Sei que o petróleo é limitado, sei que a indústria do armamento tem a mão quente, sempre pronta a atear fogueiras para que a coisa pegue fogo e as fábricas tenham o que produzir. Mas, na minha ligeireza, pensava eu que a coisa haveria de se circunscrever aos territórios em que a população já se encontra esmagada ou foragida e em que a paisagem é, de há muito, cenário de destruição.
Portanto, para dizer verdade, tenho vindo a ouvir esta ameaça de guerra como uma tesão do mijo dos que sempre beneficiam com estas histerias: a comunicação social e a indústria da guerra.
Mas eis que, ao ligar a televisão, vejo comentadores all over a comentar as macacadas do Putin. Às tantas, vejo-o a ele com ar de pero saloio, rosado, insuflado e, mais do que vintage, a dizer coisas que só poderão fazer sentido na cabeça de gente doente. Monty Python revisited. Desconfiada, resolvi contrastar com o Guardian. Tenho o Guardian em boa conta. Contudo, vejo que o Guardian também está a levar a macacada do Putin a sério.
Enquanto escrevo, vejo tanques a andarem na neve e, desatenta, não sei se são coisas de agora ou imagens de arquivo. Mas fico a pensar se o meu optimismo de sempre não estará deslocado no actual contexto.
Custa-me a acreditar que o mundo, depois de dois anos de pandemia, se vá enfiar num conflito que cause ainda mais problemas à humanidade. Mas já não digo nada.
Mais autodestrutivos do que qualquer outra espécie, os homens andam a fazer de tudo para saírem de cena (não digo 'os homens e as mulheres' pois acho que, no que toca à estupidez autofágica, os homens dão 10 a 1 às mulheres -- lamento dizê-lo).
Contudo, não vou dizer mais nada: toda esta realidade me é estranha. Tenho a maior dificuldade em dizer o que quer que seja sobre isto pois, por um lado, ainda acredito que toda esta ficção se vai dissipar e, por outro, a ser verdade, prefiro alienar-me. A guerra é coisa que não me interessa.
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Sou da paz, do riso, da brincadeira, da irreverência. Por isso, com vossa licença vou falar de outra coisa.
Desde os tempos da faculdade até os nossos filhos serem adolescentes, éramos um grupo de três casais que se encontrava quase todos os fins de semana. Depois um dos casais separou-se e a coisa começou a ficar um pouco estranha. Entretanto, juntaram-se mais dois casais. Não apenas nos encontrávamos no fim de semana como fazíamos passeios e picnics e, por vezes, à sexta ou sábado à noite, íamos fazer o circuito das discotecas da moda ali nas Docas, em Alcântara, na 24 de Julho. Dançávamos que era um gosto, um excesso (o meu marido não, nunca dançou, o meu marido limitava-se a esperar que eu me cansasse). Não sei como conseguíamos e porque gostávamos daquela loucura: mal nos podíamos mexer e o fumo e o barulho eram de destruir qualquer vestígio de saúde. Ficávamos cá por baixo. O Frágil nunca foi propriamente a nossa praia.
Muitas vezes, ao fim de semana, na casa de uns e outros, enquanto se ultimava o almoço, punha-se a música bem alto e todos cantávamos a plenos pulmões, dançando na maior alegria. Em certa altura, a Rita Lee era presença assídua. A sua irreverência amalucada merecia, como é bom de ver, o nosso melhor agrado. Uma das canções que cantávamos de gosto era o Banho de Espuma. Ou o Lança-Perfume.
Pelo Natal, ao passar na livraria, vi a sua autobiografia e, ao espreitar os seus interiores, logo me pareceu que seria o tipo de livro que a minha filha ia apreciar.
E assim foi. Gostou. Falou-me do vocabulário criativo e bem disposto, falou-me do sentido de humor que revestia a memória de Rita Lee. Achou que eu também gostaria de ler. E, assim sendo, trouxe-o. E eu, mal acabado O ano do pensamento mágico, logo saltei para ele.
E que agradabilíssima surpresa. A fala é corrida, solta, desempoeirada, cheio de riso, palavras boas, sonoras, graciosas. As recordações são afáveis, generosas, abraçadas à vida. Ainda só vou na página 45 mas já estou agarradinha.
Agora ando rigorosa, à hora de almoço obrigando-me a tempo para a leitura. A temperatura boa ajuda, está-se bem. À porta, ao sol, de calças piratas, justas e pelo joelho, blusa de alças, boné com grande pala para poder enfrentar o sol que disputa a leitura, ali estou eu, consolando-me das agruras, totalmente entregue ao prazer de um bom livro.
Quando estiver para aí virada, transcreverei alguns pequenos excertos para que V. lhe possam tomar o gosto.
Mas, para já, aqui fica um cheirinho dela, da Rita Lee, essa ganda maluca.
"datadas", "fora de moda"? Não é a única a ter este tipo de discurso, mas é um insulto para as guerras que tem havido na Europa já depois da queda do muro de Berlim e da URSS. As atrocidades de Kosovo, o que se passou e passa na Bósnia, e muitas outras, parece que não existiram ou existem. Devia-nos encher a todos de vergonha. Qualquer dia na Ucrânia também não se passa nada, quando houver outro "fait-divers".
ResponderEliminarOlá Caro Anónimo
ResponderEliminarPoderá ler a minha resposta no post que acabei de publicar:
http://umjeitomanso.blogspot.com/2022/02/russia-vs-mundo-civilizado-uma-questao.html
Muito obrigada pela sua observação pois não gosto de deixar a minha opinião a pairar num limbo e, pelos vistos, ficavam dúvidas. Penso que agora fui mais explícita.
Agradeço a sua chamada de atenção.