Ao ler que um grupo de trabalho europeu vai fazer um estudo em Barcelona para perceber o impacto do turismo de massas na crise da habitação, fiquei contente. É preciso estudar os assuntos antes de se desatar a alvitrar soluções aleatórias, coxas, precárias. A crise habitacional é transversal e profunda pois onde haja turistas alojados em casas que antes era de habitação e/ou onde haja muita imigração, faltam casas para morar e, logo, disparam os preços. Ou seja, uma franja considerável dos habitantes não arranja casa para viver.
Já não é a primeira vez que aqui falo do assunto pelo que peço que me desculpem pela repetição.
Uma das vertentes da matemática é a de resolução de problemas em que há milhares de condicionantes, milhares de variáveis e em que se pretende atingir um objectivo.
Por exemplo, imagine que, por uma vez, alguém com poder de decisão decide ser rigoroso e quer saber, município a município, quantas casas para arrendamento habitacional deve haver (escalonando a resposta por tipologias de casa e por intervalos de renda) e quantas casas para arrendamento turístico são admissíveis. O objectivo, diria eu, seria misto: por um lado que não haja pessoas sem casas para viver (admitindo que a renda não deve ultrapassar x% do rendimento líquido do agregado), por outro que haja uma oferta turística razoável (ie, não excessiva) e, vendo na perspectiva dos proprietários da casa, que obtenham um rendimento justo e adequado, em linha com o que é obtido nos mercados em que o tema da habitação não é um problema.
Dito assim, pode parecer abstracto, impossível de quantificar.
Mas, digo-vos eu, para quem saiba, é canja de galinha. Não é a primeira vez que aqui digo que há decisões que deveriam ser tomadas com base em modelos matemáticos precisos, inequívocos.
Tomar decisões a olho, atirar bocas mortáguas para o ar ou dar palpites com base em achismos, isso a mim arrepia-me.
Precipitações como diabolizar os Airbnb são outro disparate. O turismo é óptimo para o país e, como se vê, os hotéis estão cheios pelo que, se se reduzirem os alojamentos locais, não haverá resposta suficiente por parte dos hotéis, ou seja, será dinheiro que não entra no País. Portanto, o que há é que equacionar e tomar decisões por forma a atender a todas as necessidades.
Acresce à realidade do desvio de casas do arrendamento habitacional para o turístico, a presença no País de mais de um milhão de imigrantes que precisa de casa.
Ou seja, há forçosamente um défice de casas. Ora, saber quantas, onde e de cada tipo é indispensável.
Para começar, o que há a fazer é um levantamento, por local, do número de famílias que carece de casa arrendada para viver, quantificando quantas pessoas por agregado e de que rendimento líquido dispõem.
Igualmente deve ser feito um levantamento de fogos potencialmente disponíveis que sejam do Estado (Administração Central, Local, Forças Armadas, etc).
Claro que, para além destes dois levantamentos, os mais complexos, há muito mais informação necessária -- mas nada de transcendente.
Há ainda aspectos paralelos a equacionar: não se pode pedir a um proprietário que, tendo a possibilidade de gerir um arrendamento local no qual aufere um rendimento mais interessante, abdique dele para fazer um arrendamento habitacional que está sujeito a muitos custos e a pesados impostos.
Já aqui falei muitas vezes da pesada carga fiscal que reduz liquidez às pessoas que pagam impostos. Se os salários (ou pensões de reforma) já de si são baixos, se lhe raparmos uma grande fatia, pouco sobra. Se há uma grande camada da população que não paga IRS por auferir baixos rendimentos, a verdade é que há uma 'invisível' camada que não paga porque foge ao fisco. E foge de todas as maneiras que pode: os senhorios não passam recibo fiscal, e, todos os que podem, sejam senhorios, médicos, etc, criam empresas através das quais recebem 'ordenados' e às quais imputam toda a espécie de custos de forma a não pagarem IRC ou a pagarem pouco, ao mesmo tempo que pouco -- ou nada -- pagam de IRS.
Ora, no caso dos inquilinos, se as famílias (e aqui não me refiro apenas às pobres, muito pobres, mas às da classe média) dispuserem de mais rendimento líquido, já não ficarão com a corda na garganta ao pagarem rendas mais altas.
Ou seja, o tema da crise habitacional é um tema com alguma complexidade e que toca vários pontos a optimizar. Mas, sendo complexo, não é transcendental. Qualquer pessoa que perceba do assunto e que disponha de informação, equaciona o problema e resolve-o (e o que não faltam são ferramentas informáticas para isso), providenciando, aos decisores, informação concreta.
Pensar que é um tema complexo e carpir em cima dele ou tomar decisões avulsas ou a olho (por exemplo, atirar para o ar a boca de que fazem falta 26.000 casas e logo a seguir vir alguém dizer que não é isso mas o dobro e logo depois vir uma dizer para pôr um tecto às rendas e vir outro dizer para usar quartéis e... por aí fora, cada um a atirar palpites para o ar e todos sem qualquer base sólida) é apenas deixar que o problema se agudize e se arraste.
Ainda não percebi que gente é que nos governa que não percebe que a matemática não se resume à aritmética banal. Saber quantos médicos, quantos enfermeiros, quantos centros de saúde e com que recursos, quantas creches, quantas escolas, quantas casas, etc, são necessárias para resolver os problemas da população é coisa que requer cálculos, que requer cabeça, que requer informação fundamentada, que requer uma correcta afectação de recursos financeiros. Os matemáticos não servem só para serem professores, servem para muito mais. Servem, por exemplo, para ajudar criaturas inteligentes a tomarem boas decisões. Claro que a decisão última deve ser sempre política mas, caraças, que se baseie em cálculos correctos, sujeitos a critérios bem explicados e bem intencionados.
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Imagens obtidas via Sora (IA)
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Dias felizes