quinta-feira, novembro 24, 2011

As televisões e a Greve Geral; Portugal e Coreia - a investida e a posterior intervenção dos mercados; Durão Barroso e Cavaco Silva e, do outro lado, Angela Merkel e Passos Coelho; Um adeus Português e Sebastião Salgado

 
Enquanto na SIC Notícias José Gomes Ferreira entrevista Carlos Melo Ribeiro da Siemens (que acha que Portugal deveria adoptar a política da Alemanha que apenas aprova greves no âmbito de negociações de empresa e que não aprova greves políticas), enquanto, na TVI 24, Jorge Braga de Macedo (da Trilateral), Estela Barbot (consultora do FMI e que contou que participou na última reunião da Trilateral) e um sujeito convencido e embirrante que dá pelo nome de Alberto da Ponte (das cervejas Sagres e que, certamente, também muito gostaria de também de ter assento nos Bilderbergs, Trilaterais e que outros que tais e que acha muito bem que os países estejam a ser governados como empresas e que afirma que o país não tem lugar para quem não quer trabalhar) - eu sento-me aqui, sem perceber porque é que, para analisar a situação actual de susto e desgoverno, num dia de greve geral, as televisões convidam para debater isto, pessoas como estas. Não estão em causa as pessoas em si - são, sem dúvida, honorabilíssimas pessoas - mas todos tão alinhados com os mercados que não percebo qual o critério jornalístico seguido. Onde o contraditório?

Entretanto ouço, no telejornal da meia-noite, os banqueiros falando no sufoco por que estão a passar e que os pode levar a suprimir a componente variável dos salários e que irão tentar não reduzir a componente fixa. Sabemos o que está na forja.



Esta fotografia é de Sebastião Salgado e estava no Lehmans Brothers (!). Foi leiloada aquando da falência do banco.


A garantia do FMI tinha destruído a soberania económica do País, estabelecendo, com um presidente democraticamente eleito, uma administração colonial de facto.

De um dia para o outro lançara o País numa profunda recessão. O impacto social foi devastador. O nível de vida desceu em flecha; as reformas do FMI provocaram a queda dos salários reais e desencadearam um desemprego em massa.

O congelamento do crédito contribuira igualmente para paralisar a indústria da construção civil e a economia de serviços: "os bancos têm cada vez mais relutância em conceder empréstimos a negócios". Segundo um relatório, "mais de 90% das companhias de construção civil estão à beira da falência".

A contração do poder de compra (devida à baixa de salários e à subida do desemprego) faz também "estremecer as pequenas empresas do País, com a sua perene falta de liquidez".

O governo admitiu que "um número significativo de pequenas empresas irá à falência...".


O texto acima, em itálico, foi transcrito de um livro que o meu filho me emprestou, A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial, publicado em Portugal em 2003 e que relata o que se passou em finais de 1997 quando a Coreia do Sul foi intervencionada pelo FMI.

A forma como chegou lá, o que aconteceu, a forma como aconteceu, tem tristes coincidências com o que se tem estado a passar na Grécia, em Portugal.

Podemos ver como a Moody's desceu as notações dos bancos e das empresas, de como grupos antes gigantes foram desfeitos - como a KIA que veio a decretar a insolvência; como a Hyundai, o maior império de negócios da Cooreia, que foi desmantelado e os 'cacos' vendidos ao desbarato a investidores estrangeiros; como o Grupo Hanwha que vendeu as refinarias de petróleo à Shell e uma parte à empresa alemão BASF; como o maior produtor mundial de chips de memórias para computadores, a Samsung, viu o seu valor de mercado passar de 6.500 milhões de dólares para 2.400 milhões. Os investidores diziam, então, "Agora é mais barato comprar uma destas companhias do que comprar uma fábrica - e a pechincha inclui de graça toda a rede de distribuição, o reconhecimento da marca e a força de trabalho qualificada".

Podemos ainda ler que os maiores bancos comerciais foram nacionalizados para, de seguida, serem reprivatizados. As principais empresas de investimentos de Wall Street ocuparam-se da venda. Rapidamente grandes bancos passaram para mãos estrangeiras. Por exemplo, uma empresa de investimentos sedeada na California sem experiência prévia no sector da banca comercail, adquiriu, desta forma, o controlo de uma das mais antigas instituições bancárias da Coreia, com 5.000 funcionários e uma moderna rede de dependências por todo o País.



Vejo agora o noticiário da meia-noite. Durão Barroso defende as Eurobonds e, logo a seguir, Angela Merkel, vestida de negro, responde com voz grossa que isso está fora de questão.

E agora vejo Passos Coelho, que fala como se percebesse alguma coisa do assunto, colocando-se no hemisfério oposto ao de Cavaco Silva e Durão Barroso e ao lado de Angela Merkel. Bonito.

A França já a patinar, a própria Alemanha a não conseguir colocar a totalidade da dívida, toda a Europa a soçobrar às mãos dos 'mercados' - e sem líderes. A ir ao fundo a toda a velocidade e sem líderes. Um drama, isto.

Os países a empobrecerem, as populações a verem o seu futuro ameaçado e sem líderes. Como foi possível termos chegado a este ponto de quase não retorno?




Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti


('Um adeus português' de Alexandre O'Neill)




(Todas as fotografias são de Sebastião Salgado)


- Posso, no fim de tudo isto, desejar-vos ainda que tentem ter um bom dia...? -

  

4 comentários:

  1. Poder, pode e agradeço, a ver vamos como vai correr o dia. Em relação à Merkel, mal a coisa lhe aperte os calos, o BCE desata a imprimir moeda e fica resolvido o problema dos eurobons. Quase apostava...

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  2. Poema, Fotografias, Texto muito apropriados a estes tempos de estupor.
    Pode desejar-nos um bom dia, sim, que ainda estamos vivos, e, portanto, ainda não secou a esperança. Ainda há que denuncie, como o faz neste espaço, ainda há quem se emocione com a vida e com os demais seres humanos.

    Um abraço

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  3. Packard,

    Ou isso ou ela perceber que não vai passar nas eleições. Tomara é que isso aconteça antes de isto tudo para o buraco. Não está nada fácil, isto. As empresas estão a ficar de corda na garganta, há já muito menos trabalho, muita gente e ver os ordenados reduzidos, tudo a ficar muito mau.

    Os 'mercados' percebem que podem atacar até que tudo fique tão desvalorizado que depois podem vir eles e pegar no que resta, a preço da chuva.

    Nunca imaginei que isto se desconjuntasse tanto e tão depressa.

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  4. Olá, Leitora,

    Obrigada.

    Escrevo o que me vai na alma mas aborrece-me despedir-me depois de ter deixado um clima negativo do ar. Mas está tudo a ficar muito mau e não se vê jeito de isto ir ao lugar - e isto revolta-me e assusta-me.

    Eu bem tento agarrar-me à fotografia, à poesia, à dança, à música mas, apesar disso, tenho dificuldade em abstrair-me da realidade deprimente que nos envolve.

    Um abraço, Leitora.

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