sexta-feira, julho 30, 2010
A arte de bem conduzir
Al Pacino (no papel de um coronel invisual na reserva) dança o mais célebre tango da história do cinema. É um momento total, inesquecível.
Este filme (Perfume de Mulher, em português) recebeu vários óscares, nomeadamente o de melhor realizador, melhor filme e, claro, o de melhor actor para Al Pacino. O tango é o também célebre Por una Cabeza de Carlos Gardel.
Setúbal uma cidade pouco cuidada
Vivo noutra(s) cidade(s) há muitos anos e, desde então, perdi o relacionamento quotidiano com Setúbal. Deveria tê-lo para poder falar com melhor conhecimento de causa. Mas, como não me importo de ser questionada, e embora me custe falar assim de uma cidade a que supostamente me deveria sentir muito ligada, vou escrever um pouco daquilo que penso sobre esta cidade.
Era, na altura, uma cidade de província mas uma cidade até relativamente descontraída, não sei se pelo facto de ter praias ou de ser próxima de Lisboa. Mas, talvez por ser pequena, era basicamente uma cidade de província.
Ao contrário de outras cidades, Setúbal nunca foi uma cidade que propiciasse um fácil convívio com as praias de que dispõe. A excepção seria com Albarquel mas era uma praia totalmente conotada com uma classe baixa, que ia a pé, com farnel e garrafão.
Para as outras, era difícil ir-se. O acesso não era fácil. Para a Figueirinha, Galapos e, ainda mais, para o Portinho da Arrábida ou se ia de carro ou então ter-se-ia que ficar sujeito aos escassos autocarros (e creio que apenas os havia para a Figueirinha). De carro (e, logo, com a família), tinha que se ir de madrugada para se arranjar estacionamento não muito longínquo. Para a Tróia, praia para que, quando andava no liceu, geralmente ia durante quase todo o período de férias grandes, tínhamos que apanhar o barco e depois andar a pé até à costa (pois a praia ao pé dos barcos também era do ‘povo’).
Ou seja, não havia o hábito de se ir regularmente à praia sempre que nos apetecesse, fosse Verão ou Inverno (nem sei se havia barcos e autocarros ao longo do ano inteiro), mas ir à praia para passear, ir para uma esplanada. O que, por exemplo, acontece com Almada e as praias da Costa de Caparica, em que toda essa imensa zona de praias tem vida própria: restaurantes, esplanadas, lojas, passeios, transportes públicos frequentes todo o ano, amplo estacionamento, não se verifica com as praias de Setúbal.
Quem, naquela altura, se aventurasse a ir passear em Setúbal para a beira-mar até podia ficar ‘mal vista’, conceito muito comum nas cidades pequenas, em que todos se conhecem e onde se desenvolve uma moral puritana e conservadora.
Mas o pior é que toda esta mentalidade fechada que levou a que uma cidade fantasticamente servida de praias, se alheasse delas no seu quotidiano, levou também a todo um programa de desenvolvimento fechado, anti-progresso.
É certo que a cidade ao longo de décadas tem sofrido ciclos de desemprego que a têm empobrecido.
Mas a crise não escolhe, em abstracto (ou por fatalidade), mais umas regiões que outras: quanto muito, fustigaria mais duramente aquelas que não têm recursos naturais dignos de registo. Ora isso não é o caso de Setúbal que teria tudo para ter um desenvolvimento sustentável, para ter progresso, para atrair jovens, empresas, para atrair população em geral, para fixar indústrias e para desenvolver turismo de qualidade.
Contudo, desde sempre e vá lá saber-se porquê, tem tido uma gestão que não atende a nada disso, uma gestão desleixada, sem visão, sem ambição.
Casas que eu vi degradadas há 30 anos ou mais, ainda lá estão, cada vez mais degradadas. Prédios de mau gosto ao lado de casas pequenas, cada um virado para seu lado, passeios meio rebentados com amontoados de pedras ao lado, terrenos baldios ao lado de prédios supostamente de alguma qualidade mas sempre com algo de duvidoso (a traça, os acabamentos – há sempre qualquer coisa de inevitavelmente suburbano), pequenos bairros sociais no meio de zonas que, paisagisticamente, mereceriam todo o cuidado e carinho, paredes e muros sujos por todo o lado, contentores de lixo abertos no meio de passeios, a aberração sem nome no Largo de Jesus, o mau aspecto (de forma geral) dos restaurantes, o serviço amadorístico, a falta de limpeza das ruas, o fraco comércio, o trânsito um bocado anárquico, uma oferta cultural pobrezinha, tudo isto me faz pensar que a cidade precisa de um rumo, de estratégia e, depois, em articulação com isso, precisa de arrumação, de limpeza, de organização, de reestruturação, de um projecto integrado a todos os níveis, de um multi-plano de formação para todos, nomeadamente formação em cidadania para a população que se acomodou a este status-quo, que se tornou pouco exigente, que aceita viver no meio do desleixo institucionalizado e que até já já acha que isto faz parte do DNA setubalense.
Claro que nem tudo é tão triste e tão mauzinho assim, há pequenos nichos de qualidade. Mas são excepção, poucas excepções que não atenuam de forma alguma o aspecto geral de Setúbal, que teria tudo para ser o oposto daquilo que, de facto, infelizmente é.
quinta-feira, julho 29, 2010
Figueirinha, Galapos, Portinho da Arrábida - memória
Quando eu andava na escola primária ia com os meus colegas e professores, no verão, para a Figueirinha. Ia também para lá com os meus pais, não para a zona com mais areia e onde estavam os toldos mas sim para a zona a seguir ao túnel ou, então, para a zona de rochas antes de lá se chegar. Depois passámos a ir para Galapos. Outras vezes íamos para o Portinho. Já nessa altura éramos avessos a praias com muita gente.
Depois, quando já era mais crescida, deixámos de ir porque ou se ia de madrugada ou não se conseguia estacionamento. Voltei a ir, espaçadamente, com os meus filhos pequenos. Mas a logística para estas praias não é fácil, especialmente com crianças pequenas (recordo-nos carregados com eles, com toalhas, brinquedos, sacos, chapéus de sol, por longos carreiros a pé).
Da época em que íamos para lá, guardei a memória das rochas que desapareciam ou apareciam com as marés, cobertas de limos e mexilhões, com a água a rodopiar à volta em remoinhos, com as pequenas poças de água que subsistiam por algum tempo quando a água já tinha recuado, lembro-me de subir (com cuidado para não escorregar) e, depois, mergulhar naquela água límpida e sempre um pouco fria. Lembro-me de ver às vezes pequenos peixinhos em cardume, ali à beira, ao pé de nós, lembro-me da areia molhada rija (muito diferente da areia fina e mole de outras praias), lembro-me das algas, do cheiro.
Hoje, num dos extremos da Foz do Arelho, como dias antes nas praias a seguir a S. Bernardino ou no Castelejo, é esse cheiro, essas algas, essa água, essas rochas que eu continuo a apreciar, como recordo ainda das praias de Setúbal.
A justiça em Portugal - Shame on You
A Justiça que temos é uma vergonha. Propositadamente escrevi a palavra em minúsculas no título.
Não sei se os tribunais são lentos porque estão transbordantes de milhares de processos, não sei se os investigadores são poucos, se os magistrados em geral têm problemas laborais, se lhes faltam estantes para os milhares de processos que se acumulam anos a fio, se lhes falta luz na escada, não sei se a legislação tem leis a mais que se contradizem e deixam buracos passíveis de serem explorados, não sei se os juízes têm que ter mais férias que o comum dos mortais (pelo menos os mortais que trabalham na economia real e não à pala do estado), não sei nada disso. Invocarão mil razões para justificarem a situação vergonhosa a que assistimos; mas mil razões todos temos e todos (os que temos que justificar o ordenado que ganhamos) temos que mostrar trabalho que se veja apesar das razões que nos assitem.
O que sei é que, como cidadã e como trabalhadora e como contribuinte líquida para tudo isto, fico perplexa e muito aborrecida com o que, dia a dia, vamos sabendo de casos públicos. E, se os casos públicos, sujeitos a escrutínio público, são assim, o que não acontecerá com os milhares de processos que caem no atoleiro que é a Justiça deste País?
Ontem foram as conclusões da investigação do processo Freeport (anos e anos para uma infeliz e pífia conclusão: dois arguidos que agora enfrentarão o calvário que se segue).
Hoje foi, uma vez mais, o adiamento da sentença do processo Casa Pia.
Anos e anos de investigações contestadas, de magistrados afastados, de advogados a interporem recursos atrás de recursos, de fugas de informação e de investigações sobre fugas de informação, anos e anos disto.
Dezenas de crianças abusadas que, já adolescentes, resolveram ganhar coragem para exporem a vergonha profunda com que viviam e que, por conta disso e por conta da incompetência vergonhosa da Justiça portuguesa, há anos, vivem neste limbo de depoimentos, de protecção policial, de peritagens, de psicólogos, aguardando por um desfecho - e o desfecho sempre a deslizar no tempo, sempre a afastar-se.
Vemo-los agora na televisão, já jovens adultos quando ao princípio eram ainda jovens adolescentes. Passaram estes anos todos e ainda nada se resolveu.
Só espero é que, ao menos, no final se faça alguma justiça: que não prescrevam crimes, que não se encontrem habilidades para ilibar culpados.
Numa organização bem gerida, pessoas incapazes para, ao longo de anos, apresentarem trabalho realizado, iriam – muito justamente – para a rua.
Uma organização não se pode compadecer com ter na sua folha de ordenados pessoas que, ano após ano, não apresentam resultados, não produzem, não trazem mais valia alguma, que são um peso morto, um custo, um sobrecusto.
Mas na nossa Justiça - talvez porque quem lhes paga os ordenados somos nós, os contribuintes líquidos, que não temos sabido ter uma voz activa na gestão deste País pois delegamos todo o nosso poder em órgãos compostos por uma gente que, de facto, representa os partidos e não a nós (e regra geral, no que os partidos têm de pior: partidarite, jobs, interesses próprios) – a incompetência subsiste e mantem-se impune, defendida, além do mais, por toda a espécie de poderosas corporações.
Isto mina a confiança num País.
Isto irrita-me.
Uma gaivota na minha varanda
As lindíssimas praias de S.Bernardino para baixo têm tudo o que há de bom: o amparo dos rochedos na delimitação da praia, rochas cobertas de limos macios na beira de água, algas com todas as cores tendência - mauve, fúcsia, cru, verdes secos de todos os tons - cheiros de iodo, de mar, e, sobretudo, pouquíssima gente. Há pequenas praias sem ninguém, apenas povoadas por comunidades de gaivotas que meditam enquanto se refrescam na areia molhada ou com água a pouca altura, não se deixando afectar com a nossa passagem.
Ao passar hoje por elas lembrei-me de um dos episódios curiosos que me aconteceram e do que guardo boa memória.
Uma manhã na varanda virada ao Tejo da nossa casa ouvimos um som de bater de asas mais ruidoso que o costume. É frequente os pombos ali descansarem ou, mesmo, fazerem ninho. É também normal, embora menos frequente, as gaivotas ali pousarem, a olhar o horizonte. Ouvimo-los e o som já nos é familiar. Mas daquela vez era um bater de asas ruidoso, agitado.
Levantámos o estore e vimos que era uma gaivota, não pousada no muro da varanda como de costume, mas no chão da varanda. Como esta varanda é relativamente estreita e como a gaivota era de grande porte, ao bater as asas, batia, de um lado, nas vidraças das portas da casa e, de outro, no murete da própria varanda e, portanto, não conseguia elevar-se para voar dali para fora.
Nós do lado de dentro da sala assistíamos à aflição da assustada gaivota. Pensámos que se abríssemos as portas a gaivota poderia entrar dentro de casa e aí as coisas complicar-se-iam pelo que, qualquer coisa que fizéssemos, teria que ser com as portas corridas.
Quando abrimos um pouco a porta para tentarmos perceber se a poderíamos ajudar de alguma forma, ela assustou-se ainda mais, pôs-se a fugir de um lado para o outro, com as asas a bater de um lado e do outro, cada vez mais assustada.
Era branca, penas sedosas, a membrana das patas amarela bem como o bico, toda ela elegante. Mas assustadíssima. E o grande bico e o seu porte eram intimidantes.
Mas qualquer coisa me fez ir para o pé dela, tive como que uma convicção de que ia conseguir ajudá-la.
Pedi uma vassoura e, sozinha na varanda com a gaivota assustada, a bater violentamente as asas, tentei colocar a parte larga da vassoura por baixo das patas para depois, segurando o cabo, elevá-la. Mas, com a aproximação da vassoura, a grande gaivota assustou-se ainda mais, deu ares de estar até agressiva, agitou-se e eu, por momentos até me assustei.
Mas continuei com a convicção de que iria estabelecer uma comunicação com a gaivota e, muito calmamente, comecei a falar com ela, baixinho, ‘não tenha medo’, ‘eu vou ajudar’, ‘deixe-se estar que eu vou ajudar’, ‘pequenina, coitadinha está assustada’. E, aos poucos, a gaivota começou a acalmar-se, fitando-me atentamente.
E, quando a senti mais serena, disse-lhe ‘agora vai pôr as patinhas aqui em cima, que eu vou ajudar, devagarinho, ponha as patinhas e depois deixe-se estar, minha pequenina’ e fui fazendo deslizar a vassoura para baixo das patas dela. E curiosamente a gaivota, serena, sempre a olhar para mim, levantou primeiro uma pata, depois outra e assim ficou assente em cima da vassoura, sem se mexer.
E então, quase sem conseguir ter força para levantar a vassoura com a pesada gaivota pousada em cima dela, mas, nem sei bem como, conseguindo-o, comecei a erguê-la lentamente, quase como uma plataforma elevatória, sempre falando com ela ‘minha menina, vai conseguir voar, deixe-se estar, não tenha medo’ e ela, ali em equilíbrio em cima da vassoura que se elevava, muito sossegada, tranquila e sempre a olhar para mim.
Até que atingi a altura suficiente para que ela, majestosamente, abrisse as suas enormes asas brancas e voasse.
Em poucos segundos voou sobre os telhados e, maravilhada, vi-a atingir o rio.
quarta-feira, julho 28, 2010
José Sócrates - um homem corajoso
Um homem de cabelo quase todo branco a quem a vida, apesar de tudo, ainda não vergou.
Tem passado por tantas coisas insuportáveis, as piores possíveis, tantas insinuações e tanta troça sobre a sua sexualidade, tantas dúvidas sobre a sua honestidade, depois a exposição pública de actos dos quais provavelmente se envergonha (e com razão para isso) e que gostaria que ficassem para sempre no esquecimento, tantas coisas, sempre sob suspeita, sempre sob escrutínio sobre questões de carácter que é onde dói mais e sempre em público, sempre sujeito a que os filhos duvidem dele como pai, como pessoa honrada, meses a fio a vasculharem o lixo a tentarem descobrir se mentiu, cartazes na rua a chamarem-no de mentiroso, fotografias manipuladas e insultuosas na net, perseguido pelos media (pelo menos por alguns), e ele, apesar de tudo, a prosseguir com o seu trabalho, sempre sob os holofotes, sempre exposto, e a crise a cair-lhe em cima, alguns bancos a afundarem-se, a economia a partir-se em bocados, e ele a ter que se justificar cá dentro, perante o seu partido, perante a oposição, perante a Assembleia, perante o Presidente, perante os media e lá fora, nas comissões onde tudo se decide, mas também perante investidores, perante banqueiros, e a ter que continuar a estudar os dossiers, a ter que fazer reuniões, inaugurações, a norte, a sul, e ele sempre delivering, a continuar a exercer, a governar, e sempre bem arranjado, sempre com verve, sempre com boa cara, sempre a tentar instilar optimismo (mas com que cansaço, com que justificadíssima canseira, com que humaníssima impaciência).
Hoje veio, de cabeça erguida, dizer que a justiça, ao fim de seis anos, constatou que, no caso Freeport, nada lhe era apontado.
Não sei como ficará para a história pois grande parte do tempo em que tem governado tem estado sitiado e, quando tinha margem de manobra para fazer reformas, teve contra ele todas as corporações, todos os oportunismos instalados e regulamentados, todas as classes atoladas em inércia e benesses públicas (professores com uma dúzia de horas de trabalho por semana, médicos com super-ego e enfermeiros-licenciados, juízes com inúmeras regalias e a trabalhar au ralenti e polícias com regalias para eles e para toda a família, funcionários públicos com promoções automáticas, e por aí fora). Toda essa gente que vive à sombra do estado saíu à rua para o destruir e o PCP, partido que deveria defender os mais pobres e espoliados, cavalgou a onda. E todos esses oportunistas que sugam o país e depauperam a economia e que deveriam merecer o mais firme repúdio de uma esquerda responsável sentiram-se apoiados pela esquerda desvirtuada que agora temos.
Não sei se votarei nele nas próximas eleições. Isso será assunto que avaliarei na altura mas uma coisa não posso negar: a admiração que tenho pela força anímica deste homem grisalho que hoje apareceu sozinho perante nós, na televisão.
Por muito que lhe peçam desculpa (e provavelmente ninguém o fará) nada apagará a angústia que certamente tantas vezes sentiu quando chegou a casa à noite, cansado e acossado.
terça-feira, julho 27, 2010
Sexy Pedro Passos Coelho - os vários passos na Campanha PPC
(Fotografia in Jornal de Negócios)
Em política, quem faz o quê? Os media fazem e desfazem políticos ou limitam-se a reflectir l’air du temps?
Há uns tempos a comunicação social farejou que Sócrates e Pedro Santana Lopes tinham potencial e deu-lhes tempo de antena, tornou-os conhecidos, levou-os ao colo até às eleições ou, pelo contrário, foi o mérito deles que fez com que os radares dos media os localizasse e divulgasse?
Entrevistas aos principais órgãos de comunicação social, pequenos apontamentos nas 'Gente's, colunas de curiosidades, etc, e, aos poucos, os eleitores vão-se familiarizando com os personagens. ‘O animal feroz’ data dessa altura. Faz-se uma entrevista de página(s) inteira(s), com fotografias em grande plano, perguntas gerais com final a puxar para o intimismo e, em cadeia, os media ficam alimentados durante um enorme período como as ondas sucessivas geradas por um impacto. Uns maldizem, outros defendem, outros troçam, mas o foco das atenções permanece sobre o objecto que se está a divulgar e se houver um chavão que funcione quase como uma assinatura tanto melhor - afinal, qualquer campanha precisa de um bom slogan.
E, de quase anónimo, o ser em questão torna-se uma marca conhecida, alguém que já gerou fidelizações, alguém que se compra em detrimento de outras marcas menos conhecidas.
Claro que há o factor empatia, os eleitores não são personagens totalmente passivos nesta história. Mas é justamente por se ter considerado que fulano de tal empatiza facilmente que os media apostam em certas pessoas em detrimento de outras (os media ou quem quer que decida e/ou influencie as decisões – as opus dei, as maçonarias, enfim, os clubes mais ou menos secretos que costumam vir à baila quando se tecem estes raciocínios). Empatia, resiliência, e, em alguns casos, alguns pontos fracos que, na altura certa, poderão ser úteis – são alguns factores que são, certamente, avaliados na altura em que se dá esta pré-escolha.
Contudo, há que recuar um pouco. Quem lança candidatos a primeiro-ministro são, de facto, os media ou são, antes disso, as poderosas e bem pagas agências de comunicação?
Sei como são as campanhas destas agências e como elas são preparadas com um profissionalismo milimétrico, como se potenciam os pontos fortes e se traçam inteligentes planos para minimizar o efeito dos pontos fracos, como se lança, devagar mas em crescendo, a imagem de um produto (ou de uma pessoa): primeiro são os amuse-bouche, as pequenas aparições aqui e ali que dão direito a uma notinha ou a uma fotografia; depois é um amigo que deixa escapar uma conveniente inconfidência, depois um artiguinho com as preferências (Qual a cidade preferida? Qual o livro? Qual o objecto?); e assim vamos da entradinha até aos pratos mais substanciais, como as entrevistas de fundo, nos jornais de referência, nos canais de televisão.
Segundo se ouvia dizer, o restrito e poderoso Bilderberg Club percebeu (o Clube, entidade abstracta, ou Balsemão e outros que têm voz no Clube) na altura que Sócrates e Santana Lopes viriam a ser alguém na sociedade portuguesa e, de várias maneiras, amparou-os até que chegasse a altura de assumirem o poder.
São as entourages que se começam a forjar em torno de alguém - de que se intui que vai ser o próximo ganhador - que se unem para financiar estas campanhas que vão agir sobre os media que, por sua vez, agem sobre os eleitores?
Ou isto é uma visão muito cínica da realidade e não existe nada disto? E os media estão simplesmente a reflectir o que se está a passar (o suposto declínio de Sócrates e a suposta ascensão de Passos Coelho)?
Assistimos nesta altura à construção de um candidato vencedor, com tudo o que isso representa em termos de uma campanha profissional bem feita, quase perfeitamente orquestrada, com todos os vectores envolvidos (marketing, relações públicas, media,…)?
Ou é apenas a boa preparação e o bom aspecto do PPC que justificam o que se está a passar na nossa comunicação social?
sábado, julho 24, 2010
Mourir d'aimer
Momentos sublimes
(Mikhail Baryshnikov voa em Don Quixote)
visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te
Al Berto, in 'Salsugem'
Lili Marleen
"Lili Marleen" é uma canção alemã, que teve a 1ª gravação em 1939, interpretada por Lale Andersen (1905-1972)
e que se tornou popular durante a 2ª Guerra Mundial.
A letra foi escrita em 1915, durante a 1ª Guerra Mundial, e a música apenas em 1938.
Depois da ocupação de Belgrado em 1941, a Rádio Belgrado passou esta canção, que quase não era conhecida, e, por não terem muito mais músicas para passar, Lili Marlee passava frequentemente.
Goebbels, na altura Ministro da Propaganda Nazi, proibiu-a mas a rádio recebeu tantas cartas pedindo que a passassem de novo, que Goebbels, ainda que com relutância, acedeu, mandando que fosse colocada no fim da emissão, perto das 10 da noite.
A popularidade da canção aumentou rapidamente quer entre os Aliados quer entre os Nazis que se habituaram a que, houvesse o que houvesse, às 10 da noite, Lili Marleen apareceria para lhes fazer companhia, trazendo-lhes doçura e nostalgia. Dos dois lados da guerra, às 10 horas, os soldados aquietavam os corações para ouvir a balada que os fazia sonhar com o regresso, alguns fantasiando que, com a paz, viria a possibilidade de irem procurar a Lili Marlene.
Os soldados italianos em Itália adaptaram a canção com uma letra própria para criarem uma espécie de hino. Sucederam-se adaptações, numerosas, um pouco por todo o lado. Uma muito conhecida é a alemã, interpretada por Marlene Dietrich.
In 1980, Rainer Werner Fassbinder dirigiu o filme Lili Marleen, no qual, de forma envolvente, contou a história de Lale Andersen e da sua versão da canção.
A interpretação esteve a cargo de Anna Schygulla, perfeita.
sexta-feira, julho 23, 2010
Mulheres gordas - vocês são lindas!
O genial Mika interpreta Big Girl (You are beutiful) neste vídeo deliciosamente divertido. Adoro. É tudo bonito: a canção, a interpretação, as big girls, tão gordinhas, tão de verdade, tão bem dispostas, a encenação festiva. Uma alegria esfusiante!
(Auto-consolação, outra vez...?)
quinta-feira, julho 22, 2010
Num sítio tão frágil como o mundo
(Praia em Sagres)
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
quarta-feira, julho 21, 2010
The French Lieutenant's Woman
Que eu saiba ainda não disponível em DVD com tradução, o lindíssimo filme A Amante do Tenente Francês, com argumento, a partir de romance de John Fowles, do nobelizado Harold Pinter e com a Meryl Streep e Jeremy Irons, únicos desde o início das carreiras.
"I was made for you"
(Brandi Carlile - The Story)
All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you
I climbed across the mountain tops
Swam all across the ocean blue
I crossed all the lines and I broke all the rules
But baby I broke them all for you
Because even when I was flat broke
You made me feel like a million bucks
Yeah you do and I was made for you
You see the smile that's on my mouth
Is hiding the words that don't come out
And all of my friends who think that I'm blessed
They don't know my head is a mess
No, they don't know who I really am
And they don't know what I've been through like you do
And I was made for you...
All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you
Oh yeah, it's true... I was made for you.
segunda-feira, julho 19, 2010
Mizé - Antes galdéria do que normal e remediada
Nada mal este livro. Divertido, bem escrito, uma escrita fonética (se assim se pode dizer) e bem construida.
Um pequeno exemplo:
- Se calhar ponho é duzentos e cinquenta e já fica - disse a Mizé, enquanto analisava uma rapariga com umas mamas tamanho cinquenta e dois.
- Já fica pra quê?
- Já fica assim, quer dizer, já não preciso de voltar lá, tás a ver?
- Não.
- Ó pá, é assim, porque eu sempre achei que mamas grandes é que era.
- Por acaso até é.
- Tás a ver, com duzentos e cinquenta ficava com umas assim - disse a Mizé, enquanto puxava as mamas para cima.
- E achas que dá pra ficar assim pra cima ou depois caem? - perguntou a Carla, que já estava a gostar mais da ideia.
- Caem nada, aquilo tem garantia e tudo, até podes de mamar que elas ficam sempre no sítio. É tudo assim muita moderno.
Quando a ARQUITECTURA se escreve em maiúsculas
O centro Cultural Jean-Marie Tjibaou foi desenhado pelo arquitecto italiano Renzo Piano, tendo sido a única grande obra encomendada por François Mitterand fora de França.
É uma obra do domínio da pura poesia ou do irreal.
É composto por 10 edifícios separados, cada um com a sua função, mas reportando para as construções tradicionais. A obra tem um ar deliberadamente inacabado pois pretende celebrar a cultura 'Canaque' da Nova Caledónia, uma cultura que se pretende estar ainda em processo de construção.
Por cá, recomendo vivamente o Site do Fernando Guerra, onde se podem ver fantásticas reportagens sobre obras de arquitectura e engenharia nacionais. Imperdível:
http://www.ultimasreportagens.com/
domingo, julho 18, 2010
Taxonomia - uma questão metodológica
Correndo o risco de parecer uma insuportável elitista, gostaria de tecer algumas considerações sobre como eu divido a espécie.
Acho que traçar-se a metodologia é a primeira coisa a fazer-se quando se procede a uma qualquer análise.
Há quem divida o mundo segundo duas escolas de pensamento, a escola francesa e a anglo-saxónica. Eu acho isso muito errado, acho que essa divisão já vem cá muito para baixo.
Imaginemos que começamos a abrir chavetas. A espécie humana dividida em dois grandes grupos.
Depois deixemos para trás o grupo que não nos interessa analisar e peguemos no outro: abramos aí uma chaveta e dividamos então em dois novos sub-grupos. Um é deixado para trás e prossigamos com a sub-divisão do outro; e assim sucessivamente.
O que para mim é fracturante (por provocar as grandes sub-divisões) prende-se, antes de qualquer outra coisa, com o correcto uso da língua. Como se está aqui a falar da espécie, haverá obviamente que encontrar em cada língua o equivalente ao que aqui vou referir pois, naturalmente, vou exemplificar com a língua portuguesa.
Então, para mim, a espécie divide-se, em primeiro lugar, naqueles que ao menos sabem que o plural de qualquer é quaisquer e aqueles que nem isso. Os que nem isso, ficam irremediavelmente de lado.
Depois, o grupo dos que passam esse primeiro crivo, divide-se nos que sabem dizer hás-de ou hão-de e os que nem isso. O sub-grupo dos hadem e dos hades fica logicamente para trás.
Os que passam, dividem-se seguidamente nos que sabem que o condicional reflexo é partido por dois hífens e nos que, alegremente, dizem que faria-se, comeria-se. Estes últimos ficam para trás.
Seguidamente (e aqui hesito na ordem, não sei se este não deveria vir antes do anterior), temos os que ficam indiferentes às palavras que acabam em ‘mos’ e aqueles que, tendo omitido o hífen atrás, onde ele fazia falta, agora exorbitam e, sempre que a palavra acaba em ‘mos’, colocam um hífen antes, como por exemplo, em ‘come-mos’ (até me doeu escrever isto). Este grupo geralmente tem a mesma reacção com a terminação ‘se’ não a distinguindo da partícula reflexa e, não sendo de modas, coloca-lhe um hífen antes (com dor, exemplifico: ‘se eu come-se um bolo’ ).
A estes, claro, deixo para trás. Os que passaram pelo crivo até aqui, dividem-se seguidamente em dois novos grupos: os que dizem ”ter a ver com” e os que, sabe-se lá porquê, dizer ‘ter a haver com’. Esses, santa paciência, ficam para trás.
Os que prosseguem dividem-se entre os que sabem que 21 ou 31 - e por aí fora – é plural e, logo, que se diz 21 anos ou 61 kgs e não 21 ano!!
De seguida, e aqui o grupo já está cada vez mais restrito, há a sub-divisão entre os que sabem que as unidades de medida são masculinas e, portanto, se diz ‘dois gramas’ e não ‘duas gramas’.
Ainda teríamos mais alguns crivos até que finalmente entraríamos em divisões mais conceptuais como o grupo dos conservadores e o dos liberais, ou o grupo dos que seguem a escola francesa ou a anglo-saxónica ou os que apreciam arte abstracta ou apenas gostam do que reproduz quase fotograficamente o que conhecem.
Já cá muito para baixo na hierarquização poderemos então aplicar a taxinomia mais usual (os heterossexuais e os homosexuais; os louros e os morenos; os altos e os baixos; os feios e os bonitos – enfim coisas já irrelevantes).
Como um pequeno apontamento de confidência direi aqui que tenho alguma dificuldade em investir algum do meu tempo com pessoas que pertencem aos grupos acima referidos (os que são para deixar para trás): não é possível manter uma conversa decente com diz quaisqueres, faria-se, hades, e por aí fora. Isso desconcentra-me. Desmotiva-me.
sábado, julho 17, 2010
La Vie en Rose
(Grace Jones em início de carreira)
Des yeux qui font baisser les miens
Un rire qui se perd sur sa bouche
Voilà le portrait sans retouche
De l'homme au quel j'appartiens
Quand il me prends dans ses bras
Il me parle tout bas
Je vois la vie en rose
Il me dit des mots d'amour
Des mots de tous les jours
Et ça me fait quelque chose
......
Ti Luís
Somos aquilo que somos quer pelo DNA de que somos feitos, quer pelas experiências que tivemos e conhecimentos que adquirimos.
Eu sinto-me muito em dívida para com todos aqueles que me ensinaram seja o que for, os que me têm iluminado o caminho.
E penso que a influência dos outros é tanto mais marcante no nosso processo formativo, quanto mais cedo ela teve lugar.
Uma das pessoas de que me lembro muitas vezes é o Ti Luís, um senhor que exercia o mister de sapateiro. Vivia numa casa térrea no início da rua que dava acesso à casa de uma das minhas avós. A casa dele tinha uma parte com entrada independente que estava aberta para a rua. Nessa divisão caiada, de chão de cimento, ele tinha a sua oficina. Para entrar havia um degrau que ainda guardo na memória como um degrau muito alto embora tenha a percepção de que, à medida que fui crescendo, o degrau foi perdendo envergadura. Ele, com um grande avental (tenho ideia que seria de pele), sentava-se ao fundo, numa cadeira baixa, de frente para a porta e à sua volta, grande, tinha a banca de trabalho com muitos compartimentos. Em cada compartimento tinha sua coisa, nuns estavam ferramentas, inúmeras, que me fascinavam pela forma e pela diferente utilização que ele dava a cada uma, tesouras, agulhas, noutros tinha pregos, tachas, linhas, cordéis. Atrás dele, na parede, tinha penduradas peles, solas já cortadas. Numa parede de lado, ao fundo, tinha moldes. Em frente, na parede do outro lado, tinha prateleiras, umas com calçado que estava para arranjar e outras com calçado já arranjado e engraxado.
Eu adorava estar ali com ele. Ao longo de vários anos da minha meninice passei horas e horas sentada numa pequena cadeirinha com assento de verga, à beira da enorme bancada (se calhar não tão grande quanto isso, se a visse com os meus olhos de hoje).
Eu conversava sobre tudo, tentava perceber como fazia ele o diagnóstico do problema do sapato, como se decidia pelo tratamento, porque usava isto e não aquilo, queria saber o nome a função de cada coisa, ajudava-o a fazer a cola (farinha com vinagre, seria?), punha-a ao sol, ia vigiando para ver quando estava pronta, por fim já me encontrava relativamente entendida e, quando ele iniciava a cirurgia, já eu estava ali com os instrumentos em punho para lhos passar, ele já nem tinha que dizer o nome. E, inclusivamente, já o questionava depois, porque não fazia antes de outra maneira? E ele, sempre com infinita paciência e bondade, a tudo respondia com boa cara, explicava, exemplificava.
E quando ele atendia os clientes, eu bebia ávida cada palavra, tentando logo adivinhar o que ele ia dizer, a data em que a pessoa podia passar a buscar (punha-me, de cabeça, a tentar planificar o trabalho que ele tinha em carteira), ou via com atenção o pagamento, o troco, a justificação do preço. Tudo assuntos complexos que me fascinavam.
E depois, quando os clientes saíam e ele ficava de novo sozinho comigo, eu comentava e questionava tudo, o que tinham dito, porque é que aquilo era mais caro do que o outro arranjo, como é que ele fazia as contas.
Devo ter começado a ir para lá pouco depois de ter 2 anos; era uma das minhas grandes ocupações até aos 4 e depois, dos 4 e até aos 6, em que estava já na infantil, continuei, embora já em part-time.
Recordo-me do Ti Luís como um dos meus grandes formadores. Trabalhador, honesto, responsável, generoso, paciente, de uma enorme dignidade. Eu perguntava-lhe sobre o ofício mas também sobre tudo o que me ocorria e a tudo ele me respondia, sempre com muita calma, sempre com os olhos postos nos sapatos que consertava, mas sempre disponível para me atender, para satisfazer a minha curiosidade.
A minha avó ia lá buscar-me e desculpava-se por mim, por eu não o largar e lhe fazer perguntas durante horas todos os dias e ele dizia sempre que não fazia mal nenhum, que eu lhe fazia muita companhia, que até gostava muito, que eu frequentemente o punha a pensar. E até isso eu recordo com ternura: o facto de eu perceber que ele, homem já de alguma idade e sempre muito ocupado, apreciava a minha companhia. Fazia-me sentir importante.
Hoje, quando vejo um sapato de homem, com sola de pele, com aqueles pontos visíveis, lembro-me sempre dele. E tantas outras vezes.
Um dos meus primeiros mestres, Ti Luís, cirurgião e cavalheiro.
Eu sinto-me muito em dívida para com todos aqueles que me ensinaram seja o que for, os que me têm iluminado o caminho.
E penso que a influência dos outros é tanto mais marcante no nosso processo formativo, quanto mais cedo ela teve lugar.
Uma das pessoas de que me lembro muitas vezes é o Ti Luís, um senhor que exercia o mister de sapateiro. Vivia numa casa térrea no início da rua que dava acesso à casa de uma das minhas avós. A casa dele tinha uma parte com entrada independente que estava aberta para a rua. Nessa divisão caiada, de chão de cimento, ele tinha a sua oficina. Para entrar havia um degrau que ainda guardo na memória como um degrau muito alto embora tenha a percepção de que, à medida que fui crescendo, o degrau foi perdendo envergadura. Ele, com um grande avental (tenho ideia que seria de pele), sentava-se ao fundo, numa cadeira baixa, de frente para a porta e à sua volta, grande, tinha a banca de trabalho com muitos compartimentos. Em cada compartimento tinha sua coisa, nuns estavam ferramentas, inúmeras, que me fascinavam pela forma e pela diferente utilização que ele dava a cada uma, tesouras, agulhas, noutros tinha pregos, tachas, linhas, cordéis. Atrás dele, na parede, tinha penduradas peles, solas já cortadas. Numa parede de lado, ao fundo, tinha moldes. Em frente, na parede do outro lado, tinha prateleiras, umas com calçado que estava para arranjar e outras com calçado já arranjado e engraxado.
(Infelizmente não tenho numa fotografia do Ti Luís; esta é uma fotografia de Alfredo Marsia, sapateiro de Castelo Branco)
Eu conversava sobre tudo, tentava perceber como fazia ele o diagnóstico do problema do sapato, como se decidia pelo tratamento, porque usava isto e não aquilo, queria saber o nome a função de cada coisa, ajudava-o a fazer a cola (farinha com vinagre, seria?), punha-a ao sol, ia vigiando para ver quando estava pronta, por fim já me encontrava relativamente entendida e, quando ele iniciava a cirurgia, já eu estava ali com os instrumentos em punho para lhos passar, ele já nem tinha que dizer o nome. E, inclusivamente, já o questionava depois, porque não fazia antes de outra maneira? E ele, sempre com infinita paciência e bondade, a tudo respondia com boa cara, explicava, exemplificava.
E quando ele atendia os clientes, eu bebia ávida cada palavra, tentando logo adivinhar o que ele ia dizer, a data em que a pessoa podia passar a buscar (punha-me, de cabeça, a tentar planificar o trabalho que ele tinha em carteira), ou via com atenção o pagamento, o troco, a justificação do preço. Tudo assuntos complexos que me fascinavam.
E depois, quando os clientes saíam e ele ficava de novo sozinho comigo, eu comentava e questionava tudo, o que tinham dito, porque é que aquilo era mais caro do que o outro arranjo, como é que ele fazia as contas.
Devo ter começado a ir para lá pouco depois de ter 2 anos; era uma das minhas grandes ocupações até aos 4 e depois, dos 4 e até aos 6, em que estava já na infantil, continuei, embora já em part-time.
Recordo-me do Ti Luís como um dos meus grandes formadores. Trabalhador, honesto, responsável, generoso, paciente, de uma enorme dignidade. Eu perguntava-lhe sobre o ofício mas também sobre tudo o que me ocorria e a tudo ele me respondia, sempre com muita calma, sempre com os olhos postos nos sapatos que consertava, mas sempre disponível para me atender, para satisfazer a minha curiosidade.
A minha avó ia lá buscar-me e desculpava-se por mim, por eu não o largar e lhe fazer perguntas durante horas todos os dias e ele dizia sempre que não fazia mal nenhum, que eu lhe fazia muita companhia, que até gostava muito, que eu frequentemente o punha a pensar. E até isso eu recordo com ternura: o facto de eu perceber que ele, homem já de alguma idade e sempre muito ocupado, apreciava a minha companhia. Fazia-me sentir importante.
Hoje, quando vejo um sapato de homem, com sola de pele, com aqueles pontos visíveis, lembro-me sempre dele. E tantas outras vezes.
Um dos meus primeiros mestres, Ti Luís, cirurgião e cavalheiro.
quarta-feira, julho 14, 2010
Poesia, Matemática, Escultura, Fotografia. E Maplethorpe
(Robert Mapplethorpe, outra vez)
Gosto muito de poesia - como gosto de matemática.
A poesia é a síntese perfeita de todas as coisas.
Em poucas palavras, a (boa) poesia é capaz de exprimir uma história, uma emoção, um movimento, um rasgo de luz, um turbilhão de sentimentos. Nem uma palavra a mais, nem uma a menos e, as que são necessárias e suficientes, encontram-se entrelaçadas com a intensidade adequada e na sequência certa.
A mesma coisa que a pureza de uma equação, de um sistema, de um polinómio reduzido, o rigor absoluto da álgebra, da análise, a perpendicularidade límpida de uma linha, a sinuosidade perfeita de uma curva, a beleza das formas em geometria.
Não há supérfluos, não há omissões, não há redundâncias.
Assim eu gosto da vida. Assim eu gosto das pessoas.
Cansam-me as conversas repetitivas, os raciocínios emaranhados, contraditórios, vazios, as pessoas vulgares, os assuntos óbvios, os lugares comuns, tudo isso me cansa porque tudo isso é nada - só que é um nada que consome tempo da nossa vida, impede-nos de a preenchermos com o que vale, de facto, a pena.
A poesia e a matemática são faces da mesma moeda.
A fotografia de Robert Mapplethorpe é poesia feita imagem: pura, límpida, rigorosa, perfeita.
E tem, para além desse lado redutor, o lado provocador que eu tanto aprecio. A vida avança por descontinuidades, tantas vezes, na altura, incompreendidas e rejeitadas.
Robert Mapplethorpe foi um esteta, um poeta. Provocou o mundo. E morreu cedo.
O vento da vida pôs-te ali
(fotografia de Robert Mapplethorpe)
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda
terça-feira, julho 13, 2010
Uma flor para quem me quer bem
Olé....!?... Olézinho...
(Legenda: espanhol com o rabo de fora)
É perigoso generalizar e revela falta de rigor ou falta de honestidade intelectual.
Por isso, entenda-se o que vou escrever como um manifesto em tom ligeiro, como um exercício deliberadamente pouco racional.
Até há algum tempo eu gostava muito de Espanha, especialmente de Madrid. Durante algum tempo chegava a ir lá 3 ou 4 vezes, quando não mais. Era lá que geralmente fazia compras, via exposições. A alegria e o perfume dos espanhóis na Serrano, a largueza dos passeios da Goya, da Velasquez, toda o movimento daquele bairro, o Rainha Sofia, o Parque do Retiro, tudo isso me encantava.
No entanto, quando à noite no hotel ligava a televisão, a indigência daqueles programas, a futilidade daquela gente, a regateirice daqueles programas do corazon, o excesso de maquilhagem, nem uma conversa que se aproveitasse, tudo aquilo me deixava um bocado perplexa. Se a televisão de um país minimamente reflecte o que é o povo, a elite, a cultura, o divertimento de um país, seria então que eu estava equivocada?
Depois, outra coisa que sempre me incomodou foi aquele chauvinismo pacóvio de ouvirem tudo dobrado, tudo em espanhol: por defeito, aquela gente não tem sequer oportunidade de conhecer a voz original dos actores de cinema ou televisão. Por isso, têm todos ouvido duro para qualquer outra língua - o que contribui ainda mais, quando os conhecemos de perto, para os acharmos um povo inculto, tacanho.
Eu sei que há excepções e eu própria tive a oportunidade de trabalhar de perto com um madrileño e com um catalão, ambos cultos, divertidos, muito críticos, pessoas interessantes. Convivi com qualquer deles durante meses a fio e sempre os achei o máximo. Mas ambos trabalhavam há anos numa multinacional, ambos tinham percorrido vários países e por isso tinham assimilado a transculturalidade e, por isso, já não representavam o cidadão espanhol corrente.
Ganharam o campeonato e ganharam bem, do pouco que percebo, do que vi, achei-os bem organizados, dinâmicos e o treinador tem classe, tem carisma. Chapeau, portanto.
Mas futebol à parte, do que conheci (e não é apenas do último ano mas também de uma outra experiência de há uns anos atrás)e de testemunhos que tenho recolhido junto de quem trabalha frequentemente com espanhóis, o que concluo é que são pacóvios mesmo, tecnicamente muito atrasados, em termos de gestão: pré-históricos, altamente avessos a trabalho organizado e planeado, desleixados, duvido que saibam pôr um problema em equação (daí parecer que não sabem fazer contas...mas, caraças!, aritmética é coisa simples. O que não sabem é descortinar que contas é que devem fazer em cada caso concreto), além disso, são pouco sérios, são pouco cavalheiros, são troca-tintas, dizem e desdizem, não são reliable mas nem pouco mais ou menos, são arrogantes mas de uma arrogância provinciana.
Ou seja: pouca sorte a de quem trabalha numa empresa comprada por espanhóis; idem para quem tem a pouca sorte de comprar uma empresa em Espanha e não atalha o mal pela raíz, ab intio. A coisa vai correr mal em qualquer dos casos.
(Ok, há excepções, temos o caso de: o Santander, o Totta, o Santander Totta...e mais algum...?)
Perguntar-se-á então: e a grandeza económica de Espanha? Mas já se viu que tem pés de barro, tem o rabo de fora. Tem-lhes valido uma coisa importante e que falta a Portugal: dimensão, escala. Denominador grande quando se dividem os custos, numerador grande quando se multiplicam receitas.
E talvez tenham outra coisa que a nós, fadistas, nos falta: bola para o alto, alegria, salero.
Tirando isso, não é mesmo gente que interesse. Aquela coisa de que dali nem bons ventos, nem bons casamentos, é mesmo uma verdade.
Infelizmente a nossa economia está cada vez mais nas mãos deles, que assim vão continuando a potenciar escala e é com tristeza que eu vejo espanhóis que, em termos de gestão estão nas calendas, a mandar em portugues competentes, experientes que não têm outro remédio senão encolher-se não vá dar-se o caso de darem muito nas vistas, fazerem sombra a algum espanhol (o que não é difícil) e ainda acabarem mais prejudicados.
Não sei o que se pode fazer para resistir a isto, vou pensar no assunto. Acho que teremos que ser qualquer coisa entre o Medina Carreira que vê tudo negro e sem solução e a Padeira de Aljubarrota que resolveu o problema à espadeirada.
segunda-feira, julho 12, 2010
Hoje, a mim
A mim - mas também a todas as mulheres que gostam de o ser.
(Georgia O'Keeffe)
O AMOR EM VISITA
(excertos)
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento. Seus ombros beijarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
E em ti
principiam o mar e o mundo.
As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho
Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. E em cada espasmo
eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha. E em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
(com as minhas desculpas por ter ocultado partes deste tão belo poema)
(Georgia O'Keeffe)
O AMOR EM VISITA
(excertos)
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento. Seus ombros beijarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
E em ti
principiam o mar e o mundo.
As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho
Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. E em cada espasmo
eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha. E em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
(com as minhas desculpas por ter ocultado partes deste tão belo poema)
sábado, julho 10, 2010
Um amor no campo
Lady Chatterly, na melhor versão, um filme que se vê sempre com enorme prazer, um filme feliz.
Here in heaven
Pinheiros, cedros, azinheiras, aroeiras, oregãos, funcho, o sol, a sombra fresca e perfumada das figueiras ('under a fig tree'), o som ao longe da aldeia (hoje devia haver jogo de futebol, de vez em quando vinha lá de baixo um coro de exclamações), as cigarras desatinadas ao desafio, os pássaros que passeiam perto de nós ou voam cantando, as borboletas subtis e efémeras, os meus recantos, os cantinhos de sombra e caruma, os meus poemas all over escritos nas paredes, os meus muros coloridos, o alfazema florido e cheiroso, os loendros carregados de flores, a madressilva, a casa luminosa, ampla e fresca, tudo me envolve e encanta.
Sinto-me abençoada quando estou aqui, nesta minha casa with a view, rodeada de espaço e luz.
Se as minhas cinzas um dia vierem a ser espalhadas aqui, estarei no paraíso como mereço. Estarei por dentro das árvores que plantei e voarei juntamente com as borboletas e com os pássaros e viverei eternamente.
Se eu tivesse sido capaz, poderia ter sido eu a escrever:
Há sempre um deus fantástico nas casas
Em que eu vivo, e em volta dos meus passos
Eu sinto os grandes anjos cujas asas
Contêm todo o vento dos espaços.
(Sophia de Mello Breyner Andresen, claro)
Poema que serigrafei em azulejo e que tenho numa parede, no jardim
What...?!
Há uns anos atrás era normal irmos passar parte do domingo na Gulbenkian o que englobava visitas aos museus, às exposições temporárias, aos jardins e almoço no CAM.
A fila era sempre uma maçada mas, entre nós, íamo-nos revezando: enquanto uns marcavam o lugar, os outros iam vendo as exposições.
Era e ainda é um lugar sempre bem frequentado e a presença de turistas era uma constante.
Uma vez, um casal inglês, de dicionário na mão, atrás de nós na fila, abordou-nos com um sorriso intrigado e divertido, perguntando ‘What do they mean by that…?’, enquanto apontavam para o símbolo na porta do restaurante que dizia por baixo ‘NÃO TRAGA ANIMAIS’ e mostrando-nos de seguida, com o dedo, a palavra do dicionário que estavam a consultar : ‘Tragar – v. comer, devorar’.
quinta-feira, julho 08, 2010
Mas cuidado com a menina má....
Mas que não se pense, com a sweet conversation do post anterior, que uma pessoa deve estar aqui para, de forma acrítica, se limitar a ser 'boazinha'. Claro que não.
Falemos agora no feminino: minhas amigas, se o vosso sweet love não estiver à altura das vossas expectativas, if he "did not deliver", então, olhem, santa paciência, recolham as asinhas e soltem os bíceps, fechem os punhos, atirem-nos ao tapete (e venham-se embora!)
Bye...
.
Uma questão de sustentabilidade
No último post a imagem da butterfly woman era estática. Hoje, querendo que as disposições se mantenham sustentadamente boas, aqui envio um pequeno filme no qual as mulheres-borboleta se passeiam (antes de levantar voo).
Há borboletas de mar, há borboletas religiosas, há muitos tipos. Têm em comum a beleza, a leveza, o serem efémeras.
Escusado será dizer que, no filme, eu sou a campestre, a das muitas cores.
Aos que, em meninos, gostavam de apanhar e coleccionar borboletas, aqui deixo o meu voto de que continuem a procurar captar (mais do que capturar) a subtileza dos momentos bons da vida.
Não há dead ends enquanto conseguirmos descobrir que, no meio dos dias cinzentos, uma borboleta colorida voa para nós. Longa vida aos sweat dreams!
E para as que foram meninas, deixo o meu voto de que continuem a ser meninas, meninas bonitas, que transportem no andar o orgulho de ser mulheres e que desenvolvam a arte de, no momento certo, soltarem o golpe de asa que as levará a fazer encantar os meninos ao mesmo tempo que, elevando-se nos ares, terão uma perspectiva mais abrangente e compreensiva da vida.
Já agora:
"Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas a borboleta
E a flor é apenas flor".
(Poema de Alberto Caeiro)
quarta-feira, julho 07, 2010
Eu a voar deixando para trás algumas mariposas blancas
Se o dia está mais pesado, se o ânimo parece esvair-se, nada como abrir asas e voar.
E, caso não exista essa faculdade de voar, então, pelo menos saibamos deliciar-nos vendo aqueles de que gostamos e que voam perto de nós, às vezes até, se calhar, apenas para nos animar.
Não nos podemos esquecer de que não há mal que sempre dure e as circunstâncias devemos ser nós a fazê-las, a motivação temos nós que a descobrir dentro de nós.
E, por muito lugar comum que soe, há que pensar que a vida é uma coisa extraordinária. É absurdo e imperdoável desperdiçá-la estupidamente.
Be happy!
A guy next door - história de uma mentira
Em 1993, Jean-Claude Romand, quando estava prestes a ser descoberto e após ter passado quase 20 anos a mentir sobre a sua vida e situação profissional, não suportando a vergonha que sentiria, matou toda a família (mulher, filhos, pais),
Até aí, todos os dias, de manhã, simulava ir trabalhar na Organização Mundial de Saúde, onde dizia ser pesquisador na área de cardiologia. De facto, gastava o tempo em cafés, mercados e estações de serviço de auto-estradas. O salário que levava todos os meses era, afinal, resultante dos desvios que sistematicamente fazia dos investimentos que os seus pais e sogros tinham confiado à sua guarda.
Como é que isto começou?
No segundo ano da universidade, no curso de medicina, alguma coisa correu mal e não fez os exames. E então, estranhamente, não o querendo confessar, resolveu não enfrentar a situação e inventar uma pequena mentira. De facto, o que aconteceu é que, desorientado, abandonou o curso – mas escondeu isso de toda a gente. Continuou a frequentar as aulas para aparentar ser um aluno regular ("só" não prestava os exames), e daí a mentira foi fazendo o seu caminho, andando por si.
Anunciou que tinha concluído a formatura, depois prosseguiu com o posterior "emprego" que teria conseguido na OMS .
E toda a sua vida passa a ser construída em torno da mentira: como esconder a mentira, como alimentar a mentira, como credibilizar a mentira. Ele é o único que tem conhecimento de tudo que ocorre à sua volta. Claro que não era sua intenção fazer com que as coisas chegassem àquele ponto. Mas é sempre assim, não é por mal que se começa, é apenas uma pequena mentirinha e, na maior parte das vezes a coisa fica por aí. Mas há casos assim, em que as coisas ganham outras proporções.
Neste caso a construção começou a ruir a partir das questões económicas, manobrando dinheiro de uma conta para outra, de forma a tentar cobrir os rombos que abriu nelas. Sem conseguir seguir adiante nem voltar para trás, desesperado, tentando encobrir a mentira, mata todos aqueles perante quem não conseguiria assumir o logro que tinha sido a sua vida.
(História verídica, passada a livro e a filme [O Adversário]; extractos deste texto retirados de vários artigos disponíveis na net)
terça-feira, julho 06, 2010
Sonho ou pesadelo? Utopia ou descalabro?
Ter um sonho e ir atrás dele – é isso que move uma pessoa ou um grupo de pessoas. Nas organizações, a isso dá-se o nome de Visão e é o que resume a orientação estratégica.
Geralmente, quando se trata de um grupo, de uma organização, cabe a alguém das ditas elites (dos órgãos directivos), ter essa visão, esse sonho. E então, em torno disso, mobilizam-se os recursos e as acções para lá chegar.
Nada de novo. Os grandes feitos, as grandes inovações, as grandes vitórias ou nascem de um acaso ou de um sonho tornado realidade.
Mas há o reverso. Quantos caíram por um sonho, quantos arrastaram o grupo para o abismo (seja o grupo um clube, uma empresa ou um país). Basta que quem tem esse o sonho ou quem tem o poder de conduzir a organização na direcção desse sonho seja um fanático, um tonto, um oportunista.
Quando acontecem desaires assim, aparecem depois os comentadores, os historiadores, e traçam o perfil do desastre: prognósticos no fim do jogo é coisa fácil mas, de facto, regra geral, todos os sinais estavam lá, ab initio. Então porque é que ninguém os evitou?
Eu, que tenho estado por dentro de situações fadadas ab initio ao desaire, posso adiantar algumas explicações:
1. De início não se leva muito a sério e, por isso, deixa-se andar; de resto, também não nos pediram opinião
2. Depois, a coisa vai ganhando alguma proporção, começa a ser conhecida fora da organização
3. Mais tarde, sentimos que já não temos autoridade moral para denunciar o logro; a coisa cresceu, já teve custos, toda uma estratégia está em marcha, já foi divulgada – a que propósito é que, só agora, iríamos falar...? Ou seja, já nos sentimos comprometidos com o que se está a passar
4. E depois junto de quem iríamos denunciar o bluff, o saco de vento, a mão cheia de nada que é o famigerado sonho? Àquele que foi o seu mentor – indo com isso chamar-lhe burlão ou oportunista? Àquele que foi o seu principal sponsor – indo com isso chamar-lhe naïf ou otário?
E então todos nos calamos, porque é tarde demais, porque não queremos que pensem que somos os velhos do Restelo, os avessos à mudança, os que queremos pôr areia na engrenagem. Por tantas razões nos calamos, geralmente até por cobardia. ‘Por delicadeza dos deixamos matar’, é o que é.
Geralmente, quando se trata de um grupo, de uma organização, cabe a alguém das ditas elites (dos órgãos directivos), ter essa visão, esse sonho. E então, em torno disso, mobilizam-se os recursos e as acções para lá chegar.
Nada de novo. Os grandes feitos, as grandes inovações, as grandes vitórias ou nascem de um acaso ou de um sonho tornado realidade.
Mas há o reverso. Quantos caíram por um sonho, quantos arrastaram o grupo para o abismo (seja o grupo um clube, uma empresa ou um país). Basta que quem tem esse o sonho ou quem tem o poder de conduzir a organização na direcção desse sonho seja um fanático, um tonto, um oportunista.
Quando acontecem desaires assim, aparecem depois os comentadores, os historiadores, e traçam o perfil do desastre: prognósticos no fim do jogo é coisa fácil mas, de facto, regra geral, todos os sinais estavam lá, ab initio. Então porque é que ninguém os evitou?
Eu, que tenho estado por dentro de situações fadadas ab initio ao desaire, posso adiantar algumas explicações:
1. De início não se leva muito a sério e, por isso, deixa-se andar; de resto, também não nos pediram opinião
2. Depois, a coisa vai ganhando alguma proporção, começa a ser conhecida fora da organização
3. Mais tarde, sentimos que já não temos autoridade moral para denunciar o logro; a coisa cresceu, já teve custos, toda uma estratégia está em marcha, já foi divulgada – a que propósito é que, só agora, iríamos falar...? Ou seja, já nos sentimos comprometidos com o que se está a passar
4. E depois junto de quem iríamos denunciar o bluff, o saco de vento, a mão cheia de nada que é o famigerado sonho? Àquele que foi o seu mentor – indo com isso chamar-lhe burlão ou oportunista? Àquele que foi o seu principal sponsor – indo com isso chamar-lhe naïf ou otário?
E então todos nos calamos, porque é tarde demais, porque não queremos que pensem que somos os velhos do Restelo, os avessos à mudança, os que queremos pôr areia na engrenagem. Por tantas razões nos calamos, geralmente até por cobardia. ‘Por delicadeza dos deixamos matar’, é o que é.
segunda-feira, julho 05, 2010
Vou falar de futebol - imaginem o disparate
Não percebo nada de futebol mas, como quase todas as mulheres que conheço, vibro com a selecção. Vi os jogos e o que concluo é que uns quantos jogadores jogaram bem apesar das circunstâncias e outros andaram perdidos talvez por causa das circunstâncias.
No 1º grupo incluo o extraordinário Eduardo, o rápido e oportuno Fábio Coentrão, o Bruno Alves e o Hugo Almeida. Estes valem por si, são seguros, têm personalidade, quando instados pela comunicação social a coscuvilhar, sabem manter-se ponderados, assumem as responsabilidades, sabem ao que vão, cumprem e saem com dignidade.
Depois há os outros, exemplares típicos do que é a actual raça lusitana: necessitando de orientação, de motivação externa, desculpabilizando-se ao primeiro desaire.
Claro que a liderança, nestas coisas, é quase tudo. E é desde sempre, porque é da natureza humana. Camões, muito justamente, já dizia que um fraco rei faz fraca a forte gente.
O desconcertante Madail, em vez de apelar ao génio, à força, à vontade da equipa, apela aos milagres da Nossa Senhora (shocking!), o Queiroz-de-sombrio-olhar queixa-se das intenções dos treinadores das outras equipas, das decisões da Fifa e outras desculpas palermas do género e, portanto, com o topo da hierarquia a dar estes lindos exemplos do que é uma fraquíssima liderança, não espanta que a maioria da miudagem fique num desnorte quando o jogo não corre de feição.
Salvam-se os que referi acima, aqueles cuja cepa revela a raça dos vencedores. Mas, infelizmente, num jogo não bastam quatro jogadores.
É como nas empresas e como nas organizações em geral. Podemos ter umas quantas mentes brilhantes; mas, hélàs, não chegam para fazer progredir o ‘colectivo’ (como diriam os ‘camaradas’).
É nas escolha das elites dirigentes que temos que ser todos mais exigentes pois é aí que o País falha (o país em geral mas, em particular, que as selecções falham, que os clubes falham, que as empresas falham, que os governos falham) nas fraquíssimas elites dirigentes - ainda por cima, geralmente saloiamente pagas a peso de ouro.
domingo, julho 04, 2010
Não é a Bethânia mas a qualidade sonora do filme é melhor
Elba Ramalho e Claudia Ohana em "O Meu Amor"
Aos meus amores
(Max Ernst)
Penso nos meus amores, para quem e por quem vivo, nas alegrias, nas paixões, nas ternuras, nos aborrecimentos, nos impulsos, nas preocupações. Penso em vocês, meus amores, meus amigos, meus familiares, penso em todos.
Mas agora destaco um a quem às vezes, nos momentos de fúria, maltrato, maldigo, para logo de seguida me arrepender, porque ele, 'como um posseiro', se instalou no meu coração, porque ele me sabe ler os olhos, porque para ele eu sou a sua mulher, a sua menina.
Penso nos meus amores, para quem e por quem vivo, nas alegrias, nas paixões, nas ternuras, nos aborrecimentos, nos impulsos, nas preocupações. Penso em vocês, meus amores, meus amigos, meus familiares, penso em todos.
Mas agora destaco um a quem às vezes, nos momentos de fúria, maltrato, maldigo, para logo de seguida me arrepender, porque ele, 'como um posseiro', se instalou no meu coração, porque ele me sabe ler os olhos, porque para ele eu sou a sua mulher, a sua menina.
sábado, julho 03, 2010
Poema que tenho escrito numa parede
De Nuno Júdice
Não esperes; o dia de hoje é
o dia que desejas e não é todas as manhãs
que esta luz te abraça com o seu fulgor
de ave, convidando-te a partir até ao fim
da terra.
Sejamos optimistas, 'sejamos realistas - exijamos o impossível', levantemo-nos. Hoje.
Não esperes; o dia de hoje é
o dia que desejas e não é todas as manhãs
que esta luz te abraça com o seu fulgor
de ave, convidando-te a partir até ao fim
da terra.
Sejamos optimistas, 'sejamos realistas - exijamos o impossível', levantemo-nos. Hoje.
Sábado no campo
(Max Ernst)
Longe da cidade, aqui no campo, calor, cheiro a verão, os figos a amadurecer, o alfazema todo espigado e carregadinho de abelhas.
Leitura do Expresso, Espanha e Alemanha apuradas para a próxima fase (a Angela Merkel a apoiar vibrantemente a profissional e vigorosa equipa - e isto é parte do que é liderança), caminhada e natação, descoberta de como isto dos blogs funciona, sesta, descanso.
Novas prateleiras do Ikea e rearrumação de alguns livros. Um livro do Max Ernst com a Monja Portuguesa na capa cuja imagem não consegui descobrir na net.
Primeiro dia
Sem plano, sem guião, sem preconceito, sem objectivo. Uma experiência apenas. Talvez comentários sobre o que for presenciando ou sobre o que penso. Umas vezes relatos reais, outras ficção. Vamos ver.