Quando na terça feira de manhã já estava a sair da autoestrada, ouvi que um grupo de pessoas tinha ficado retido no aeroporto. Não sabiam pormenores. Quando ao fim do dia vinha de volta, a notícia era mais concreta. Eram 74, provinham da Guiné-Bissau e desconfiava-se da veracidade dos passaportes. Na quarta feira de manhã, eu a caminho do trabalho, já referiam que eram sírios, que os passaportes eram falsos. Na quarta feira ao fim do dia já havia um conflito diplomático com a Guiné-Bissau e a TAP já tinha suspendido os voos.
Agora fui tentar saber mais alguma coisa mas já quase não encontro a notícia. Está em vias de deixar de ser notícia. Pouco consegui saber sobre estes 74 portadores de passaportes falsos que estão a causar tantos transtornos.
Quando estava quase a desistir de procurar, descobri que "há 12 crianças e uma mulher grávida, que já foi levada para o hospital. Apesar de os passaportes serem falsos, o SEF já conseguiu identificar que entre os passageiros existem várias famílias".
Não sei quantos são homens, mulheres, novos, velhos. Não sei o que procuram, de que fogem, se deixaram familiares para trás, que riscos correram, que sonhos abandonaram, que amores sacrificaram. Mas, de tudo, faz-me ainda mais pena pensar que, entre os que estão retidos e a passarem por tudo isto, estejam 12 crianças. Tão cuidadosa que eu sou com as minhas crianças e estas para aqui andam em bolandas, a salto, a tentar ludibriar as autoridades, provavelmente transidas de medo. E os pais das crianças que queriam que elas escapassem à guerra, à fome, que tivessem um futuro melhor, agora são tratados não como pais corajosos mas com a indiferença que merecem os que atrapalham a diplomacia e o fluxo das carreiras aéreas regulares, gente que falsifica documentos, que mancha a fama de serviços que se querem eficientes.
E os jornalistas, formatados para se papaguearem uns aos outros e para se fazerem eco do que as agências de comunicação engendram, também os ignoram. Não interessam. Não são gente. São apenas 74 que para ali estão à espera que alguém resolva o que fazer com eles.
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Música, por favor
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Entretanto começa a conhecer-se o resultado da venda dos CTT, nomeadamente o nome de alguns compradores de referência.
Um é o Deutsche Bank com cerca de 2%, outro é a Goldman Sachs, com cerca de 5%.
Supostamente são investidores financeiros e não estratégicos, gerem fundos, filam onde a carne é mais tenra, atiram-se à jugular das presas mais fáceis. O capitalismo sem rosto, os tubarões invisíveis, a imaterialidade do dinheiro sem pátria, o território onde não entram os fracos, os loosers, gente como os portugueses vítimas da crise que se apegam a constituições e outras inutilidades, nem, muito menos, criaturas sem identidade verdadeira como os 74 sírios portadores de passaportes falsificados.
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Quem se salva no meio de todos estes mares de águas turvas, tormentosas?
Os de sempre. Por todo o lado. Os imediatamente acima referidos e os que abaixo agora se referem. Os mesmos. Sempre. Os que pagam a governantes fracos, os que mandam no mundo, os do mundo paralelo, os que não precisam de leis para se orientarem, os que, aliás, desprezam a lei.
Vejamos mais esta, por cá. Pago os meus impostos atempadamente, pelas vias normais. Se me atrasar, pagarei certamente coimas, isto se não vierem penhorar-me qualquer coisa.
No entanto, quem tem grandes dívidas fica ilibado: não apenas não paga coimas como, imagine-se!, pode aparecer com malas cheias de dinheiro - e isto sem que ninguém lhes vá à perna.
Transcrevo: As dívidas à Segurança Social vão poder ser pagas em dinheiro, independentemente do valor em causa. O governo publicou ontem um despacho mudando as regras para a regularização de dívidas, no âmbito do "regime excepcional e temporário" aberto no início de Novembro.
O Secretário de Estado voltou a aligeirar as regras para a regularização de dívidas dos contribuintes e empresas à Segurança Social, anulando as condições estabelecidas há pouco mais de duas semanas, a 22 de Novembro. Nessa altura, o pagamento de valores em falta através de numerário ficou limitado ao valor máximo de 150 euros. Mas, com o despacho publicado ontem em Diário da República, o governo admite a regularização de dívidas com um pagamento ilimitado em dinheiro.
Corrupção, ladroagem, tráfico de bens ilícitos, lavagem de dinheiro - todos bem vindos desde que paguem os impostos. Ninguém questionará de onde vem o dinheiro em notas e ninguém os fará pagar juros de atrasos de pagamento.
É o Governo português a lavar as mãos da moral, dos bons costumes, da ética.
Nada de mais: já o fez várias vezes antes e, até que seja apeado, muito mais vezes o fará. Aliás, fá-lo-á sempre que puder.
É o Governo português a lavar as mãos da moral, dos bons costumes, da ética.
Nada de mais: já o fez várias vezes antes e, até que seja apeado, muito mais vezes o fará. Aliás, fá-lo-á sempre que puder.
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Hoje não me ocorre nada agradável para aqui vos deixar. Lamento. Pode ser que amanhã aconteça um milagre e eu apareça aqui a festejá-lo.
Entretanto, para que não fiquem com amargos de boca, sugiro que venham até ao meu Ginjal e Lisboa onde hoje tenho O'Neill dito e cantado e, para quem os quiser seguir, também escrito: há palavras que nos beijam. Valha-nos isso.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores muita saúde e um dia muito feliz!
1 comentário:
Pagamentos em nota batida?!
Humm... isso é dinheiro que aterra sem precisar de passaporte.
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