segunda-feira, outubro 10, 2022

Começar de novo?

 


Quando escolhi a área no secundário (ciências e não económicas ou letras ou [não me lembro do nome das outras]) não fiz testes psicotécnicos nem conhecia todas as possibilidades que tinha ao meu dispor. Foi muito pelos gostos imaturos de miúda de catorze anos. Dois anos depois, quando escolhi o curso superior também estava mal informada e não sabia como informar-me. Hoje, com a informação disponível, omnipresente, este desconhecimento parece improvável. Mas era assim. 

Tinha várias vocações, muito opostas, e outras que não sabia que poderiam ser concretizáveis e, certamente, outras que desconhecia. 

Aboli a psiquiatria, que seria a primeira escolha, porque não conseguiria ver mortos nas aulas de anatomia do curso de medicina. Só de pensar nisso sentia terror. Aboli, depois, psicologia porque o curso não era reconhecido ou, pelo menos, aquele a cuja porta fui bater, à época, não era. Acresceu a isso o facto de ter lido o currículo do curso e me ter parecido embaraçosamente básico. Arquitectura estava fora de questão pois tinha enveredado pela alínea de ciências e porque achava que era muito assente em desenho e em geometria descritiva e isso pareceu-me, por um lado, fora das minhas competências e, por outro, uma seca. Não pensava, na altura, na profissão em si mas nos escolhos que o curso me traria. Identicamente não optei por economia pois forçosamente teria história e, pelos péssimos professores tidos até aí, abominava história. E em gestão também não pensei pois parecia-me uma coisa às três pancadas, um pot pourri de matérias em que nada seria aprofundado. E, na minha cabeça e segundo os meus conhecimentos, não haveria outras possibilidades.

Acabei por optar por um curso que me garantiram que dava para tudo e que, segundo me diziam, eu faria com uma perna às costas pois assentava na disciplina em que tinha notas mais altas. Foi, na verdade, um curso horrível, pesado, com colegas marrões, sensaborões. Não me revia em nada daquilo: professores que carregavam, sem prazer, o peso desmedido da sua cátedra e alunos precocemente envelhecidos que ansiavam por ser génios. A ausência de companheirismo e de gosto pelo lado lúdico da vida por parte deles quase me faziam atirar a toalha ao chão. Os primeiros anos daquele curso eram uma máquina trituradora que deixava a maioria dos alunos para trás. Aguentei-me e, felizmente, os dois últimos anos foram aliciantes, um grande desafio. Como arranjei logo emprego e foi para fazer uma coisa que adorava e ainda por cima com o melhor acompanhamento que poderia esperar, nunca me arrependi. Sempre senti que estava na profissão certa apesar de ter mudado algumas vezes. Fui fazendo sempre coisas novas, fui sendo posta à prova, fui sentindo que estava sempre a aprender, fui formando equipas, e, por isso, fui sempre sentindo a motivação de que necessito para me mover. O mundo das empresas provou ser a minha praia.

Contudo, um dia destes, esta minha jornada profissional estará a chegar ao fim. Poderei, nessa altura, não fazer nada. Depois de uma intensa vida de trabalho, talvez seja mais do que justo que me conceda a mim própria o direito ao descanso e à liberdade de movimentos.

No entanto ocorre-me que, em vez disso, poderei experimentar outras praias.

Já pensei: porque não vou tirar o curso de psicologia? E, depois, trabalhar nessa área? Porque não? Ou porque não vou aprender a fazer joias, por exemplo? Arquitectura já não dará, já é tarde demais para começar arquitectura. Mas para psicologia acho que vou a tempo, tenho experiência de vida que, se calhar, ajudará. A psicologia sempre me atraiu, sempre.

Claro que há aquilo de escrever. Gostaria de ter a concentração, a disciplina e a disponibilidade mental necessárias para escrever... mas não sei se as tenho. Escrever continua a aparecer na minha cabeça como quase um hobby. E, na minha cabeça, parece que continuo a pensar que devo ter uma ocupação 'a sério', uma profissão. 

Sei que isto, para quem me lê, deve soar muito parvo. E, se calhar, é mesmo parvo. Mas estou formatada para trabalhar e para ser remunerada a partir do meu trabalho. Ficar sentada a olhar para o boneco ou ocupar-me com frescuras e depois receber uma pensão, parece-me uma coisa que não tem a ver comigo.

Portanto, tenho que pensar nisto.

Hoje, cá em casa, ao falarmos nisto, na perspectiva de um dia vir a reformar-me, a minha neta disse: Ah, boa, depois podes ir buscar-me à escola... Ao ouvir isso, senti mixed feelings. Por um lado, fico contente que ela goste que eu vá buscá-la à escola. Mas, por outro, não me imagino a não ter ocupações a 'sério' para além disso. Penso que me sentiria frustrada se passasse o dia na maior indolência tendo por única ocupação ir buscar as crianças à escola. 

Por isso, acho que tenho algumas coisas em que pensar nos próximos tempos. Tenho, tenho.


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Pinturas de Wolfgang Letti na companhia de Leonard Cohen com Anthem 

The birds they sang
At the break of day
Start again
I heard them say
Don't dwell on what
Has passed away
Or what is yet to be
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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Bons recomeços. Paz.

4 comentários:

  1. Pois, a reforma é aquilo que todos querem ( dizem que querem), mas quando se chega lá, não é tão bom como imaginamos.
    Não fazer nada? - Horrível para quem sempre correu; universidade sénior? - Não me apetece, parece brincar na escolinha ( desculpem, quem as frequentam com gosto!); Tirar mais cursos á seria? - Para quê? Enfim, resolvi ficar me por ajudar os netinhos, pequeninos mesmos. Mas, UJM, também não me satisfaz. A reforma, para mim, foi o fim de uma fase e início de nem sei o quê! De verdade,ainda não encontrei muito prazer neste meu tempo de aposentação.
    E olhe que também tinha muitos projetos... Um beijinho .Maria

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  2. Olá Maria,

    ... que me deixou ainda mais reticente...

    Não consigo imaginar-me assim, sem uma ocupação fixa, regular. Gosto muito dos meus netos, meus meninos queridos, mas não quero ver-me reduzida a nada mais ter a fazer do que ir buscá-los à escola. Mas também tenho receio de que nenhuma das minhas ideias vingue e não consiga interessar-me ou ver propósito noutras actividades. Sei que vai ser um desafio, sei, sei...

    Uma prima abençoa esta sua nova fase: é divorciada e, por isso, arranja os seus próprios programas em total liberdade. Viaja com amigas, vai a concertos, a exposições, vai ao ginásio, vai levar massagens... e, quando os filhos lhe pedem que fique com os netos, nunca pode, tem sempre a agenda preenchida.

    A anterior proprietária da minha casa faz cursos de jardinagem, faz voluntariado, faz ginástica, encontra-se com amigas. Diz que anda sempre a correr de um lado para outro.

    Mas eu gostava de arranjar uma ocupação mesmo a sério.

    Tomara que consiga pois, se não conseguir, acho que ficarei como a Maria, meio desapontada, meio sem saber como melhor reorientar a vida.

    Se calhar, é preciso começar a sair de casa e começar a experimentar coisas novas.

    Não sei... e fiquei ainda mais apreensiva ao ler as suas palavras tão sinceras.

    Beijinho, Maria.

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  3. Pois senti o mesmo quando me reformei há 2 anos. Tantos planos mas agora? Além disso sai de Lisboa para uma pequena aldeia.E a necessidade que eu tenho de conviver.. A solução dar aulas na universidade senior. E estou a sentir-me bem.
    Manuela Sousa

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  4. Olá Manuela,

    Pois... é o que receio... Não sei se uma pessoa não se deixa enredar no tédio acabando sem ânimo para dar corpo aos planos que tem em mente.

    Dar aulas na universidade é capaz de ser uma boa escapatória mas... não sei... Nem sei o que é que eu poderia ensinar...

    Não vai ser fácil. Sai-se de uma vida activa, cheia de problemas para resolver de manhã à noite, para uma santa pasmaceira. Para além de que não sei se não vai ser uma embirração pegada entre mim e o meu marido. Convivência a mais não sei se será uma boa coisa...

    Enfim...

    Tenho que pensar bem no assunto.

    Obrigada pelo seu testemunho, Manuela.

    E haja saúde e alegria!

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