Comecei o dia a fazer análises. Agora, de vez em quando, para aí uma ou duas vezes por ano, tenho que ser vigiada. O que vale é que não me faz impressão nenhuma que me tirem sangue. Aliás, já fui dadora. Só deixei de ser por mero comodismo. Quando iam lá à empresa, era só descer até ao posto médico. Quando deixaram de ir, perdi a noção de onde ir ou quando.
Pensei que aproveitaria para ir, a seguir às análises, num instante, tentar descobrir livros da Annie Ernaux.
Tinha também pensado guardar uma banana e uma maçã lavada para comer enquanto conduzia, a caminho da livraria. Contudo, estava na dúvida: onde guardar a banana e a maçã? A maçã estaria lavada, tinha que ir num saquinho de plástico, daqueles de congelação. Estando num saco, talvez também pudesse ir no saco de papel da farmácia. Mas a banana? Não ia à solta dentro do saco de papel, ao lado do frasquinho da urina. Portanto, por via das dúvidas, coloquei o frasquinho da urina dentro de um saco e dei-lhe um nó. Portanto, seria assim: um saco de plástico com o boiãozinho da urina, um saco de plástico com a maçã. E, à solta no saco de papel, a banana.
Também não podia esquecer-me da prescrição. Fui à procura, guardei-a na carteira. Nem da chave do carro. Fui buscar.
Saí apressada a ver se o tempo me dava para tudo.
Quando ia a meio do caminho, dei por ela: com tanta dúvida, esqueci-me de guardar a maçã e a banana. Caraças. Detesto andar em jejum. Mas já não dava para voltar a atrás.
Portanto, lá fui.
Quando me despachei, saí com o carro do parque na dúvida: iria em jejum ou voltaria para casa? Abrandei. Avaliei a situação. Fome, fomeca, a tensão certamente baixa. Sem uma bananinha, sem uma maçã, sem um aconchego. Voltei para casa.
Tomei o pequeno almoço, trabalhei, telefonei, fiz o que tinha a fazer. À hora de almoço, fui fazer o passeio higiénico com o dog.
Almocei a correr e ala moça, lá vai ela, antes que se fizesse tarde. A caminho do shopping. Quando estacionei, tomei nota do lugar, da cor, do piso e enviei uma mensagem para mim própria. Não quero correr o risco de ficar no mato sem cachorro, sem saber onde deixei o carro e sem ter quem me ajude. Quando frequentava assiduamente estes locais, já tinha lugares mais ou menos orientados. Agora não, agora é onde calha e, por isso, tomo providências.
Lá, para rentabilizar a ida, resolvi entrar numa ou noutra loja. A ideia é a de sempre: 'Não é para levar, é só para ver, não preciso de nada'. Mas, no canto da consciência, a vozinha matreira do costume: 'Só se for uma oportunidade imperdível'. E assim foi. Encontrei duas blusinhas bonitas, tecido com bom cair, padrão bonito e... a cinquenta por cento do preço. Quase black fruday. Negócio irrecusável. Fui provar. Ah, céus, que sensação boa: estar sozinha às compras, num provador... Ainda assim, a santa-madre poupadeira que existe no tal canto sacristeiro da minha mente alertou: 'Mas que falta é que isso faz?'. Respondi de mim para mim: 'Nenhuma'. Beatamente, pendurei-as nos respectivos cabides e fui devolvê-las ao expositor. Mas eis que passa a empregada e me tenta: 'Hoje está com dez por cento adicionais'. Pronto. Varreram-se-me as dúvidas existenciais. Trouxe-as. Baratíssimas. Vou ter aí umas reuniões presenciais, coisa decisiva de ou vai ou racha. E tudo num sítio todo xpto, tudo gente ultra xptosíssima, e agora vou parecer toda elegante com umas calcinhas brancas, saltinho alto e umas blusinhas todas fashion a preço de uva mijona. Ou seja, regressei contente com a vindima.
(E há bocado comecei a ler 'O acontecimento'. Escrita corrida, a gente pela mão da Annie.)
Enquanto caminhávamos, telefonei à minha mãe que me contou que viu a entrevista à Júlia Pinheiro conduzida pelo marido. Muito amorosos, amigos um do outro, disse-me ela. Há bocado a minha filha enviou mensagem a dizer que tinha posto para trás e estava a ver o mesmo, para eu ver também.
Deu luta. O meu marido não queria alinhar, que era bater no fundo: entrevista de Júlia Pinheiro e marido, tema sentimental, coisa lamechas, era o que faltava pormo-nos a ver coisa mais brega. Não disse brega. Deve ter dito pior. Mas não sou de desistir tão facilmente. Vimos. Gostei de ver. E acho que ele também pois não adormeceu nem se levantou nem dirigiu impropérios nem ao casal ali derretido nem a mim por estar a querer ver aquilo.
No fim, quando se levantou e ia a sair da sala, disse-lhe que ele devia ser como o Rui Pêgo, assim romântico, a dar presentinhos, a ser amoroso e fofo. Ele disse que também não viu a Manuela a mandar vir com o marido. Perguntei: 'A Manuela?'. Já ia no corredor. Voltou atrás: 'Ao que chegámos, a ver uma entrevista ao casal Pinheiro'. E lá foi.
E agora, porque nada melhor que rir, aqui ficam momentos de atrapalhação e risota nas gravações do The good doctor.
Ah, já me diverti.
ResponderEliminarMuito gostam os homens de se mostrarem durões. Até lhe trocou o nome! E acredito ter sido para reforçar o desinteresse.
Gosto de entrevistas mas não tinha visto esta. Obrigada.
Bom fim de semana.
Olá Pôr do Sol
ResponderEliminarA minha filha diz que o Rui Pêgo, na interacção com a Júlia Pinheiro, lhe fez lembrar, em certos aspectos, o pai na interacção comigo. Mas acrescentou: 'Mas mais romântico e mais choramingas que o pai...'
E também acho que se enganou de propósito, para desvalorizar, para fingir que não ligou... Já o conheço de ginjeira...
Um bom domingo, Sol Nascente!
Beijinho.