quarta-feira, outubro 31, 2018

Um muito sugestivo PYNK em dia de sombras cinzentas


Durante a tarde, à medida que aquilo se alongava e que eu não lhe via o fim, a espaços aparecia-me a ideia de chegar a casa e passar os livros de história para outra estante para abrir espaço para os novos brasileiros. Depois interrompia, tinha que dar uma opinião ou alguém falava comigo. Mas, logo a seguir, aparecia, à socapa, aquela dúvida persistente: o que pôr nas prateleiras de baixo das estante baixas que estão sob as janelas aqui da sala ou atrás do sofá? Pensava: isso é essencial para abrir espaço em lugares mais acessíveis, tenho que arranjar resposta. 

E pensar nisso foi como um raio de luz que, de vez em quando, pousava em mim, ali fechada numa sala sem janelas. 

Mas a tarde esgotou-se, veio a noite, e eu ainda ali. Tarde. Depois o trânsito. Tanto trânsito, que horror. Vontade de chegar a casa e ali presa. Cansada.

Amanhã, outra vez, madrugar para outra dose de leão; e só de pensar nisso já o meu cansaço se acumula. Entretanto, já vi como está o tempo, já escolhi a roupa. Vão ser minutos contados para sair de casa, atravessar a cidade, chegar a horas. Não gosto de chegar a atrasada. Nem um minuto. 

Ao sentar-me aqui chegou o sono, a incapacidade de me pôr com arrumações, a falta de energia para passar livros de um lado para o outro. Uma frustração. Mas incapaz.

Estive a ler os comentários, tão bons -- mas sinto-me também incapaz de responder. Tenho mails para responder e também não consigo. Que me desculpem. Creiam-me: hoje é daqueles dias em que o peso das longas horas do meu dia, se calhar também o efeito atmosférico da mudança de tempo, deixam-me assim, apeada. Hoje não consigo voar, muito menos manter-me desperta. Dei conta de dar uma bicada nas desorientadas hostes laranjas mas logo perdi as forças e já não dou conta de mais nada.

Tinha aqui um vídeo tão maneiro, tão cheio de insinuações, com mulheres tão cheias de orgulho no seu corpo, com tanta malícia disfarçada de cor de rosa, e de que, em condições normais, faria uma festa -- e, afinal, aqui estou, sem malandrice, vazia de metáforas, sem ser capaz de uma dissertação virada do avesso, de uma graça, por inocente e desengraçada que seja.

Vou descansar. Os livros ficam para amanhã, a conversa com os meus Leitores também. Mas fica o vídeo. Vejam que perceberão porque é um desperdício num dia em que estou como estou, envolta em sombras cinzentas (e, calma aí, nada a ver com os livros das shades que, confesso, não li nem tenciono ler, nem mesmo depois do divertido Book Club). Mas, enfim, vocês não têm culpa nenhuma disso e, de resto, talvez saibam curti-lo como eu hoje não estou capaz de fazê-lo.

PYNK


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(Caso a vossa praia não seja o pink ou o grey, queiram fazer o favor de tentar o orange)

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Diz que o conteúdo, os modos e os termos de Negrão na discussão do OE2019 foram de ....
[E não digo de quê porque não quero cá émeses no meu sítio]


Não vi, não ouvi. Cheguei a casa quase às nove da noite, mais saturada que sei lá o quê. Pelo caminho, não apenas vim a fazer os meus telefonemas diários como a ouvir música. Foi o meu marido que me contou. Sendo pessoa que, com facilidade usa o vernáculo quando em ambiente informal, estava incomodado com a falta de decoro do líder parlamentar do PSD bem como com as intervenções de outros elementos da bancada laranja. Depois, ao passar de raspão pelo Santana Lopes, vi-o, todo ele frescuras a mostrar agastamento pelas maneiras do seu antigo correlegionário. Fui agora espreitar as notícias e, de facto, pelo que leio confirmo que o PSD está mesmo a desaderir do seu eleitorado e a cavar um fosso entre eles e os portugueses bem formados e bem educados.

Poderia aqui contar umas coisinhas, vividas na primeira pessoa, com uma das personagens referidas nas notícias e até, mais recentemente, de uma cartinha dele. Ainda me lembro do meu cunhado que, nesse dia cá estava e com quem comentei a epístola, a ter lido e ter dito que às vezes de reencontros assim nasce um grande amor. Mas não aconteceu porque obviamente jamais aconteceria e porque não houve o reencontro ali sugerido. Mas isso também não é para aqui chamado até porque na altura a minha ideia dele não era exactamente a mesma que é hoje e porque de episódios pessoais não se constroem histórias colectivas.

O que sei é que, ao mesmo tempo, é uma pena e uma preocupação que não haja uma oposição decente e consistente. Embora eu seja apoiante deste Governo, considero que um regime democrático se fortalece com uma oposição inteligente e sensata. A sua ausência abre portas a movimentos populistas cujas consequências estão bem patentes por todo o lado e de que a vitória de Bolsonaro é apenas o último e caricato exemplo.

Portanto, não me apetecendo alongar-me mais sobre mais esta desastrosa performance do partido de Rui Rio e Fernando Negrão, passo a Mr. Bean. Não está no Parlamento mas, sim, num avião. E tem graça e é educado e simpático. Mas há ali qualquer coisa que me faz relacionar o vídeo com o comportamento da bancada laranja, a começar pelo seu inconveniente líder.

terça-feira, outubro 30, 2018

WIP




Só para dizer que, por estes dias, a minha cabeça e a minha escassa disponibilidade estão entregues a virar a casa de pantanas. O reviralho já começou. Não fica pedra sobre pedra. E, do que me é dado perceber, as novas estantes  não vão chegar. Neste momento os portugueses de ficção estão na nova e, salvo os que ainda derem à costa, o trabalhinho ali quase pode ser dado por concluído. Mas sei que ainda há uns quantos por aparecer. Já os procurei mas em vão. Só aparecerão à segunda, terceira ou quarta monda.

Pior a poesia portuguesa. Pensei que ficaria a nadar e afinal não coube. Nascem. Quase baqueei sem saber como resolver. Depois de andar às voltas, resolvi que alguns dos espaçosos e já mortos, ou seja, cuja obra não deve aumentar, vão para outro lado, mais concretamente, para uma prateleira da estante dos portugueses que é larga e hospitaleira. Concretamente, Pessoa, Sophia, Herberto, Vasco Graça Moura.


As colectâneas, antologias e colectivas terão que ir ainda para outro lugar. Talvez para perto dos poetas estrangeiros. Ainda não sei onde será mas tenho uma vaga ideia que terei que aprofundar face ao equilíbrio de tudo o que ainda falta decidir.
[E, enquanto isto, chove que deus a dá. Oh sonzinho mais bom. Chove com força e está frio e eu penso que quando chegar à cama vai estar quentinha e eu vou gostar de estar enroscadinha e tapadinha. Quando está calor não suporto roupa nem perna peluda a aquecer ainda mais a minha existência mas, quando vem este mau tempinho, viro outra, gatinha que gosta de ronronar no calorzinho bom].
Mas então, dizia eu, que a barafunda está instalada. Já retirei da estante pequena do hall dos quartos os portugueses que já eram e que escreveram que se fartaram. Tinham sido postos ali para não estorvarem os mais parcos. A saber: Aquilino, Eça, Ferreira de Castro, Miguéis, Virgílio Ferreira, Namora, Camilo. Obras completas ou quase que açambarcavam muito espaço. Pois bem. Agora que há uma estante grandona só para eles já foram para junto dos seus. Assim, ganho espaço para os brasileiros que, na outra estante desse hall, já estavam a ficar acanhados, sem espaço para acomodar os novos que vêm tomamdo o meu coração. Vai ser a tarefa de amanhã.


E o que se segue é ciclópico pois passa por revoltear tudo o que está nesta sala. Antes de vir escrever aqui, pequei a eito em tudo o que tinha sobrado da faena de hoje e que estava no chão e pus em cima dos sofás. Isto para ser possível aspirar o chão e transitar porque, parecendo que não, falta-me alguma leveza para levitar. Mas não quis antecipar o caos onde gosto de me desnortear, quando o chão desaparece sob pilhas e mais pilhas e eu ainda sem saber bem como rateá-las.

Por exemplo. Tenho que arranjar um espaço para diários, outro para correspondências. E fico depois na dúvida se separo as cartas ou os diários da restante obra. Por exemplo: correspondência entre Cesariny e outro qualquer deve estar ao pé da obra do Cesariny? Acho que não pois como resolver quando são os dois escritores: Jorge de Sena e Sophia, por exemplo? 

Um Leitor disse-me que se catalogasse tudo e registasse a localização, ficava o assunto resolvido. Não ficava, não. Porque a mística está nesta dúvida, neste processo de decidir, nesta dúvida que persiste, neste prazer de mexer nos livros sem saber como melhor os manter perto de mim, perto da minha memória, perto da minha vontade de os poder ver bem.


E há as crónicas. E os ensaios. E os que não são bem coisa alguma. Um desafio.

Nisto já dei com três repetidos. Isso é que me aborrece mesmo. E ainda por cima são daqueles que penso que nem o meu filho nem a minha filha apreciarão que eles ainda são muito conservadores, ainda não atingiram o estado de hiperbolização mental da mãe.

A ver se amanhã me dá para fotografar este WIP (leia-se: work in progress) para que melhor possam perceber a trapalhada gostosa em que me estou a meter.

No meio disto, e porque uma confusão nunca vem sozinha, caíu o varão do roupeiro pequeno com toda a cabideria que lá estava pendurada. Nem quero pensar. Tem que se tirar tudo e só espero que aquilo não esteja partido, ou o varão ou os suportes. Os deuses brincam comigo, põem-me à prova. Mas eu, quando assim é, digo que fiquem a brincar sozinhos. Portanto, do roupeiro ocupo-me amanhã.

Ah, sim, é verdade: e já estive a fazer o euromilhões porque bom, bom mesmo, era se eu pudesse ter uma casinha com estantes como a destas fotografias que aqui vos mostro. Isso, sim, era uma boa. Aí até podia ser tudo de carreirinha, tudo à larguinha.


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Antes de crucificarmos a Isabel Moreira, reflictamos um pouco.
Pintar as unhas na Assembleia da República ou, mais genericamente, no local de trabalho: sim ou não?


Obtive a foto na net e, do que vejo, não garanto que seja
a Isabel Moreira.
Mas dizem que sim pelo que admito que estejam certos
Argumentos a favor de pintar as unhas no local de trabalho: 

1. Não é preciso ter a preocupação de as pintar em casa
2. É mais fácil secá-las porque se pode ficar com as mãos sossegadas sem correr o risco de roçar em alguma coisa e dar cabo de tudo

Argumentos contra:

1. Ter que levar acetona, algodão e verniz para o trabalho
2. Ter que aturar os olhares invejosos de quem, fingindo estar incomodado com o cheiro da acetona e/ou do verniz, está apenas com pena de não ter tanta lata.

Só acrescento um ponto a desfavor e que não é pequeno: o risco de abrir uma caixa de pandora. Pensemos: a passar a ser prática comummente aceite,
quem poderá levar a mal se a Madame Cristas, na próxima vez que for debater com o Costa, sacar de toalhitas desmaquilhantes e, ali mesmo, tratar da sua higiene facial para, em casa, não ter que perder tempo com isso? 
quem poderá dizer alguma coisa se, em pleno debate, a Heloísa Apolónia se entretiver a fazer trancinhas à Mariana Mortágua? 
quem poderá depois criticar o Hugo Soares se ele, enquanto o Negrão esbraceja no Parlamento para se manter fora de água, se descalçar, tirar as meias, alçar da perna, pondo o pé em cima da bancada para, com um corta-unhas, ali mesmo aparar as unhas que lhe estão a esburacar as meias?
Mas, enfim, incumbe ao nosso Presidente da Assembleia decidir sobre qual o código de conduta a adoptar no hemiciclo. Eu, por mim, só posso dizer que a mim, no meu trabalho, não me dá jeito. Mas isso sou eu.

segunda-feira, outubro 29, 2018

Jair é massa, inda bem que ganhou ele
Papo entre Irís e Duca que também votaram em Bolsonaro




Irís sobe, sacola ao ombro, nails em pink com estrelinhas douradas. Diz à amiga que a acompanha que o ónibus vai cada vez mais cheio. A amiga sorri e diz: 'Cada gringo mais lindo que o outro'. Irís olha, apreciadora, e diz que sim, que dá gosto ver.

Duca abre a bolsa, tira o espelho pequeno, tira o lápis azul e ajeita a sombra que a deixa com um olhar cor de céu. Morena de dar gosto mas com cabelo tingido de louro, gosta de sombrear a pálpebra com um céu limpo. Traz boné de feltro vermelho a puxar ao tom do lábio e toda ela se sente gostosa.

Irís faz o mesmo, tira o espelhinho e o gloss da sacola, reforça o pink dos lábios. Olham uma para a outra com ar aprovador. Bonitas, produzidas. Se têm canseira lá dentro, por fora não se nota é nada. As más línguas diriam que são duas piriguetes de se lhes tirar o chapéu e elas não estariam nem aí.

Depois da beleza posta em ordem, Duca comenta: 'Morreu o caçula de Pedrinho. Sabia? Mataram ele.' Tom indiferente. Íris também tem indiferença na voz: 'Foi, não foi? Minha tia já tinha me contado. O meu primo no outro dia escapou por pouco, sabia? Tiraram tudo. Bateram nele, ficou de dar dó. Fez selfie e me mandou. De dar dó, amiga, todo amassado'. Depois encolheram os ombros. Assunto banal.

Duca lembrou: 'Não perguntei. Tá contente lá na loja nova, Iry?'. Íris voltou a encolher os ombros. 'Muita sujeira, muita desarrumação. Primeiro que fique limpo... nem queira saber. Mas a grana é boa. Dá pra mandar para Lindinha se vestir, para Tiquinho ter livro pra escola. E ainda sobra. É bom. Na loja à noite, nos advogados logo pla manhã, na pizzaria ao almoço. Dá pra tirar uma boa grana. Ainda ontem fui na Primark e me aviei, nem queira saber, olhe este top veio de lá, não é lindo?'

Duca diz: 'Lindo, mesmo. Olha, nem sei como não te vi lá. Também fui ontem, tá com coisas lindas de morrer, a nova colecção tá de mais, a gente se tenta mesmo, não é, não?'.

E sorriem, felizes.

Duca continuou: 'Já mandei minha mãe vir. E pode trazer meu mano piqueno. Arranjo trabalho pra ela, escola pró caçula e casa pra todos. Aqui é bom. Tá ficando caro, a turistada faz subir o preço da casa, mas a gente se vira, né? Tenho medo que um dia alguma bandidagem leve algum deles lá. Não descanso enquanto não tiverem cá comigo. Mas me desdobro, amiga, me desdobro. Chego à noite toda derreada, nem sabe. Mas vale a pena.'

Íris não diz nada. Sabe que Duca trabalha nas limpezas de manhã mas faz programa à tarde e à noite. Também ela já foi sondada pra fazer. Mas não quer. Acha que não ia conseguir. Tem medo de ser maltratada, de encontrar cliente bruto que faça doer, que não seja lavado, que tenha mão pesada, com pouco carinho. Sente admiração por Duca. Sempre foi corajosa, sabe se fazer valer, saberá se defender se for preciso. 

Duca sabe que Íris sabe mas não fala disso, falar pra quê?, nada pra dizer, melhor assim. Cada uma vira como se pode. E, depois, tanta coisa pra trás -- bem pior antes, lá longe, em casa, tanta necessidade, tanta maldade, tanta coisa má que nem é bom lembrar. 

Duca desvia, pois, a conversa: 'Olha, Íry, que diz da vitória de Bolsó?'. Íris diz: 'Não sei dizer nada, não, amiga. Não sei nada de política, não. Votei nele porque não é político. E li no Face coisas dos outros, muita malandragem a dos outros, não sei te dizer o quê que não ligo pra isso, só digo o que ouço. Sei é que Jair diz que é de família, que com ele malandragem não tá é com nada, que vai acabar com bandidagem. Ele é massa, viu?'

Duca confirma: 'Também eu, amiga, também escolhi ele. É massa mesmo. Lá na igreja apoiam ele, diz que é do bem, diz que vai pra lá pra defender o povo da bandidagem, que com ele bandido vai é na bala. O pastor lá diz que Jair tem o voto de deus. A ver se é desta, né amiga?, que a gente vai ter alguém do bem pra olhar pra nós, né mesmo?'.

Íris diz que sim, que tá contente. Depois pensa, mas não diz nada, que o broder mais velho de Duca é gay e que Jair diz que não quer nada com bicha. Melhor nem lembrar isso pra Duca -- pra quê preocupar ela, coitada? -- até porque Jair tem tanto bandido, comuna e negão para dar conta que deve deixar bicha pró fim.


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A história que acabei de escrever poderia muito bem ser mais uma das historinhas do halloween que tenho vindo a escrever (a saber: a da advogada, a do olho e a do gato). Mas não. Esta é de terror a sério. 

domingo, outubro 28, 2018

Dia de frio in heaven, com um cogumelo e um faisão mesmo aqui à porta.
E mais uma fantástica reportagem vídeo da Sta UJM passeando por entre poesias e coisas assim.



Muito frio. Ao sol ainda vá mas, ainda assim, se se levanta o vento, logo se infiltra por entre as malhas do meu casaco. Trouxe um de lã macia, grossa e aveludada. Mas foi feito com agulhas ainda mais grossas pelo que ficou solto, leve e, portanto, o ar entra por ele com a maior facilidade. 

Quando chegámos a casa, estava mesmo fria. Como gosto sempre de abrir as janelas para arejar, o meu marido veio logo dizer que nem pensar. E à noite já tivemos que dar uso à salamandra. Muito bom, o calorzinho ameno aqui junto a nós. 

Ontem estive a ler o livro que tinha começado a ler no carro e do qual estou a gostar muito: Os testamentos traídos de Milan Kundera. É daqueles que estou a ler e a lamentar não ter a capacidade de memorização daquele meu amigo que até desconfio que seja pouco normal (e digo assim para não dizer anormal de todo): memoriza tudo. Tudo. Estamos a conversar e ele lembra-se de passagens de livros e depois di-las. Por vezes são livros que já li e ele diz: 'Lembra-se daquela parte em que ele se insurge e, com uma ironia fantástica, diz que...' (whatever) e eu não me lembro de nada. Até me faz sentir como se estivesse a querer enganá-lo. Este do Kundera dá vontade de memorizar e de transcrever para vos mostrar. Mas, como é bom em contínuo, desisto.


Agora a seguir vou voltar a ele. Já não vou poder deitar-me lá fora, ao sol, a respirar o perfume da figueira. Ou fico aqui ou vou ali para o lado, deitar-me no sofá, talvez com uma mantinha. E talvez deixe que o sono pouse sobre mim. 

De manhã andei a caminhar, a fotografar, a fazer os meus vídeozinhos bucólicos, a limpar a casa, a fazer o almoço. 

Agora, enquanto estava a escrever, reparei num pequeno vulto ali entre as folhas. Fui ver. Era um cogumelo. O primeiro cogumelo de outono. Fui fotografar.

E só surpresas. Estava também agorinha mesmo a colocar aqui a fotografia, diz o meu marido: 'Olha, um faisão'. Ao princípio nem percebi. Ele disse: 'Aqui à porta'. Nem queria acreditar. Era mesmo. Esta sala tem portas de vidro que dão para a rua. Um faisão lindíssimo passeava-se mesmo junto à porta. Rapidamente peguei na máquina mas ele já tinha ido para o pé da fonte. O meu marido disse: 'Se abres a porta, voa'. Mas, para o fotografar, para ter ângulo, tinha mesmo que abrir. Em silêncio. Mas ele ouviu, sobressaltou-se e voou. Grande, pesado, levantou voo e num ápice deixei de vê-lo. Ainda não estou em mim. Um faisão belíssimo aqui. Este meu heaven é habitado por seres muitos misteriosos.

Bem. Vou ler.

Deixo-vos com um dos vídeos de ontem. O meu marido já aqui esteve a gozar por eu, por muito que queira, não conseguir ter uma voz encorpada e lisa. Sai-me sempre esta voz sumida, com graozinho. Uma irritação. Ele diz: 'Mas se é a tua voz, como querias que parecesse outra?'. Olha, desisto. Paciência. Terão é que pôr o som bem alto para perceberem alguma coisa.



Miaauuuuuuuuuuuuuuuuuu....




Não foi a primeira vez. Aliás, foi por causa do que aconteceu na primeira vez que passámos a ter o portão fechado à cheve. 

Nessa vez, estava um dia de muito calor. Estávamos na cozinha a almoçar, só os dois. Às tantas ouvimos uns ruídos, depois passos e, no instante em que olhámos um para o outro a tentar perceber o que se passava, já um homem corpulento, de espingarda na mão, afastava o reposteiro e assomava à porta. Apanhámos um susto. Levantámo-nos precipitadamente sem saber o que nos esperava. Mas o homem, percebendo que nos tinha assustado, pediu desculpa e perguntou se deixávamos que os cães bebessem água, e com ar aflito, disse que uma cadela já tinha morrido. E logo saíu.

Sem percebermos bem o que se estava a passar, fomos atrás dele. Saíu em direcção a uma carrinha, abriu as portas para soltar os cães mas eles mal se mexiam. O meu marido levou a mangueira, abriu a água, molhou os cães, deu-lhes de beber. Passado uns instantes estavam como novos. Mas o homem estava francamente enervado, talvez até mais enervado do que desolado. Explicou que depois da caça, tinha deixado os animais na carrinha enquanto tinha ido dar uma volta para explorar melhor o local, que depois tinha ido comer uma bucha, que nunca tinha pensado que o calor fosse tanto a ponto de um dos animais morrer.

No meio daquele culpabilização e desgosto dele não íamos dizer que podia ter tocado à campainha antes de entrar por ali como se nem tivesse que pedir licença pois imaginámos a aflição dele ao chegar ao carro e ver um dos animais já morto e os outros quase inconscientes.

Mas, independentemente da situação que talvez justificasse a invasão, os caçadores, tenho ideia, são um bocado assim: tendem a achar que é tudo deles. Foi também por causa dos caçadores que resolvemos vedar esta parte do terreno onde está a casa. Era frequente darmos com eles por aqui, eles e os cães, perseguindo os coelhos. Tinha pavor que os miúdos andassem por aí em dia de caça. O meu marido passava-se com eles, exaltava-se, dizia que tinham que respeitar a distância à cada, que estavam a pedir sarilhos. Lembro-me de um, furioso, se virar para e e lhe perguntar: 'Essa é boa, e ia deixar aqui os coelhos, não?'. Um perigo, gente assim. Eu mesma me peguei várias vezes com eles, ameaçando chamar a guarda.

Vedámos, então, esta parte do terreno mas volta e meia detectamos cartuchos e percebemos que estiveram cá dentro. Lá mais para o fundo, em baixo, ainda não há muito, o meu marido andou a reparar a vedação pois, em baixo, havia uma abertura, certamente para os cães poderem entrar.


Pois bem,  De novo. Só que, desta vez, como o portão está fechado, a pessoa tocou à campainha e o sino. Tão insistentemente que me assustei.

O meu marido andava lá para baixo. Eu estava ainda na cama. Com os dias que tenho tido, o que me vale são os dias do fim de semana em que posso dormir até mais tarde. Apressadamente, enfiei umas calças, vesti a blusa e fui à rua ver o que se passava. Por precaução, levei o telemóvel.

No portão, uma criatura grande, de sexo indefinido. Não percebi se era um homem com feições e corpo vagamente femininos, se uma mulher enorme, masculinizada. Estava com um daqueles fatos de tipo camuflado, boné, e segurava uma espingarda. E tinha uns quantos coelhos pendurados à cintura. Ao colo, um cão que gania.

Com ar preocupado, perguntou se eu tinha alguma coisa com que pudesse tratar a pata do cão que, pelos vistos, estava cortada. Vi sangue e uma ferida um bocado assustadora. Perguntei se não era melhor procurar um veterinário. Perguntou se sabia de algum ali perto. Não sabia. Abri o portão e fui buscar algodão, água oxigenada, betadine. 

Continuei sem perceber se era homem ou mulher. A voz era indefinida e desagradável. Pousou a espingarda, pôs o pé em cima do banco, deitou o cãozito na perna, segurando-o para que eu pudesse limpar e desinfectar o ferimento.

No momento em que me aproximei, tive uma visão aterradora. No meio dos coelhos pendurados à ilharga, outra coisa. Dei um salto. Apontei: 'Que é isso?!' e só me apetecia empurrar a criatura para bem longe. Respondeu com naturalidade: 'Um gato'.  Horrorizada, quase gritei: 'Que é um gato já eu vi. Mas matou um gato e trá-lo aí, como se fosse uma peça de caça?'. Respondeu: 'Que mal tem? Qual a diferença? Gato ou coelho, tudo igual, sabe tão bem um como outro.'

Passei-lhe o algodão com água oxigenada para a mão e quase empurrei a criatura do portão para fora. O cão cania. Fiquei com o chão cheio de sangue. Já do lado de fora, ainda me disse, com voz sarcástica: 'Obrigada, ouviu? Já percebi que não aprecia o pitéu. Mas se quiser um casaco de pele de gato, diga, que já lá tenho que chegue para um'.

Nesse instante, agoniada e aterrorizada com tanta perversidade, ouvi nitidamente um gemido que me deixou transida e que, não duvido, era um miar de gato.


Profissão: espião


Há coisas extraordinárias. Isto para não dizer estranhas. O algoritmo do YouTube não apenas pensa bem (já que, a partir das minhas pesquisas e da forma como me comporto, demorando-me mais ou menos ou nada em alguns assuntos, me faz sugestões surpreendentes) como, por vezes, parece que adivinha o que me pode interessar apenas a partir de situações da minha vida e do que delas penso -- e sobre as quais, de certeza absoluta, não deixei qualquer pegada digital. 

Enfim.

Hoje trouxe-me o vídeo que abaixo partilho convosco e que se relaciona com algo sobre o qual nunca fiz pesquisas ou sobre o qual nunca antes escrevi o que quer que seja. Como chegaram à conclusão que é tema ao qual não sou indiferente, é um mistério. Coincidências.

Mas já que o safado do YouTube parece que quer desafiar-me, não me faço rogada e deixo aqui um brevíssimo apontamento. No outro dia, apanhei já a meio uma entrevista que, tivesse eu sabido dela, teria visto com atenção do princípio: na RTP 3 o ex-director do SIED, Jorge Silva de Carvalho. Tudo o que ele disse é mais interessante do que, à vista desarmada, pode parecer. E remeteu para outras conversas, noutros lugares, com outras pessoas que frequentam os mesmos meios que ele, antes de se afastar, frequentou. São meios sobre os quais, naturalmente, pouco se sabe mas que, a meus olhos, são fascinantes. Gostava de poder falar mais sobre estas matérias, sobre a forma como 'os trabalhos' são preparados, muitas vezes longamente preparados, abrangentemente preparados, sobre a empatia que é preciso que se estabeleça com as pessoas que, sem o saberem, estão a passar informações, sobre os meios usados, sobre os indícios de que alguma coisa se pode estar a passar. Mas não o vou fazer pois são assuntos cujo conhecimento, se não usado com sensatez, facilmente pode degenerar em paranóia. 

Passo, pois, directamente para o vídeo que o YouTube me sugeriu: a anterior Chefe de Disfarces da CIA, Jonna Mendez, explica como é que os disfarces são usados na CIA, e que aspectos, alguns de pormenor, podem ser usados para tornar o disfarce credível.


sábado, outubro 27, 2018

Em terra de cegos, quem tem um olho...





Há agora muitas trotinetas em Lisboa. À noite têm luzinhas e parecem pirilampos deslizando pelos passeios da Baixa. A paisagem urbana vai mudando e eu gosto cada vez mais dela. Não é bom trabalhar até tarde mas é bom, no regresso, andar na bela cidade ao cair da noite. Há qualquer coisa de mágico nisso.

Calhou esta semana ter que atravessar a cidade a meio da tarde e ter tempo para ir pela beira do rio. Uma cidade luminosa, aberta ao mundo. Muita gente desfrutando o sol, deitada na relva, estendida na amurada, andando devagar, conversando, fotografando. Sempre gostei de cidades grandes, com muita gente de passagem cruzando-se com quem a habita ou nela trabalha. Gosto de me sentir também de passagem. Estou de passagem. Se calhar já vivi na época vitoriana frequentando animadas tertúlias, se calhar ajudei a contribuir para a fama das etruscas, se calhar fui monja e escapei-me por corredores labirínticos. Mas, entre todas as minhas vidas, vou passando  com o vagar possível, olhando bem a beleza dos lugares, sentindo o perfume do ar em que vivemos.

Cheguei a casa depois da uma e meia da manhã. Estava desejando despir-me, desapertar-me, descalçar-me. Mal me sentei aqui para espreitar em que param as modas, adormeci. Um bocado antes tinha acontecido o mesmo com os meus meninos. Depois de terem brincado na maior vivacidade, caíram na cama e adormeceram instantaneamente.

Foi longo e muito bom este meu dia. Estar com os meus, ver como gostam de estar juntos, ver como estão bonitos e crescidos é para mim felicidade suprema.

De tarde, tive duas reuniões, a segunda das quais com um homem relativamente jovem, muito alto e parecido com um guerreiro árabe, cabeça rapada e grande barba. Há uma primeira vez para tudo e aparecer num lugar daqueles alguém com aquele ar foi decididamente uma première. Simpatizei com ele. Parecia caído de um outro mundo. Ria muito, muito bem disposto. Acho que não percebeu como estava ali deslocado.

Quando a reunião acabou, despedi-me e acompanhei-o à porta. Nessa altura, meteu a mão no bolso para me entregar um cartão. Nessa altura, alguma coisa veio atrás e caíu para o chão, saltitando como uma pequena bola. Era de facto uma estranha pequena bola. Pareceu-me um olho raiado de sangue. Nessa altura, ele pareceu assustado ainda mais assustado que eu. Apanhou rapidamente a pequena esfera e meteu-a no bolso. Fiz de conta que não reparei e ele nada disse. Quando ia despedir-se de mim fez o gesto de me ir beijar. Estendi-lhe a minha mão, forçando-o a recuar. Sorriu, então, com um ar perverso como se quisesse que eu percebesse que ele tinha captado o meu receio. 

Quando cheguei ao meu gabinete, inquieta, espreitei pela janela. Um outro, que me pareceu exactamente igual mas vestido de outra maneira, esperava no passeio. Estava de costas. Depois aquele que tinha estado comigo chegou, bateu-lhe no ombro. Nessa altura, o outro virou-se. Tinha uma pala preta a tapar um dos olhos. 

Um arrepio percorreu o meu corpo.


sexta-feira, outubro 26, 2018

No melhor pano...




Não posso jurar que nunca a tivesse visto. Eu tinha estacionado num piso muito inferior e estava no elevador quando ela entrou. Pensei: estacionou no piso das visitas. Mais alta que eu, mais nova que eu, mais bonita e elegante que eu. Perfumada e bem cuidada, cabelos muito bem tratados. Olhei-a o mais discretamente que consegui. Pensei que deveria ser advogada pois notoriamente não dispensava roupa e sapatos de marca e tinha aquela segurança e requinte que caracterizam as mulheres que pensam bem, que ganham ainda melhor, que frequentam os corredores do poder e que estão habituadas a só beber do fino.

Tinha um vestido justo, levemente acima do joelho, de manga curta, num tecido suave com flores em azul claro, com laivos de lilás e uns toques de branco e cinzento. Trazia um colar e uns brincos de pérolas. Os sapatos, muito altos, eram no mesmo tom de azul. Olhou-se discretamente no espelho, sacudiu levemente o cabelo. Estava absorta, parecia nem dar pela minha presença.

Quando chegámos ao meu andar, percebi que ela também ia sair. Deixei que saísse antes de mim. Agradeceu e saíu em passo determinado. 

Então, no momento em que eu própria ia a sair, reparei que no chão, no local onde ela tinha estado, estavam umas gotas de sangue.

Fiquei petrificada. Quis fazer alguma coisa, dizer alguma coisa. Mas, sem saber bem como, devo ter hesitado. E logo as portas se fecharam e eu, sem querer, segui no elevador. 

Voltei a marcar o meu piso. Olhei o chão. 

Quando saí, reparei que até à porta do escritório havia mais umas duas ou três gotas. Espaçadas mas grossas. Perguntei à recepcionista quem era a mulher que tinha entrado. Disse: 'Não sei. A secretária do presidente tinha-me dito que ele estava à espera de uma pessoa. Quando a avisei que tinha chegado, ele mesmo veio recebê-la. Estão os dois no salão nobre. Bonita, não é?'. 

Respondi: 'É, pois. E o vestido?'. Ela fez um ar apreciador: 'Lindo'.

Pensei: uma cadeira de veludo vai ficar em mau estado (são em verdinho claro); e do lindo vestido azulinho nem se fala.


PS:

Confirmei depois: é mesmo advogada e, segundo consta, infalível. 

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[Depois deste escrito pré-halloween, caso estejam in the mood há aqui já a seguir dois posts cada um com um poema mais bonito que o outro]

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Paixão






Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos
erguer entre eles uma parede e abrir
depois caminho à água.

Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia
de súbito em profundas minas, a memória
das suas mais longínquas galerias
extrai aquilo de que é feito o coração

Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.


[de Luís Miguel Nava em Do corpo: outras habitações, organização e apresentação de Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas
Pintura Os amantes de Picasso com Jacques Brel a interpretar La chanson des vieux amants]

Eterna vertigem






Olhei-te e não percebi
a queda no abismo
sem nos recordarmos
de um outro espaço alado

nem saber quando foi
que nos conhecemos
e fatalmente amámos

lá atrás, mais além
em lonjuras distantes
por entre névoas
neblinas e luas abissais

se nenhum de nós um do outro 
sabia, por capricho
de quem nos repete mortais

de Maria Teresa Horta in Estranhezas

[Pintura de Chagall; In the Mood For Love - Yumeji's Theme by Shigeru Umebayashi]

quinta-feira, outubro 25, 2018

Uma revolução na calha




Pois bem. A régua de tomadas que estava atrás da secretária já foi retirada e colocada na ponta da parede que vai ficar livre pois a parede vai levar a meio uma estante e não podíamos ficar sem tomadas à vista. Na parede da frente tem um armário fechado, na do lado tem outra estante e noutra uma porta-janela que dá para a varanda. Agora ainda tenho que tirar os quadros e um espelho que ainda estão nessa parede e arranjar-lhes outro paradeiro. Vai ser outra luta. Vai dizer que não gosta de esburacar as paredes. Mas a mudança das tomadas ficou muito bem, com calha e tudo. Ainda nem estou em mim. Já lhe disse que, se afinal leva jeito, tenho outros trabalhinhos em carteira. Não gostou da sugestão.


Agora estou é desejando que venham trazer as estantes. Não vejo a hora de virar a casa de pantanas, reformulando toda a organização da biblioteca. Ainda não pensei bem como vai ser. Se calhar, nesta alta e estreitinha que vem para encostar à coluna desta sala vou colocar a poesia portuguesa. Acho que esse vai ser o ponto de partida. 

Penso que o critério seguinte será o de, nas prateleiras de baixo das várias estantes, colocar os livros menos interessantes. Não dá jeito nenhum uma pessoa procurar livros em prateleiras ao nível do chão. Tenho que me dobrar toda ou sentar-me no chão. Um desconforto. Não dá para ser frequente. Por isso, para lá... o quê?

Não sei. Por cada ideia que me ocorre, logo a rejeito. Revistas Ler? Colóquios Letras? Não sei. Pouco interessantes não são. Menos susceptíveis de querer ir à procura de algum número? Não sei. Não sei mesmo.

Não é fácil.


Entretanto, estou com outro problema que carecia de resolução antes da revolução. A estante baixa, em cima da qual está a televisão, está a abaular. Tem dois metros e meio de comprido e deveria ter mais apoios do que tem ou, então, ter menos livros. Eu acho que deveria ser esvaziada e analisada para se perceber como desabaulá-la. O meu marido diz que não é marceneiro, que não faz ideia do que lhe fazer. Aliás, fez uma coisa que achei um disparate e que aceitei pacificamente porque achei que era temporária. Tirou os livros da posição normal e fez pilhas nas pontas para retirar peso do meio das prateleiras e para que sustenham as prateleiras de cima. Com isto só vejo as lombadas de baixo. Se quiser procurar um livro é impossível. Mas ele acha isto normal. Por ele ficavam assim. 

Como tenho os livros de literatura estrangeira por ordem alfabética de autores (não os russos, não os latino-americanos, não os brasileiros, não os portugueses e não os de séries completas de autores -- que esses têm espaços próprios noutras estantes) e nesta estante estavam, salvo erro a partir do S, tenho que ter a estante disponível pois, obviamente, entre os que estão agora espalhados há nomes a partir do S. 

Portanto, arranjar esta estante vai ser outra luta. Diz que por saber que uma decisão de ter estantes novas esconde uma série de mil outras decisões e que o trabalho acaba sempre por sobrar para ele é que tenta sempre adiá-las até mais não poder. 


E debato-me, internamente, com um grande dilema. Se não arrumo os livros novos, acabam por se formar montanhas deles, uma coisa ingerível. Mas, se os arrumo, perco-lhes o norte. Tenho a sensação que se perdem de mim. Só os encontro se me lembrar deles. Caso contrário, ali enfiados entre outros, perdem identidade, afastam-se de mim, parece que passam à história. Na última reorganização que fiz, deixei-os à larga para que fosse mais fácil manuseá-los caso quisesse puxá-los para fora. Mas é para esquecer. É como se ficassem arquivados, arquivo morto, esquecido, como se já tivessem sido lidos, como se já tivesse desistido deles. Por isso, prefiro-os por aqui, em pilhas ad-hoc.

Penso que a solução para este dilema passará por uma arranjar uma arrumação inteligente, acessível.


Tenho ainda um outro assunto para resolver. No que era o quarto da minha filha e que, quando ela saíu, açambarquei, há uma estante cheia dos livros, cadernos e sei lá que mais do meu filho. Conservou religiosamente todo o seu material de estudo mas não tinha onde guardar tudo quando se mudou para a sua casa que era pequena. Agora já tem uma casa grande mas nos pisos que estão habitáveis não tem espaço para mais livros e a cave e o sótão ainda não estão arranjados. Mas, logo que ele tenha condições para levar tudo aquilo, fico com mais umas prateleiras livres. Talvez aí pusesse enciclopédias médicas, livros de puericultura, plantas medicinais, coisas assim. E com isso libertava outras estantes.

Enfim.

Tal como aquele meu amigo caçador que vibra com a perspectiva de se levantar de madrugada, de chegar ao campo ainda frio e orvalhado, de sentir os rumores que se começam a levantar com a chegada da madrugada, assim eu com a chegadas das novas estantes, com a perspectiva de ter o chão da sala e corredor pejados de livros, com a emoção de voltar a tocar, um por um, todos os livros, com saber que durante dias esta parte da casa fica intransitável.

Parece loucura e, na volta, é.


E hoje passei por uma rotunda e já estavam a montar umas estruturas para as iluminações de natal e eu fiquei a pensar que passou já um ano desde que, o ano passado, me surpreendi com a mesma coisa. O tempo passa de uma forma um bocado inclemente. O que vale é que os meus livros não passam, não envelhecem, não são de modas.

E hoje é tarde, e eu adormeci em vez de me despachar e daqui a nada tenho que estar a sair de casa e estes tempos não andam fáceis e cai-me trabalho em cima de uma forma estúpida e eu tento lembrar-me que o povo é sereno porque os meus problemas são coceirinha inofensiva aos olhos de quem tem problemas de verdade.


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Partilho convosco dois vídeos que mostram duas casas extraordinárias. Eu que gosto tanto de decoração, pelo-me a ver casas assim.




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As pinturas que plantei ao longo do texto são de Egon Schiele

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Uma boa quinta-feira a todos

quarta-feira, outubro 24, 2018

Cavaco, o homem que queria ser Quinta-Feira.
[As páginas rasgadas que jamais serão lidas]





A Maria ensinou a criada do Palácio a ter sempre pastilhas de mentol em cima da mesa para ninguém ter desculpa para ter mau hálito.
Porra, Maria, era preciso uma canelada dessas? Mais logo já vais ter que me dar aqui uma fricção. Porra, vou ficar com uma nódoa negra.
Pronto, corrijo: como tenho mau hálito, tanto que a Maria diz que tenho que comer sabonetes antes de falar com alguém -- e ela não quer que os invejosos se sirvam disso para me atacar -- ensinou a sopeira a pôr os rebuçados de mau hálito em cima da mesa. Pois o gajo, pouco dotado como é, nunca se enxergou e, ao longo de anos, tive que estar ali a gramar-lhe o pivete dos maus ácidos. Sempre que eu tinha que lhe dar uma rabecada, subia-lhe do estômago uma baforada fedorenta enquanto todo ele se retorcia para fazer de conta que me respeitava. Mas nunca conseguiu. 

Só me trazia burrices, tudo ao lado, o gajo não percebe nada de nada. Pudera. Com a outra gaja como professora de que é que se estava à espera? 

Por causa dessa gaja, queria o outro menino mimado, um menino da mamã cheio de raivinhas, demitir-se. Fingi que me ralava muito com isso mas, claro, que não mexi uma palha. Desde os tempos do Independente que só se não puder é que não lhe mostro que quero é que ele se f...
Porra, Maria, vai chatear outro. Queres ver que já não posso dizer o que quero aqui na minha marquise? Era só mesmo o que me faltava. Queres lá tu ver que o defendes? Convencido que é um marquês, um lord inglês. Não há pachorra. 
Mas voltando ao destituído. O gajo até salivava quando vinha apresentar as sacanices que ia fazer aos portugueses. Cheguei a temer que tivesse um orgasmo ali mesmo à minha frente. Eu bem tentei ensinar-lhe que havia alternativas àquela receita mal parida mas o gajo é um caso perdido. A outra gaja convenceu-o que é dos livros que austeridade até espremer os cidadãos até ao tutano é que bom e o gajo aplicou-a até deixar o país e os portugueses depenados e as grandes empresas públicas vendidas ao capital estrangeiro e, até, a Estados estrangeiros. Bem tentei dizer-lhe que era melhor ir estudar a sério com professores a sério mas o gajo, obstinado e pouco dotado como é, não percebeu. Por três vezes disse que se ia demitir. Uma coisa na base do 'agarra-me senão eu bato-te'. Também não mexi uma palha. Era o melhor que ele fazia era demitir-se. Mas está bem, está. Não arredou pé. Só fez merda. Aquilo da TSU ainda foi o menos. O pior foi o resto. Só merda. Que ninguém diga que o apariquei ou que lhe pus uma mão por baixo. Mentira. A Maria está aqui ao lado e não me deixa mentir. 
Pois não, Maria? 
Ela diz que não. Eu tive foi vontade de lhe dar biqueiradas. 
Não é a ti, Maria, porra que nunca percebes nada. Qual má dicção, qual carapuça. É ao aluno da outra gaja que também só fez porcaria, desde os Swaps até ao rectificativos, que nunca acertou uma.
Que fique para a história: eu ao Passos Coelho nem com molho de tomate. Não gramo, nunca gramei. Que fique para a história: Não apoiei nem uma das muitas medidas que tomou. Zero. Levou o país para o lixo. Que fique para a história: sempre achei e sempre mostrei aos portugueses que tudo o que Passos Coelho fez foi porcaria. Porcaria da grossa.

Mas foi corajoso. Não é uma galinha qualquer que faz merda anos a fio e, mesmo constatando-se que nada daquilo se aproveitava, se mantém fiel ao seu rumo. Nunca percebi foi se fez porcaria sem perceber que fazia porcaria ou se aquele era mesmo o seu rumo, o de dar cabo do País. Mas foi corajoso.
É pá, Maria, deixa-me dizer parvoíces, não estejas para aí só a dar-me belinhas. Acho que me fica bem elogiá-lo, não quero saber que não seja coerente com o que escrevi acima. Alguém repara lá nisso? Vai fazer tricot e deixa-me dar largas à minha maneira de ser.
E depois apareceu-me o outro, o que leva tudo na boazinha. Não aguento. Gente bem disposta tira-me do sério. Eu a ranger os dentes e com o esfíncter apertadinho e o gajo todo Babush, a rir, a dizer que tudo se resolve. Não suporto gente bem resolvida. Por muito que eu me mostrasse cinzento, bafiento, múmia encartada, por mais que o bafejasse com o meu hálito sinistro, o raio do monhé não desarmava. E o sacana conseguiu mesmo dar o braço àquela caganita que fala pelos cotovelos e ao Jerónimo que, filho da mãe, se vendeu e agora já não se importa de apoiar o PS. Os comunas que estavam no túmulo ainda devem estar aos pinotes.  

Mas, calma aí, inteligente e sábio como sou, percebi logo que aquela coisa que dá pelo nome de geringonça -- e que eu, por mim, tinha feito o que na minha terra fazem aos gatos que nascem a mais -- estava para dar e durar. Que fique para a história: adivinhei logo que a caranguejola se ia aguentar até ao fim. Adivinhei tudo. E mais: que fique registado que tenho uma memória de elefante. Tomei nota de tudo, tenho opiniões sobre tudo, acerto sempre, sei tudo. E se me pisam os calos tenho ainda mais para sair à cena. Posso contar do outro que, numa recepção, deu um pum e depois ficou com um risinho amarelo, posso contar do outro que, mal chegava a Belém, ia a correr à casa de banho e vinha de lá sempre de braguilha aberta (tinha que ser o Liberato a puxar-lhe a orelha para lhe chamar a atenção), posso contar da loura inconveniente que, num jantar de cerimónia, deu tal arroto que o convidado perguntou se não estaria nenhum cavalo escondido atrás do cortinado. Não venham para cá com bocas senão vão ver.

Ah, e só espero que o Marcelo não ande agora por aí com indirectas e piadinhas para a geral senão a ver se, no próximo livro, não leva também umas bujardas que até vai de lado, catavento do caraças. Não tenho pachorra nenhuma para aquele emplastro, sempre pregado às televisões, sempre a dar beijinhos em tudo o que é velha que se lhe apresenta à frente. Como se aquilo fosse maneira de ser presidente. E não acerta uma. Eu é que acerto sempre. Eu é que sou o presidente. 
Presidente das Marquises...? Vai gozar com a prima, ó Cavaca duma figa. Porque é que não te candidatas a Presidenta para ver se deixas de andar colada a mim? Olha, já escreveste hoje a carta do dia ao Oliveira e Costa, ao Arlindo de Carvalho, ao Dias Loureiro? Vá, os amigos não se esquecem. Diz que mando saudades.
Agora vou interromper antes que apareçam por aí os invejosos do PS a dizer que estou a fazer felação delação ou que me falta sentado de Estido. E, para mais, tenho que ir ali pôr água na tigela da casota do cão que está ali no canto da casa de jantar. Enfiei lá o Lima. Aqui não tenho sótão e a Maria, esquisita como é, não o quer na marquise, diz que ele é como o Coelho, larga pêlo.

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Ei ei ei. Calma aí. 
Não foi o Cavaco que me deu estes apontamentos. Nem pensar. Encontrei estas folhas a voar por aí. 
Estavam dentro de um envelope voador que dizia  fake sheets. Ou seja, tudo fakeria.

As imagens provêm do saudoso We Have Kaos in the Garden

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Salve Tim Tim, enfim regressado do Tibete


Que alegria ao ver que, aqui na galeria lateral, me apareceu um blog renascido. Depois de muito aturar e de muito ter que engolir, eis que o nosso Tim Tim está de volta.

E faz-se anunciar assim:

Já ministro não sou : à poesia
fui devolvido, àquela noite escura
de onde o verso nos vem, rompendo o céu,
avesso à ventura ou desventura.

Só temos que lhe agradecer o esforço e o sacrifício e desejar-lhe, daqui em diante, uma vida boa e tranquila -- e que nunca a inspiração lhe falte. 

Felicidades, Mr. Alcipe.

terça-feira, outubro 23, 2018

Ioga a preceito: todos nus


Ia no carro e disse ao meu marido que, um dia que tenha tempo, gostava de ir fazer ioga. O meu marido disse que sim. Perguntei se ele queria ir comigo. Disse que podia ser. Depois perguntou: 'Sabes que aquilo é fazer posições, quieta?'. Assustei-me: 'Só isso?'. Riu-se e disse que sabia que bastava dizer que era para estar quieta que eu deixava logo de querer. Falou, então, em Body Balance, um misto de Pilates e de Ioga. Pareceu-me melhor.

Não quero coisa muito íntima, gente imóvel, ao lado uns dos outros, muito circunspectos. Acho que, quando me puser a fazer posições, seja ioga ou body balance, me hei-de desconjuntar, incapaz de fazer aquelas acrobacias, e, claro está, hei-de desatar a rir. E era o que me faltava se os outros me olhassem de lado, aborrecidos com o meu despropósito, como se ali não fosse lugar para risotas. E compreendo que, num ambiente daqueles, não haja lugar para desconchavos. Portanto, ioga já percebi que não é para mim.

Agora, como que adivinhando os meus pensamentos, o YouTube veio mostrar-me uma aula de ioga mas, sabendo-me danada para a brincadeira, com todos nus. E eu, que tinha estado a ver o Prós e Contras, só me ocorreu a ideia mais perversa e inconfessável de que há memória: é que só me metia numa aula daquelas se lá estivesse aquele professor escurinho da Nova. Não sei como se chama mas sei que tem muita pinta. Mas pronto, não devia estar aqui a confessar isto, ainda por cima depois de ouvir a monitora dizer que se algum praticante tiver uma ereção ninguém deve dizer nada porque é natural. Mas vá, não vou desenvolver mais estas ideias para não dar cabo da minha reputação. 

Limito-me a mostrar a aula para inspirar os meus Leitores.


Radical Beauty: Inside a Naked Yoga Class, Baring Is Caring

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Quando a roupa espelha a atitude e a atitude espelha o orgulho de ser


Mulata escura, talvez uns trinta e tal anos, reboluda, de grande e arrebitado rabo, anca generosa, perna substantiva, amplos seios verdadeiramente laudatórios. Toda ela ostentava o orgulhoso corpo que tinha conseguido enfiar dentro de um fato de lycra em amarelo quase dourado, apertado a meio com um cinto cor de cobre. O salto era alto, a malinha de mão tinha bonecos estampados sobre uma pequena superfície reluzente e falava ao telefone num brasileiro gostoso, perguntando à amiga se ainda tinha aquele esmalte azul. A amiga não deve ter percebido logo porque ela foi mais precisa: aquele piquinininho azul que estava lá na mesinha piquinina da televisão. Penso que disse: aquele vidrinho piquinininho azul. Aí a outra deve ter dito que sim pois a ampla mulata rejubilou enquanto explicava que tinha encontrado esmaltes de todas as cores mas nenhum naquele azul que fica bem com a roupa que ia levar para ir na casa da doutora. Falava muito alto, ria, jorrava exuberância. Pela conversa pareceu-me perceber que ia conhecer a dona da casa onde precisariam de uma empregada. 

Eu ia atrás dela no corredor do centro comercial a caminho da escada rolante e assim continuei na escada, uns dois degraus acima dela. Não podia deixar de ouvir. De resto, estava fascinada com aquela mulher tão orgulhosa da sua aparência, tão alegre, tão confiante. À luz dos meus formatados conceitos estéticos diria que ela tinha o dobro do peso, usava roupa demasiado garrida, justa demais, os saltos eram altos de mais, a carteira garrida demais, as unhas gaiteiras demais, aquele cabelo liso demais, comprido demais e arruivado demais.

Se o que percebi estava bem percebido, iria apresentar-se à possível patroa. Não sei se a roupa azul que pedia um esmaltinho a condizer seria mais discreta, não sei se viraria outra, uma mulher normalizada, e ou se iria assim, gloriosa, provocante, espaventosa.

Pensei: fosse eu jornalista e meteria conversa, pediria sessão fotográfica, pose indecente ou, para contraste, pose sonhadora, pediria que me levasse a sua casa, que me mostrasse a decoração do seu quarto, o armário da roupa. E quereria saber da família, de amores -- ávida das histórias suculentas que dali certamente sairiam. E, se ela costumasse sair para dançar à noite, eu quereria conhecer os passos e os reboleios, quereria vê-la reluzente e ainda mais liberta, quereria vê-la de volta a casa, transpirada, saciada, pronta para se atirar na cama.

Mas não sou jornalista. Por isso, saí dali para o parque de estacionamento enquanto ela foi para a porta da rua, talvez para a paragem de autocarro. Deve ter ido a casa da amiga para poder pintar as unhas de azul e eu, insignificante, praticamente invisível, fui enfiar-me numa torre de vidro junto de homens cujo dress code não deixa espaço para a ousadia, para a cor.

Quando a vi no centro comercial e agora, a pensar nela, lembrei-me dos sapeurs congolenses que conheci através do E. que tantas coisas me tem dado a conhecer. E agora, ao procurar um vídeo com os sapeurs, apareceram-me também outras figuras típicas, os pachucos. Que graça.

José de la Rosa, aka Pachuco Nereidas


Jocelyn Armel Le Bachelor



E viva la vida!

segunda-feira, outubro 22, 2018

Cenas da vida, a minha e a de toda a gente, casamentos à primeira vista e à vista de todos e, com vossa licença, um novo passeio in heaven com direito a reportagem vídeo.




Ora bem. O dia foi talvez um pouco atípico e com uma componente inicial de tristeza. Vão partindo aqueles que amamos e que, de alguma forma e, pelo menos em alguns momentos, foram uma presença importante na sua vida. Mas vão chegando novos seres e a nossa família é cada vez mais os que viverão muito para além de nós do que os que chegaram antes de nós. E isto significa que estamos a aproximar-nos da linha da frente. Quando a última das minhas avós morreu, uma amiga da minha mãe abraçou-a e disse isso: 'Agora já somos nós que estamos na linha da frente'. Fez-me impressão isso. No outro dia a minha mãe contou-me que essa sua amiga tinha morrido. Diz-se nestas circunstâncias: é a lei da vida. E é. As gerações vão dando a vez às gerações mais novas.

E eu, talvez porque essa consciência está sempre presente, dou, cada vez mais, mais valor à vida.

Enfim.

Mas a tarde foi descansada. Até dormi um pouco. (Era bom que todos os dias pudesse dormir um bocadinho à tarde. Penso que seria o regime mais adequado ao meu biorritmo).


Agora, depois de afazeres diversos, arrumações, montagem de uma mini-estante para arrumação de brinquedos dos meninos e outras coisas, elas sim, muito típicas na vida doméstica, eis que estou aqui na sala enquanto na televisão passa o primeiro programa do Casados à Primeira Vista.

A minha mãe tinha-me já falado deste programa que se passa noutro país qualquer e que ela costuma ver não sei em que canal, talvez na Sic Mulher. Como não costuma ser de gostos fáceis mas acha graça a este, deixou-me, a mim, curiosa. E, de facto, o programa tem graça. Comecei a pensar que era uma parvoíce e que tinha tudo para ser uma foleirada, cheia de gente esquisita para, ao fim de algum tempo, estar a achar que é preciso coragem para uma pessoa se meter nisto, assumindo publicamente que precisa de ajuda para encontrar um parceiro (que precisa ou que, vá, não rejeita). Faz-me um bocado impressão as pessoas exporem a sua vida a ponto de se casarem perante as câmaras de televisão (e, do que vi no final -- porque, entretanto, já acabou -- também a lua de mel) mas, do que percebi por esta amostra, a coisa passa-se com decoro e sem grandes apelos ao choradinho, pelo que vou dar um bocadinho de benefício da dúvida. Acho que isto já é fruto de tantos anos de reality shows: mesmo que a gente não veja e rejeite liminarmente este tipo de exposição, acaba por já não se escandalizar perante um programa destes.

Mas achei graça à forma como as famílias e os amigos aceitam tão bem uma decisão tão arrojada como esta de alguém se atirar nos braços de um perfeito/a desconhecido/a. E achei graça à forma como aparentemente os pares deste primeiro programa parecem acasalar tão bem. Assim como acho que é preciso nem sei bem o quê -- também coragem? -- para uma pessoa acreditar assim na presciência alheia a ponto de deixar que decidam o seu destino. 


O casal de cinquentões do Porto, então, pareceu-me, a todos os títulos, perfeito. De tal maneira que até os respectivos amigos parecem também feitos uns para os outros. E as famílias também. Tudo parece feito de propósito para se completar -- ou seja, tudo muito inteligentemente escolhido.

Mas os outros casais, do que se viu, também. O surfista e a sua noiva sonhadora e emotiva, o camionista e a sua poderosa instrutora de ginástica. Tudo ali parece encaixar às mil maravilhas. Tem graça, isso.

Até comuniquei ao meu marido que se calhar vou também candidatar-me a ver se arranjo algum melhor que ele. Parece-me uma boa ideia, na volta com resultados inacreditáveis. Não reagiu. 

Mas vou aqui cometer uma indiscrição: ele odeia este género de programas, não condescende, não facilita, aborrece-o até que eu tenha curiosidade. Pois bem, esteve aqui calmamente, sem tentar mudar de canal e, em especial quando o antiquário do Porto chegou à sala e se submeteu ao divertido exame das extraordinárias amigas da noiva, até se riu (em particular quando uma delas, entusiasmada com o charme do noivo, se esqueceu da situação e lhe perguntou se era casado).

Bem.

Neste momento estou a ver na RTP 2 uma bela pianada. Distraí-me e não vi que peça está Elisabeth Leonskaja a tocar. Tão bom. Vou pô-la aqui a tocar para nós.

Agora com esta conversa e a verdade é que estou aqui a pensar que deveria era ir rever a apresentação que amanhã vou fazer e deveria também preparar-me para uma investida que pretendo fazer; mas estou sem disposição porque há situações que prefiro que aconteçam sem preparação, em que preciso da adrenalina da espontaneidade e do acaso. Tenho isto: no que é relevante para mim não deixo que a perfeição de uma performance bem ensaiada diminua o nervosismo de que preciso para sentir que estou a atirar-me às cegas para o meu destino. (Não sei se já vos tinha confessado que não sou boa da cabeça)

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Entretanto, no pouco tempo que ontem tive para estar descansada da vida, in heaven, andei por lá cirandando, respirando o ar cheiroso, ouvindo a música da aragem e dos pássaros e, imagine-se o dispautério, outra vez a filmar. Esforcei-me por, desta vez, não fazer o pino com a máquina para mostrar a altura das árvores, tentei não deslizar rapidamente demais as imagens para não causar tontura e tentei falar mais alto para não parecer que estou a dizer segredinhos ao vosso ouvido. Contudo, como poderão comprovar, não fui lá muito bem sucedida.

Fiz este que aqui partilho e fiz mais uns quantos mas só mais um é que tem um mínimo de préstimo pois em dois ouve-se a roçadora de um vizinho do lado de lá e que, apesar de relativamente longe, naquele silêncio, parece que é ao lado e noutros não sei como manejei a máquina que apareço reflectida nos azulejos, perfeitamente identificável. Portanto, a menos que amanhã ou depois consiga mesmo repescar o outro, a faena não foi famosa.

Bom, chega de desculpa. Bora lá a uma caminhadazinha.

Terceiro passeio in heaven com a Sta UJM


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Conselho: nada de descer até ao fake post que se segue, Rui Rio contrata Cristina Ferreira para Ministra da Cultura do seu Governo sombra. Aquilo ali é tudo mentira.