Nas empresas, às vezes, acontecem epifenómenos comunicacionais (chamemos-lhes assim). Pretende-se chegar de forma efectiva ao público alvo.
A razão para isso é simples e assenta no seguinte: o mercado é um substrato dinâmico onde permanentemente entram novos players que, darwinisticamente, lutam pela sobrevivência. Ora, para se sobreviver neste – como em qualquer outro – campo de batalha, é preciso ir adaptando as armas de defesa e de ataque. Ou seja, qualquer organismo, para se manter vivo, tem que se adaptar, renovar-se, reinventar-se.
E, pelo caminho, caem os mais fracos, os que já não despertam curiosidade, os que já não transportam consigo o viço da novidade.
É a ordem natural das coisas.
Nas empresas, é frequente assistir-se a uma mudança na gama de produtos vendidos, abandonando os que estão em declínio e introduzindo produtos novos; ou apenas mudando ligeiramente a composição de alguns produtos; ou apenas a embalagem; ou apenas o nome dos produtos. No mercado tudo é possível e o marketing é uma arma tão válida como qualquer outra. Há que tornar o produto apetecível, há que garantir ou conquistar mercado, há que assegurar receitas, há que criar valor para o accionista e inspirar confiança junto dos stakeholders. Lucro - that's the name of the game. Nada de mal nisto, é assim que as empresas sobrevivem e é assim que é criado e mantido o emprego.
Geralmente associado a estes processos de ‘mudança’ (e uma mudança pode ser algo profundo ou, pelo contrário, apenas um ajustamento por alturas de nova equipa de gestão) há campanhas publicitárias, por norma bastante dispendiosas.
Quando há campanhas desta natureza, existem reuniões sempre engraçadas com os accounts, com os criativos, enfim, com uma ‘fauna’ (sem sentido pejorativo) muito peculiar e diferente da que habitualmente frequenta as sedes das empresas. Quando chegam (muitas vezes atrasados), vêm com maquetes, fazem apresentações convincentemente conduzidas, demonstram com uma linguagem fresca (e clean, como gostam de dizer) a visão conceptual da coisa, falam de rebranding, e os gestores vibram com isto. Fecha-se os olhos à enormidade do investimento porque o assunto é vendido como alavanca para um aumento de receitas, para uma consolidação em alta da quota de mercado.
Muitas vezes, a decisão é precedida de um estudo de mercado em que se mostra que se encontra definida uma tendência que é preciso sustentar ou desenvolver ou inverter. Admite-se, pois, que a campanha apresentada é a única forma de assegurar o futuro.
Uma vez aprovada a campanha, é então accionado o cronograma com datas definidas para ocasiões marcantes e, então, vamos assistindo, nessas milestones, a que num dia sai uma breve nas notícias, depois acontece uma entrevista, depois uma nota ‘ocasional’ aqui e ali, depois, quando a apetência está criada, começam a sair os anúncios na imprensa e na televisão, depois aparecem os outdooors e assim sucessivamente, até que no dia que se estipulou como determinante (a data aniversária ou a data de mudança de logo ou o que for), há uma festa em que se consubstancia a mudança e em que passam a vigorar as alterações que se convencionaram.
Isto é o que acontece nas empresas.
Isto é o que está a acontecer no Expresso. Equipa nova, virada para o mercado, campanha publicitária marcante, figuras de proa a darem a cara, opinion makers para os vários targets: Mário Soares, Mariza, Ricardo Araújo Pereira, Horta Osório (os seniores cultos e politizados, a classe média-alta, os empresários e gestores, os adultos jovens razoavelmente instalados, as mulheres independentes, o meio artístico de qualidade).
O costume.
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Mário Soares, um influente opinion maker |
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António Horta Osório, um profissional da self-image, aqui como duplo modelo fotográfico, curiosamente contratado em simultâneo como opinion maker ao serviço de duas campanhas, a do Expresso e a da Universidade Católica, agora rebranded Catolica Lisbon |
O jornal Expresso vai, pois, aparecer renovado a partir da edição 2000 do próximo dia 26.
Qual o produto que aqui se vende? Palavras, imagens. Opiniões, notícias, tendências.
Mas as palavras ou as imagens não existem por geração espontânea: por trás estão as pessoas que as produzem e que, em todo este processo de renovação, perdem alguma relevância pois são, na empresa, de facto, um mero produto, uma gama que é preciso renovar.
Os timings são estudados ao milímetro com os accounts que dirigem as campanhas. É natural que, do processo, faça parte a etapa do dismissing: ou seja, os gestores são aconselhados, pelos profissionais da imagem e da comunicação, sobre a melhor forma de se descartarem dos produtos que vão sair da gama. Imagino-os a falarem de qual a melhor altura para que se minimize algum dano colateral. Estas coisas não costumam ser deixadas ao acaso.
No entanto, quantas vezes os advisers não passam de miúdos que dissertam catedraticamente, sem qualquer experiência de vida, apenas papagueando o que se ouvem dizer uns aos outros?
Cabe aos gestores saberem discernir e pensar pela sua própria cabeça e, para isso, é essencial que a tenham, isto é, que tenham boa cabeça. E que tenham também uma boa experiência de vida, que percebam que o sucesso é efémero para os que colocam a eficiência acima do intrínseco respeito pela dignidade dos outros que é, em qualquer circunstância, um valor absoluto.
Nestes processos, o que há a fazer é simples: os que entram são contratados, os que saem são dispensados.
O critério para as escolhas e a forma de o fazer é que marcam a diferença
(Registe-se que, na despedida, os agradecimentos dos que saem tenham ido para Henrique Monteiro, Fernando Madrinha, Nicolau Santos; sobre a nova direcção, de Ricardo Costa, um gélido silêncio; registe-se também que a nova direcção não escreveu uma palavra - que eu tenha visto - sobre os que saíam).
Como leitora do Expresso e sabendo que o Expresso é uma empresa que está no mercado e, embora sabendo que os jornalistas, fotógrafos, cronistas são produtos, gostaria, no entanto, de saber que as saídas foram feitas tendo em consideração o respeito e agradecimento devidos aos que agora saíram. Desejo ainda que os newcomers saibam valorizar o Expresso, de forma a que as mais valias daqui resultantes paguem os investimentos realizados e capitalizem o goodwill da marca. Se nós, clientes, gostarmos, compraremos e, se comprarmos, garantiremos receitas à empresa.
Recomendo ainda que tenham sempre presente que os newcomers de hoje podem vir a ser os dismissed de amanhã.
É a ordem natural das coisas.
Nota: Este post vem no seguimento
do que escrevi ontem relativo à saída de José Manuel dos Santos - que a mim deixa muitas saudades - Inês Pedrosa, Ruben de Carvalho, João Duque, António Almeida. Estranhei que o Miguel Sousa Tavares não tenha aparecido nesta edição mas pode ser apenas coincidência. Os que entram, ao que parece, para além de Pedro Mexia, são Sérgio Godinho, Mário Crespo, Maria Filomena Mónica, Nuno Markl e Manuel S. Fonseca. Boa sorte a todos, aos que saem, aos que entram. E aos que ficam.