quarta-feira, novembro 23, 2011

Os eficientes homens dos mercados, das instituições financeiras - e nós, que assistimos indefesos ao nosso vertiginoso empobrecimento e à nossa humilhante capitulação. É isto uma fatalidade? Acho que não.


Os homens dos mercados, dos bancos, do sistema financeiro em geral, poucos, talvez umas centenas, resguardam-se em gabinetes, geralmente de paredes de madeira, estofos de pele, candeeiros de metal dourado, escrevem com canetas de estimação, presentes da mulher, de um cliente especial, da filha, quem sabe. São clássicos, apreciam a sobriedade, praticam golfe, assistem a concertos.

Contratam jovens falcões, bem vestidos, aprumados, ambiciosos, frios e ignorantes.




Os jovens falcões vestem fatos cinzento escuro, orgulham-se das suas gravatas Hermès, viram-nas displicentemente para que se veja a etiqueta, usam blackberry, e usam as mesmas expressões, dizem que 'no fim do dia' o que interessa é o bottom line e todos aquiescem, sorriem, alinhados. Têm namoradas bronzeadas, ginasticadas, decotadas, cabelos tratados, unhas perfeitas, carteiras de qualidade. À noite encontram-se com amigos, aspiram cocam, saem a horas decentes porque têm que se levantar cedo, fazem ginásio logo às sete ou oito. Durante o dia, por vezes, trocam mensagens quase pornográficas com colegas com quem trocam discretos piscar de olhos quando se cruzam nos corredores, talvez até com secretárias, com quem se sentem especialmente à vontade. Quando chegam aos quarentas ou cinquentas arranjam depressões, mudam de vida, dedicam-se ao turismo de habitação, à produção de vinho, plantam oliveiras, ervas aromáticas, viajam.

Os homens dos mercados, os patrões, os dirigentes, conhecem-se, circulam pelos mesmos locais, bancos centrais, organismos centrais, Goldman Sachs, BCE, FMI, esses que sempre aparecem - e eles e os seus funcionários estão formatados, amestrados, são eficientes, não discutem, obedecem. Dependem da sua servil obediência para se manterem, para progredirem. Entre eles troçam dos políticos novos, da sua ingenuidade, fazem apostas a ver quem é que cai mais depressa. Avaliam quais os mais estúpidos, mais influenciáveis, mais venais. Avaliam estratégias para afastarem os mais renitentes, os mais utópicos (ah como odeiam as utopias, os homens dos sistemas financeiros).




Os homens dos mercados, dos grandes bancos, das agências de notação, estudam as empresas mais vulneráveis, estudam a forma mais eficaz de as desvalorizarem, estudam a estratégia para as adquirem a custo zero ou abaixo disso, estudam quais os políticos mais fáceis, impõem prévias alterações à lei laboral, impõem a forma de desmantelar os serviços públicos, estudam dossiers de privatização, escolhem compradores, ganham comissões, comissões legítimas, porque é tudo legítimo.

Os homens que falam baixo, que são educados (embora, se for em Portugal, os possamos ouvir a dizer quaisqueres), troçam do Berlusconi que era doido, do Sócrates que foi corrido por outros que são bem piores, do Papandreous, coitado que não se aguentou, queria fazer um referendo, imagine-se, troçam do Zapatero, troçam do Sarkozy, coitado, que já não vai estar lá muito mais tempo, dizem que vai tomar conta da Bruni e logo alguém corrigem, 'da Giulia' e riem todos, troçam do Passos Coelho, coitado, tão fraco, fácil até demais, dizem 'aquele apanha-se à mão' e riem todos.




Os homens que se encontram em reuniões em Lausanne, Genève, The Hague, que se encontram, apressados, displicentes, ginasticados, que gostam de comparar os iPads, ou as novas appps para os blackberries, que riem de anedotas vulgares e parvas, falam do descanso que é ter a Lagarde já do lado deles e de ter o Obama rodeado de 'tipos de confiança', distribuem empresas, a electricidade daqui, as águas dali, os caminhos de ferro de acolá. E mandam vir uma sandes que não querem perder tempo com o almoço, que querem estar cedo em casa que parece que vai passar uma série que tem piada e todos querem saber qual é que isso das empresas não tem grande importância e falam da miúda investigadora que é rija e boa. E riem-se.

Portugal não tem grande interesse, é pequeno, miudezas, trocos, as empresas públicas já estão todas repartidas, as principais privadas já não valem nada, também já estão com o destino traçado, os ordenados, alguns, já foram cortados, outros sê-lo-ão um dia destes, a malta já está a piar baixinho, o desemprego a aumentar, vai ser fácil lidar com os portugas, são boa gente, nada como os malucos dos gregos que são imprevisíveis, those bastards, as manifestações até dão jeito, poupa-se nos ordenados, e sempre se deixa sair a pressão, é uma válvula de escape, e é boa gente, pegar em tudo isto não tem espinhas.

Os homens dos mercados, dos grandes bancos, do sistema financeiro mundial, gostam de um bom vinho, sabem que o cálice se pega pelo pé, rodam o vinho e observam a cor, a gordura que deixa no vidro, aspiram para perceber qual o bouquet, discutem o terroir, comentam a qualidade da colheita deste ano, e gostam também de um bom charuto, alguns gostam de boas motos, uma excentricidade, e riem quase tímidos, uma vaidade discreta, ou gostam de carros antigos, vários lá na garagem, ou porcelanas, ou obras de arte, e falam uns com os outros, têm reuniões, almoçam nos restaurantes das suas sedes porque não gostam de ser vistos em público, assim é melhor, empregadas silenciosas servem-lhes um caldo, uma salada, uma comida quentinha e caseira, e falam nas empresas em Espanha, em Itália, em França, combinam fusões, montam operações, distribuem o que serão, em breve, despojos.




Confirmam que nos lugares chave estão os homens certos e são metódicos - nos governos, os ministros chave são de confiança, nos bancos, os gestores chave são de confiança, tudo está organizado, não há lugar para amadorismos.

E, nos países, as pessoas, quais animais impotentes que se deixam comer vivos, nada conseguem fazer. São milhões e milhões de pessoas e nada conseguem fazer perante as centenas de poderosos e eficientes homens dos mercados, homens das finanças.


Até que um dia (não sei quando)...

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Notas


1. Se eu estiver enganada, uma vez que, entre os meus leitores, há pessoas ligadas aos sectores de actividade que aqui refiro, estou disponível para receber textos para publicação, que rebatam ou clarifiquem o que considerem ser uma deficiente interpretação dos factos.

2. Para aliviar o espírito, sugiro que desçam até ao post seguinte, onde o ambiente é de suave romantismo - um encantador de cavalos mostra como se dança com sentimento e a mulher encantada mostra como se pode sofrer de barriga cheia.


3. E, meus Caros, tenham um bom dia. Aqui chegados e perante a perspectiva da cena seguinte vão já sorrindo, quero ver-vos a sorrir.

6 comentários:

  1. Obrigada, Rosa Amarela, e tenha um belo dia:

    Um abraço para si também.

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  2. Muito do que relata executado pelos supostos 'homens dos mercados', já não é feito por homens, nem por mulheres. É virtual, é uma máquina de transacções que roda a uma velocidade alucinante com pouco ou nenhum dedo humano. E isso sim é deveras preocupante.

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  3. Luísa,

    Assim é, a especulação e a ganância sem lei já se automatizou. Mas, a accionar as máquinas, há homens - os homens do smercados, os investidores a quem ainda agora ouvi Durão Barroso referir-se, os homens que negoceiam nos discretos gabinetes das suas sedes, nos salões das suas casas, entre uma e outra tacada, à mesa de uma festa de beneficiência, que telefonam a Durão Barroso e a todos os que podem influenciar ou atrabalhar. Tempos muito difíceis estes que atravessamos.

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  4. Hoje, pela primeira vez, vi que , DE FACTO, o subsídio de Natal está "diferente"...e quem sabe é o último.

    Dou comigo a pensar se tudo isto valerá a pena. No mesmo dia em que fiquei a saber que alguns ministros vão ser COMPENSADOS por morarem a mais de 1oo Km de Lisboa...
    E depois, lembro-me dos professores deslocados a 400 e 5oo km da sua casa. Sem compensação, sem carro de estado, sem motorista...correndo país abaixo, país acima, cheios de saudades dos filhotes...com quem estarão obviamente muito poucas horas.

    Não, não me apetece pensar...

    Cara "Manso jeito" quem sabe se na seg.feira nos vamos encontrar no El Corte Inglês recebendo um autógrafo de uma mulher especial...que ambas admiramos.
    Dá que pensar, pessoas que já se vão conhecendo tão bem e afinal nem se vão reconhecer...

    Não é giro???

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  5. Olá Era uma Vez,

    Tem toda a razão com a indignação quse se sente quando vemos como há pessoas tão sacrificadas para poderem exercer a sua profissão, a quem tudo falta (tempo para poderem estar com os seus, dinheiro, segurança) e que, em vez de verem as coisas a caminhar num sentido favorável, acabam por ver a insegurança a aumentar, as dificuldades a agravarem-se.

    E, enquanto isso, quem mais prega, mais usa e abusa de privilégios. É chocante.


    Quanto à sessão de autógrafos, veja bem que tinha metido na cabeça que era amanhã e eu não poderia ir dado que estou de baby sitter ao fim do dia. Mas tem razão é na 2ª feira. É num local tramado para mim, longe do sítio onde trabalho, com um trânsito terrível pelo meio e odeio meter o carro naquele estacionamento, parece que o carro vai de lado, aquilo é muito estreito e inclinado, um horror. Mas vou tentar sair mais cedo e encher-me de coragem para me meter no parque. Por isso quem sabe nos encontramos, sim. A ver é se nos conseguimos descobrir...

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