Tenho um amigo que está sempre a enviar-nos piadas, vídeos engraçados, anedotas de toda a espécie. Toda a gente o acha o maior dos pândegos. Ao vivo, sempre que a ocasião se proporciona, sai-se com uma. Na maior parte das vezes, rio-me não da piada em si mas do despropósito, da inconveniência, da inoportunidade. Vejo que ele fica contente quando nos vê a rir e não acredito que se aperceba de que é que nos estamos a rir. Mas estou a falar no plural e devia falar só em mim pois eu sei porque é que rio mas não sei porque o fazem os outros. Se calhar, riem-se da piada em si.
Acresce que aquela sua falta de sentido de oportunidade vale para tudo, para o humor ou para o drama. Há tempos, num jantar, a mesa cheia, eu de um lado da mesa e ele lá ao fundo, chama-me para me perguntar se me lembro de fulano de tal. Digo-lhe que sim, claro. Então, inopinadamente começa a falar-me dele, do seu feitio que foi ficando cada vez mais difícil, que volta e meia tinha coisas que deixavam os outros de cara à banda, tal o excesso, coisa à beira da histeria. Numa dessas vezes, ao ver-se no meio daquelas reacções furibundas, ocorreu perguntar-lhe se já alguém o tinha mandado fazer um tac à cabeça. O outro, muito espantado com o despropósito da pergunta, até esfriou o assomo em que estava. E ele, ali mesmo, lho prescreveu. Pois, imagina tu, contou-me ele lá da ponta da mesa -- uns estupefactos com a conversa, outros nem se apercebendo e continuando na deles -- que tinha mesmo um tumor. Eu de boca aberta, nem sei se pelo diagnóstico se pelo despropósito daquilo. Indiferente à minha reacção e à dos que estavam a prestar atenção, continuou descrevendo a localização do tumor, inoperável, estás a ver, ali não dá para mexer, e o que aquilo era, oh pá, um tamanho..., continuou ele. Eu sem saber se era suposto manifestar o meu desgosto pela pouca sorte da localização do tumor do outro nosso amigo, se o meu espanto por aquilo estar a vir à conversa, ali, naquele momento, a meio de um jantar, sem vir a propósito de nada. Mas ele continuou com a minúcia de quem ficou também transtornado com a pouca sorte do amigo: e espalhado, espalhado. E continuou com pormenores mais precisos. E acrescentou: nem sei porque me lembrei de lhe perguntar aquilo do tac, mas lembrei-me, estás a ver? Quase parecia arrependido de ter tido aquela ideia que, até a ele, lhe parecia quase peregrina. Só consegui abrir a boca para dizer: pois, coitado, eu sabia que ele tinha morrido mas não sabia desses pormenores... E fiquei aflita sem saber como continuar. Não ia continuar no mesmo registo, mantendo aquela interrupção dramática no meio de um jantar que decorria leve, divertido, todos bem dispostos. Mas, ao mesmo tempo, depois daquele drama, ia chutar para canto e desviar para um tema levezinho e sorridente? Fiquei naquele impasse até que alguém resolveu a coisa por mim, puxando um tema que não tinha nada a ver e fazendo de conta que aquela conversa não tinha tido lugar. Ele próprio pareceu agradecido por ter sido desviado do tema escuro em que nos tinha mergulhado. Mas, pouco tempo depois, já estava outra vez a dizer piadolas, algumas mais próprias de um adolescente com as hormonas aos saltos do que um homem feito e com a descendência espalhada pelo mundo.
Isto tem a ver com a maneira de ser de cada um.
A convidada do Bial, Tata Werneck, que já conhecia vagamente de uma novela e a quem tinha achado piada, parece ser dessas pessoas que tanto entra num registo pesado, cheia de medos, carregando traumas e fobias, como, logo de seguida, passa para um registo divertido. Talvez não seja inoportuna ou inconveniente como o meu amigo mas também ainda é jovem, não se sabe como será quando tiver a idade do meu amigo e tiver passado aquilo por que ele já passou.
E o que eu vejo é que o Bial se ri a bom rir com o que ela diz. E eu gostei de ver e ouvir.
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