quinta-feira, julho 29, 2010

Uma gaivota na minha varanda


As lindíssimas praias de S.Bernardino para baixo têm tudo o que há de bom: o amparo dos rochedos na delimitação da praia, rochas cobertas de limos macios na beira de água, algas com todas as cores tendência - mauve, fúcsia, cru, verdes secos de todos os tons - cheiros de iodo, de mar, e, sobretudo, pouquíssima gente. Há pequenas praias sem ninguém, apenas povoadas por comunidades de gaivotas que meditam enquanto se refrescam na areia molhada ou com água a pouca altura, não se deixando afectar com a nossa passagem.

Ao passar hoje por elas lembrei-me de um dos episódios curiosos que me aconteceram e do que guardo boa memória.

Uma manhã na varanda virada ao Tejo da nossa casa ouvimos um som de bater de asas mais ruidoso que o costume. É frequente os pombos ali descansarem ou, mesmo, fazerem ninho. É também normal, embora menos frequente, as gaivotas ali pousarem, a olhar o horizonte. Ouvimo-los e o som já nos é familiar. Mas daquela vez era um bater de asas ruidoso, agitado.

Levantámos o estore e vimos que era uma gaivota, não pousada no muro da varanda como de costume, mas no chão da varanda. Como esta varanda é relativamente estreita e como a gaivota era de grande porte, ao bater as asas, batia, de um lado, nas vidraças das portas da casa e, de outro, no murete da própria varanda e, portanto, não conseguia elevar-se para voar dali para fora.

Nós do lado de dentro da sala assistíamos à aflição da assustada gaivota. Pensámos que se abríssemos as portas a gaivota poderia entrar dentro de casa e aí as coisas complicar-se-iam pelo que, qualquer coisa que fizéssemos, teria que ser com as portas corridas.

Quando abrimos um pouco a porta para tentarmos perceber se a poderíamos ajudar de alguma forma, ela assustou-se ainda mais, pôs-se a fugir de um lado para o outro, com as asas a bater de um lado e do outro, cada vez mais assustada.

Era branca, penas sedosas, a membrana das patas amarela bem como o bico, toda ela elegante. Mas assustadíssima. E o grande bico e o seu porte eram intimidantes.

Mas qualquer coisa me fez ir para o pé dela, tive como que uma convicção de que ia conseguir ajudá-la.

Pedi uma vassoura e, sozinha na varanda com a gaivota assustada, a bater violentamente as asas, tentei colocar a parte larga da vassoura por baixo das patas para depois, segurando o cabo, elevá-la. Mas, com a aproximação da vassoura, a grande gaivota assustou-se ainda mais, deu ares de estar até agressiva, agitou-se e eu, por momentos até me assustei.

Mas continuei com a convicção de que iria estabelecer uma comunicação com a gaivota e, muito calmamente, comecei a falar com ela, baixinho, ‘não tenha medo’, ‘eu vou ajudar’, ‘deixe-se estar que eu vou ajudar’, ‘pequenina, coitadinha está assustada’. E, aos poucos, a gaivota começou a acalmar-se, fitando-me atentamente.

E, quando a senti mais serena, disse-lhe ‘agora vai pôr as patinhas aqui em cima, que eu vou ajudar, devagarinho, ponha as patinhas e depois deixe-se estar, minha pequenina’ e fui fazendo deslizar a vassoura para baixo das patas dela. E curiosamente a gaivota, serena, sempre a olhar para mim, levantou primeiro uma pata, depois outra e assim ficou assente em cima da vassoura, sem se mexer.

E então, quase sem conseguir ter força para levantar a vassoura com a pesada gaivota pousada em cima dela, mas, nem sei bem como, conseguindo-o, comecei a erguê-la lentamente, quase como uma plataforma elevatória, sempre falando com ela ‘minha menina, vai conseguir voar, deixe-se estar, não tenha medo’ e ela, ali em equilíbrio em cima da vassoura que se elevava, muito sossegada, tranquila e sempre a olhar para mim.

Até que atingi a altura suficiente para que ela, majestosamente, abrisse as suas enormes asas brancas e voasse.

Em poucos segundos voou sobre os telhados e, maravilhada, vi-a atingir o rio.

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