Não posso jurar que nunca a tivesse visto. Eu tinha estacionado num piso muito inferior e estava no elevador quando ela entrou. Pensei: estacionou no piso das visitas. Mais alta que eu, mais nova que eu, mais bonita e elegante que eu. Perfumada e bem cuidada, cabelos muito bem tratados. Olhei-a o mais discretamente que consegui. Pensei que deveria ser advogada pois notoriamente não dispensava roupa e sapatos de marca e tinha aquela segurança e requinte que caracterizam as mulheres que pensam bem, que ganham ainda melhor, que frequentam os corredores do poder e que estão habituadas a só beber do fino.
Tinha um vestido justo, levemente acima do joelho, de manga curta, num tecido suave com flores em azul claro, com laivos de lilás e uns toques de branco e cinzento. Trazia um colar e uns brincos de pérolas. Os sapatos, muito altos, eram no mesmo tom de azul. Olhou-se discretamente no espelho, sacudiu levemente o cabelo. Estava absorta, parecia nem dar pela minha presença.
Quando chegámos ao meu andar, percebi que ela também ia sair. Deixei que saísse antes de mim. Agradeceu e saíu em passo determinado.
Então, no momento em que eu própria ia a sair, reparei que no chão, no local onde ela tinha estado, estavam umas gotas de sangue.
Fiquei petrificada. Quis fazer alguma coisa, dizer alguma coisa. Mas, sem saber bem como, devo ter hesitado. E logo as portas se fecharam e eu, sem querer, segui no elevador.
Voltei a marcar o meu piso. Olhei o chão.
Quando saí, reparei que até à porta do escritório havia mais umas duas ou três gotas. Espaçadas mas grossas. Perguntei à recepcionista quem era a mulher que tinha entrado. Disse: 'Não sei. A secretária do presidente tinha-me dito que ele estava à espera de uma pessoa. Quando a avisei que tinha chegado, ele mesmo veio recebê-la. Estão os dois no salão nobre. Bonita, não é?'.
Respondi: 'É, pois. E o vestido?'. Ela fez um ar apreciador: 'Lindo'.
Pensei: uma cadeira de veludo vai ficar em mau estado (são em verdinho claro); e do lindo vestido azulinho nem se fala.
Pensei: uma cadeira de veludo vai ficar em mau estado (são em verdinho claro); e do lindo vestido azulinho nem se fala.
PS:
Confirmei depois: é mesmo advogada e, segundo consta, infalível.
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[Depois deste escrito pré-halloween, caso estejam in the mood há aqui já a seguir dois posts cada um com um poema mais bonito que o outro]
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Que bizarria...
ResponderEliminarLindos poemas, anyway.
Bela 6f.