sexta-feira, maio 30, 2025

A matemática só serve para fazer contas ou pode ser um precioso auxiliar ao serviço da política...?

 

Ao ler que um grupo de trabalho europeu vai fazer um estudo em Barcelona para perceber o impacto do turismo de massas na crise da habitação, fiquei contente. É preciso estudar os assuntos antes de se desatar a alvitrar soluções aleatórias, coxas, precárias. A crise habitacional é transversal e profunda pois onde haja turistas alojados em casas que antes era de habitação e/ou onde haja muita imigração, faltam casas para morar e, logo, disparam os preços. Ou seja, uma franja considerável dos habitantes não arranja casa para viver.

Já não é a primeira vez que aqui falo do assunto pelo que peço que me desculpem pela repetição. 

Uma das vertentes da matemática é a de resolução de problemas em que há milhares de condicionantes, milhares de variáveis e em que se pretende atingir um objectivo.

Por exemplo, imagine que, por uma vez, alguém com poder de decisão decide ser rigoroso e quer saber, município a município, quantas casas para arrendamento habitacional deve haver (escalonando a resposta por tipologias de casa e por intervalos de renda) e quantas casas para arrendamento turístico são admissíveis. O objectivo, diria eu, seria misto: por um lado que não haja pessoas sem casas para viver (admitindo que a renda não deve ultrapassar x% do rendimento líquido do agregado), por outro que haja uma oferta turística razoável (ie, não excessiva) e, vendo na perspectiva dos proprietários da casa, que obtenham um rendimento justo e adequado, em linha com o que é obtido nos mercados em que o tema da habitação não é um problema. 

Dito assim, pode parecer abstracto, impossível de quantificar.

Mas, digo-vos eu, para quem saiba, é canja de galinha. Não é a primeira vez que aqui digo que há decisões que deveriam ser tomadas com base em modelos matemáticos precisos, inequívocos. 

Tomar decisões a olho, atirar bocas mortáguas para o ar ou dar palpites com base em achismos, isso a mim arrepia-me.

Precipitações como diabolizar os Airbnb são outro disparate. O turismo é óptimo para o país e, como se vê, os hotéis estão cheios pelo que, se se reduzirem os alojamentos locais, não haverá resposta suficiente por parte dos hotéis, ou seja, será dinheiro que não entra no País. Portanto, o que há é que equacionar e tomar decisões por forma a atender a todas as necessidades.

Acresce à realidade do desvio de casas do arrendamento habitacional para o turístico, a presença no País de mais de um milhão de imigrantes que precisa de casa.

Ou seja, há forçosamente um défice de casas. Ora, saber quantas, onde e de cada tipo é indispensável.

Para começar, o que há a fazer é um levantamento, por local, do número de famílias que carece de casa arrendada para viver, quantificando quantas pessoas por agregado e de que rendimento líquido dispõem.

Igualmente deve ser feito um levantamento de fogos potencialmente disponíveis que sejam do Estado (Administração Central, Local, Forças Armadas, etc).

Claro que, para além destes dois levantamentos, os mais complexos, há muito mais informação necessária -- mas nada de transcendente.

Há ainda aspectos paralelos a equacionar: não se pode pedir a um proprietário que, tendo a possibilidade de gerir um arrendamento local no qual aufere um rendimento mais interessante, abdique dele para fazer um arrendamento habitacional que está sujeito a muitos custos e a pesados impostos. 

Já aqui falei muitas vezes da pesada carga fiscal que reduz liquidez às pessoas que pagam impostos. Se os salários (ou pensões de reforma) já de si são baixos, se lhe raparmos uma grande fatia, pouco sobra. Se há uma grande camada da população que não paga IRS por auferir baixos rendimentos, a verdade é que há uma 'invisível' camada que não paga porque foge ao fisco. E foge de todas as maneiras que pode: os senhorios não passam recibo fiscal, e, todos os que podem, sejam senhorios, médicos, etc, criam empresas através das quais recebem 'ordenados' e às quais imputam toda a espécie de custos de forma a não pagarem IRC ou a pagarem pouco, ao mesmo tempo que pouco -- ou nada -- pagam de IRS.


Ora, no caso dos inquilinos, se as famílias (e aqui não me refiro apenas às pobres, muito pobres, mas às da classe média) dispuserem de mais rendimento líquido, já não ficarão com a corda na garganta ao pagarem rendas mais altas.

Ou seja, o tema da crise habitacional é um tema com alguma complexidade e que toca vários pontos a optimizar. Mas, sendo complexo, não é transcendental. Qualquer pessoa que perceba do assunto e que disponha de informação, equaciona o problema e resolve-o (e o que não faltam são ferramentas informáticas para isso), providenciando, aos decisores, informação concreta. 

Pensar que é um tema complexo e carpir em cima dele ou tomar decisões avulsas ou a olho (por exemplo, atirar para o ar a boca de que fazem falta 26.000 casas e logo a seguir vir alguém dizer que não é isso mas o dobro e logo depois vir uma dizer para pôr um tecto às rendas e vir outro dizer para usar quartéis e... por aí fora, cada um a atirar palpites para o ar e todos sem qualquer base sólida) é apenas deixar que o problema se agudize e se arraste.

Ainda não percebi que gente é que nos governa que não percebe que a matemática não se resume à aritmética banal. Saber quantos médicos, quantos enfermeiros, quantos centros de saúde e com que recursos, quantas creches, quantas escolas, quantas casas, etc, são necessárias para resolver os problemas da população é coisa que requer cálculos, que requer cabeça, que requer informação fundamentada, que requer uma correcta afectação de recursos financeiros. Os matemáticos não servem só para serem professores, servem para muito mais. Servem, por exemplo, para ajudar criaturas inteligentes a tomarem boas decisões. Claro que a decisão última deve ser sempre política mas, caraças, que se baseie em cálculos correctos, sujeitos a critérios bem explicados e bem intencionados.

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Imagens obtidas via Sora (IA)

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Dias felizes

7 comentários:

  1. Ccastanhomaio 30, 2025

    Correto o que diz. O problema, ou um dos problemas no levantamento de necessidades habitacionais ou outras, nas autarquias ou governo, é saber quem o faz, isto é,são as entidades privadas ou públicas ? Há capacidade para fazer? UJM, se entender, aconselho o livro de António Costa Silva ex-ministro -da economia de Costa "Governar no Século XXI. Desafios, Soluções, Liderança". O autor fala da sua experiência em querer fazer, apesar da inércia da máquina administrativa instalada no aparelho de estado.

    Já agora sobre economia paralela, um caso de pequena dimensão é certo, mas revelador. as minhas filhas não obtiveram um tostão do estado para os estudos, porque o rendimento dos pais não permitia, mas muitos que conheço com rendimentos muito, mas mesmo muito superior aos meus, os filhos estudaram com bolsas.
    A fiscalização neste foi sempre uma miragem.

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    1. A questão dos levantamentos de informação não é tão complicada como possa parecer. A equipa que se ocupa do estudo, define a informação que é necessária e o método de recolha. Muitas vezes os jovens podem colaborar em operações de recolha, tal como quando se trata do recenseamento. E há informação que se recolhe por correio.
      Quanto ao que diz, da economia paralela, é, em minha opinião, um verdadeiro cancro pois meio mundo foge aos impostos, desde os que vivem de fazer biscates, ao comércio local, aos explicadores -- que funcionam na base do toma lá, dá cá -- até aos médicos, advogados, e etc, que se 'escondem' atrás de empresas unipessoais ou outras que tais, que são uma fuga ao fisco 'legal' (e tanto mais legal quando o Fisco não cai em cima e não cai porque a lei permite toda a espécie de habilidades).
      Se os impostos fossem globalmente mais baixos e o Fisco andasse mais em cima, deixaria de compensar fugir ao fisco. Penso que é absolutamente essencial que o País se torne mais civilizado e toda a gente, acima do limiar da pobreza, pague impostos e pague os impostos devidos. Isto de haver uma minoria de 'tansos' a pagar para todos é um absurdo, e tanto mais absurdo quando se olha para o lado e se vê outros que ganham muito mais e que poucos impostos pagam....

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    2. CC Castanho: já era assim nos meus tempos de universidade, já lá vão 45 anos. Havia quem recebesse dois contos gordos de bolsa e se gabasse do dinheiro que tem. Pelos vistos em quase meio século ficou na mesma. Diz tudo da mudança nesta terra.

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  2. Turistas em "casas que antes eram habitação"... Estamos a pensar nos prédios abandonados da baixa Lisboeta ou nas casas de férias do Algarve?

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    1. Conheço algumas pessoas que rentabilizam as suas casas no Algarve através do turismo local e acho que fazem muito bem. Além disso, obviamente não são essas casas que resolvem o problema da habitação. Prédios abandonados na Baixa Lisboeta, se antes estavam devolutos, não entram na categoria de 'casas que antes eram de habitação'. Mas, em contrapartida, sei de pessoas que tiveram que sair da Baixa e ir morar para a periferia porque os senhorios quiseram vender as casas ou melhorá-las para as pôr em Alojamento Local. E também não posso condenar pois não é ao vulgar cidadão que compete subsidiar a vida de quem menos pode.
      Ou seja, ou alguém tem cabeça para analisar o tema no seu todo, de forma fria, objectiva, sem ressabiamentos, sem miopia, com cálculos inequívocos ou não vamos sair do mesmo lugar.

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  3. <" apesar da inércia da máquina administrativa instalada no aparelho de estado." > Não é tão inerte como parece, seja ao nível nacional ou autárquico ou outro.. Ouvi á pouco num podcast chamado BITALK, alguém que não lembro o nome, a explicar que a burocracia, a quase todos os níveis, é a base da corrupção, ou seja, criam-se dificuldades para depois oferecer facilidades. A COISA NÁO ANDA, mas olhe que EU POSSO FAZER ANDAR...A OCASIÃO não faz o ladrão SÓ O REVELA, mas neste país das maravilhas, onde uma das máximas populares é, O MUNDO É DOS ESPERTOS, isso ainda compensa, como se tem visto. M. Linho

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    1. Quem 'faz' a burocracia não são os corruptos, são os burocratas. E a burocracia é fazer muito bem feita uma coisa que é desnecessária. Geralmente são pessoas com pouco sentido prático. E são pessoas que não percebem que, com mil ferramentas informáticas disponíveis, é absurdo continuar a pedir formulários em papel, carimbos, cópias e etc. Mudar processos requer conhecimento e pulso e tempo para implementar alterações e, por isto ou por aquilo, vão deixando ficar. Os corruptos são os que se aproveitam da situação, os funcionários que, sabendo das dificuldades, se oferecem para agilizar os processos.
      A burocracia na Administração Pública, na Local e mesmo em muitas empresas é um travão à produtividade. Muita gente ocupada a fazer coisas improdutivas, inúteis.

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