Há alguns dias que não vos dou conta do que se tem passado com os meus amigos colunáveis. O último dia foi este, caso queiram relembrar.
Retomo onde tinha ficado no outro dia, na sessão de fotografias da minha amiga.
[Dado que, aparentemente alguma das fotografias da Kristin Scott Thomas - que eu estava a usar por ser pessoa do género da minha amiga - pertencia a um site não recomendado pela Google, não me arrisco a colocar aqui outra e, por isso, vou optar por colocar menos fotografias e usar apenas uma ou outra devidamente inspeccionada. Agora vou usar as da Charlotte Rampling, que também dá alguns ares]
Música, por favor
Natalie Merchant - Nursery Rhyme of Innocence and Experience
Na própria noite em que eu lá tinha estado, ligou-me a minha amiga, que eu tentasse enviar-lhe por mail algumas, que
tinha tido uma ideia. Já tarde e más horas, lá seguiram algumas, as melhores.
Entretanto retoquei outras, e resolvi passar depois por lá para lhe deixar a pen. No dia seguinte, ligou-me a dizer que tinha
adorado, que nunca tinha percebido que gostava tanto de ser fotografada. Com
uma voz que se adivinhava maliciosa, contou-me que queria aproveitar o dia dos
namorados para fazer uma surpresa.
Depois, como se não tivesse relação com o assunto, com ar desprendido, disse-me que a filha ia passar a noite com uma amiga e que ainda tinha que preparar as coisas, que ia ter um jantar decisivo.
Eu ouvi calada, não fosse ela arrepiar caminho e deixar
de falar. Quando ela me tinha falado com aquelas pressas ainda pensei que fosse para enviar por mail ao marido mas, surprise,
surprise…!, parece que afinal o destinatário é outro. Quem diria?
Perguntei-lhe se o livro do Chomsky era para a mesma
pessoa. Riu-se. ‘Não, pelo contrário… essa pessoa é que me sugeriu que
comprasse esse livro para oferecer ao meu neo liberal marido…’ e riu, irónica.
‘Amizades de esquerda…?’, perguntei. Ela riu, ‘dessas
três palavras, uma não é a mais correcta’ e voltou a rir.
Quando lá passei para deixar a pen com as fotografias só
encontrei a empregada. Pedi para entrar para deixar um recado escrito e ela
veio atrás de mim a dizer que já agora despedia-se, que era o último dia
que lá trabalhava, que só andava a aguentar aquilo ‘derivado’ aos miúdos mas
que agora até a mais nova se ia embora e que ela já não tinha razão para se
sacrificar mais.
Perguntei-lhe que sacrifícios eram esses. Suspirou ‘sabe
lá…!’. Que a senhora passa o tempo todo ao computador ou ao telefone, ou então sai e
volta aérea, que a única pessoa que lá vai é uma amiga e conversam as duas pelos cotovelos e vêem papéis, e escrevem agarradas ao computador, que não quer saber da casa para coisa nenhuma, que não é capaz de
‘determinar’ sobre coisa nenhuma, nem o que há-de ser a comida, nem nada, que
às vezes quase não há nada na despensa nem no frigorífico, que se não for ela a
insistir e a ir às compras ninguém come naquela casa, que a miúda até já evita jantar em casa, que ninguém ali se interessa por nada, que esta gente rica é elegante porque não come, se for preciso é só uma sopa e é se ela a deixar feita, que a senhora durante o dia come uma salada e um iogurte e que ela se não trouxer uma bucha de casa a maior parte dos dias não teria nada para comer, que só se preocupam quando recebem pessoas; que o senhor
é um vaidoso, quando a encontra é para chamar a atenção para o vinco das calças
ou para o brilho dos sapatos, de resto é como se ela não existisse, e que aquilo, trabalhar assim, numa casa tão
grande e sem condições e sem ninguém querer saber de nada, é uma chatice; e que a
senhora de uma moradia da rua de trás anda a desafiá-la há muito tempo e que ela
agora aceitou.
E depois contou que a senhora tem coisas que só visto.
Que no outro dia estava toda arranjada como se fosse sair mas que foi para lhe
pedir para ela a fotografar, que ainda tirou umas quantas mas que ela não
gostou de nenhuma. Falava como se a minha amiga não fosse boa da cabeça.
E lá vi o livro do Chomsky em cima da mesa ao
lado do sofá.
Despedi-me, desejei-lhe felicidades e vim-me embora.
Tudo sorrisos e felicidades e, afinal, como de costume, tudo uma história mal contada.
Uma anónima, uma máscara em Veneza |
Entretanto, o resto da semana passada foi complicado, nem me lembrei deles, não soube de mais nada.
Eis senão quando hoje de manhã dou com um mail de um endereço esquisito. Abro e fico passada. Dá para acreditar num disparate destes?
Transcrevo para que possam perceber o meu espanto:
“Um amigo comum falou-me do que tem escrito no seu blogue. In dubio pro reo - este é um princípio básico no direito. Em caso de dúvida, decida-se a favor do réu. Portanto, nada de fazer julgamentos precipitados sem
provas concretas.
Com base numa conversa que não
ouviu e nuns papéis que voaram, pressupõe e dá a entender que estamos perante
uma situação em que alguém está a enganar não se sabe quem ou, melhor ainda,
que estamos perante um escaldante caso amoroso que acaba imprevistamente numa
cena digna de um filme de terceira categoria: papéis a voarem, carros a
partirem em alta velocidade e o pobre do protagonista sozinho e abandonado.
Sugiro-lhe que não se precipite,
que não tire conclusões apressadas. Sabe, num escritório de advogados tratamos
de tantos assuntos, opinamos em tantas matérias e litigamos, quando necessário,
sobre coisas tão diversas que bem podia aquilo que testemunhou ter também, ou apenas,
um cariz profissional.
Será que era um encontro privado
ou profissional, que era uma situação de litígio
ou apenas diferenças de opinião, seria o fim de um relacionamento ou um desentendimento pontual no início de uma relação, quem sabe se de negócios? Quem sabe? Eu sei, mas não conte comigo para
saber.
E não se esqueça, in dubio pro reo."
Assim, tal e qual. Li e reli. Depreendo que a anónima que tão 'simpaticamente' se me dirigiu é, nem mais nem menos, a advogada. Vejam bem.
Como não sei de quem se trata, aproveito a quadra carnavalesca para a apresentar assim, veneziana - a misteriosa advogada |
Acho este mail uma coisa inacreditável.
Primeiro: o mundo é
assustadoramente pequeno. Pensa-se que se está numa sala quase às escuras a
escrever para absolutos desconhecidos e, para grande surpresa, descobre-se que
afinal estamos cercados por gente que nos conhece e que adivinha do que estamos
a falar.
Segundo: os homens tendem muito facilmente para a mais incrível
patetice. Quando era suposto e prudente que, ao ver que aqui relatei um facto passado com ele mas onde não dava pistas objectivas, o meu amigo ficasse
sossegadinho a ver se eu me esquecia do assunto, não, fez o contrário: desatou a telefonar, a escrever
mails e, pior, muito pior, a avisar outras pessoas que agora se arrogam o
direito de me enviar mails cheios de misteriozinhos. Absurdo.
A um e a outra e a quaisquer outros que se sintam tocados
pelo que escrevo, volto a esclarecer: isto é um conto da carochinha, ficção,
tudo inventadinho. Nem o meu amigo da história existe, nem a mulher, nem a
advogada, nem sequer eu. Eu sou uma ficção. Sou apenas um braço que nada num
aquário cheio de medusas. Read my lips: tudo inventado.
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Tenham, meus Caros, uma rica quarta-feira. E divirtam-se, meus Amigos, apesar do Carnaval já lá ir.
E, se estiverem para isso, vão lá espreitar a minha outra casa, o Ginjal e Lisboa. Hoje temos Regina Guimarães, umas palavras minhas sobre as palavras, uma fotografia que fiz no sábado, Schumann e ... uma redecoração total com Uma Mulher à Janela (de Picasso). Este tempo ensolarado já me está a fazer lembrar o verão, é o que é.
Cara jeito manso,
ResponderEliminarComo tambem gosto de escrever, não tinha grandes duvidas sobre as personagens da sua historia.
Mas não se incomode com mails dubios ou empregadas insatisfeitas.
Espere que a sua amiga a surpreenda.
Continue a sua gostosa ficção e, se me permite continuarei a segui-la.
E que melhor, para sairmos um pouco desta realidade pasmada?
De uma justiça que não funciona, um governo de vistas curtas,que impõe medidas alem das exigidas, O pagamento luxuoso a eurodeputados e presidentes que nada fazem submetendo-se âs ordens de uma Alemanha perdida.Um presidente preocupado com o indice de natalidade mas não mexe uma palha no apoio à maternidade, paga-se berçários a preços de universidade
Quero ainda deixar os meus parabens pelos belos ensinamentos da sua historia de vida, que muitas jovensinhas hão-de ler, e seguir.
Olá Pôr do Sol,
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu incentivo.
Hoje vim para aqui cheia de boas intenções. Comecei por escrever um texto sério sobre a forma desajeitada como este governo toma medidas que causam problemas às pessoas e que, ainda por cima, não conduzem a lado nenhum.
Escrevi isso mas estava danadinha para, logo a seguir, continuar com as minhas maldadezinhas e com o relato destas peripécias.
Quando estou a escrever não faço a mínima ideia do que vai acontecer no dia seguinte. Mas divirto-me a escrever (apesar de me retirar um tempo de sono precioso...).
E daqui a nada já tenho que estar a pé para mais um dia de luta.
(Mas talvez até por isso me sabe bem estar, à noite, aqui a escrever.)
Obrigada!