A manhã foi atarefada. Toda ela daqui para ali, a tratar das mil coisas que, ao longo dos dias de trabalho, vão ficando para trás. Quando à hora de almoço liguei à minha mãe e contei das minhas andanças ela disse: 'a vida dos reformados é isso, a andar de um lado para o outro a tratar de coisas'. Respondi que a diferença é que podem ir fazendo, diluindo os afazeres ao longo de dias, enquanto eu tenho que tratar de tudo num único dia, por atacado.
Depois, já tarde, fomos almoçar à praia e dar um passeio à beira-mar. Mas, às tantas, deu-me uma tal pancada de sono que não via a hora de chegar a casa e dormir um pouco. Só que, já perto de casa, apanhámos um estúpido de um carro mal estacionado que nos impedia a passagem; por muito que apitássemos -- e para meu desepero e fúria do meu marido -- não apareceu o dono. Parece que há cada vez mais pessoas que não se importam de incomodar os outros. Intriga-me esta tendência. As pessoas está, genericamente, a tornar-se cada vez mais egoístas e parvas? Não sei. O que sei é que, se estivesse sozinha no carro, a esta hora ainda lá estaria travada, sem conseguir passar. O que nos valeu foram as peripécias e manobras de alto risco empreendidas pelo meu marido, incluindo pôr-me a mim a mandar parar o trânsito numa rua para ele sair em sentido proibido. Enfim, lá conseguimos resolver o imbróglio e chegar a bom porto. O problema é que, com isso, espertei. Ainda me deitei mas debalde, o sono tinha-se esvaído.
Daqui a nada tenho que me ir arranjar para me preparar para os festejos da passagem de ano. Mas parece que não estou muito convencida, como se ainda não estivesse completamente certa de que já passou um ano desde a última vez. Isto parece que está a andar depressa demais. Nem sei bem com que é que me distraí para o tempo ter passado sem ter dado por ele.
Sei que foi, para mim, um ano do caraças sendo que, em boa verdade, com os dados de que disponho não possa dizer que foi mau pois pode muito bem ter acontecido que o valente pontapé que dei no que se estava a perspectivar tenha surtido efeito e que, no acto, e até involuntariamente, tenha aberto portas que antes nunca tinha pensado sequer que poderia transpor. Mas não sei. Se há coisa que posso concluir é que nunca se sabe tudo e que o que parece pode não ter nada a ver com a realidade. Há jogos de espelhos, silêncios, segredos, jogadas palacianas -- dos quais raramente alguém se apercebe. Penso que posso também concluir que, em não querendo alinhar com alguma situação, mesmo que isso implique correr todos os riscos, não deveremos claudicar. Se o não é para ser não, que o seja de frente, sonoro, inequívoco. E, se o que queremos é outra coisa, então que avancemos, sem medo, com convicção. E digo isto sem saber qual o desfecho da minha petite histoire mas também não me preocupo pois o que for soará e cá estarei para fazer frente aos imprevistos e para lutar pelas minhas ideias.
De resto sei outra coisa. Os mais flexíveis, os que têm a coluna vertebral muito dúctil, os que gostam de ser informadores, conselheiros e que dão tudo para comer à mão do dono são os que se aguentam melhor nos corredores, bastidores e ratoeiras. Podem vir vendavais e tormentas que todos soçobrarão menos eles. Mas um dia virá em que a maré muda e que quem vem de novo não se queira ver rodeado de lambe-cus. E então serão inapelavelmente despejados no esgoto dos irrelevantes que não ficam na história.
Fica o quê?
Ficam as boas pessoas, as pessoas generosas, bem intencionadas, bem formadas, boa onda, com sorriso franco, com sentido de humor. São essas as pessoas que realmente interessam. Percorro de memória as pessoas com quem lidei neste ano que está prestes a passar; seja em contexto pessoal, social, profissional ou virtual, confirmo: há qualquer coisa que separa as pessoas de personalidade informe, as que são tóxicas, azedas, paranóicas, vulgares, das pessoas genuínas, simpáticas, francas, com sentido de humor, inteligentes. À medida que o tempo passa por nós, passa cada vez mais depressa. É, pois, natural que nos vamos tornando mais selectivos, manifestando as nossas preferências pelas pessoas junto das quais nos sentimos bem, cujas palavras nos tocam, acordam, incentivam ou abraçam.
É a pensar nas pessoas boas que me têm acompanhado nesta minha jornada que escrevo este post.
Não sei se escreverei mais algum post ainda em 2018. No dealbar de 2019 tentarei aqui vir para vos desejar um bom ano novo. Mas, até lá, vou já formulando votos de que nos continuemos a encontrar por aqui, com saúde, com alegria, com disposição para ir em frente. E que os que estão doentes melhorem ou, pelo menos, sofram menos, e que os que estão tristes voltem a encontrar os caminhos da felicidade e que os que estão desmotivados descubram como arrncar de si o torpor e o desalento -- e que todos os dias que aí vêm sejam dias que valham a pena ser vividos.
E agora, co vossa licença, vou ali passar o meu lindo vestido a ferro para estar apresentável quando o Novo Ano der as caras.
------------------------------
[Mais imagens no Bored Panda]