No post abaixo escrevi sobre um Gaspar dobrado, balbuciando agradecimentos a um chefe enfadado, Wolfgang Schäuble de seu nome - uma coisa infeliz, que até dá vergonha. Se quiserem podem lá ir dar uma espreitadela. A mim, agora, apetece-me escrever sobre outra coisa.
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Música, por favor.
[Natalie Merchant - If no one ever marries me]
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Ligaste-me aborrecido dizendo que nem querias acreditar no que escrevi no outro dia, que tudo aquilo era surpreendente, despropositado, desagradável. Referias-te sobretudo a eu ter andado a seguir-te, a fotografar-te, e, como se não bastasse, a ter depois descrito publicamente a situação.
Desculpei-me: foi imprudente, de facto.
Na altura, pensei que podia parecer uma coisa ficcionada; sem eu mencionar nomes, quem te identificaria?
Mas, afinal, identificaste-te tu (para minha surpresa, segues este blogue); e estás com receio que mais pessoas tuas conhecidas te identifiquem, que isto ainda te traga sarilhos. Lamento. Tomara que não. Não era minimamente essa a minha ideia, acredita.
Mas, afinal, identificaste-te tu (para minha surpresa, segues este blogue); e estás com receio que mais pessoas tuas conhecidas te identifiquem, que isto ainda te traga sarilhos. Lamento. Tomara que não. Não era minimamente essa a minha ideia, acredita.
Mas acho que os teus receios são infundados, quem dos nossos meios se dedica a actividades tão elaboradas como ler (mesmo que coisa pouca, como é isto)? Uns lêem os resumos executivos dos relatórios e olha lá, outras lêem sem o assumirem uma ou outra revista social, e, como literatura, um ou outro livro talvez da Rita Ferro, talvez da Margarida Rebelo Pinto, talvez um daqueles romances históricos de alguma Stilwell (e já estou a falar de mais, não é…?), e, na net, ocupam-se geralmente de sites de genealogia, sabem tudo o que há para saber sobre o quem é quem, casado com quem, descendente de quem, primo de quem. Gente culta, portanto. Nada destas excentricidades dos blogues, modernices, politiquices, muito menos elegias aos pobrezinhos, que temos que ser caridosos mas, francamente, já não há pachorra para tanta conversa sobre os pobrezinhos. Sabes como é. Portanto não te preocupes, meu amigo.
De qualquer forma, quiseste falar comigo, querias explicar-te, que nada daquilo era o que parecia e eu a dizer-te que a mim não me parecia nada, que nem queria saber, que não me diz respeito - e estava a falar verdade. Escrevi aquilo por escrever, apeteceu-me, nem avaliei bem os riscos, desculpa. Mas vieste apanhar-me à porta da torre de vidro onde me fecho durante o dia e fomos beber um chá à beira rio. Eu mantive-me no chá, tu acabaste na imperial.
Hoje estavas como quase sempre te vejo, impecável, fato e gravata, olheirento, cansado.
À chegada, passámos por uma pequena manifestação ou performance, nem reparei, estava um bocado incomodada com a situação, tu zangado comigo, no carro quase nem falámos, sentia-me quase uma menina apanhada a fazer uma maldade, situação chata.
Quando nos sentámos, num gesto rápido, desapertaste a gravata, tiraste-a pela cabeça, dobraste-a e meteste-a no bolso, movimentos rápidos e eu por dentro ai, ai....
À chegada, passámos por uma pequena manifestação ou performance, nem reparei, estava um bocado incomodada com a situação, tu zangado comigo, no carro quase nem falámos, sentia-me quase uma menina apanhada a fazer uma maldade, situação chata.
Quando nos sentámos, num gesto rápido, desapertaste a gravata, tiraste-a pela cabeça, dobraste-a e meteste-a no bolso, movimentos rápidos e eu por dentro ai, ai....
Mas somos gente grande, civilizada. E então conversámos como se nada se passasse: contaste-me da pressão enorme, da função desgastante, do que a ‘companhia’ te exige, que não há dinheiro que pague (aqui eu sorri), das desvalorizações que não param, dos créditos mal parados que crescem assustadoramente, do serviço da dívida que galopa, do valor que não está a ser criado, dos novos accionistas que não são para brincadeiras, de tantas coisas de que aqui não poderei falar. Partilhei também as minhas preocupações, são comuns (pena é não ganhar tanto como tu, mas também para que é que é preciso tanto dinheiro...?)
Via que adiavas falar do que ali te tinha levado. Até que, finalmente, lá te decidiste.
Falaste-me dos teus filhos que são uns queridos, fantásticos (e são mesmo!), a miúda que está em Inglaterra, o outro miúdo que está nos Estados Unidos, a mais nova a caminho também de Inglaterra, e falaste sobretudo da tua mulher que é o teu suporte, o teu esteio, a mulher perfeita, a mulher do eterno sorriso, da compreensão incondicional, a mãe mais que perfeita dos teus filhos, a decoradora fantástica da tua casa, e as acções junto da Paróquia, e os princípios sãos que instila nos miúdos, que é preciso give back, devolver à sociedade o que a sociedade nos dá a nós e que, por incrível que possa parecer ainda tem tempo para frequentar cursos de pintura e restauro. E que à noite ainda tem cabeça para ler. E debitas, com ar cansado, as maravilhosas qualidades da tua mulher, a minha sofisticada, doce e sorridente amiga.
Sei bem como reagir nestas ocasiões. Escuto atentamente, vou dizendo que sim. Isso mesmo, meu amigo. Fazemos ambos de conta. De resto, tudo o que disseste é verdade.
Depois, en passant falas numa advogada que fez uns pareceres para ‘a companhia’, umas divergências, uns desentendimentos mas coisa de trabalho apenas. Presumo que estás a referir-te à mulher do automóvel na Cidade Universitária. Mas não pergunto, não quero saber, é assunto que não me diz respeito.
Depois eu digo que está a fazer-se tarde, tu olhas o teu relógio fingindo um sobressalto, levas-me até ao meu carro e despedimo-nos.
Conheço-te bem demais e tu sabes que eu sei que a verdadeira história corre ao lado desta vida da qual, sem mentires, me estiveste a falar.
Já sei que me estás agora a ler, já sei que vais ficar outra vez sem pingo de sangue como me contaste que ficaste no outro dia. Mas que segredo estou eu a revelar à humanidade? Deixa-te disso, portanto.
Olha, já agora: sabes quem é que me ligou hoje de manhã? A tua mulher. Queria falar comigo. Almoçámos juntas.
Ah… agora até o último pingo de sangue se te esvaíu, não…?
Não te preocupes. Sabes que eu sei guardar um segredo.
Não te preocupes. Sabes que eu sei guardar um segredo.
.. & ..
[As fotografias que ilustram o texto mostram-nos Kristin Scott Thomas e Patrick Dempsey]
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Tenham, meus Caros, uma boa sexta-feira e, se já agora, sigam até ao post abaixo.
12 comentários:
Jeitinho amiga:
Qualquer dia destes, quem fica sem pingo de sangue é a minha amiga. Anda a picar "onça com vara curta".
A mulher dele não lê isto? É que as mulheres são mais perigosas.
Arranjou uma história que, ainda dá pano para mangas. Para quando o próximo capítulo? Fico à espera.
Quanto à minha inimiga de estimação, M.R.P. só consegui ler meia folha de um livro. Da I.S. não li nada. A minha falta de cultura é muita.
Beijinho
Maria
há 2 dias que não se fala doutra coisa, uma conversa informal sem valor vinculativo antes da reunião. palavreado simpatico, pois sim parece-nos bem, eu concordo, mas há aqueles que não, vemos portugal com muita simpatia,claro, vamos então trabalhar, vamos pois, uf ainda bem que te foste, estava a preparar as minhas intervenções e interrompeste me, vou continuar agora.
o ministro gaspar dá tudo por aparecer a dar apertos de mão, abraços, a dizer hi (ai) aos colegas importantes, sorrindo de igual para igual, depois sempre aparece na tv em portugal, é uma prova de que é somos bons, iguais.
creio que os que assistimos a estes espectaculos estamos é cansados e preocupadissimos e essas cenas só nos impressionam...negativamente
Interessante o texto e a sequela. O que há nela de verdade, o que há nela de ficção, não sabemos, nem é preciso. Que as pessoas vivem em várias "camadas", várias vidas, é que é certo. E que o medo as habita também. Esta realidade, soube contá-la muito bem, para além de nos deixar a pensar. De uma boa escrita espera-se isso mesmo: que nos emocione, que nos faça pensar.
UJM, adorei o capítulo inicial e a sequela agradou-me e surpreendeu-me. Adoro as suas "personae", quis segui-las desde o primeiro momento. Gostei particularmente das interrogações da narradora na primeira parte e do "não dito" neste segundo capítulo.Ficava contente se este núcleo narrativo regressasse.
Será que estou a ficar aditiva do "Um jeito manso"?
Dia que não possa espreitá-lo fico com um sabor amargo
Preocupante, isto!...
Adiante.
Os homens e os seus medos?
Os homens e as suas fraquezas?
Os homens e as suas dependências da mulher?
E o velho "provérbio": "por trás de um grande Homem está sempre uma grande mulher".
O nosso herói que, apesar de tudo, conhece as mulheres.
Guardar um segredo?
E a mulher que se vai encontrar com alguém que o viu numa situação dúbia?
E as mãos que transpiram, e o coração num ritmo acelerado.
E...?
E peço-lhe desculpa pela ousadia de ter "metido a foice na sua seara".
Não resisti!
Abraço, bom fim-de-semana.
Cuidadosa Mary,
O seu cuidado é prudente, percebo-a. Mulheres desconfiadas são do pior que há.
Mas eu gosto de me chegar à fera, gosto de apertadas chicuelinas, o toureio a pé tem mais graça com uma certa dose de risco.
Além disso, Mary, se isto for tudo ficção, que mal há... não é?
Da IS também eu não, nem da MRP, mas eu sou mais números...
Um beijinho e obrigada pelos seus ajuizadíssimos conselhos.
Caro Patrício,
Numa altura em que deveríamos unir-nos aos outros países que se encontram debaixo da mira dos mercados e andar de cabeça erguida, fazendo com que ficasse bem claro que isto não é uma coisa de cada um dos países, nem é culpa dos seus habitantes, mas uma questão que tem a ver com o modelo de (des)integração europeia e que, portanto, deve ser a UE a assumir isto como um problema seu, andamos assim, aos cochichos, dobrados, a querer ser simpáticos com os alemães, mostrando um servilismo em relação à Alemanha que assusta.
Parece que desapareceram os políticos clarividentes e corajosos que estamos entregues a amanuenses de 5ª categoria, sem competência, sem cultura, sem brio.
Que falta nos fariam agora políticos fortes, experientes, lutadores, com visão estratégica!
Olá Leitora de A Matéria dos Livros,
Fico contente que tenha gostado do que escrevi. A gente põe-se a escrever sem saber o que vai ser escrito e, no fim, é agradável que as pessoas que recebem essa palavras gostam do que lêem.
O que é verdade, o que é transformado a partir do que é verdade? Eu sou a que estou a escrever ou eu sou a mulher do giraço ou eu sou a mulher que atirou uma caixa com papéis? Ou sou apenas uma observadora externa?
Ainda não sei. Estou curiosa por saber.
E muito obrigada pelas suas palavras - sendo uma Leitora de gostos requintados, fico orgulhosa por sabê-la apreciadora destas palavritas que, por aqui, se vão alinhando (e não estou para aqui com falsas modéstias, estou mesmo a falar a sério).
Olá Leonor vinda de Alhures,
Fico contente por sabê-la por aqui, lendo isto...
A minha filha no outro dia estava intrigada 'mas de quem é que estás a falar? É a casa de quem?' pois tudo aquilo lhe soava familiar. E queria que eu lhe dissesse que papéis eram aqueles. Hoje ainda estava mais intrigada 'mas, olha lá, aquilo é verdade?' pois, do que conhece, tudo aquilo lhe parece muito plausível. E, depois, desafiava-me 'para ser ficção interessante, devias agora dar um twist' e sugeriu que a mulher do bonitão fosse irmã da advogada.
Mas eu duvido, a história não sou eu que a faço, é ela que tem vida própria (agora, ao escrever isto, até me ri: quase parecia aquelas tiradas à António Lobo Antunes...!)
Mas gostei da sua leitura: um início aberto, com muitas hipóteses em aberto, depois um segundo movimento com hesitações, algum receio,algumas meias verdades.
A ver se prossigo... O que será que vai acontecer...?
Um beijinho Leonor!
Olá Teresita, está boa?
Sabe que eu própria dou por mim a pensar na situação?
E, se ler as respostas acima, verá como isto tem sido tema de conversa e não foi apenas com a minha filha. Não apenas quem me conhece quer saber exactamente de quem estou a falar pois podem ser algumas pessoas em concreto, como tenho recebido algumas sugestões de continuação.
Vou ouvindo e devo ir assimilando mesmo que não dê por isso mas a verdade é que, neste momento, ainda não sei se vou continuar ou, se for, o que vou escrever.
É que a mim também me parece real e tenho que ter algum cuidado com o que escrevo para não ficar excessivamente real.
E tudo o que diz se aplica na perfeição. A boca seca, as mãos nervosas, o não querer dar parte de fraco, o não querer arriscar nas perguntas com medo do que poderia ouvir como resposta, e as vidas ocultas, e tudo aquilo que sabemos que é tão real.
Mas, oh Teresita, começo a escrever aqui isto agora para lhe responder e já me está a pular a mão para me ir atirar a escrever a 'próximo capítulo'.
Muito obrigada pela cumplicidade e pelo incentivo.
Um beijinho, Teresa!
Cara jeito manso,
Não resisto a contar-lhe uma historia:
Há mais ou menos dois anos uma amiga ofereceu-me um livro de MRP.Disse-me:
- não escrevi nada pois não sabia se já tinhas..
-Obrigada."Coincidencia" por acaso já tenho(mentirinha) e com dedicatória..
-podes trocar esse, tem dentro o talão de oferta...
Dias depois do Natal uma amiga diz-me, tenho de comprar uma prenda para a tia G, que tem tudo, mas É OBRIGATORIO dar-lhe uma lembrança, não faço ideia do que comprar.
Lembrei-me do livrinho de capa azul recebido nos meus anos.
-Boa! é uma ideia eu pago-te..
-És doida, deixa lá isso..
-Ah, mas o talão é de 2010 e de Coimbra...
Contei-lhe a proveniencia, e rimos muito quando deduzimos quem é que lho tinha oferecido.
O "seu" bonitão chumbou o esboço de tese daquela "aluna",de que é patrono. Desesperada e impulsiva atira-lhe as folhas impressas, não aceita os livros para recomeço do trabalho e arranca alameda fora...
E a vida continua com cada um no seu papel, a aluna continuará a ir às aulas, talvez um dia defenda a sua "tese". O bonitão no seu papel de grande "responsabilidade" na actual conjuntura, apoiado familiar, social e còmodamente por uma heroina que sensata vai caminhando paralelamente.
Hum... não gosto, não é bem isto.
Perdoe-me a ousadia, é que a vida tem semelhanças com a ficção, não, a ficção é que se inspira na vida.
Vá lá arranja-nos um novo capitulo.
Bom fim de semana.
Querida Pôr do Sol,
Adoro esses presentes indesejados que circulam de mão em mão... E até me apetecia dizer que são uma boa metáfora para a vida triste de algumas pessoas mas não é hora para metáforas à toa.
Adorei a sua versão dos factos. Tão possível, não me tinha ocorrido mas é absolutamente provável. Pode ser. Tenho que averiguar melhor para ver se é isso mesmo que acontece mas olhe que essa é boa...
Chegou a ver a Maria Guinot que coloquei no final de um post no outro dia?
Adorei ouvi-la de novo. A canção é tão bonita, não é?
Um beijinho!
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