quarta-feira, novembro 30, 2011

A Alemanha e a França demencialmente obstinadas, a Itália no centro do medo, ou a Europa a brincar com o fogo. A isso respondo com Amor Total e Fidelidade - um Método Perigoso, sem dúvida, mas que pode trazer muita Alegria. (Poesia, Música, Cinema, Circo, Sol)


Engripada, incomodada, quero lá eu saber se os ministros europeus das finanças, todos reunidos uma vez mais e antes da cimeira de chefes de estado que terá lugar daqui a duas semanas, decidiram avançar para a alavancagem do fundo --- coisa já anunciada há meses e ainda não posta em prática porque a alavancagem é de tal monta que ninguém lá quer pôr o pescoço.

A Itália a soçobrar - o, até há pouco tempo, grande colosso económico e industrial, é agora um gigante que se arrasta, exposto ao gáudio de alguns, dos que tanto vão ganhar. Escuso de vos dizer, meus amigos, que nestas coisas, nada se perde, tudo se transforma. E que, sempre que alguém muito perde, há alguém que muito ganha.

As vozes começam a elevar-se em agonia, 'ai a zona euro a implodir', 'ai a Europa e desfazer-se', e a solução é tão óbvia que espanta como não há um homem ou uma mulher com voz suficiente forte que seja capaz de dar um murro na mesa e dizer que já chega, que mande calar o par de jarras Merkel e Sarkozy, que os mande sentarem-se sossegados, longe um do outro, na última fila, 'shiu que já chateiam, seus estúpidos, caluda', alguém que diga, 'está na hora de as pessoas com tino se chegarem à frente' e correr com esta trupe de gentinha que para aí tem andado a ver se consegue montar o circo e sem competência para o fazer, 'fora, fora daqui, chô, que se cheguem à frente as pessoas de bem, e vamos lá emitir moeda, e vamos lá a olhar para isto com olhos de gente, de gente solidária, democrata, inteligente'.

E por cá, na nossa triste e indigente politiquinha? Bem, já custa - é que até dói. Passos Coelho, mais parece um tonto, menino marrãozinho e algo destituído que segue a burra da Merkel como se fossem ambos inteligentes, o Tozé Seguro com aquele ar de pateta armado em duro, tudo o que diz e faz mais parecendo uma comédia de 5ª categoria, tudo a fingir, pechisbeque, plástico chinês, tudo demasiado mau. Dou por mim a achar acertado o que os do PCP dizem, dou por mim, vejam bem, a ouvir com agrado a Heloísa Apolónia (mas, enfim, ando engripada, quem sabe o vírus não está a fazer das suas...?).

E as vozes que antes tínhamos por algo conservadoras (Jaime Nogueira Pinto, por exemplo) levantam-se e dizem, 'estamos a ser governados por ignorantes' e o rosto demonstra a dor que lhe vai na alma. 

Tudo muito mau, muito preocupante. E eu, engripada, não me apetece mais disto, já chega, credo, como chegámos a isto, senhores...?! E só me apetece chá quentinho, palavrinhas amáveis, peace and love, if you please.

E, portanto, vamos mas é dar uma voltinha por aí, que vai ser bom. No fim, ainda volto á conversa para uma despedida especial tendo em conta que amanhã é um dia histórico.



Amor total, diz ela, sonhadora
 



Fidelidade, diz ele, e mente como todos os sedutores fazem tão bem





Um método perigoso, usam eles, deixando-se enlear nos perigosos caminhos das palavras que tão ardilosamente levam à sedução

(psicanálise, que riscos encerras....)




Eu, que de Freud e Jung aprecio sobretudo o lado inovador e o que se prestam a romances destemperados, sugiro que acabemos o passeio com Alegria, com música, movimento, magia. Cirque du Soleil e o seu espectáculo Alegria, pois claro.


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Boa quarta-feira, minha gente e vamos preparar-nos para gozar em festa o último 1º de Dezembro como dia feriado.

(Será que o Relvas e o seu subordinado Pedrocas fazem ideia ...? Gostava que, à sorrelfa, umas entrevistadoras daquelas 'tipo Fama Show' se aproximassem deles, os mandassem aspirar o hélio de um balão e lhes perguntassem, 'os meninos sabem o que é que se comemora a 1 de Dezembro...?'.

Sempre gostava de ver a cara deles, atrapalhados a olharem um para o outro, vozinha de falsete, a disfarçarem a hesitação como se estivessem apenas armados em engraçadinhos, '1 de Dezembro...? Bem... eu acho que é o dia de S. José... ai não que este é dos civis, .... será o dia do Viriato, aquele que foi de corda ao pescoço entregar-se ao Afonso Henriques? Ai não, que o Afonso Henriques foi antes do Viriato' e o outro, corado, 'Acho que não, acho que tem a ver com a padeira de Aljubarrota, aquela a quem raparam o cabelo e que tinha uma espada muito grande, ou será que essa era a lourinha de cabelo à rapazinho, a francesa? Capaz de ser isso, o dia da padeira mas que era bem capaz de ter um bigode maior que o de um sargento'. E as meninas, frescas e soltas, a rirem, e eles a pensarem que ainda bem que a entrevista tinha sido para o Fama Show... ufffff.

Ou seja, cá para mim não fazem ideia. Mas nem do significado dos dias, nem de coisa nenhuma.

  

terça-feira, novembro 29, 2011

Le baiser, les excentriques, le boudoir, le classique, le mâle, les mâles - Jean Paul Gaultier, bien sûr. E Renée Fleming, a Casta Diva de Bellini


No post abaixo fala-se de coisas sérias mas aqui, meus amigos, aqui mostram-se coisas importantes.

Joseph Stiglitz e de Dilma Roussef, a seguir, explicam porque são tão contrários às suicidárias políticas que estão a ser impostas à Europa. Mas isso é a seguir. Agora, meus caros, estamos na companhia de Jean Paul Gaultier. Faites vos jeux. Escolham que há para quase todos os gostos. E, no fim, receberão a cereja: Renée Fleming, elle-même, a belíssima Casta Diva.



   


   



  

 




  

   




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Ok, se já estão com a alma apaziguada, desçam, então, um pouco para se atormentarem um bocadinho que isto de se viver alienado não é lá grande ideia....


E sorriam. E tenham um bom dia.

 

Segundo o Nobel da Economia, Joseph Stilglitz, políticas de austeridade como as que estão a ser impostas à Europa correspondem a um suicídio económico. No Brasil, Dilma Rousseff pede ao sector privado para investir e ao povo para consumir. Por cá ninguém os ouve - que chatice!


Do Expresso online de sexta feira passada:




Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2001 e antigo vice-presidente do Banco Mundial, num encontro com jornalistas na Corunha, em Espanha, onde proferiu a conferência "Pode o capitalismo salvar-se de si mesmo?", afirmou que as políticas de austeridade constituem uma receita para "menos crescimento e mais desemprego". Stiglitz considerou que a adoção dessas políticas "corresponde a um suicídio" económico.



Por seu lado, a Presidente Dilma Rousseff defendeu que toda a crise representa também «oportunidades» e exortou os trabalhadores e os empresários a não se «atemorizarem» e a continuarem a consumir e a investir. «O que nós temos de fazer diante da crise não é nos atemorizar. Ao contrário, o que temos de fazer é avançar, garantir que o setor privado continue investindo e que o povo brasileiro continue consumindo», afirmou Dilma Rousseff num evento no Rio de Janeiro.

Dilma Rousseff garantiu ainda que, como Presidente do Brasil, não deixará que a crise internacional represente uma quebra na criação de empregos no país, e muito menos que o país «exporte mão de obra».


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Será que alguém do Governo Português os ouviu?

Tenho dúvidas. E, mesmo que ouçam, não percebem. Estamos tramados é o que é.

 

segunda-feira, novembro 28, 2011

domingo, novembro 27, 2011

Pausa na crise porque 'oh gente da minha terra, é meu e vosso este fado, este destino que nos amarra' - Fado, Património Imaterial da Humanidade

  
Saibamos honrar a iniciativa da candidatura e o reconhecimento demonstrado através da atribuição do 'galardão' de Património imaterial da Humanidade ao Fado.

Não o desvalorizemos, não o menorizemos. Saibamos sentir orgulho. Saibamos valorizá-lo e, last but not the least, saibamos tirar proveito disto. Tal como Espanha tem um turismo do flamengo, tal como a Argentina tem um turismo do tango, saibamos nós fazer negócio a sério deste tão importante reconhecimento mundial.




Depois de ouvirmos Mariza, um nome grande no Fado, sentimos como a emoção que nos toma, apela ao que mais íntimo e melhor temos. Que isto não seja encarado como um fatalismo, um derrotismo. Pelo contrário, percebamos a importância de assumirmos, orgulhosos e determinados, a nossa portugalidade, a importância de nos sabermos defender, de sabermos fazer uma barreira a investidas de 'tecnocratas sem rosto, mãos invisíveis que ninguém controla' (nas inspiradas palavras de Sampaio da Nóvoa).

Não quero, agora, parecer que estou com um baldinho na mão (um baldinho de água fria); mas, porque acho importante que se compreenda o funcionamento dessa omnipresente figura que de abstacto pouco tem, os 'mercados' (que só avançam porque ninguém lhes oferece verdadeira resistência), permito-me sugerir que desçam um pouco, Wall Street está já aí. Richard Gere e Julia Roberts também dão uma ajuda na explicação.
 

Inside Job em Wall Street (e não só) e o dia em que Richard Gere levou a pretty woman Julia Roberts ao restaurante


Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.








A citação é de José Saramago e os clips referem-se aos trailers do documentário Inside Job e do filme Wall Street (Money never sleeps) e à cena do restaurante do filme Pretty Woman.

Bom domingo!

sábado, novembro 26, 2011

No mesmo dia, Durão Barroso e Cavaco Silva chamam pouco inteligente a Passos Coelho; Sampaio da Nóvoa, Reitor da Universidade de Lisboa, diz que estamos a ser governados por manageiros, tecnocratas. E, segundo o Expresso, Isaltino de Morais e Duarte Lima - dangereuses liaisons


Como habitualmente, é no carro, sozinha, sem ter com quem comentar, que ouço coisas fantásticas. Apercebo-me que fico de boca aberta, tamanha a estupefacção que me assola não raramente.

Hoje, de carreirinha, ouvi Durão Barroso, a discursar em Portugal, dizer que é muito pouco inteligente cortar no orçamento da Educação, da Cultura, da Ciência. Frisou: é muito pouco inteligente. E explicou que para que algum país se consiga aguentar neste mundo turbulento é nestas três áreas que mais deve apostar. Que, face à escassez de recursos, há que sopesar onde se investe e que é pouco inteligente cortar onde, justamente, se deveria apostar com convicção. Na plateia Nuno Crato ouviu calado. Não deve ter feito outra coisa senão engolir em seco.

Ouvi também Cavaco Silva, honra lhe seja feita, explicando que cortar na despesa é fundamental, que pagar a dívida é fundamental. Mas que não chega - que tem que se relançar a economia, estimular o crescimento, atacar o desemprego. E que o BCE tem que deitar a mão ao afundamento colectivo da Europa, que tem que assumir a dívida dos países, que tem que emitir moeda e que apenas quem não tem conhecimentos nenhuns nesta matéria é que, numa situação destas, pode achar que isto seria mau por favorecer a inflação.



Mas a coisa não se ficou por aqui. Sampaio da Nóvoa, Reitor da Universidade de Lisboa, homem com um discurso que me pareceu sereno e corajoso, disse que estamos a viver tempos de extrema incerteza, governados por manageiros, tecnocratas sem rosto, mãos invisíveis que ninguém controla. É isto mesmo.

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Agora no noticiário da meia-noite ouço o que vai ser a primeira página do Expresso - aquilo de que já tinha ouvido falar, ainda ontem ao almoço foi tema de conversa. As ligações entre Isaltino e Duarte Lima estão a ser investigadas - terrenos em Oeiras, contrapartidas, etc e tal. Diziam-me ontem: são os custos do regime, os custos de contexto. E aquele grupinho de amigos, de compagnons de route, movimentava milhões, mas muitos milhões. Achávamos muito os 6 milhões de que se falava, ao princípio, relativamente a Duarte Lima? Quais seis milhões? Quais quarenta milhões? Upa, upa, dizem.

Milhões que, em última análise, andamos todos agora a pagar através dos nosso impostos.

Tão revoltante.

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Entretanto, a degradação na Europa, qual gangrena, avança. Todos os dias avança um pouco mais.



Bélgica, Itália, Espanha, a gangrena começa a minar o núcleo duro. A Alemanha e a França já a acelerarem os estudos de retirada; a Holanda já com um grupo parlamentar a estudar o fim do euro. E os investidores, os especuladores, os homens que farejam a carniça a salivarem, vai-lhes tudo cair no colo de mão beijada. E nós no package, nós os que perderemos a soberania, os direitos, o orgulho.

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Mas é sábado, não é dia para carpir. Nem pensar. Sábado é dia de festa. Queiram, portanto, meus amigos descer um pouco mais. Tenho uma coisa à maneira para vos mostrar. Gente divertida, gente que nos diverte, e arte, meus amigos, arte, dança, música. O mundo pode despedaçar-se que nós, meus amigos, continuaremos aqui a fruir a arte. Posso contar convosco, não posso?

Desçamos, então, juntos.
 

Arte, fruição, alegria - Jirí Kylián, Nederlands Dans Theater, Mozart - Black and White


Ah o que eu gosto desta gente. O coreógrafo, os bailarinos, a alegria, a irreverência, a arte.O que eu gosto deles, senhores. Vejam-nos aqui ao som de Mozart.




Tenham, meus Caros, um belo sábado.

Divirtam-se!!!!!
 

sexta-feira, novembro 25, 2011

Passos Coelho não percebe nada disto, Miguel Relvas já nem diz coisa com coisa, a coxa grossa da Merkel em risco, o salto alto do Sarkozy também. Mas que é lá isto, senhores?



Madame Merkel, matrona in black, voz grossa carregada de testosterona, bate o pé ao comissário europeu, ameaça os países pecadores do sul, impõe a sua germânica voz e ... e  os mercados desprezam-na. Não consegue colocar toda a dívida. Os mercados começam a salivar, danadinhos para darem uma trinca na coxa grossa da Merkel.




Senhorzinho Bruni, sobe-se no tacão alto, ensaia arreganhar o dente à patroa Merkel, ela deixa de lhe fazer os miminhos do costume, ele arrepia caminho e jura-lhe amor eterno e ... e os mercados rosnam-lhe. As agências, de pêlo eriçado, ameaçam baixar a classificaçãozinha, ah que lá se vão os AAAsinhos. Ah os mercados querem ir às compras, oh la la, les Champs Elysées, vamos baixar os preçozinhos todos, vamos lá a dar cabo deles.




Vítor Gaspar, menino marrãozinho, um dos cromos de serviço, põe o dedinho no ar e diz à Troika, 'Já fiz o trabalhinho de casa, já fiz! E já fiz ainda mais do que era preciso'. Peter Steps Rabbit enfrenta o Presidente Cavaco, enfrenta o cherne Durão, e como tem uma veneração por gente de nome angélico, depois de seguir tudo o que Ângelo Correia dizia, agora integrou o grupo de dança de Madame Angela Merkel... e os mercados o que fazem? (Ah gente ingrata...!) Então não é que a Fitch agora diz que as medidas de austeridade não chegam, que tem que haver ainda mais e que, ainda por cima, estas medidas estão a lançar o país numa perigosa recessão e vai daí ... baixaram o rating do País... para lixo...!? E avisam que a coisa pode não ficar por aqui. E não é que até os chineses, que também têm uma agência, nos baixaram a classificação...?

Miguel Relvas, rapaz esperto, grande ideólogo do regime, aparece-nos na televisão, carinha rosada e aparvalhada, e já deve ter convocado o conselho de ministros para ver se fazem um brainstorming - é que é preciso perceber o que querem os da Fitch dizer, parece ser a contradição dos termos...! Consta que Relvas já sugeriu que é melhor chamaram o outro inteligente do regime, o jovem Moedas, talvez ele descodifique. Ah, gaita para isto, ele é greve, ele é o Soares, e agora a Fitch. Não estão a perceber nada disto. Ia ser tão fácil e agora corre tudo ao contrário. Até o Duque, outro rapaz com um ar tão esperto, aqueles óculos dão-lhe um ar tão inteligente, faz um trabalhinho daqueles na televisão, uma vergonha. Bolas para isto.



Fixe, meus!


[Está a resultar o lindo trabalhinho que andam a fazer, não está?]

 
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PS: Já sabem que não gosto que fiquem com um sabor amargo na boca. Queiram, pois, fazer o favor de  descer que, de seguida, um homem e uma mulher mostram como é a sedução em italiano. Uma cena à maneira, podem crer - para vocês e, como verão abaixo, em especial para uma Rondadeira muito vintage.

  

Uma cena vintage com olhares vintage, com um belo beijo completamente vintage - Antes da Revolução

   
A propósito de revoluções, lembrei-me deste apontamento e, ao revê-lo, achei que era coisa digna da Ivone que, na sua A Ronda dos Dias, nos encanta com palavras e outras cenas.

Aqui fica, pois, quase como um manifesto - os tempos podem estar a acabar, a paz pode estar em risco, sabemos lá mas, apesar disso, haverá sempre um homem e uma mulher que numa tela de cinema ou no recato de uma sala saberão reinventar a sedução na sua forma mais primordial. Digo eu.



(Bernardo Bertolucci, Before the Revolution)

quinta-feira, novembro 24, 2011

As televisões e a Greve Geral; Portugal e Coreia - a investida e a posterior intervenção dos mercados; Durão Barroso e Cavaco Silva e, do outro lado, Angela Merkel e Passos Coelho; Um adeus Português e Sebastião Salgado

 
Enquanto na SIC Notícias José Gomes Ferreira entrevista Carlos Melo Ribeiro da Siemens (que acha que Portugal deveria adoptar a política da Alemanha que apenas aprova greves no âmbito de negociações de empresa e que não aprova greves políticas), enquanto, na TVI 24, Jorge Braga de Macedo (da Trilateral), Estela Barbot (consultora do FMI e que contou que participou na última reunião da Trilateral) e um sujeito convencido e embirrante que dá pelo nome de Alberto da Ponte (das cervejas Sagres e que, certamente, também muito gostaria de também de ter assento nos Bilderbergs, Trilaterais e que outros que tais e que acha muito bem que os países estejam a ser governados como empresas e que afirma que o país não tem lugar para quem não quer trabalhar) - eu sento-me aqui, sem perceber porque é que, para analisar a situação actual de susto e desgoverno, num dia de greve geral, as televisões convidam para debater isto, pessoas como estas. Não estão em causa as pessoas em si - são, sem dúvida, honorabilíssimas pessoas - mas todos tão alinhados com os mercados que não percebo qual o critério jornalístico seguido. Onde o contraditório?

Entretanto ouço, no telejornal da meia-noite, os banqueiros falando no sufoco por que estão a passar e que os pode levar a suprimir a componente variável dos salários e que irão tentar não reduzir a componente fixa. Sabemos o que está na forja.



Esta fotografia é de Sebastião Salgado e estava no Lehmans Brothers (!). Foi leiloada aquando da falência do banco.


A garantia do FMI tinha destruído a soberania económica do País, estabelecendo, com um presidente democraticamente eleito, uma administração colonial de facto.

De um dia para o outro lançara o País numa profunda recessão. O impacto social foi devastador. O nível de vida desceu em flecha; as reformas do FMI provocaram a queda dos salários reais e desencadearam um desemprego em massa.

O congelamento do crédito contribuira igualmente para paralisar a indústria da construção civil e a economia de serviços: "os bancos têm cada vez mais relutância em conceder empréstimos a negócios". Segundo um relatório, "mais de 90% das companhias de construção civil estão à beira da falência".

A contração do poder de compra (devida à baixa de salários e à subida do desemprego) faz também "estremecer as pequenas empresas do País, com a sua perene falta de liquidez".

O governo admitiu que "um número significativo de pequenas empresas irá à falência...".


O texto acima, em itálico, foi transcrito de um livro que o meu filho me emprestou, A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial, publicado em Portugal em 2003 e que relata o que se passou em finais de 1997 quando a Coreia do Sul foi intervencionada pelo FMI.

A forma como chegou lá, o que aconteceu, a forma como aconteceu, tem tristes coincidências com o que se tem estado a passar na Grécia, em Portugal.

Podemos ver como a Moody's desceu as notações dos bancos e das empresas, de como grupos antes gigantes foram desfeitos - como a KIA que veio a decretar a insolvência; como a Hyundai, o maior império de negócios da Cooreia, que foi desmantelado e os 'cacos' vendidos ao desbarato a investidores estrangeiros; como o Grupo Hanwha que vendeu as refinarias de petróleo à Shell e uma parte à empresa alemão BASF; como o maior produtor mundial de chips de memórias para computadores, a Samsung, viu o seu valor de mercado passar de 6.500 milhões de dólares para 2.400 milhões. Os investidores diziam, então, "Agora é mais barato comprar uma destas companhias do que comprar uma fábrica - e a pechincha inclui de graça toda a rede de distribuição, o reconhecimento da marca e a força de trabalho qualificada".

Podemos ainda ler que os maiores bancos comerciais foram nacionalizados para, de seguida, serem reprivatizados. As principais empresas de investimentos de Wall Street ocuparam-se da venda. Rapidamente grandes bancos passaram para mãos estrangeiras. Por exemplo, uma empresa de investimentos sedeada na California sem experiência prévia no sector da banca comercail, adquiriu, desta forma, o controlo de uma das mais antigas instituições bancárias da Coreia, com 5.000 funcionários e uma moderna rede de dependências por todo o País.



Vejo agora o noticiário da meia-noite. Durão Barroso defende as Eurobonds e, logo a seguir, Angela Merkel, vestida de negro, responde com voz grossa que isso está fora de questão.

E agora vejo Passos Coelho, que fala como se percebesse alguma coisa do assunto, colocando-se no hemisfério oposto ao de Cavaco Silva e Durão Barroso e ao lado de Angela Merkel. Bonito.

A França já a patinar, a própria Alemanha a não conseguir colocar a totalidade da dívida, toda a Europa a soçobrar às mãos dos 'mercados' - e sem líderes. A ir ao fundo a toda a velocidade e sem líderes. Um drama, isto.

Os países a empobrecerem, as populações a verem o seu futuro ameaçado e sem líderes. Como foi possível termos chegado a este ponto de quase não retorno?




Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti


('Um adeus português' de Alexandre O'Neill)




(Todas as fotografias são de Sebastião Salgado)


- Posso, no fim de tudo isto, desejar-vos ainda que tentem ter um bom dia...? -

  

quarta-feira, novembro 23, 2011

Os eficientes homens dos mercados, das instituições financeiras - e nós, que assistimos indefesos ao nosso vertiginoso empobrecimento e à nossa humilhante capitulação. É isto uma fatalidade? Acho que não.


Os homens dos mercados, dos bancos, do sistema financeiro em geral, poucos, talvez umas centenas, resguardam-se em gabinetes, geralmente de paredes de madeira, estofos de pele, candeeiros de metal dourado, escrevem com canetas de estimação, presentes da mulher, de um cliente especial, da filha, quem sabe. São clássicos, apreciam a sobriedade, praticam golfe, assistem a concertos.

Contratam jovens falcões, bem vestidos, aprumados, ambiciosos, frios e ignorantes.




Os jovens falcões vestem fatos cinzento escuro, orgulham-se das suas gravatas Hermès, viram-nas displicentemente para que se veja a etiqueta, usam blackberry, e usam as mesmas expressões, dizem que 'no fim do dia' o que interessa é o bottom line e todos aquiescem, sorriem, alinhados. Têm namoradas bronzeadas, ginasticadas, decotadas, cabelos tratados, unhas perfeitas, carteiras de qualidade. À noite encontram-se com amigos, aspiram cocam, saem a horas decentes porque têm que se levantar cedo, fazem ginásio logo às sete ou oito. Durante o dia, por vezes, trocam mensagens quase pornográficas com colegas com quem trocam discretos piscar de olhos quando se cruzam nos corredores, talvez até com secretárias, com quem se sentem especialmente à vontade. Quando chegam aos quarentas ou cinquentas arranjam depressões, mudam de vida, dedicam-se ao turismo de habitação, à produção de vinho, plantam oliveiras, ervas aromáticas, viajam.

Os homens dos mercados, os patrões, os dirigentes, conhecem-se, circulam pelos mesmos locais, bancos centrais, organismos centrais, Goldman Sachs, BCE, FMI, esses que sempre aparecem - e eles e os seus funcionários estão formatados, amestrados, são eficientes, não discutem, obedecem. Dependem da sua servil obediência para se manterem, para progredirem. Entre eles troçam dos políticos novos, da sua ingenuidade, fazem apostas a ver quem é que cai mais depressa. Avaliam quais os mais estúpidos, mais influenciáveis, mais venais. Avaliam estratégias para afastarem os mais renitentes, os mais utópicos (ah como odeiam as utopias, os homens dos sistemas financeiros).




Os homens dos mercados, dos grandes bancos, das agências de notação, estudam as empresas mais vulneráveis, estudam a forma mais eficaz de as desvalorizarem, estudam a estratégia para as adquirem a custo zero ou abaixo disso, estudam quais os políticos mais fáceis, impõem prévias alterações à lei laboral, impõem a forma de desmantelar os serviços públicos, estudam dossiers de privatização, escolhem compradores, ganham comissões, comissões legítimas, porque é tudo legítimo.

Os homens que falam baixo, que são educados (embora, se for em Portugal, os possamos ouvir a dizer quaisqueres), troçam do Berlusconi que era doido, do Sócrates que foi corrido por outros que são bem piores, do Papandreous, coitado que não se aguentou, queria fazer um referendo, imagine-se, troçam do Zapatero, troçam do Sarkozy, coitado, que já não vai estar lá muito mais tempo, dizem que vai tomar conta da Bruni e logo alguém corrigem, 'da Giulia' e riem todos, troçam do Passos Coelho, coitado, tão fraco, fácil até demais, dizem 'aquele apanha-se à mão' e riem todos.




Os homens que se encontram em reuniões em Lausanne, Genève, The Hague, que se encontram, apressados, displicentes, ginasticados, que gostam de comparar os iPads, ou as novas appps para os blackberries, que riem de anedotas vulgares e parvas, falam do descanso que é ter a Lagarde já do lado deles e de ter o Obama rodeado de 'tipos de confiança', distribuem empresas, a electricidade daqui, as águas dali, os caminhos de ferro de acolá. E mandam vir uma sandes que não querem perder tempo com o almoço, que querem estar cedo em casa que parece que vai passar uma série que tem piada e todos querem saber qual é que isso das empresas não tem grande importância e falam da miúda investigadora que é rija e boa. E riem-se.

Portugal não tem grande interesse, é pequeno, miudezas, trocos, as empresas públicas já estão todas repartidas, as principais privadas já não valem nada, também já estão com o destino traçado, os ordenados, alguns, já foram cortados, outros sê-lo-ão um dia destes, a malta já está a piar baixinho, o desemprego a aumentar, vai ser fácil lidar com os portugas, são boa gente, nada como os malucos dos gregos que são imprevisíveis, those bastards, as manifestações até dão jeito, poupa-se nos ordenados, e sempre se deixa sair a pressão, é uma válvula de escape, e é boa gente, pegar em tudo isto não tem espinhas.

Os homens dos mercados, dos grandes bancos, do sistema financeiro mundial, gostam de um bom vinho, sabem que o cálice se pega pelo pé, rodam o vinho e observam a cor, a gordura que deixa no vidro, aspiram para perceber qual o bouquet, discutem o terroir, comentam a qualidade da colheita deste ano, e gostam também de um bom charuto, alguns gostam de boas motos, uma excentricidade, e riem quase tímidos, uma vaidade discreta, ou gostam de carros antigos, vários lá na garagem, ou porcelanas, ou obras de arte, e falam uns com os outros, têm reuniões, almoçam nos restaurantes das suas sedes porque não gostam de ser vistos em público, assim é melhor, empregadas silenciosas servem-lhes um caldo, uma salada, uma comida quentinha e caseira, e falam nas empresas em Espanha, em Itália, em França, combinam fusões, montam operações, distribuem o que serão, em breve, despojos.




Confirmam que nos lugares chave estão os homens certos e são metódicos - nos governos, os ministros chave são de confiança, nos bancos, os gestores chave são de confiança, tudo está organizado, não há lugar para amadorismos.

E, nos países, as pessoas, quais animais impotentes que se deixam comer vivos, nada conseguem fazer. São milhões e milhões de pessoas e nada conseguem fazer perante as centenas de poderosos e eficientes homens dos mercados, homens das finanças.


Até que um dia (não sei quando)...

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Notas


1. Se eu estiver enganada, uma vez que, entre os meus leitores, há pessoas ligadas aos sectores de actividade que aqui refiro, estou disponível para receber textos para publicação, que rebatam ou clarifiquem o que considerem ser uma deficiente interpretação dos factos.

2. Para aliviar o espírito, sugiro que desçam até ao post seguinte, onde o ambiente é de suave romantismo - um encantador de cavalos mostra como se dança com sentimento e a mulher encantada mostra como se pode sofrer de barriga cheia.


3. E, meus Caros, tenham um bom dia. Aqui chegados e perante a perspectiva da cena seguinte vão já sorrindo, quero ver-vos a sorrir.

terça-feira, novembro 22, 2011

Não digas nada. Nem um sussurro, nem um leve murmúrio, nada. Encanta-me apenas.






Kristin Scott Thomas, a sedução no feminino segundo Annie Leibovitz

 

Pedro Lima, filho de Duarte Lima - o menino de seu pai


Um rapazinho com 12 ou 13 anos é um menino. Se o pai adoece seriamente, o menino assusta-se. Um pai que adoece seriamente assusta-se, teme por si próprio e teme pelo filho que pode ficar sem pai cedo demais.

Os tratamentos são duros, o cabelo cai, a pessoa fica enjoada, enfraquecida, e um menino que assista a essa angústia cresce depressa demais.

E é assim que, há uns anos, as fotografias nos mostravam um menino, com ar sério, um menino precocemente sujeito aos sustos da vida, à ameaça da morte.

Duarte Lima estava sem cabelo e o filho abraçava-o. Um menino forte que segurava o pai doente.

Depois, já recuperado, as revistas da sociedade voltaram a mostrar o pai. Agora ostentava o luxo da casa, as porcelanas, os quadros, o piano, a decoração que pretendia parecer sólida, secular, riqueza herdada, e que, todos o sabiam, não era senão riqueza súbita. E ostentava o filho. Um menino vestido de homem com um ar sério, levemente triste. Por trás o pai sorri orgulhoso.

A doença tentou vencê-lo, a comunicação social quase o despedaçou, os seus pares olham-no de lado, mas ele aguenta-se de pé. A sua fortuna continua incólume, a sua saúde voltou e tem um filho que nunca o abandonou. Imagino-o a dizer, vaidoso, 'Está um homem, o Pedro.'.


E a confiança volta. Duarte Lima sabe todos os esquemas, tem contactos, tem conhecimentos, tem dinheiro. Na sua casa reúne a fina flor da sociedade. Políticos, artistas, empresários, banqueiros, gente da comunicação social, todos são convidados para os requintados jantares que oferece na sua casa ampla, decorada com Brueghel, Companhia das Índias, pesados cortinados, dourados, dinheiro a rodos. Olham-no de lado, pasmam com tanta riqueza, intrigam-se com a proveniência de tamanha abundância, a casa na Quinta do Lago, a quinta em Sintra, tantos investimentos (mas a justiça nunca detectou nada de anormal, fecham os olhos às próprias dúvidas e alimentam o ego do homem de ar pouco fino, rosto marcado pelo que terão sido pústulas desagradáveis ao olhar). E o filho sempre ao lado, um menino que cresce, que se faz homem sempre ao lado do pai.

Como se passou desse deslumbramento festivo para o descalabro não sabemos ao certo. A comunicação social traz-nos pontas de uma teia em que nos custa a acreditar. Se for verdade, estaremos a falar de um homem que já antes tinha desafiado a justiça e saído incólume, que depois venceu a morte, que criou uma associação em defesa da vida e que, julgando-se invencível, terá feito do acto de acumular riqueza a sua principal motivação. Quereria afirmar-se perante os intelectuais que o desprezavam, quereria simplesmente esquecer as suas origens humildes? Tornou-se um bicho insaciável?

Ouvimos agora falar que a ganância o terá levado a endividar-se brutalmente junto do BPN (claro!) com o objectivo de fazer mais-valias na venda de terrenos para o IPO (levando a que o Estado gastasse muito mais do que devia mas poderemos falar em escrúpulos quando a mente está toldada pela ganância?). Como a construção do IPO em Oeiras não foi avante, o negócio dos terrenos não se fez, os terrenos desvalorizaram-se e o empréstimo tinha que ser pago. Como tinha sido feito sem garantias (claro!) e como o BPN mudou de mãos, agora as garantias estariam a ser exigidas, a amortização exigida - e as coisas terão começado a correr mal. Isto é o que ouvimos pela comunicação social. No meio de tudo isto, por razões fiscais, por razões de disfarce, sabemos lá, Duarte Lima terá constituído várias sociedades, algumas em offshore, uma teia difícil de compreender e, ingrato, maligno, terá colocado como sócio gerente o seu filho.

Não o terá feito por mal, talvez. Talvez convencido da sua invencibilidade terá achado que estaria a cuidar do futuro do seu filho. Não sei. Tudo isto é tão perturbador que mal consigo raciocinar. Custa-me admitir que o tenha feito para se livrar a si próprio.

Nem quero para aqui trazer o caso da Rosalina Ribeiro, da herança Tomé Feteira, que isso é assunto ainda mais aterrador. Como reagirá o filho perante a acusação de que o seu pai é um assassino, um frio assassino, um homem que congemina cuidadosamente um crime, que dispara a sangue frio sobre uma mulher? Que lhe irá na cabeça? Admitirá essa hipótese ou acredita nos argumentos do pai, acredita que o pai é uma vítima de uma traiçoeira cabala? Quando o pai lhe jura que está a ser vítima de uma vil maquinação, o que pensará este jovem que cresceu à sombra do luxo e que sempre deve ter achado normal que o pai fizesse tantos telefonemas, tantas viagens?


Continuará a orgulhar-se do pai, do homem que subiu a vida a pulso, que pisou os corredores do poder, que ocupou lugares importantes no País, que tinha o número de telefone de todos os políticos, ministros, do presidente - e que não soube parar?

É que, agora, o homem que mexia com milhões de euros, que tinha propriedades, sociedades, obras de arte, e que nos últimos meses viveu fechado em casa, está nos calabouços, preso como um marginal. In dubio pro reo - e nem réu o é ainda. Mas o juiz considerou que há sérios indícios de culpa e que há sérios riscos de que se preparava para fugir e Duarte Lima está em prisão preventiva.

Fez ontem 56 anos e passou o seu aniversário sozinho. Ontem não houve festa. Apenas o filho o visitou.

O filho, seu amigo, seu cúmplice em tantos maus momentos, é agora considerado cúmplice nos seus crimes. Para não ser preso também, terá que entregar uma caução de 500.000 euros que, diz o advogado, não tem. Mas o menino de seu pai, nem assim o abandona.

De saco na mão (com um bolo? com livros? com roupa?) lá foi, sozinho, à prisão, ver o pai. As visitas da sua rica casa, os amigos dos tempos de deputado, de política, os correligionários do PSD, ninguém o visitou. Se alguém lhes perguntar por ele, dirão que nem sabem bem quem é, não se lembrarão da última vez que o viram há tanto tempo isso foi. Passou a ser um cão rafeiro, um cão com pulgas. Apenas o filho não o abandonou.


Como abutres os jornalistas perseguem-no, encostam-se a ele, querem ver lágrimas, querem ver sangue, quase o encostam (literalmente) à parede e o jovem, em silêncio, lá volta da visita, o mesmo saco na mão, óculos escuros para que não lhe vejam os olhos.

E eu sinto que ninguém respeita o seu sofrimento. Custa-me ver estas imagens. Custa-me pensar que este rapaz, que não terá mais que vinte e tal anos e que se fez homem a ser o suporte do pai, nestas estranhas e aterradoras circunstâncias, continua a arcar sozinho com os males do seu pai.


segunda-feira, novembro 21, 2011

A alma das mulheres - saber captá-la, saber capturá-la (o caso de Bettina Rheims)


Leio que Bettina Rheims, parisiense, nascida em 1952, filha do especialista em arte Maurice Rheims, é considerada uma grande fotógrafa de mulheres.


Que lhes desvenda a alma, que as mostra como elas gostam de ser vistas, que as mostram como os homens gostam de as ver, que compreende como ninguém o desejo no feminino - é o que dizem.


Sensualidade, erotismo, voyeurismo, ambiguidade e, mesmo, obscenidade e escândalo são palavras frequentemente associadas ao trabalho de Bettina. Pornografia, dizem outros.


Estive a ver e gostei. Escolhi fotografias inócuas para aqui, que este é um blogue de família mas, mesmo as mais ousadas, não me parece que tenham nada de excessivamente chocante. Terão um toque de provocação, um toque de divertimento por anteciparem o efeito que provocarão, mas nada que incomode quem tem boa consciência.

Nas que escolhi para aqui só posso dizer que tomara eu que alguém me fotografasse assim, tomara eu ser capaz de fotografar alguém com tanta arte e cumplicidade, pois o resultado é mesmo muito bom.


Bettina, ela própria uma bela mulher, começou por ser modelo, depois foi jornalista, teve uma galeria de arte até que se fixou naquilo que se afirmou como a sua verdadeira vocação, a fotografia. Tem trabalhado em moda, publicidade, tem retratado personaliddaes públicas (inclusivamente é dela o retrato oficial de Jacques Chirac, 1995), tem feito séries autónomas de sua inteira autoria, tem trabalhado por encomenda. É conceituadíssima, apesar das polémicas. Tem participado em mostras retrospectivas, tem livros publicados, é bastante requisitada.


Em 2008, a pedido do milionário russo Sergey Rodionov, fez uma série de fotografias da sua mulher, Olga Rodionova, que deram origem a um livro, The Book of Olga, do qual escolhi a parte de cima de uma fotografia de corpo inteiro, por, vista assim, parecer uma fotografia quase púdica. Grande parte das restantes são surpreendemente impudicas. Há maridos assim.


As mulheres retratadas são respectivamente Monica Bellucci, Milla Jovowich, Sybil Buck, ? (campanha para o Vin de Chablis), Madonna e Olga Rodionova.

Nesta altura, com a incerteza que paira no ar, várias pessoas questionam-se sobre se, já ou num possível momento de aperto, não deveriam mudar de profissão ou passar a dedicar-se a qualquer outra actividade remunerada. Pois eu, a ter que mudar de ocupação, a que me ocorre é a fotografia. Os tapetes de Arraiolos não dão nada, escrever blogues também não - mas quem sabe fotografar os maridos de milionárias ricas...?
  

domingo, novembro 20, 2011

Palavras ao espelho


No Ginjal, uma gata olha outra gata - como se estivesse a ver-se ao espelho
(foto minha, hoje de manhã)


Vamos pela vida, apressados, distantes, eficientes, e, na voragem dos dias, percebemos que esgotamos o tempo, esgotamos a paciência, esgotamo-nos.

Vamos pela vida e desencontramo-nos de quase todos - daqueles que não conhecemos nem nunca conheceremos, daqueles que um dia conhecemos e que esquecemos, vamos pela vida e vamos quase sozinhos.

Vamos pela vida, escondendo-nos dos outros, de nós próprios, escondendo afectos, escondendo palavras.

Vamos pela vida, vamos indo pela vida, vamos indo.

E, de repente, umas palavras inesperadas, um pequeno gesto, um sorriso que apenas se imagina.

E, de repente, o calor de uma imagem, a cintilação de um olhar.

Reflexos num espelho, fugazes reflexos? Ou alguém do lado de lá, alguém que nos olha do outro lado do espelho?



[Texto inspirado pelos Espelhos Repentinos, inspirado texto da Leitora Contemplativa, autora do excelente A Matéria dos Livros]

sexta-feira, novembro 18, 2011

Paula Rego, Graça Morais, Joana Vasconcelos e Júlio Pomar - 'Uma coisa em forma de assim', as palavras de Eugénio e uma gata no Ginjal


Tenho o nome de uma flor
quando me chamas.
Quando me tocas,
nem eu sei
se sou água, rapariga,
ou algum pomar que atravessei.




De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.



Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.


Oh tempo tempo tempo,
tempo de colher
o que temos maduro:
o lume dos olhos
a luzir no escuro.

 

 
Sobre o teu corpo caio -
daquele modo que o verão tem de espalhar os cabelos
na água esparsa dos dias
e faz das peónias uma chuva de oiro
ou a mais incestuosa das carícias.
 



'tenho o nome de uma flor', 'nocturno de Fão', 'despedida', 'exílio', 'sobre um corpo' - poemas de Eugénio de Andrade


Uma Gata no Ginjal  (foto minha)

Tenham, meus Caros, um bom fim de semana.

Homenagem às mulheres que voam, que têm almas de pássaro - Pina Bausch, uma alemã sem peso, cujo coração continha poesia, cujos pés mal tocavam o chão e de cujos braços nasciam estranhas asas














Pina (diminutivo de Philipine) Bausch (1940-2009) foi uma coreógrafa alemã, bailarina, professora de dança e directora do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch - e foi mais uma mulher com alma de pássaro.

Conhecida principalmente por contar histórias enquanto dançava, as suas coreografias continham sempre apontamentos poéticos, intemporais, por vezes estranhos, e eram, geralmente, baseadas nas experiências de vida dos bailarinos e feitas conjuntamente com eles, incorporando aspectos recolhidos durante as tournées.


Tenham, meus Caros, um belo dia. Que a malaise que anda no ar, os receios de que a Europa impluda, o risco sistémico de um incumprimento generalizado, e tudo o que de virulento e inquietante paira sobre nós, não vos deprima, não vos desmotive - coração ao largo que nada disto depende de nós, bola para a frente.

Por isso, let us fly!


 

quinta-feira, novembro 17, 2011

Amores e desamores: ficção e realidade, ligações perigosas, neuroses e humor, alguém tem de ceder e mais perto. Que falem os mestres.


No seguimento do texto de ontem sobre o casamento (ou sobre os relacionamentos a dois, em geral), hoje temos uma aula prática ou, melhor, um workshop em seis actos ou, melhor ainda, um conjunto de case studies. Escolham. Ficarão em boa companhia, seja com quem for.

Alguns dos filmes já aqui apareceram mas repito-os inseridos neste contexto. Pela qualidade, espero que me desculpem o déjà-vu.

Faço o aviso como se faz em relação a alguns números arriscados: não devem ser repetidos em casa (pelo menos sem o apoio de especialistas). Estão aqui mais para ilustrar situações - e, sobretudo, estão aqui porque são belos filmes, belos actores, belas realizações, belos argumentos (uns mais que outros, claro, mas tem que haver oferta para todos os gostos).


A amante do tenente francês com Meryl Streep e Jeremy Irons


Ligações Perigosas com John Malkovich, Glenn Close, Michelle Pfeiffer



Annie Hall com (e de) Woody Allen e Diane Keaton


 

Alguém tem que ceder com Diane Keaton e Jack Nicholson




Closer com Julia Roberts, Clive Owen, Jude Law e Natalie Portman




As Pontes de Madison County com Meryl Streep e Clint Eastwood


 

Tenham um belo dia. Esqueçam a crise. Nada podemos fazer senão viver o melhor que conseguirmos.

Be happy!

  

quarta-feira, novembro 16, 2011

O difícil mas indispensável equilíbrio e a liberdade consentida num casamento (ou numa qualquer relação amorosa) - e o CAM, o restaurante e os jardins da Gulbenkian


Este fim de semana éramos para ir ver a exposição das naturezas mortas na Gulbenkian mas não fomos, curiosamente havia uma inacreditável fila de gente. Desistimos, vamos mais tarde. Mas, de qualquer forma, almoçámos no restaurante do CAM onde almoçamos há mil anos, ainda as crianças eram pequenas.

Acho que já aqui louvei o local – a comida é exactamente a mesma desde o início dos tempos, os empregados os mesmos (simpatiquíssimos), a (óptima) frequência do local a mesma.

Para quem goste de se cruzar com gente das televisões, dos teatros, até da ala mais cultural da política, é o sítio indicado.


E as exposições, os jardins, tudo aquilo é garantia de uma tarde muito bem passada e é um local que está enraizado dentro de mim.


Mas agora lembrei-me disto porque na fila para o almoço (para quem não conhece, aquilo funciona como numa cantina: nós vamos seguindo com o tabuleiro e vamos escolhendo o que queremos) estava atrás de nós uma mulher de uns quarenta e picos anos com a filha, uma jovem adolescente. Sem querer, nós íamos ouvindo alguns bocados da conversa e estávamos até incomodados.


A mulher, bonita, com bom ar, era, no entanto, uma pessoa que cansava qualquer um ao ponto de ouvirmos a miúda, às tantas, dizer, com ar saturado, que tomara poder ser dona do seu próprio destino, poder ir onde lhe apetecesse. Outras vezes a miúda, com ar cansado, dizia, ‘mas oh mãe, porque é que não posso falar, quem é que aqui nos conhece para não podermos falar…?’.

Se a miúda dizia de um amigo qualquer que era um cromo, que não andava com ninguém, a mãe dizia, com um ar fatalista, que então também ela o devia ser porque também não andava com ninguém. Se a miúda falava de um outro amigo ou amiga, a mãe dramatizava: ‘a vossa relação não anda bem, pois não...?'. Depois dizia que tinha deixado de ir ali porque lhe fazia lembrar o tempo ‘em que vinha com o teu pai’ e, pelo teor da conversa, percebemos que estava divorciada.

E o estranho é que tinha um sorriso pregado ao rosto, como se quisesse mostrar que estava tudo bem com ela mas, coitada, de cada vez que abria a boca, tudo lhe saía com um tom perturbado.

O meu marido de vez em quando afastava-se um bocado, dizia que já não a podia ouvir.


No entanto, eu olhava para ela e era uma pessoa que, se conseguisse tirar a tonelada que carregava em cima, seria certamente uma mulher interessante. Assim era apenas uma mulher complicada. E uma mulher complicada repele qualquer alminha, especialmente qualquer alminha do sexo masculino.

Das mulheres divorciadas ou solteiras tardias que conheço e já aqui o disse, o que verifico é que tendem a achar-se vítimas, ou sentirem que são mais exigentes que as outras, ou menos afortunadas do que o comum dos mortais ou, então, quase que se sente que existe uma espécie de vergonha mal disfarçada, como se fosse um pouco por incompetência sua que estão assim, sem ninguém.

Uma familiar muito próxima, uma mulher muito bonita, elegante, cosmopolita, um cargo de direcção numa das organizações mais conhecidas do país, divorciou-se depois de muitos anos casada, depois de os filhos já serem adultos. Ele tinha-se apaixonado por uma colega, estava de cabeça perdida, um amor dos antigos. Ela não queria acreditar. Dizia que não era possível que numa altura em que deveriam começar a gozar a vida, sem os encargos de filhos pequenos e quando imaginou que iriam viajar, ‘gozar a vida’, ele a trocasse. E ‘a outra’ nem era mais nova, nem mais bonita, nem nada. Achou uma injustiça, maldisse a ’outra’, não descansou enquanto ele não lhe contou os pormenores (quem, há quanto tempo, quando, como), não descansou enquanto não arranjou maneira de ir ver a outra, fez coisas impensáveis, irracionais, e, perante o marido, implorou-lhe que não a deixasse, humilhou-se, sujeitou-se a tudo e mais alguma coisa - e ele, pura e simplesmente, não a queria mais. Depois de um drama impensável, lá se separaram. Ele apaixonado como um menino, ela desfeita.

Venderam a casa, cada um adquiriu sua casa. Ao fim de pouco tempo ele separou-se da sua namorada. Esta minha familiar de novo cheia de esperança, a vida toda em suspenso à espera que ele voltasse para ela. Mas ele nem aí. Ao fim de pouco tempo voltou a arranjar nova namorada e hoje vivem juntos, felizes, um casal.

Ela sozinha, triste, infeliz, abandonada, injustiçada, eternamente apaixonada por ele, lembrando os tempos felizes de casamento.

E, no entanto…

Nunca achei que aquele casamento fosse um casamento saudável, pelo menos tal como eu imagino um casamento saudável.

Havia uma dependência doentia. Quando ele chegava ao trabalho, ela queria que ele lhe ligasse. Quando ele saía, ela queria que ele lhe ligasse. Quando estávamos juntos, se ele atendia o telemóvel, logo ela queria saber quem tinha sido. Se estávamos ao sol, já ela se inquietava se não seria melhor ele ir buscar um boné. Se estava frio, já ela ia buscar um pullover para que ele não se constipasse. Se ele se estava a rir e a dizer disparates, já ela estava a repreendê-lo. Toda a atenção dela sempre esteve no marido. Era dedicada, atenta. Mas era também ciumenta e insegura.

No entanto, ela é giríssima enquanto ele é um homem normal (embora tenha aquele charme e humor que os homens com algum excesso de peso às vezes têm).

Desde que me lembro, ele sempre teve uma vontadinha irreprimível de pular a cerca e ela sempre, sempre a fazer marcação cerrada. E, quanto mais ela o tentava controlar, mais ele arranjava maneira de tentar pregar a partida.

Que me lembre (ou que eu saiba), durante os tempos radiosos de casamento feliz que ela recorda saudosa, teve ele dois casos. Nós sabíamos e ele sabia que nós sabíamos - era mais do que óbvio que ele andava de caso - mas ela nunca o soube porque nunca quis ver o óbvio. Durante esses períodos em que ele se andava a encontrar às escondidas (e nos intervalos dos telefonemas de controlo) com outra, andava ela desconfiada a querer saber onde é que ele tinha estado que ela tinha ligado e ele não tinha atendido ou que telefonema tinha sido aquele que ele tinha atendido na varanda. E, em simultâneo, andava também a arranjar programas, jantares, festas, de modo a tê-lo sempre ocupado, entretido.


Nunca, durante o longo e feliz casamento, eu vi esta bela mulher feliz, descontraída, segura, a gozar o casamento. Nunca. Andava sempre ou a tomar conta dele, ou a servir-lhe o prato, ou a perguntar-lhe se estava bom, se queria repetir, ou a ir buscar-lhe o casaco, ou a perguntar se ele queria alguma coisa, ou a desconfiar, ou ciumenta, ou a queixar-se que ele não lhe dava muita atenção, ou que se ria muito com as outras pessoas, mais que com ela. Sempre a censurá-lo, sempre a espiá-lo, sempre a controlá-lo, sempre a ajudá-lo.

Eu achava que era demais. Por mais que eu lhe dissesse para o deixar em paz, para não andar sempre na marcação, que o deixasse rir, telefonar, sair, nunca conseguiu dar-me ouvidos porque, quanto mais ele se queria escapulir, mais ela o queria agarrar. E, se ele se aborrecia e se zangava, ela entrava num sofrimento, chorava, dizia que ele já não gostava dela, ficava numa tristeza, lamentava-se, e ele lá lhe jurava amor, fidelidade, lá se rendia.

Quando ele resolveu deixá-la não me surpreendi. Tive imensa pena dela mas percebi que, com a maneira de ser dele (e dela), outra coisa não era de esperar.

Sendo eu muito amiga dela, percebia perfeitamente que, no casamento, era uma chata.

Num casamento, tal como numa qualquer relação, a liberdade é fundamental. Ninguém deve controlar ninguém, tal como ninguém deve sentir-se responsável por tomar conta do outro, ninguém deve estar na relação por obrigação, por dever. Em cada momento, deve-se estar sempre de espontânea vontade.

E deve respeitar-se os silêncios, os segredos dos outros. E, não se deve querer possuir o outro, ou a vida do outro.

Os ciúmes matam uma relação. A desconfiança mata uma relação. A vitimização ou a insegurança matam uma relação.


A cada momento, sem direitos adquiridos nesta matéria, estar um com o outro deve ser uma opção. Sem compromissos, sem promessas. Estar um com o outro deve ser bom, deve ser uma coisa leve, festiva, divertida.


E deve haver igualdade. Igualdade no investimento, na dedicação, na entrega. E deve haver interesse mútuo, partilha de interesses, carinho, tolerância, ajuda.


E, se a coisa correr mal, não se deve ficar a carpir, a sofrer: é lutar, discutir, ir à luta. E depois esquecer, sem mágoas, sem ressentimentos, sempre um recomeçar de novo, sem passivos, sem cobranças. Curtir. Ter prazer. Descobrir. Festejar.


E, claro, se a coisa der para o torto e uma das partes já não estiver nem aí, é ir cada um à sua, na boa, sem dramas. E recomeçar - que a vida se fez para ser vivida e não recordada ou imaginada. Para a frente é que é caminho e o que está para a frente é apenas futuro (e as coisas boas do passado, apenas as boas).



[Nota 1: Foi basicamente esta minha ideia do que é o casamento que eu 'preguei' no casamento da minha filha (com excepção do último parágrafo - que não ia estar no casamento da miúda a pôr a hipótese da separação, como é óbvio), quando mal consegui ler o que tinha escrito, ideia não muito canónica mas, enfim, é o que eu acho.

Nota 2: Fiz as fotografias no Centro de Arte Moderna (CAM) e nos jardins da Gulbenkian e, claro, não têm nada a ver com os casos referidos no texto.

Nota 3: Na Música no Ginjal hoje temos Yuja Wang a  interpretar Mendelssohn. Uma maravilha.]