo de uma coisa: porque será que Sócrates desperta um ódio tão irracional em algumas pessoas? Que demónios desperta ele? Que transtornos emocionais? Alguém me explica?
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Nebulosa do Caranguejo |
Enquanto agora escrevo, ouço na televisão comentadores a soldo a opinar sobre tudo e mais alguma coisa, incluindo sobre a entrevista de Pinto Monteiro na RTP 1. Disse o senhor que, durante o almoço com Sócrates (almoço amplamente divulgado pela comunicação social), não falaram de problemas de justiça mas, sim, sobre livros, sobre Lula, e sobre outros temas inócuos, podendo a conversa ser transmitida na televisão que veriam que não passou disso. Vi a entrevista na televisão e nada do que ele disse me pareceu merecer desconfiança. Magistrado toda a vida, Procurador Geral, Pinto Monteiro não é pessoa que possa dar-se ao luxo de ir a um canal de televisão dizer aldrabices.
Pois bem, por algum motivo que talvez Freud conseguisse explicar, agora também ele virou bombo da festa e, sem consideração nem respeito, toda essa gente insinua que o senhor disse mentira atrás de mentira.
Como se Pinto Monteiro não soubesse que toda a conversa foi gravada e que, se outro tivesse sido o teor da conversa, não era a notícia do almoço que tinha aparecido nos jornais mas sim a transcrição, tim tim por tim tim, da dita conversa.
Só me interrogo de uma coisa: porque será que Sócrates desperta um ódio tão irracional em algumas pessoas? Que demónios desperta ele? Que transtornos emocionais? Alguém me explica?
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- A propósito do papel dos jornalistas neste processo, se me permitem, agora a palavra a Fernando Alves cuja voz, nos seus imperdíveis Sinais, tantas vezes me emociona:
- Recomendo também a leitura do texto Sócrates no blogue Vai e Vem
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E agora música, por favor. Ar puro.
Johann Sebastian Bach: Sonata for Viola da Gamba & Harpsichord in G minor, No.3, (BWV1029)
Jordi Savall & Ton Koopman
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E, caso queiram conhecer a minha resposta ao galanteio que um gentil Leitor me enviou, desçam, por favor, até ao post seguinte.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.
(E vamos ver onde é que as centenas de polícias que agora saltam a toda a hora de debaixo de tudo o que é pedra vão escarafunchar desta vez? Ontem andaram, na Operação Remédio Santo, em farmácias e laboratórios; esta terça feira onde será? Em talhos e peixarias? No Banco Alimentar? No Palácio de Belém? Onde?)
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