De manhã fomos à segunda aula de comportamento canino. Tranquilo, cordato (refiro-me à fera; mas o professor também é assim). O urso felpudo já interiorizou que o professor não vai atacar-nos e, portanto, já o cooptou. O prof. goza connosco, diz que o seu aluno vai ficar a gostar mais dele do que de nós. Eu já não digo nada. De tpc, mais técnicas, mais tácticas e estratégias para praticarmos, por nós, nos próximos quinze dias.
De tarde, deitei-me no sofá do terraço e estou convencida que adormeci instantaneamente. Agora há moscas por todo o lado, incomodativas como melgas. Pois o sono foi tão profundo que nem dei por elas. Um calorzinho bom, absurdo para esta época do ano. De chuva nem sinais. Em pleno outubro, vestida à verão, dormi uma bela sesta ao ar livre.
Quando acordei, retomei 'O acontecimento'.
Lá está: se calhar isto é literatura. Não há palavras caras, não há jogos de palavras ou de estilo, não há enredos do caraças. Nada. tudo simples. Há apenas uma escrita pessoal, sincera, tão pessoal e tão sincera que chega a ser íntima e que, de forma discreta, como se nada fosse, nos vai mantendo presos.
Aos meus pés, dormia o meu amigo cabeludo. De vez em quando, levantava-se e ia pegar-se com o do lado que também se pica com este. Estão separados por um muro mas, totós como fingem ser, portam-se como se um pudesse invadir o território do outro.
Passado um bocado chegou o meu marido que provavelmente tinha estado a dormir na sala, quiçá enquanto via algum jogo de futebol.
E, então, andámos a ver onde pendurar os projectores e as demais iluminações que comprámos no outro dia em sítios que apanhem sol e em que os pudéssemos prender com arame (na vedação, na armação metálica em volta de uma janela por onde cresce uma trepadeira, no tubo que está na esquina da casa e que desce do algeroz, etc). Não foi fácil. Nem sempre concordamos com a abordagem, com o processo ou com a perfeição da obra. Além do mais, nestas coisas o meu marido prende-se a minudências que não lembram ao careca (no pun intended) como não querer que eu corte o arame verde pois acha que não puxo com o cuidado devido, posso enleá-lo, ou refila porque, segundo ele, corto bocados demasiado grandes e não apenas no tamanho necessário. Depois eu quero mais acima mas, para lá chegar, só com a escada grande e pesada que está na garagem e ele não quer, diz que não é preciso ser tão acima, e eu acho que tem que ser. Visto de fora não sei se não parecemos os marretas.
A seguir, já ao fim da tarde, fomos fazer uma caminhada alargada. Gosto de caminhadas longas, sem pressa, gosto de ver as casas ao fim do dia, as luzes já acesas, gosto de ver os jardins já com ar de outono, alguns muros cobertos por vinha virgem, linda, rubra. Há plantas que exalam um perfume agradável, doce, bem aventurado. Não sei quais são mas creio que ainda haverei de descobrir.
Regressámos já de noite.
Aliás, ontem, quando estava no shopping, ao passar pelo Gato Preto nem queria acreditar: árvores de natal, pais natal, presépios. Pensei: já estamos no natal. Entrei para me certificar de que não estava a ter visões (e, confesso, para ver se havia algum presepiozinho pequenino, fora da caixa, daqueles que não têm nada a ver, de que gosto). Saí sem figurinhas mas com a sensação de que o tempo anda acelerado e que a vida mal consegue acompanhá-lo.
Tirando isso, o que sei é que já é domingo.
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