Os lábios, é claro, pedem o rouge Chanel. Os olhos pedem, como é óbvio, brilho e mistério. Ou seja, a pálpebra de baixo deve ser contornada a dourado, enquanto a de cima deve ter um contorno a cinzento com uma sombra esfumada no canto externo. O conjunto deve ser completado com um rímel alongador, um blush discreto. O verniz nas unhas, como está mais que visto, deve ser a condizer com o fogo e o brilho dos lábios.
O cabelo deverá ser natural, um ondulado suave. Estará ali apenas para emoldurar, com um movimento solto e perfumado, um rosto promissor.
O perfume? ...Terei que dizer...?
Bom, já sabem: tem que ser o nº 5. Uma gota atrás de cada orelha, uma gota no fundo do decote, uma gota na zona interior de cada pulso. E chega.
Quanto à coreografia sexy da Irina Aveiro, não consegui embuti-la no corpo do UJM. Mas, se fizerem o favor de carregar aqui, vão ter ao youtube onde poderão vê-la em acção. Depois é seguir-lhe os movimentos, vestirem-se 'à maneira' e, quando oportuno, surpreender alguém que mereça presente de tal gabarito.
*
Ainda aqui voltarei antes de natal pelo que, nessa altura, então, formularei os meus votos de bom Natal.
Contudo, no Ginjal e Lisboa já me antecipei. Ali, temos hoje um coro infantil entoando canções de Natal e nada como as vozes das crianças para nos transportar às nossas infâncias felizes e inocentes. Depois, em volta de um poema de Pedro Tamen, dedico as minhas palavras a quem não tem companhia, não tem saúde ou, simplesmente, não tem alegria neste Natal.
*
Assim sendo, por hoje, desejo-vos apenas um dia muito feliz (e, por isso, se o dia for feliz, acho que a palavra apenas está ali a mais.)
Ontem pedi aos meus leitores que me dessem uma boa notícia. Está quieto... Nem uma. Eu sei que não é má vontade vossa, eu sei que todas as novidades são deprimentes, e, por isso, não fiquei decepcionada.
Mas, à laia de compensação, hoje tive duas boas notícias.
Uma muito pequenina mas, enfim, boa notícia na mesma. Recebi um mail a dar-me os parabéns e a dizer que esta semana fui um dos premiados no euromilhões. E eu ontem a queixar-me... Ora, ora. Pois é: 3,97 Euros. Não é bom?
A outra notícia, pelo contrário, refere-se a um grande número.
Hoje, quando dei por ela, já as estatísticas revelavam que o número de visitantes tinha ultrapassado os 200.000 visitantes.
Dado que eu, quando comecei, nada sabia da blogosfera, nada de nada, não conhecia ninguém nem ninguém me conhecia, o primeiro ano foi um ano de absoluta aprendizagem, em que o Um Jeito Manso gatinhou, passando, aos poucos, devagarinho, de meia dúzia de visitantes por dia para uma dúzia, depois 20 depois 30 e todos os dias subindo um bocadinho e eu toda admirada quando o número atingia os 50 por dia. Já o segundo ano começou a ser mais animado, ter 100 visitantes já começava a ser normal e sempre a subir e eu sempre admirada, sempre agradecida. Está quase a fazer dois anos e meio que comecei e é com espanto e alegria que vejo como o número de visitantes diários se situa agora na ordem dos 500 ou 600 e já aconteceu situar-se em torno dos 1.000.
Estudo aquilo que para mim é o amor - inscrição numa velha parede do Ginjal Não fui eu que escrevi mas quase podia ter sido
Se conto isto aos meus filhos eles ficam surpreendidos, tanto como eu. Não contei ainda a ninguém da família ou amigos. Quem aqui me visita, fá-lo porque me descobre ou pelo passa palavra e é assim que eu gosto.
As estatísticas revelam que 72% dos visitantes é de Portugal, 19% do Brasil, 4% dos Estados Unidos, 2% da Alemanha, 1% da Rússia, 1% do reino Unido, 1% da França e, depois percentagens inferiores a isso para uma série de outros países.
Por isso, uma vez mais, meus Caros Leitores, com toda a sinceridade vos agradeço. Espero que continuem a gostar de aqui me visitar. Gosto de pensar que as minhas palavras vos fazem uma companhia agradável.
No topo de uma velha casa, gaivota perscruta o horizonte Não sou eu - mas quase podia ser
Vocês, aí desse lado, a grande maior parte silenciosa e outros muito participativos, fazem-me a mim uma companhia preciosa. Quando escrevo é como se vos sentisse aí desse lado, presenças simpáticas e amigas. Escrevo porque gosto mas escrevo também para estar convosco.
Vinha no carro, já a noite tinha caído, vinha cansada, a precisar de descanso e eis que coloco a rádio na TSF. Tenho sempre esta preocupação: algum receio de que, quando me afasto, o mundo aproveite para dar dar uma volta para outro sítio. E até podia pensar que isso tinha acontecido se não soubesse que Portugal é neste momento um país fora do sítio.
Ouvi Passos Coelho, parece que de visita à associação dos Deficientes das Forças Armadas, a comparar esta crise - que ele tem ajudado a agudizar com convicção e energia - com a guerra do ultramar. E dizia que devíamos todos ser como se fossemos um soldado. Mas terá ido lá gozar com a cara das pessoas?! Só pode.
Passos Coelho diz que está em guerra (connosco) e faz um apelo às armas: que cada português encontre, dentro de si próprio, um soldado
Como estava sozinha no carro, sem testemunhas, aproveitei para o mandar para sítios muito impróprios. Não adiantei nada porque as minhas palavras não têm poderes mágicos mas aliviei a minha tensão e pratiquei um pouco este linguajar que é capaz de ainda me vir a fazer falta.
E ouvi dizer que a dívida pública continua de vento em popa e que já ultrapassou os 120% do PIB. E ouvi dizer que o défice (não o do orçamento mas o aditivado) não está garantido. E ouvi dizer que as receitas fiscais voltaram a cair (apesar de nos estarem a levar o couro e o cabelo). E ouvi dizer que em cima do miserável OE 2013 e em cima do plano para cortar 4.000.000 € (que são para além do OE!), o Governo está já a preparar novas medidas para ir buscar mais uns oitocentos e tal milhões de euros, provavelmente cortando outra vez na função pública.
Ah grande Gaspar...! Sai ao chefe: inteligente. O drama é que não acertam uma e, drama ainda maior, as vítimas somos nós.
Passos Coelho: a carinha não engana. (Então não tem mesmo carinha de inteligente?)
Ouvi ainda o inteligente Passos Coelho a marimbar-se para tudo isto e a dizer que estava tudo a correr lindamente e que os juros já estão abaixo dos 7% e gabava-se disso, o inteligente, como se fosse mérito dele. E o drama é que acho que ele acredita nisso: o sujeito não percebeu que isso se deve à intervenção do BCE (valha-nos, nisso, o Mario Graghi).
Ou seja, o inteligente Passos Coelho não apenas ignora a destruição que está a impor diariamente ao País, como a única coisa que está a melhorar não é da responsabilidade dele. Mas pode alguém, mesmo assim, rir-se daquela forma impúdica como ele se ri, por os juros estarem na ordem dos 7%?!?!?!
Há economia que se aguente com juros desta ordem?!
Que falta de paciência!
Agora espreitei a internet a ver se descobria alguma notícia que me animasse e só vejo é coisas deprimentes. Agora é que apareceu mais um buraco de mim milhões de euros na Segurança Social e que a PJ foi chamada a descobrir a que se deve. A Polícia Judiciária?! Mas então já estamos nisto? Os incompetentes deixam a coisa degradar-se desta maneira, não controlam a tempo de evitar buracos fenomenais desta ordem, pelos vistos não acompanham a gestão numa base regular, andam a dormir na forma e, quando dão pelo buraco, já ele é 'colossal' e irrecuperável - e, aí, chamam os detectives...?! Mas isto está tudo doido...?!
Depois vejo Passos Coelho, ar fingido, a dar um aperto de mão a Cavaco Silva que está com os nervos do pescoço todos eriçados, dá ideia que, se pudesse, dava uma cabeçada no outro, uma cabeçada ou a retribuição da canelada.
Passos Coelho e Passos Coelho: qual dos dois odeia mais o outro?
Vou ver o que é aquilo. A fotografia ilustra a notícia que dá conta de que Passos Coelho foi apresentar os votos de boas festas a Cavaco Silva, aproveitando para lhe agradecer o cooperação institucional. E a gente olha a fotografia, sorrisinhos forçados, falsos, esgares retorcidos, e pensa: aqueles dois odeiam-se. E estão bem um para o outro.
E, como se as notícias não fossem já suficientemente más, acabo agora de ler que o jackpot de 101 milhões de euros saíu e não foi a mim. Até me apetece repetir os palavrões que disse no carro. Só não digo não vá dar-se o caso de vocês ouvirem e ficarem a achar que sou muito pouco recomendável.
*
E eu que hoje, à vinda para casa - cansada, atravessando o Alentejo profundo, um Alentejo lindo, depois de ter visto um pôr do sol fabuloso - vinha a pensar que ia escrever uma coisa muito zen, rasgos dourados no horizonte, carros deslizando suavemente, campos verdes, tranquilidade, muita paz. E, afinal, em vez disso, estou para aqui arreliada e a maçar-vos com esta conversa.
Mas, depois destes dissabores, vou falar-vos de quê?
Do monte de livros que tenho para aqui, completamente impróprios para consumo, em pilhas e pilhas, que vou ter que arrumar minimamente antes de segunda feira? Dos embrulhos de Natal que tenho para fazer? Das compras de géneros alimentares que vou ter que fazer e ainda sem saber bem o quê? De algumas coisas que vou ter que comprar este fim de semana para umas obras que vão começar na quarta feira às 8:30 da manhã aqui em casa?
Pois... isto não está fácil.
Bem, calo-me já para ver se não vos contagio.
*
Desejo-vos, meus Caros leitores, que estejam mais animados e mais nataleiros do que eu.
E se alguém aí me quiser oferecer alguma coisa, esteja à vontade.
Posso dizer o que gostava de ter? Uma boa notícia.
Durante dois dias estou no Portugal profundo, numa casa muito bonita, num quarto do mais acolhedor que há. O jantar foi uma maravilha, comida impecavelmente confeccionada. No entanto, não estou em turismo, estou a trabalho.
O dia esteve com uma temperatura amena, muito bonito, tudo verdinho e o cheiro a campo aqui quase faz parecer que estamos na primavera.
Como não há bela sem senão, aqui a internet é móvel e lenta, senhores, mas tão lenta...! Como gosto sempre de saber que aí fora o mundo continua a rolar, tentei saber as notícias. Assim quando cheguei ao quarto, vim tentar ler o Expresso mas a lentidão disto, senhores... Quase desisti. Mas, enfim, consegui ver que o Conselho de Ministros não aprovou a venda da TAP ao senhor multi-usos e li a desculpa mais esfarrapada de que há memória, que o homem não apresentou uma garantia bancária ou não mostrou que tem dinheiro para 'bancar' o negócio. Pergunta a minha ingenuidade: mas se o homem o não fez e devia ter feito, porque chegou o assunto tão longe, a conselho de ministros?
E, se não é isso, e admito que não seja - pois é estúpido demais para ser - então porque inventaram desculpa tão ridícula?
Tudo isto demonstra um amadorismo, uma parvoíce sem tamanho, mas que não me admira vinda dos artistas que vem.
Já aqui, há tempos, me pronunciei sobre o assunto. No momento em que ficou apenas um interessado em jogo dever-se-ia, de imediato, ter suspendido o concurso. Numa matéria destas, num negócio desta importância, é estúpido (e estou a repetir-me mas não me ocorre senão invocar a estupidez para classificar o comportamento destes incompetentes) prosseguir apenas com um interessado.
Não me pronuncio sobre a necessidade ou vantagem de privatizar a TAP que isso é outra questão. Admito que no negócio do transporte aéreo seja necessário músculo e que haja vantagens em ter escala. Mas não conheço o suficiente para dizer se seria preferível uma parceria ou qualquer outro tipo de 'alavancagem'.
Agora o que é ridículo é deixar-se chegar ao ponto a que se chegou para depois vir com uma desculpa tão pífia.
Mas, enfim, de gente pífia pode esperar-se mais?
De resto, li sobre mais umas suspeitas de crimes sexuais numa Ordem religiosa e fico a interrogar-me se esta gente vai para estas ordens e congregações e coisas do género já de propósito para conviver com crianças, seres desvalidos, pobrezinhos indefesos, e poder dar livre curso a uma qualquer patologia ou tara sexual. Cruzes, canhoto. Só visto.
E sobre outras notícias horrorosas nem quero falar tais como aquilo tenebroso que aconteceu em Merceana, Alenquer; e, do que mais vi aqui, com a internet a pedal, parece que não descobri nenhuma agradável.
Por isso, fico-me por aqui até porque estou com sono e amanhã a alvorada é pelo raiar da aurora ou antes de isso e o dia é longo e, ao fim da tarde, ainda tenho que ir a conduzir para casa.
Por isso, meus Caros, não me levem a mal mas hoje fico-me por aqui.
Depois de já ter despachado o expediente - como poderão ver nos dois posts abaixo, nos quais falei da demissão de Nogueira Leite e da mensagem de boas festas de Maria e Aníbal Cavaco Silva (mensagem que, como poderão ver, é assim a atirar para o sinistro, diga-se) - eis que passo, então, a coisas mais agradáveis e mais adequadas ao espírito natalício.
Há pessoas na televisão que são simpáticas, afáveis, boas profissionais e que, por algum estranho motivo, quase parece passarem despercebidas no meio do circo mediático ou do circo pseudo-intelectual que gira em torno da fama efémera das chamadas estrelas.
Uma delas foi aqui, num comentário, referida há pouco tempo por um Leitor: Tânia Ribas de Oliveira.
Tânia Ribas de Oliveira quando ainda estava grávida: feliz, luminosa
Com um sorriso bonito, um olhar luminoso, Tânia é uma presença sempre agradável, alguém que faz uma boa companhia a quem a vê. Dá ideia de ser uma menina muito simples, muito boa pessoa.
Se há coisa digna de ser vista é o par divertido, de uma alegria contagiante, formado por ela e por outro fantástico profissional da televisão, João Baião. Há, entre os dois, uma química revestida de amizade que se traduz num clima de afabilidade que passa para os que os rodeiam e para quem assiste ao seu trabalho.
Um dos mais simpáticos casais televisivos:
a simpática Tânia Ribas de Oliveira e o fantástico João Baião
Muitas vezes, se calha o zapping passar por um programa em que está o João Baião, abstraio-me um pouco dos artistas que actuam e com cujo género musical muitas vezes não me identifico, mas fico a vê-lo em actuação.
Sempre sorrindo, ele salta, ele brinca, ele diz palavras generosas, meigas, às pessoas da assistência. Do princípio ao fim, ele conserva uma energia inacreditável, e uma espontaneidade, e uma alegria, e uma graça, sem igual.
Um senhor televisão que sabe divertir, que gosta de pessoas
e que tem um corpo elástico, feito de alegria
No meio de idosas a quem trata por meninas, de jovens mulheres que fazem coros e dançam em palco com fio dental e bunda generosa, bota pela coxa, mini saia pelo umbigo, ali anda ele aos saltos, dançando, dizendo piropos, distribuindo beijinhos e alegria.
Pois bem, vem isto a propósito de ter lido que Tânia Ribas de Oliveira já é mãe. O filho nasceu ontem, chama-se Tomás, pesa 3,200 kg e é muito saudável, como ela disse, acrescentando ainda que é a cara do pai, João Cardoso (que é seis anos mais novo que ela mas que não parece de tal forma é juvenil o aspecto dela, que tem 36 anos mas que parece ter vinte e seis).
Um nascimento é sempre uma boa notícia. Natal é nascimento. Ao contrário do que muitas vezes somos levados a pensar o Natal não é a época da compra desenfreada de bens de consumo, não é o dia da troca de presentes, não é o dia do bacalhau e do peru, não é o dia de todos os fretes (para quem este tipo de momentos é um frete): o Natal é o tempo em que se lembra um nascimento muito especial, o de Jesus (polémicas cronológicas à parte), alguém que lutou e morreu por causas.
Mas volto a Tânia, para lhe desejar as maiores felicidades para o seu querido Tomás. E, claro, nesta época conturbada na RTP, uma época que, a quem vê de fora, aparece marcada pela delação, pelo assassinato moral na praça pública, pelas situações dúbias, desejo a Tânia e ao João Baião as maiores felicidades no seu futuro profissional. Que nunca se sintam descartados, que se sintam sempre motivados e acarinhados. Que sempre o seu valor seja reconhecido pois o seu profissionalismo, a sua dedicação e, sobretudo, a empatia entre eles e entre eles e o seu público é ímpar, sem preço.
(E para o que me havia de dar hoje, já viram....?)
*
Lembro-vos ainda que muito gostaria de vos ter lá pelo meu Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras caminham ao lado de alguém que se encontra partido ao meio, tal como o descreve Mia Couto num poema muito especial. A música de Elger é linda, um violoncelo tocado com toda a magia por uma mulher para quem o violoncelo parece parte do corpo
*
E desculpem-me a insistência mas não se esqueçam também: abaixo deste há mais dois post novos. É só deslizarem até mais abaixo.
(Digo isto várias vezes porque, senão, amanhã, quando perguntar ao meu marido se gostou dos posts, vai ficar muito admirado por eu fazer a pergunta no plural pois, como de costume, só terá visto o primeiro, nunca se lembrando de espreitar a ver se o de baixo é novo ou da véspera. Por isso, não estranhem a insistência: é que isto é sobretudo para ele)
*
E tenham, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira!
Hirtos, lendo o teleponto sem emoção, Cavaco Silva muito mal encarado e 'a sua senhora' com uma expressão muito Mariazinha, a abanar a cabeça e a balbuciar enquanto o maridinho fala, depois ele a olhar, muito sisudo, quando é a vez dela recitar o texto... Olhem: nem sei que vos diga. Olhem: não gostei.
Eles não têm culpa. Acho que até são capazes de se esforçarem. O problema é a falta de jeito de Cavaco. O homem está cada vez pior, credo. A coisa agrava-se com a idade e de que maneira.
Por isso, para ver se nos aliviamos do baixo astral que tomba sobre nós quando se vê uma coisa destas, mostro agora a versão mais festiva com o Rui Unas (leio que é uma versão de tipo Última Ceia mas falta-me sabedoria para perceber porquê). Pelo menos, esta versão é uma coisa mais suportável, mais civilizada.
Seja como for:
Boas Festas Senhor e Senhora Cavaco Silva.
E, já agora, apesar de as expectativas serem muito baixinhas, contamos consigo, Senhor Presidente, para ver se nos dá razões para termos alguma esperança.
“Se em 2013 me obrigarem a trabalhar mais de 7 meses só para o Estado, palavra de honra que me piro, uma vez que imagino que quando chegar a altura de me reformar já nada haverá para distribuir, sendo que preciso de me acautelar”, disse há pouco tempo Nogueira Leite no Facebook
Pois é, Nogueira Leite, tão amigo e tão conselheiro de Passos Coelho, demitiu-se da CGD, onde era vice-presidente.
Independentemente de ter jurado, sob palavra de honra, que se pirava se tivesse que pagar mais impostos, dizia-se que tinha divergido da venda da participação na Cimpor, dizia-se que ia acumulando pequenas divergências com o accionista.
Nomeadamente, falava-se de algumas reservas em relação ao eventual Banco de Fomento, de algumas reservas em relação a eventuais privatizações, de reservas face à contratação da Perella aquando da privatização da REN e da EDP.
Dizia-se também que não lhe agradava nem um bocadinho estar a perder dinheiro face à muito confortável situação financeira que tinha antes da nomeação.
E, somando o que se dizia e mais o que se diz e mais o que se intui, lá temos Nogueira Leite já com a experiência de banqueiro no curriculum. Também já tinha sido Secretário de Estado no Governo de Guterres e também se tinha demitido. Ou seja, vai acumulando breves experiências no seu CV e, ao mesmo tempo, vai podendo dizer que não é apegado e que, quando a coisa não lhe agrada, bate com a porta.
Bom, está na altura de se começar a falar de Natal, não é verdade? Talvez deva também eu contribuir para o espírito natalício. Ora deixem cá ver... Talvez possa contar-vos um conto de Natal, não? Vamos lá ver se me sai alguma coisa bem alusiva à época.
Para começar, talvez introduzir uma musiquinha para criar ambiente.
A assessora de imagem do menino Pedrito lembrou-se de uma acção para favorecer o team building porque o clima entre aquela rapaziada não anda nada bom. Entre caneladas, bocas e outros arrufos, o espírito de equipa deixa muito a desejar e nada como aquelas brincadeirinhas infantis de que a malta da imagem tanto gosta, para afastar desavenças. Então, um dia destes saíu-se com esta: Já que estamos na quadra natalícia, vamos jogar ao amigo escondido. Tenho aqui um saco com os vossos nomes. Cada um tira um papelinho e vê quem é que lhe calhou e, depois, traz um presentinho para essa pessoa, com o papel que agora vai tirar com o nome dessa pessoa colado no embrulho. Percebido? Na quarta feira da semana antes do natal, ho ho ho, vem o pai natal e vai chamando cada um para vir receber o seu presentinho. Certo?
Todos acharam muito bem, bateram palmas e disseram em coro ho ho ho.
Esta não é a menina Martinha, acho que esta é a menina Irina,
a putativa nora da D. Dolores Aveiro
Mas, enfim, está aqui para que vocês possam visualizar o traje
Na reunião habitual das quartas feiras, a menina Martinha, misto de pai natal ho ho ho e de coelhinha - e vai uma piscadelazinha de olhos ao Miguelito - começou a retirar do seu saco, um a um, os presentinhos. E, à medida que ia lendo o nome, ia chamando.
Menina Paulinha! A menina Paulinha de cabelinhos ruços levantou-se e foi receber o seu presentinho. Os outros começaram a bater palmas e a dizer A-bre! A-bre! A-bre!
A menina Paulinha que é uma rezingona, só reparou na toada e não no que diziam pelo que, com ar agastado, se virou para eles, dizendo: não tiro nada! era o que faltava! A menina Martinha acalmou-a: não estão a dizer para se despir, estão a dizer para abrir o presente, senhora...!. Contrariada e com má cara láabriu e, ao abrir, um boneco de plástico começou a insuflar-se até ficar em tamanho natural, peludão, macacão. A menina Paulinha deu um grito, ai! O matulão tinha a cara do Marinho Pintainho. Todos desataram a rir à gargalhada e a guinchar de tanto rir.
A seguir, a coelhinha natal pegou num presentinho e chamou. Menino Miguelinho! Levantaram-se logo dois mas um, o mais façanhadudo, deitou o outro ao chão. A Martinha esclareceu, é para ti, ó caixa de óculos. E ele lá foi. Abriu o presente. Eram uns óculos escuros como os do Abrunhosa. Ele olhou intrigado. A menina Martinha adiantou uma possível explicação. Se calhar é para a gente não ver esses olhos sempre tão arregalados. Os outros aplaudiram e gritaram Põ-e! Põ-e! E ele lá pôs, um abrunhosa em potência.
Menina Sunsunzinha! De perninha roliça, nariz pequenino, lá foi a Sunsunzinha. Quando abriu o presente saíu-lhe um Alvarinho de louça e uma santinha. A menina Sunsum disse: esta não percebo. A menina Martinha que se estava a revelar esperta como um figo esclareceu, deve ser para ver se vocês os dois fazem as pazes. O Alvarinho riu, coradinho e a menina Sunsum, que anda de candeias às avessas desde que o Alvarinho disse que nos devíamos marimbar para o ambiente, disse eu quero é que ele se vá encher de moscas…! O Alvarinho reagiu, incomodado, malcriada! ambientalista! fundamentalista! Aí a Sunsunzinha afinou, fundamentalista? eu? andares para aí a querer voltar ao tempo das lixeiras, seu porcalhão! O Alvarinho levantou-se, eriçado, Porcalhona é a tua prima! A Sunsunzinha rosnou entre dentes, olha, vai mas é à m...! Nessa altura, os outros desataram todos numa pateada enquanto diziam, como se fossem palavras de ordem: palavrões no natal, não! Palavrões no natal, não! Palavrões no Natal, não! A menina Sunsunzinha encolheu os ombros enquanto resmungava, que se lixe!
Menino Nuninho! Com o seu sorrisinho de quem tem um mamar doce, lá foi ele. Quando abriu o seu presentinho, nova boneca insuflada. Vira para cá, ó nuno, para a gente ver a tua namorada. Sempre com o mesmo sorrisinho, ele virou. Tinha a cara da avoilinha. Desataram todos a rir, boa! Boa! Mas o menino Nuninho suspirou, preferia o marinho das nozes, tem ar de ser mais bonzinho, tem uma boquinha mais bem feitinha.
Menino Vitinho! O menino Vitinho, cara de marrãozinho, avançou. A Martinha, reverente, disse, vamos ver o que te calha a ti, que és tão inteligente. Ele assentiu, pois sou e vocês são tão burros. Os outros baixaram os olhos amuados, sem protestar. Mas, quando abriu o seu presentinho, quase todos se atiraram ao chão a rir, agarrados à barriga. Eram umas orelhas de burro. Mas o Vitinho não percebeu, nunca percebe nada, e, com a sua voz de totó, lamentou-se, não percebo, alguém me explica o significado disto? É para eu pôr quando for brincar ao quarto escuro? Os outros riam que nem uns perdidos. De olhos arregalados o Vitinho lá se foi sentar, muito intrigado com o presente.
Alvarinho! e, com um sorrisinho infantil, o fofinho lá foi. Quando abriu o presente a Sunsum não se aguentou e riu como uma perdida. Os outros seguiram-lhe o exemplo. Era uma obra de arte em cerâmica, um penico com um cocó de louça lá dentro. O Alvarinho corou, não acho graça, ficou bravo, se julgam que me deixo intimidar por uma coisa destas que deve ter vindo das Caldas estão muito enganados, que eu sou muito macho, não tenho medo de nada. E que raio de pastelice vem a ser esta? É por dizer que me estou a cagar para o ambiente? É...!? Pois estou! E depois? Palhaços...! Os outros fingiram que estavam sérios e às escondidas limpavam as lágrimas de riso.
Amorzinho! Os outros olharam uns para os outros. Amorzinho? Até que o mais pimpão se levantou, sorrisinho matreiro. Quando se chegou perto da mãe natal deu-lhe um apalpão no rabo, lambeu a beiçola. Moço fino. Da mesa veio um assobio. A maltinha estava a gostar de ver aquela cena canalha. Quando abriu o presentinho, apareceu um estojo de magia. A-bre! A-bre!. Ele sorriu, malandreco, está bem, eu sou transparente, tenho uma fome insaciável pelo saber e tal e coisa. Abriu. Era um porta moedas, um par de luvas, um microfone secreto, um avental, um saco azul, uma antena de televisão de brincar, um boneco preto. O pintas riu-se, dá sempre jeito, quem me ofereceu isto sabe do que eu gosto e, de caminho, deu novo apalpão na mãe natal. Um dos outros perguntou ao ouvido da Paulinha, um boneco preto? Mas porquê? Será que o gajo, numa das suas incursões a Angola, engravidou alguma autóctone? A Paulinha deu uma gargalhada mas muito baixinho, com a mão à frente da cara, para disfarçar. Capaz disso é ele mas isto é capaz de ser uma graça por aquilo dos angolanos querem comprar a rtp. Mas deste ninguém se riu muito, têm medo dele que se pelam.
E por aí foram até que já só faltavam dois presentinhos.
Menino Paulinho! Levantaram-se dois. A Martinha zangou-se, mas o que vem a ser isso, ó mal encarado? Não recebeste já o teu? Não é para ti, é para o outro Paulinho, para o das feiras! De sorriso aberto, alisando a franja, lá foi o menino Paulinho. Via-se que ia nervoso mas disfarçava. Quando abriu, gargalhada geral. Muuuuu! Muuuuu! fizeram os outros. O menino Paulinho viu-se com uma bandelete com um par de cornos na mão. Atrapalhado mas fingindo que achava graça, o Paulinho balbuciou, Hom'essa? um par de cornos? Mas porquê? Nessa altura o Miguelito, com aquele seu ar ladino, piscou o olho ao Pedrinho e este tapou a boca para não se ver que estava a rir à porco. Entretanto, os outros com a mão à frente da boca, fingindo que estavam calados, diziam em coro cornuti... ! cornuti...! cornuti...! O Paulinho lá se arrastou para o seu lugar, rabo entre as pernas, tristonho. A Martinha que também é das frescas disse eu, se me tem calhado a mim, dava era uma chucha para lhe enfiar na boca quando amua e faz beicinho. Não há paciência! O Miguelito assobiou, entusiasmado, e disse, és cá das minhas, ó Martinha! enquanto o Pedrinho batia palmas, pateando, histérico de tanto tentar conter o riso.
A seguir, a mãe natal Martinha, disse, Last but not the least, Pedrinho! E o menino Pedrinho lá foi, amarrecado, alisando a rala cabeleira, sorrindo através da fissura labial. Quando abriu, ficou furioso, quem foi o engraçadinho? Mas ninguém se acusou. Era um par de patins e uma batedeira para fazer bolos. Quem foi? Quero saber! Ó Serra! Dá uma prensa aí nesta cambada a ver se algum se acusa. Um par de patins?! A p... que os pariu! A menina Martinha, piscando o olho ao Miguelinho, admoestou-o, é pá! Mas que é isso? Nada de asneiras! isso pode ser linguajar dos da sua lavra mas não é coisa que se aceite por aqui. Eu sempre disse que por baixo dessa camadinha de verniz não estava coisa que se cheirasse...! Mas ele estava que não se tinha. Um par de patins... a da tia! Mas os outros tinham-lhe perdido o respeito e riam à descarada. E em coro, pediam: Cal-ça! Cal-ça! Cal-ça!
E então o Miguelito virou-se e disse ó Serra! calce-lhe o par de patins!
Mal o Serra o pôs em cima dos patins, deram-lhe um empurrão. E lá foi o Pedrinho por ali fora a grande velocidade com a batedeira dos bolos na mão.
Quando se viram sozinhos, o Miguelito disse, Tudo daqui para fora!
E foi o que os outros quiseram ouvir. Desataram a fugir dali para fora. Mas, à passagem, enquanto cantavam ho ho ho, ho ho ho, iam levando e metendo ao bolso tudo o que encontravam.
A menina Martinha, de pom-pom no rabo, ficou a dançar toda dengosa, fazendo companhia ao Miguelito que, todo anafado, lhe cantava Ginga bela, Ginga Bela, Ginga Bela...!
Entretanto, um, um único, ia-se afastando sem pressa, silenciosamente, com uma lagrimita no canto do olho.
*
Posso ainda abusar da vossa paciência...? Gostava que viessem comigo até ali à minha outra casa, gostava que dessem uma espreitadela ao meu Ginjal. Hoje temos coisas de amor em volta das coisas do universo de Inês Fonseca Santos. A música é uma beleza, um salut d'amour e, claro, é ainda Elger.
*
E, embrenhada neste espírito natalício, vos desejo uma bela quarta feira.
Divirtam-se, meus Caros!
PS: São quase 2 da manhã, estou perdida de sono e isto saíu-me tão grande que não consigo reler, nem sequer por alto. Por isso, não se admirem se as letras estiverem trocadas e as vírgulas estiverem todas fora do sítio, está bem?
1. Os meus pais trabalharam toda uma vida, nunca fugindo ao fisco, nunca usando esquemas de qualquer espécie para usufruirem daquilo a que não teriam direito. Descontaram para a Segurança Social sobre todas as verbas que receberam a troco do seu trabalho. A verba que lhes foi atribuída a título de pensão de reforma é a que resulta dos cálculos efectuados pelas entidades públicas que gerem os fundos de pensões. A verba que recebem não é esmola, não é benesse - a verba que recebem é uma verba justa, devida, legítima.
Os meus pais têm cada vez mais despesas porque o estado de saúde do meu pai a isso obriga mas a verba que recebiam, fruto dos descontos que fizeram durante uma vida de trabalho, era suficiente. A partir de agora não sei. E com a sanha de Passos Coelho contra os reformados temo que cada vez seja pior. E isso preocupa-os. E isso acontece numa fase da sua vida em que não mereciam ser atormentados por um sujeito que não os respeita.
Embora não me tenham passado procuração, sinto-me no direito de vir aqui e dizer bem alto a Passos Coelho que, por causa do que se está a passar com os meus pais e com todos os reformados honestos, me envergonho de o ter como Primeiro Ministro do meu País. Envergonho-me.
Passos Coelho
O pior primeiro ministro desde o 25 de Abril
Empobrece, destrói, humilha os portugueses - e depois ri
Há limites e Passos Coelho, um a um, ultrapassa-os todos. Ofende as pessoas. Assusta as pessoas. Retira às pessoas a perspectiva de um futuro digno e viável. Retira-lhes confiança no Estado. O Estado encontra-se ocupado por gente que não é gente de palavra, gente de bem e isso é uma ameaça para os portugueses. Os portugueses não merecem isto.
Passos Coelho provoca, assusta, ofende os portugueses
E, depois, ri
2. Os mais novos abandonam o País (deixando o sistema de segurança social cada vez mais desequilibrado), os mais velhos definham, assolados pela indignidade com que o Primeiro Ministro os atinge quotidianamente.
Cada vez mais crianças têm fome e têm que ir à escola nas férias para se alimentarem. E há cada vez mais crianças abandonadas nos hospitais.
E, como se a miséria não fosse suficiente, hoje soube-se que até os cavalos puro sangue estão a ser mandados abater e os números são assustadores. Os cavalos são seres inteligentes, sensíveis, próximos dos humanos - e estão a ser vendidos a preço de carne barata, para talhos. Aterrador.
Leia-se a este propósito o artigo de Nicolau Santos que começa assim: Este ano já foram abatidos em Portugal 2803 cavalos da raça puro sangue lusitano. Não foram abatidos por doença, mas porque os seus criadores não conseguem vendê-los e também começam a não ter meios para os alimentar. Por isso, entre vê-los morrer à fome ou dar-lhes uma morte condigna, os criadores optam pela segunda via.
O abate de cavalos de sangue lusitano é uma metáfora para o país. Estamos já a entrar na fase de começar a sacrificar os que nos estão mais próximos: animais de companhia, de estimação ou de criação - o que vai a par com o crescente aumento do número de idosos que são deixados nos hospitais pelas famílias ou de crianças abandonadas à porta de instituições de caridade ou dos sem-abrigo que começam a proliferar nas cidades.
E acaba assim: Se já chegámos ao ponto de abater cavalos puro sangue lusitano, temos de nos preparar para o tsunami social que vai devastar o país em 2013. Será o ano da total desesperança, do desespero, da impotência - mas também da indignação e da revolta. Construir algo a partir deste quadro vai demorar décadas.
3. Segundo se lê no Expresso, no artigo de Henrique Monteiro, um jornalista brasileiro, Ancelmo Goes (citado no 'Público' num excelente artigo de Cristina Ferreira, onde vou buscar esta informação toda), escreveu a 28 de Outubro no jornal 'O Globo': "Quem está ajudando o empresário Germán Efromovich a comprar a TAP é Miguel Relvas".
Diz ainda Henrique Monteiro: José Dirceu, ex-todo poderoso no governo de Lula, está preso, por corrupção; Efromovich é uma personagem de certo modo estranha, nascido na Bolívia, naturalizado colombiano, brasileiro e polaco, dono da Avianca que se prepara para comprar a TAP (há quem diga que por tuta e meia, mas disso não estou certo). Falta uma pessoa para se compor o triângulo, porque há sempre um triângulo nestes negócios. E já adivinharam quem é - Miguel Relvas.
Miguel Relvas
Em cima de todas as jogadas, sorridente, anafado, rosado
É só saúde, é só contactos....
Entretanto, o Gabinete do Primeiro Ministro já reagiu. Diz que Os membros do Governo não mantêm qualquer tipo de relacionamento privilegiado ou outro, a título individual, com as entidades envolvidas naqueles processos, que são objeto de escrutínio rigoroso e de decisão colegial em sede própria, ou seja, em Conselho de Ministros. É precisamente nesse quadro que o Governo procede à avaliação de todas e cada uma das propostas, pautando sempre as suas decisões por critérios de escrupulosa observância da legalidade e do interesse nacional", lê-se num comunicado do gabinete do primeiro-ministro enviado à Lusa.
Ou seja, haja o que por aí houver, a responsabilidade última de tudo o que se fizer é do Conselho de Ministros. Ou seja, de todos os que lá estiverem. Ou seja, não apenas de Passos Coelho, Relvas, etc, como também de Paulo Portas.
Paulo Portas
ou o dilema de um homem que envelhece e entristece a olhos vistos
4. E, aqui chegados, assalta-me a mesma dúvida de sempre: o que está Paulo Portas a fazer neste Governo? Gosta de fazer papel de embrulho e, de passagem, sancionar todos os desmandos que os outros levarem a cabo? O que o prende? Está à espera de quê para mostrar que ama Portugal e os Portugueses, para mostrar que tem sentido de Estado? Ou a conversa de ser patriota era conversa fiada?
5. Para não terminar isto de forma deprimente, vamos a uma boa gargalhada. É tempo de anedota. Ou seja, é tempo de Vítor Gaspar, o tal que não acerta uma.
Pois bem, leio agora na Agência Financeira do IOL o o seguinte: Não é de agora que Vítor Gaspar falha nas previsões para a economia portuguesa. O filme de 2012 já tinha acontecido em 1993. O único ano de recessão na década de 90 teve o dedo do atual ministro das Finanças.
Na altura, quem mandava nessa pasta era Braga de Macedo, o ministro otimista, de tal forma que as suas estimativas até ficaram conhecidas como a «teoria do oásis».
No ano anterior, em 1992, Gaspar era diretor do departamento de estudos económicos do Ministério das Finanças. Portanto, esteve por detrás das previsões feitas para 1993.
O «oásis» acabou por se traduzir numa recessão, menor do que a vivemos hoje, mas uma recessão. Previa-se um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2% em 1993, mas a economia acabou por recuar 0,7%. Uma grande diferença face ao ano anterior, em que a riqueza criada tinha aumentado 3,1%.
Rapaz esperto, portanto. Uma esperteza que vem de longe. Assim vamos, entregues a incompetentes com provas dadas.
E por aqui me fico. Não sei se hoje voltarei aqui. Se tiver tempo, ainda voltarei.
*
Voltei, uma hora e tal depois voltei. Por dois motivos. Não é pelo que eu pensava há pouco, pois, então, estava a apetecer-me escrever na pele da mulher bela e solitária sobre a qual tenho vindo a escrever nos últimos dias. Mas afinal, dado o adiantado da hora, já não tenho tempo para isso. Por isso, os motivos são outros.
Primeiro, para vos oferecer uma coisa que vale mesmo a pena, numa tentativa da minha parte para que não saiam daqui a dar o vosso tempo por perdido. Mostro-vos um duo virtuoso que uma Leitora me deu a conhecer através de mail e a quem muito agradeço, o Duo Main Tenant.
Em segundo, para vos convidar a virem daí até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras sairam do decassílabo de Vasco Graça Moura e saíram desenfreadas, tresloucadas, uma coisa que só vista, até tive que pedir desculpa pelo meu francês, se é que me entendem. O Elger bem que tenta disfarçar o meu vernáculo. Espero que o consiga.
*
E é isto, meus Caros Leitores. Tenham uma bela terça feira.
E se, mesmo depois do que acabaram de ver, ainda sentirem uma raiva a crescer-vos nos dentes, não os arranquem.
Guardem-nos (aos dentes) para ferrarem uma dentada na primeira oportunidade em que tenham o Passos ou o Relvas por perto.
Força.
*
PS: Volto aqui mais uma vez pois acabei de ver nas estatísticas do google que uma pessoa, neste momento, veio cá ter depois de ter colocado a seguinte questão: "homem manso pode ser gay?"
A esta hora deve andar perdido por aqui tentando descobrir a resposta a esta pergunta. Não vai ser fácil pois, que me lembre, nunca me pronunciei sobre tão intrincada questão. Mas vou tentar corrigir tão maçadora omissão. A ver se ainda vou a tempo.
Não sou entendida nem em homens mansos nem em gays mas, se me é permitida a incursão em territórios pouco conhecidos, arrisco a dizer que sim, que pode ser. Um homem manso pode ser qualquer coisa, até gay. Os homens que são homens não se querem mansos. Os touros também não. Costumam preferir as tábuas; e homens e touros nas tábuas é uma maçada. Por isso, se calhar os touros mansos são gays. Mas, se calhar também há bravos que são gays. Os gays andam muito por aí. Os que não são gays também. Uma bicheza que há por aí muita; e aqui refiro-me a touros gays, uns bravos, outros mansos.
Espero ter sido clara. Mas, se não fui, Caro Leitor, não me leve a mal. Depois de ter estado a falar no Passos Coelho e no Relvas costumo ficar perturbada, e nem sempre mansamente. Mas, a maior parte das vezes, mansamente. Contudo, atenção!, posso ser mansa e ser alegre mas tábuas não é comigo.
Choveu hoje, todo o dia a chuva caíu, branda, regular. A casa está fria, húmida. Lá fora tudo molhado, as árvores escorrendo, o musgo subindo pelas paredes.
Aborrece-me cozinhar apenas para mim. Faço uma sopa que me dá para uma semana, asso um frango que dá para uma semana, como saladas, iogurtes, queijos, frutas. Só não me alimento apenas de fruta, chá, frutos secos, porque acho que isso me poderia trazer problemas e não teria paciência para os resolver.
Peguei na máquina fotográfica, saí. Ninguém na rua. O tempo está para se ficar em casa à lareira, não para andar por aí, à chuva, ao frio. Só por saber que não encontraria ninguém é que saí. Custa-me suportar o olhar das pessoas, as conversas tontas, as vacuidades de quem fala por falar.
Saí, uma capa cobrindo-me toda, uma sombra também eu, um fantasma deslizando nas sombras. Fui fotografando sabendo que nem vou olhar para as fotografias, fotografo sem objectivo, apenas por necessidade. Ninguém verá as minhas fotografias. Fotografo banalidades, coisas de nada.
Uma rocha coberta de água, uma hera trepando, uns ramos cobertos de pequenas bagas. Fotografo. Depois passo a mão pela pedra fria, molhada. Quero sentir aquilo que vejo, quero aproximar-me daquilo que me convoca.
Depois fotografo umas folhas molhadas, umas folhas de uma cor belíssima mas que, apesar de serem tão belas, em breve estarão desfeitas.
Emociono-me perante estas folhas caídas. Tempos antes fotografei-as na árvore, estavam verdes e viçosas. Agora aqui estão, inertes, belas mas perecíveis. É tão efémera a beleza. E a vida.
Passo por um muro onde sempre gosto de me deter. No verão a parede está branca e as sombras das árvores reflectem-se nele, enchendo-o de vida e de calor.
Agora está frio, a chuva entristece este muro e o painel de azulejos já não parece desafiador como no verão. Agora parece triste, desolado. Les + grands secrets se cachent dans la lumière. Assim foi toda a minha vida: os segredos escondidos pela luz, visíveis.
O pinheiro parecia coberto de luzes. Talvez seja a forma que encontrou para me lembrar que é quase natal. Ignoro o natal. É um dia como os outros. Um dia de frio e solidão.
Depois voltei para casa. Apeteceu-me pintar. Há tanto tempo que não pintava. Peguei numa tela pequena, depois nas tintas, algumas já estavam secas.
Um vestígio da antiga emoção, a tela branca sugando as cores que ainda resistem dentro de mim.
Quando pinto sou livre. Não tenho objectivos, não tenho motivos, não tenho restrições. Faço movimentos que não controlo, não vigio, não tento, sequer, interpretar. Não quero que pareça nada, não quero nada. Sem pensar escolho uma tinta, depois um pincel, depois a minha mão movimenta-se sobre a tela como se dançasse, depois outra tinta, e a dança continua.
Ninguém me perguntará o que é mas, se o fizesse, eu não poderia responder. Em tempos pintei flores, mulheres, bailados, cidades. Depois, aos poucos, fui conseguindo desfazer-me da realidade, fui conseguindo encontrar a abstracção, a intangível abstracção.
De resto, é assim que vivo, no limiar da abstracção, da intangibilidade.
Alimento-me de recordações.
Há pouco, cavalete, tela, pincéis e tintas arrumados, sentei-me com uma manta sobre os joelhos, peguei num livro. O livro do chá de Kakuzo Okakura. Ultimamente só consigo ler livros assim. O autor é japonês, nascido em 1862. Leio as suas palavras como bebo um chá cuidadosamente preparado,
Por que não destruir flores, se com isso podemos desenvolver novas formas que enobrecem a ideia do mundo? Só lhes pedimos que nos acompanhem no sacrifício ao que é belo. Havemos de expiar o feito consagrando-nos à pureza e à simplicidade. Assim raciocinaram os mestres-do-chá quando estabeleceram o culto-das-flores.
E por estes caminhos feitos de palavras delicadas vou prosseguindo a leitura. Depois volto às minhas recordações.
Lembro o dia em que soube que o velho senhor que tinha sido o meu companheiro de tanto tempo adoeceu. A minha aflição. A minha vontade de ir ao hospital. Mas, claro, no hospital estaria a família e eu não era da família. A bem da verdade, eu não era nada, não existia. Nem podia manifestar a minha ansiedade para não levantar suspeitas. Toda a minha vida foi assim, viver na sombra. Ninguém desconfiar. Uma vida construída em torno deste propósito: ninguém desconfiar. Disfarçar sentimentos, ansiedades, angústias, alegrias.
Tanta vontade de lhe ir dizer que o queria de volta, que resistisse, que não se fosse embora, que me sentia tão sozinha sem ele, que lhe seria eternamente grata por tudo o que tinha feito por mim. Tanta vontade, sobretudo, de lhe dizer que o perdoava por me ter impedido de ter o nosso bebé. Mas não fui. Nunca fui. Nunca soube da minha aflição.
Voltou para casa, debilitado, dependente, com uma enfermeira ao lado. A família por perto. Nunca consegui coragem sequer para lhe telefonar. Uns tempos depois morreu. Chorei, chorei mas em casa, ou quando estava sozinha, ou quando ninguém me via. Como explicaria o meu choro perante quem não sabia de nada? Queria ir despedir-me dele, ir à igreja. Mas não fui. Não suportaria fingir. Não ali, não nessa última vez.
O vazio que fica ninguém consegue imaginar. Nem despedir-me condignamente eu pude, nem chorar me foi permitido.
Dirão que ninguém me impedia. Não sabem o que é viver uma vida paralela, na sombra, uma vida de disfarce, escondida. É uma coisa que toma conta de nós. Se fosse ao enterro e chorasse como uma viúva , como explicaria isso a quem me perguntasse? Diria, ele era o meu homem? Quem me acreditaria? Diriam que era louca. Ou rejeitar-me-iam para sempre. Ah, o medo da rejeição, o medo da censura, o medo sempre tão presente.
Mas, no dia em que o seu corpo arrefecia numa igreja pejada de gente, ao fim do dia, quando a noite começava a cair, ganhei coragem para me aproximar e passei por fora, encostei-me à parede exterior num dos lados da igreja, e ali fiquei sozinha, agradecendo-lhe, desejando-lhe que descansasse em paz. Pensava que ele iria para junto da nossa filha e isso tranquilizava-me pois tinha, e tantas vezes ainda tenho, um pesadelo recorrente, a minha menina sozinha, nua, com frio, perdida nas ruas escuras de uma cidade deserta.
Apesar de separados, era ele que ainda me pagava o condomínio que era muito elevado. Diriam, se o soubessem, que eu aceitava ser comprada, que com a casa, os bons móveis, o carro (sim, porque ele também me tinha oferecido um carro, cujos custos suportava), ele estava a pagar-me. Que erro... Pagar o quê, se eu tão pouco lhe dava? Ele dizia que me amava pela minha juventude, pela minha beleza, pela minha alegria. Mas eu é que tinha razões para estar grata pois os seus conhecimentos, a sua sabedoria, a sua cultura, o seu humor, o seu amor viril, faziam sentir-me uma mulher grata e realizada. Eu é que tinha razões para lhe pagar, tivesse eu como. Era ele que fazia questão de me oferecer tudo aquilo mas fazia-o dizendo eu sou velho, qualquer dia parto e quero que tu fiques bem, aceita, por favor, aceita se me queres bem. A mim nada me custa e, para ti, vai ser importante no futuro.
Quando morreu, fiquei com uma casa grande de mais, um condomínio caro de mais, um carro caro de mais. Durante uns anos, lutei para os manter, pela sua recordação. Não queria desfazer-me do que ele me tinha dado com tanta preocupação pelo meu futuro mas, suportar aquelas despesas, era-me, então, muito difícil.
Nunca dizia a ninguém onde vivia. Como explicaria um luxo daqueles? Um ordenado como o que eu tinha jamais daria para uma casa daquelas. No entanto, aquele que o meu coração mais amou e de quem já vos falei foi lá muitas vezes. Quando lá entrou, não queria acreditar. Expliquei-lhe que era uma herança de uma tia. Não sei se acreditou mas riu-se, uma gargalhada das suas, isso é que são tias...!
Depois, mais tarde, quando me cansei de tudo, desfiz-me da casa e do recheio. Mudei-me para um apartamento pequeno, um apartamento de acordo com o que eu podia pagar. Depositei o dinheiro da venda do outro e ainda lá está, nunca mais lhe toquei e acho que nunca vou tocar.
Quantos amores tive depois dele? Amor a sério só um. Mas tive mais uns romances. Talvez vos conte. Mas foram irrelevantes. Em todos procurei o verdadeiro amor, em todos procurei o amor para toda a vida, uma companhia. Nunca consegui. Por isso, aqui estou, sozinha, uma manta sobre os joelhos, a falar para ninguém.
*
Este texto continua a história que venho contando nos últimos dias e à qual ainda não dei nome, porque ainda não percebi onde é que isto vai parar.
A música é Un bel di vedremo da ópera Madama Butterfly de Puccini, aqui interpretada por Maria Callas.
As fotografias são minhas e foram feitas in heaven. A última é a excepção: é de Catherine Deneuve e não sei por quem foi feita.
*
Permitam ainda que vos convide a permanecerem um pouco mais na minha companhia. No meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, ao som de Elger, as minhas palavras distanciam-se daquele que me ama, ao lado das palavras de Eugénio de Andrade.
*
E, por hoje, já chega, não é?
Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda feira. Divirtam-se, está bem?
Recordo ou fantasio? Aqui nesta casa fria, escura, habitada por sombras e lamentos, sentada com um casaco sobre os ombros, sozinha, falando para ninguém, recordo ou imagino coisas que nunca se passaram?
Por vezes não sei. Tudo tão distante.
Outras vezes sei, sei muito bem, e tomara não o soubesse, tomara que fosse devaneio, lembranças inventadas.
Ouço por vezes algumas pessoas cheias de auto-confiança dizerem que não lamentam nada, ou que lamentam apenas o que não fizeram. Infelizmente não posso dizer o mesmo.
Prefiro recordar os sorrisos escondidos, os segredos partilhados, a malícia excitante, os telefonemas disfarçados, os beijos roubados, os abraços cheios de promessas, o amor feito à pressa, ou o amor feito sem limites, os passeios de barco longe dos olhares e dos medos, os jantares cúmplices. Prefiro, claro que prefiro. Porque haveria de me atormentar com as decepções, as mentiras, os desgostos? De que serviria isso agora?
Não guardo rancores. De nada servem. Distanciei-me de tudo e de todos. Ninguém sabe onde vivo, ninguém sabe como me contactar. Sei que isso foi uma forma que arranjei para atenuar a tristeza que sinto por esta solidão. Assim, penso que talvez alguém ainda se lembre de mim, que não me procuram apenas porque perderam o meu rasto. Iludo-me. Iludo-me uma vez mais, não fiz outra coisa a vida inteira.
Uma das pessoas que mais marcou a minha vida foi um homem muito mais velho que eu, um dos homens mais poderosos deste país. Com ele aprendi grande parte do que sei. Fez-me voltar a estudar, fez-me sentir muito especial. Tão meigo, tão atencioso. Amava-me de verdade. Casado, com filhos, com netos. Vivia separado mas não divorciado da mulher mas a vida dele fazia-se muito através dos filhos, das empresas, tudo preparado em termos de sucessão, uma vida pública e social muito activa. Jamais poderia assumir a relação comigo, seria um escândalo.
Compreendi perfeitamente. Eu também não o poderia assumir e, ao mesmo tempo, continuar a trabalhar perto dele. E deixar de trabalhar estava fora de questão, não quereria ser a concubina, a mulher 'por conta', sempre fiz questão de manter a minha independência. Pode agora não parecer, mas sempre me achei uma mulher orgulhosa, muito ciosa da minha dignidade.
Através dos seus relatos, pelo que me contava quando à noite jantávamos juntos, conheci ministros, empresários, banqueiros. O que eu gostava de saber aquelas peripécias, o que eu aprendia.
Comprou e pôs em meu nome um andar enorme que mobilou a seu gosto, móveis bons, sofás largos, confortáveis, quadros valiosos. Era lá que eu vivia e era lá que ele, tantas vezes, jantava e dormia comigo.
Em público, éramos quase uns estranhos, uma relação formal. À noite, algumas noites, éramos marido e mulher. Partilhávamos confidências, conversávamos.
Foi ele que me ensinou a arte de amar. A sua memória era surpreendente e, de cor, enquanto galantemente me cortejava, dizia com a sua voz quente e baixa:
Se não for meiga quanto baste nem corresponder ao teu amor,
porfia e persiste. Acabará por tornar-se carinhosa.
Dobra-se, quando vergado com jeito, o ramo da árvore;
vais parti-lo se puseres à prova a tua força;
com jeito, a nado se passam as águas; mas não serás capaz de vencer
o rio, se nadares contra a corrente que com as águas se arrasta
E depois, no fim, ria e dizia, aprende, miúda, que eu não vivo para sempre; e é bom que domines a arte de amar, e depois, já viste? vais surpreender os teus namorados, quando eles menos esperarem, começas a dizer Ovídio, ninguém resistirá a tal coisa.
Eu ria. Na altura pensava lá eu em ter outra pessoa?
No entanto, tantas vezes depois eu usei os seus ensinamentos, tornou-se um vício, talvez o meu único vício.
Era feliz, nessa altura. Se alguém nos visse juntos, talvez nos censurasse: tem idade para ser pai dela, pai ou, mesmo, avô.
Mas eu gostava muito dele, abriu-me as portas para o mundo, para a vida. Vivia na sombra, uma vida cheia de jardins proibidos, mas eu achava isso natural, não me passava pela cabeça censurá-lo. E era-lhe agradecida. Questionava-me mas que vê ele em mim? Não me ocorria que talvez gostasse do meu corpo ágil e jovem, que talvez gostasse da minha alegria espontânea, da minha inocência.
Até que um dia, não sei como, apesar das mil precauções, engravidei. Que alegria senti, que alegria, que alegria.
Mas não durou muito essa alegria. Quando lhe disse, ficou muito sério, que aquilo não deveria ter acontecido, que era impossível. Assustei-me, não contava com a secura da sua reacção.
Chorei, implorei, mas ele foi implacável. Um dia pareceu-me vê-lo também a chorar mas disfarçou (e pode até não ter sido isso, nunca percebi bem o que sentia a esse propósito). Levou-me a Espanha, fomos de carro e, durante a viagem, quase não falámos. De vez em quando fazia-me uma festa. Chorei quase todo o caminho. Por fim já só soluçava.
Ele foi muito carinhoso, esteve sempre comigo e também estava triste.
A sua tristezae foi, na altura, o meu único consolo. No regresso eu vinha vazia, de repente a minha vida tinha sido esvaziada de sentido.
Lembro-me de me olhar ao espelho e não conseguir encarar-me.
Matei o meu filho, pensava enquanto os meus olhos acusadores me olhavam. Não era filho que eu pensava, era filha. Pensava que era uma menina. Ainda hoje penso nisso, penso no nome que lhe daria. Penso que o não deveria ter feito.
Arrependo-me tanto, tanto, tanto. Porque fiz eu aquilo? A troco de quê?
Algum tempo depois deixou-me, que tinha conhecido uma outra. Mentira. O que se passava é que o que acontecera lhe era insuportável. A minha tristeza era para ele uma acusação muito forte. Não pensas nunca na tua filha pequenina? Não pensas que poderíamos ter uma menina que por aqui andasse, que te chamasse oh meu paizinho querido, não pensas? Zangava-se quando eu dizia isto. Dizia que eu o martirizava.
Mas não fora só a nossa filha que tinha morrido. O afecto entre nós tinha também morrido.
Fez questão que eu ficasse com a casa.
Fiquei sozinha numa casa grande, cara. Quem soubesse diria que eu era uma oportunista. Ninguém saberia que eu abdicara de mim e que tirara a vida à minha filha.
Não voltei a engravidar. Não calhou. Não aconteceu. O meu grande sonho, o maior de todos, também ficou pelo caminho.
*
Este texto é continuação de três textos anteriores e eu prometo que quando perceber melhor que história é esta lhe dou um título, para mais facilmente me poder referir a ela.
A música é O mio babbino caro de Puccini e aqui é interpretado por Elisabeth Schwarzkopf.
Não sei quem fez estas fotografias de Catherine Deneuve.
O trecho em itálico foi escrito por Ovídio e faz parte do capítulo dedicado à Persistência no livro II na Arte de Amar (mistério desvendado pela Leitora Fantástica conforme refiro no post abaixo).