Sempre pensei que do Abril transacto a coisa não passaria. Afinal estendeu-se pelo verão. E eu aí já não antevi coisa nenhuma, limitei-me a desejar. Afinal passou o Setembro, veio o Outubro e eu já sem saber o que pensar. Pelo sim, pelo não, mantive-me céptica.
Um dia cheguei a um espaço muito lindo, muito eco, muito vip e estavam lá umas centenas de pessoas. Parecia um filme de antes. Tudo na maior, sem máscara.
Sentei-me perto da porta e não quis saber de seguir as maiorias: mantive a minha. Logo alguns gozaram comigo: ''Atão...? Não me diga... Tá com medo...?' Disse que sim, que tinha medo. Assumo as minhas fraquezas. Mas depois pensei que, na volta, a coisa, a pandemia, já tinha acabado e eu é que não tinha dado por isso.
Ao almoço, uns dez em volta de uma mesa redonda. Obviamente sem máscara. Tudo na maior conversa, tudo na maior risota, todos contentes por estarem juntos em volta da mesa. Eu incluída. Ao meu lado, um amigo que se debruçou sobre mim e me disse: 'Já acabou o covid, já viu...?' Tive vontade de lhe dizer que não é o covid, é a covid. Mas deixei-me de picuinhices e limitei-me a dizer: 'Pois, já vi. Não sei é se a notícia da morte do bicho não é prematura'. Ele disse, ar preocupado: 'Também acho... mas já viu? Tudo à vontade...'. Ele também. Quero dizer: ele também à vontade.
E acabou Outubro e veio Novembro. E veio Dezembro. E o Dezembro está quase no 'já era'. E a coisa não acabou. Pelo contrário. Números nunca vistos. Uma onda a subir a pique, contágios e mais contágios. É certo que parece que é menos grave. Mas quando a base é tão extensa, qualquer percentagem dá números grandes.
Por todo o lado se sabe de casos. Equipas incompletas, trabalhos suspensos, planos trocados. O ano está a acabar e estamos nisto. Sem sabermos bem o que fazer, sem sabermos bem o que esperar.
Uns defendem que se deixe o bicho andar à vontadinha a ver se se cansa. Outros dizem que estão é malucos os que tal defendem pois os hospitais iriam ficar a deitar por fora, ou seja, muitos doentes ficariam por tratar. E uns dizem que a omicron pode ser o princípio do fim mas outros dizem que sabe-se lá se atrás da omicron não virá outra variante que da omicron boa fará.
Portanto, estou com a Graça Freitas: os tempos são de incerteza. E prognósticos, como dizia o outro (não sei se o escorraçado divino, se outro qualquer), só no fim do jogo.
Há também as eleições que daqui a nada estão aí.
Estou em crer que os portugueses -- que tantas vezes parecem parvos -- burros não são.
Hão-de perceber que o mangas de alpaca é um videirinho viciado no diz-que-não-disse. É que a gente sabe bem que ele disse-aquilo-que-diz-que-não disse. A malta há-de perceber que aquilo ali é um tangas encartado. Um troca-tintas. Melhor que o Rangel, honra lhe seja feita mas, ainda assim, um bocas. Pouco credível, muito pouco credível.
Mas, nestas coisas, não arrisco palpites. Jogo na prudência. É que, nestas coisas, há sempre os que fazem o pleno: são, ao mesmo tempo, parvos e burros. Esses irão votar no Chega. Gostava que não fossem mais do que 2% dos votantes mas, sei lá, ele há coisas... Há os que se cansaram do CDS, que aquilo ali já era, não passa de casca vazia. Há os que se desiludiram do BE, populismo sim mas com alguma coerência. E há os que dizem que estão fartos de dar para o peditório do PCP. E há, bem entendido, as laranjas mais podres do que as outras. Toda essa tropa fandanga junta, dizem as sondagens, soma, à data de hoje, a desgraça de uns preocupantes 7%. Portanto, sei lá.
De uma maneira ou de outra, as eleições hão-de sempre mostrar o tiro no pé que a decisão do Marcelo foi. Tal como o foi também o acto falhado do BE e do PCP ao darem o braço ao PSD, CDS e Chega. Tiros nos pés. Para alguns, tiros na cabeça.
Mas, lá está, não faço ideia no que as eleições vão dar. Sei o que eu gostava que dessem mas não tenho peneiras de acreditar que os astros se vão alinhar só para me agradar.
E depois há mais uns quantos imponderáveis: os frios, os calores, as chuvas, as secas, os ventos, os actos de deus, les force majeures.
E tudo o mais.
Mas uma coisa é certa: aqui já chegámos.
O 2021 já ninguém nos tira. Bom ou mau, já cá canta. Essa é que é essa. E o que o vem enterrar pior que este não vai ser. Chamem-me optimista, chamem-me aluada, chamem-me simplesmente maluca. Não quero saber. Acredito porque acredito que pior que o 2021 o 2022 não há-de ser.
E agora até me lembrei do Tiririca que dizia que, com ele, pior do que tá não fica.
Há o lado bonzinho da questão: a sabedoria, a felicidade tranquila e contagiante. As rugas que são lindas, sinónimo de histórias de vida. Os cabelos brancos que são sinónimo de orgulho numa longa vivência. Claro que sim, é verdade. Termos na família pessoas que vivem até muito tarde, tendo eles a alegria de assistir à propagação dos seus genes, bisnetos crescidos e bem dispostos, a progredirem nos estudos, é uma alegria. E, para todos, termos respectivamente a mãe, a avó e a bisavó viva é uma bênção.
Creio que, num ponto de vista estritamente pessoal, ninguém contesta isto. São bons princípios, boas intenções. E, de resto, o que seria da vida sem o bom condimento do lirismo?
O problema é que, ao viverem muitos anos depois de se reformarem, passando a ser beneficiários líquidos da segurança social, as pessoas de idade tendem a deixar esse sistema exaurido.
O dinheiro que cada um desconta não fica guardado numa caixinha à espera que a pessoa precise dele. Não. Cada ano há os que descontam e, simplificadamente falando, com essa verba paga-se a quem se deve nesse mesmo ano.
E tudo estaria bem se o edifício demográfico estivesse equilibrado. Melhor ainda se tivesse uma enorme base de gente jovem a alimentar o sistema.
O grave é quando a pirâmide começa a ficar distorcida, quando começa a haver poucos jovens e poucos contribuintes e muitos idosos a ganhar as pensões e a consumir muitos recursos, nomeadamente nos serviços de saúde.
Aqui chegados, quando a manta não chega para tapar todos os que precisam, quando estamos perante impossibilidades aritméticas, quando o edifício da democracia e da solidariedade intergeracional ameaça ruir há que começar a tomar medidas.
A primeira medida será conseguir que a pirâmide tenha uma base sólida. Elementar. Para isso há que fazer de tudo para que haja condições para que as famílias tenham mais filhos. São necessárias mais crianças. Os jovens adultos tem que procriar mais abundantemente. Faça-se o que for preciso: licenças parentais longas sem quebra de rendimentos, creches gratuitas, livros e material escolar gratuito, redução no IRS, alargamento do período de férias, redução do horário de trabalho -- tudo o que for necessário.
A segunda medida será 'injectar' contribuintes no sistema. Para tal, é fomentar a imigração. É bom para a cultura, é bom para a economia. É bom para tudo. Seja acolhendo refugiados, seja facilitando a integração de imigrantes, seja o que for (desde que o seja de forma controlada quer em quantidade quer em 'qualidade' -- mais concretamente, sem risco de importar casos que ponham em risco a segurança nacional)
A terceira medida será conseguir que os trabalhadores sintam prazer em trabalhar (e descontar para impostos e segurança social) até mais tarde e estejam disponíveis para abraçar novos desafios, ter novas ocupações. Não apenas isso os ajudará a terem um envelhecimento de qualidade como ajudará a que tenham rendimentos para suportar os seus gastos não tendo, forçosamente, que viver apenas, durante tantos anos, apenas das pensões de reforma: e, desejavelmente, poderão também custear alguns dos seus tratamentos não tendo que recorrer exclusivamente aos serviços de saúde públicos (e gratuitos). Dirão alguns que isso irá ser bom para o negócio dos seguros privados de saúde. É verdade. E isso não é problema para ninguém. Será, também aí, uma ajuda à economia, criação de postos de trabalho, mais impostos pagos para ajudar a suportar os cuidados de quem não os pode pagar.
A quarta medida é uma decorrência das anteriores e consiste em encarar o envelhecimento não como um pesadelo para a sociedade mas como oportunidade de trabalho para muita gente. Em vez de ter as pessoas de idade, especialmente as doentes e dependentes, fechadas em casa, sendo um 'peso' para a família, ou a definharem em lares e residências, passar a ter formas de ter as pessoas acompanhadas e tratadas, disponibilizando serviços de assistência ao domicílio ou, então, residências seniores de qualidade. Cada um pagará o que os seus rendimentos o permitirem mas, ao gerar emprego para muita gente, teremos essas pessoas a efectuarem descontos e, portanto, a ajudarem a equilibrar as contas.
O tema é daqueles que não se recomendam para os dias de festas. Bem sei. Mas é bom que haja consciência que, sem isto resolvido, um dia não haverá razão para festejar.
Há problemas graves que ameaçam a humanidade: a deterioração climática com todos os desastres que se anunciam, as pandemias e a falta de qualidade do ar que se respira... e o desastre demográfico em alguns países, nomeadamente e de forma preocupante, em Portugal.
[Já agora: em minha opinião, estes deveriam ser os principais temas das próximas legislativas e a forma como os partidos se posicionam perante eles o principal factor de decisão nas nossas escolhas].
O vídeo abaixo aborda o tema do envelhecimento -- e está bem feito e é elucidativo. Se puderem, por favor vejam-no.
The World Ahead: the true costs of ageing | The Economist
The rich world is ageing fast. How can societies afford the looming costs of caring for their growing elderly populations?
Fomos caminhar no início da noite. A temperatura agradável. Muita humidade mas sem chuva. Soube-me muito bem.
De tarde tive uma daquelas reuniões.
Isto das reuniões por teams ou zoom tem muitas coisas boas mas tem uma coisa que, ao fim deste tempo, já me cansa. Estou sempre a dar de caras comigo. Vejo que a blusa não me assenta tão bem como gostaria, vejo o cabelo e fico sem saber se o hei-de cortar, apanhar ou deixar para lá, vejo-me com cara de poucos amigos. Podia fingir que não estou a ver-me. Claro que sim. Mas já me conheço de ginjeira. Não preciso de olhar para mim para me ver. Uma seca.
A reunião estava a impacientar-me. Há pessoas que não atam nem desatam. Forcei-me a estar calada. Imponho-me contenção. Admito que sabem o que andam a fazer.
Do lado de fora da janela, no pequeno pátio junto à porta, a pequena fera peluda sentou-se depois de estar a olhar para dentro, provavelmente tentando descobrir-me atrás do monitor.
Ouvi os argumentos, as desculpas, ouvi as generalizações do costume que só servem para empatar e nunca para resolver. A noite começou a cair. De vez em quando intervinha mas discretamente.
Até que comecei a falar sem me impedir de dizer o que queria. Falei e vi que estavam todos muito sérios a ouvir-me. Quando acabei ficaram calados. Durante uns segundos ninguém disse nada. Pensei que o que vinha a calhar era que a pequena fera enchesse o espaço que tinha sido ocupado pelo vazio com um prolongado uivo.
[E abro aqui um parêntesis. Hoje, tinha-se ligado experimentalmente um alarme parcial. Esquecido disso, às tantas o meu marido foi lá. Aquilo desatou a apitar feroz, aguda e ensurdecedoramente. Como não sabia o que estava a passar-se, apanhei um valente susto. Eu e o little teddy bear. Ao meu lado, ladrou, ladrou, andou de um lado para o outro sem sair de pé de mim. E, então, fez uma coisa extraordinária. Uivou. Mas uns uivos a sério. Parecia um lobo. Parecia que um lobo tinha encarnado nele. Em quase treze anos nunca a nossa doce cãzinha tinha uivado. Passava-se com cavalos ou com gatos, ladrava e eriçava-se e corria como se estivesse possuída. Mas uivar nunca uivou. Este foi de tal ordem que o meu marido, que estava longe, ouviu. Não sei qual foi a dele. No fim, quando o meu marido apareceu e a coisa se esclareceu, o lobo felpudo dava ao rabo e olhava para nós como se estivesse a sorrir e a pedir o nosso reconhecimento. Disse-lhe: menino lindo, tomou muito bem conta da casa. E fiz-lhe festinhas.]
Quando a reunião acabou, tive que fazer uns telefonemas. Sentia-me livre. Fiz um chá. Estava mesmo a apetecer-me um chá. Mas quando o meu marido me perguntou se queria ir dar uma volta nem pensei duas vezes. Sair. Caminhar. Já era de noite e foi ficando cada vez mais de noite. Por volta das sete já é de noite. Perto das oito é mesmo noite cerrada. Sem chover, as decorações de Natal ganham outra graça. Grande parte das casas tem os interiores à vista. Grandes vidraças e, lá dentro, árvores de Natal a piscar, paredes iluminadas, pessoas sentadas à mesa, alguém sentado em frente a um computador, pessoas a circular na cozinha. De noite, as casas iluminadas parecem cenários de filmes que somos convidados a ver. Há qualquer coisa de íntimo numa casa iluminada, vista de fora. Acho engraçado que aqui as pessoas não se importem que vejam as suas casas por dentro.
Os meus novos vizinhos do lado também tem a casa cheia de decorações de Natal. Hoje, ao sairmos, reparei que uma das crianças estava sentada a uma mesa, escrevendo. E, à sua volta, luzinhas a piscar. Achei enternecedor. Também pensei que iam estar dias a retirar todas as aquelas decorações e iluminações; mas depois eliminei esse pensamento pois o meu sentido prático tem pouco de natalício.
Há pouco, quando aqui me sentei, estive a ler mais um pouco de 'Para quê tudo isto?'. As casas, as ausências, os afectos, as palavras.
Tenho que ter mais tempo para poder ler mais devagar, para poder ficar parada entre as palavras. Sentar-me a ler, os olhos pousados nos silêncios. No domingo estava sentada a ler, no piso de cima, na sala grande dos livros. E vi uma rola a esvoaçar junto à janela. Batia as asas e não saía do mesmo lugar. Foram segundos. Mas foi uma visão maravilhosa.
Quando estou a ler ali, no cadeirão junto à janela, o lobo felpudo deita-se aos meus pés e dormita. Se sente algum movimento lá fora, soergue-se mas, como percebe que dali não virá mal ao mundo, volta a dormitar. Nesses momentos é um companheiro tranquilo. Respeita o acto da leitura.
Estar em casa é bom. Dantes pouco estava em casa. Saía cedo, regressava tarde. Agora posso usufruir da minha casa.
Na pequena estante com portinhas de vidro que tenho à minha frente, a que tem a televisão em cima e que foi feita pelo meu pai depois de se ter reformado, há um pequeno presépio. Gosto de presépios. Há ali aquela convergência de ternura a que sempre se assiste quando as pessoas se reúnem para conhecer uma criança acabada de nascer. Não havia iluminações de Natal na gruta. Agora quase só há iluminações e pais natais. Acho que os presépios caíram em desuso. A bem dizer acho que pouca gente relaciona o Natal com o nascimento do menino Jesus. Mas não faz mal. Parece que, na realidade, nem nasceu a 25 de Dezembro e, de resto, já foi há tanto tempo que já pouca gente se lembra dele. Quantos meninos já nasceram -- em grutas ou em barcaças, os pais foragidos -- depois dele? A boa acção agora não é rezar a esse longínquo menino Jesus: a boa acção seria acolher nos nossos países tantos meninos de pais foragidos quantos pudéssemos.
Estamos quase lá e creio que já ninguém se aventura a fazer grandes previsões. Com sorte, entre vacinas, reforços, sprays, comprimidos e outras gracinhas, haveremos de conseguir controlar as nossas vidas. Mas enquanto a luz ao fundo do túnel não está ao alcance das nossas mãos, mais vale batermos a bolinha baixa e assumirmos a nossa insignificância perante um enxame invisível de merdinhas, pior que praga de microscópicos gafanhotos ranhosos.
Hoje fui à farmácia à hora de almoço. No balcão, entre uma miríade de produtos, vi uma lata grande onde dizia que era um desinfectante para o ar. Fiquei sem perceber se era para matar moscas, melgas ou mosquitos. Apurei a vista pois o que fazia tal coisa no balcão de uma farmácia? Pois bem. Entre várias coisas, dizia que matava vírus. Claro que não sei se, de caminho, não mata também um bocadinho das pessoas que respiram o ar assim desinfectado mas em tempo de guerra não se limpam armas e, portanto, se a prioridade é matar coronas, que se lixem as pessoas. Dum-dum para cima de toda a gente a ver se a malta se desencarde deste sebo covídico.
Isto para dizer que eu, pouco dada a visões e, ainda por cima, com um bocado de miopia e de estrabismo, ainda pior para ver ao longe. Sei lá o que vai acontecer em 2022... E não é estrabismo, é outra coisa mas agora não me estou a lembrar.
Ah, sim, astigmatismo. Na última consulta soube que tenho também um bocado de astigmatismo. Não sei se é coisa que costume aparecer com a idade mas a mim apareceu. Felizmente nada forte de mais já que ando sempre sem óculos... e ainda não me perdi. Melhor: quando me perco não é por não ver bem mas por ter o meu gps interior mal configurado.
Portanto, não me arrisco a avançar com palpites sobre como vai ser o 2022. Gostava era de estar cá para ver como vai ser o 2222. Isso, sim. Os malucos por números vão delirar. É ano para se fazer o pleno e para toda a gente se desforrar antes que seja tarde.
Dormir ao relento na praia, ao pé de uma fogueira. Por exemplo. Vestir-me de noiva e pregar um susto ao meu marido. Também por exemplo. Contratar o Benedict Cumberbatch para me dizer um poema ao ouvido. Também por exemplo.
Mas, se calhar, por essa altura já cá não estou, pelo menos igual ao que hoje sou. A menos que me congelem e em 2222 me ponham no microondas a descongelar. Pode ser que descongele bem e esteja em boa forma, ou seja, que não me desfaça em água. Nunca se sabe.
Portanto, se não sou capaz de fazer conjecturas sobre o que o longínquo 2222 e o próximo ano nos trazem, posso é dizer aquilo que eu gostaria que acontecesse já para o ano que aí está quase a dar as caras. E, então, sem qualquer outra ordem senão a ocasional, resultante do que me vai ocorrendo, aqui vai:
1) Semanas de trabalho de 4 dias úteis, rotativamente. Ou seja haveria escalas de dias de descanso. Trinta horas de trabalho por semana, no máximo.
2) 26 dias de férias [já muita gente tem 25, seria apenas alargar a todos e acrescentar-lhe 1]
3) Forte incentivo (seja fiscal, seja de que forma for) a que, em férias, pelo menos duas vezes por ano, num mínimo de três dias de cada vez, sejam passados em Portugal, num concelho diferente daquele em que se vive.
4) Oferta de uma viagem por ano de comboio em Portugal a todos os cidadãos portugueses
5) Para todas as profissões que o permitam, pelo menos metade dos dias úteis em teletrabalho
6) Licença parental de 1 ano, sem perda de rendimento, repartido entre pai e mãe, conforme o desejem
7) Abertura de um número significativo de creches gratuitas com horários de 24 horas (nos locais em que tal se justifique, para que os pais que trabalham em turnos tenham onde deixar os filhos em segurança)
8) Abertura de um número significativo de espaços gratuitos de ATL
9) Abertura de residências séniores públicas, com mensalidades ajustadas aos rendimentos, e com actividades tais com fisioterapia, ginástica, aulas sobre matérias diversas, enfermagem, cabeleireiro e manicure, etc
10) Obrigatoriedade de disponibilização de várias hortas urbanas e jardins partilhados em cada localidade com apoio de agrónomos, agricultores, arquitectos paisagistas e jardineiros
11) Disponibilização de espaços para arte pública (escultura, pintura, azulejaria, artesanato, artes tradicionais, música, dança, etc) em cada localidade
12) Obrigatoriedade de um número mínimo de aulas ao ar livre em cada ano lectivo
13) Obrigatoriedade de aulas de Sustentabilidade e Defesa do Planeta desde o primeiro ao último ano de cada curso (Medicina, Engenharia, Direito, Biologia, Urbanismo, Farmácia, Teatro, etc)
14) Obrigatoriedade de aulas de Língua Portuguesa do primeiro ao último ano lectivo de todos os cursos
15) Obrigatoriedade de aulas de Nutrição e de Exercício Físico do primeiro ao último ano lectivo de todos os cursos
16) Reforma compulsiva do Super-Judge Alex e do seu destrambelhado Rosarinho
17) Criação de um canal televisivo alternativo que mostre o lado bom das coisas e arrume com a TVI, a SIC, Correio da Manhã, CNN Portugal e até com a RTP quando copia os outros
18) Criação, em cada distrito, de residências de acolhimento, escolas e estruturas de apoio para imigrantes
19) Que se descubra maneira de que todos quantos carregam nuvens negras à sua volta -- e que conseguem contaminar com má sorte quem lhes está por perto -- desamparem a loja e vão existir para bem longe, quiçá enviados para o espaço naquelas naves do maluco do Musk.
(etc. etc. etc. )
Ou seja, não previsões mas uma lista de wishful thinkings.
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Mas se eu não passo de uma pomba lesa a antever o futuro, já o The Economist não. Ali bebe-se do fino. Eles falam e é bom que a gente os ouça. Convido-vos a verem o vídeo.
O que é que o futuro nos reserva para 2022?
The World Ahead 2022: five stories to watch out for | The Economist
What will be the biggest stories of 2022? As the pandemic continues to wreak havoc across the globe, President Xi will cement his power as leader of China, tech giants will coax more of us into virtual worlds and the space race reaches new heights. The Economist is back with its annual look at the top stories of the year ahead. Film supported by @TeneoCEOAdvisory
Estive como se estivesse de férias. Choveu todo o santo dia, em especial de tarde. Pouco fiz. Tenho várias coisas para fazer esta semana mas a vontade é pouca. Vi o Dont't look up e vi a Emily in Paris. Estou anestesiada com a ligeireza em doses mais do que duplas.
Praticamente não vi televisão. Não ouvi a mensagem de António Costa mas, quando à hora de almoço ligámos a televisão, apareceu um ilustre desconhecido -- nem sei de que partido -- a criticar; mas o que dizia não fazia qualquer sentido. O meu marido disse que não estava para ouvir parvoíces (acho que não usou a palavra 'parvoíces') e que o melhor era desligar. E eu assim fiz. Portanto, estou fora.
Não sei porque é que as televisões insistem em dar palco a gente que não tem nada para dizer senão dizer mal. Gente assim é um veneno. E as televisões espalham veneno. Portanto, quanto menos se vê, melhor.
A meio da manhã fizemos a nossa caminhada à chuva, numa altura em que era apenas uma chuvinha. O urso peludo molhado e feliz. Gosto de levá-lo à trela. Vai de trela curta, alinhado, bem comportado. Quando ando assim com ele até crio a ilusão de que consigo controlá-lo e torná-lo bem comportado. O pior é quando tem aqueles picos de energia, especialmente em dias como os de hoje em que está maioritariamente dentro de casa, sem poder gastar energia. Mas, na caminhada, ia feliz embora pingando. Os jardins também pingando. Muitas casas têm decorações de natal no jardim. Mas as decorações de natal parecem tristes assim à chuva, nos dias escuros.
Esta pandemia é bem capaz de modificar a nossa maneira de ser. Se calhar acabaremos todos um bocado mais afastados uns dos outros. Mas não sei. Uma porcaria de um vírus, uma coiseca ruim, desalmada e descerebrada, dá conta da nossa vida.
O ar que respiramos é a fonte dos contágios. Espaços fechados são ratoeiras.
A civilização levou a que as empresas se concentrassem longe das zonas habitacionais, torres energeticamente eficientes, sem trocas de ar com o exterior para evitar que esfrie ou que aqueça e se gaste mais dinheiro a manter a temperatura ideal. Ratoeiras.
Levou a que o comércio se concentre em grandes superfícies em enormes espaços fechados em que todos respiram o ar de todos. Ratoeiras.
Claro que agora, com isto, algumas empresas, alguns espaços -- os mais conscientes, os mais endinheirados -- já adaptaram os seus sistemas de climatização, extraindo o ar respirado e injectando o ar do exterior. Mas basta que haja avarias ou que a manutenção não seja correcta para que o burro esteja nas couves.
Não iremos voltar à saudável vida no campo pois a agricultura de subsistência é mantimento para umas famílias, não para comunidades.
A vida nas cidades é cara, há muitos transportes a pagar, muita despesa a fazer, e toda a gente quer comprar tudo a baixo custo.
Em todo o lado as empresas, sejam de que ramo forem (excepto as que comercializam produtos de luxo ou as que se dedicam à ficção, às miragens, ou seja, aos unicórnios para enganar os pategos), defrontam-se com a impossibilidade de vender produtos ou serviços de qualidade pois quase ninguém os quer pagar, toda a gente quer saldos, borlas, fancaria. Podem ser produtos fabricados em lugares remotos em que se explora mão de obra infantil ou escrava, podem ser serviços em que se recorre a imigrantes que fazem qualquer coisa para sobreviverem ou a mão de obra desqualificada e precária. E não vale a pena apontar ao dedo ao vizinho do lado. Somos todos assim.
Foi para isto que caminhámos.
Não sei se há pandemia que nos volte a colocar nos eixos. Creio que não. Agora é este corona, outro dia há-de ser outra porcaria qualquer, depois são os vendavais, as chuvas diluvianas, as temperaturas avassaladoras, incêndios descontrolados.
Mas os humanos são mais burros que os mais descerebrados e invisíveis vírus: não aprendem nem por mais uma. Só se prendem com ninharias, só gostam de maledicência, são egoístas e parvos.
Um dia ainda vem um asteroide, um pedregulho gigante ou uma coisa qualquer destravada do universo na nossa direcção e acontece uma coboiada como a que se pode ver no Don't look up:palhaçada atrás de palhaçada, cada uma mais incrível e parva que a outra, até que vamos todos desta para melhor.
...
E vou mas é acabar de escrever pois até parece que estou apocalíptica, a anunciar o fim do mundo -- todos com um big calhau na tola.
Mas acho que não, isto é mesmo de ter estado o dia todo sem fazer nada, um dia escuro, sempre a chover. Tanta roupa que tenho para lavar. Mas lavar roupa com um tempo destes...? Como é que seca? E também me chateou que às quatro e tal da tarde já tive que acender a luz para conseguir ler, parecia quase de noite, um tempo da treta.
Agora lembro-me que se calhar também fiquei um bocado blue por ter visto no Emily in Paris um restaurante onde almocei há não tanto tempo quanto isso, um restaurante especial, e onde gostaria de voltar mas onde agora, com tudo isto que não se vê jeito de acabar tão cedo, não sei se voltarei.
Quando penso em Paria, agora penso em ir de carro, se calhar até com alguns dos meninos. Mas como metermo-nos a viajar com a porcaria do ar todo embruxado, tanta gente a bufar coronas pelas goelas e pelas ventas...? Gaita.
Bem. Passa das duas da matina. Vou-me deitar que esta segunda volta a ser dia de trabalho. As minhas short férias só duraram este domingo.
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Pinturas de Leonora Carrington ao som de River por Joni Mitchell
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Mas, para combater a ansiedade, a pancada, a neura ou a chatice nada de meter para dentro, nada de ficar a remoer, a repisar. Pelo contrário, o melhor é deitar cá para fora. Sobretudo, lutar contra isso. Mostro como -- e recomendo que o exercitem, de preferência se tiverem algum comentador televisivo pela frente.
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Estamos na última semana deste ano. Espero que, apesar de se inserir num dos anos mais estúpidos de todos os tempos, seja uma boa semana.
Estou a escrever com uns dedos em cujas extremidades há umasnails num tom quase very peri. Gosto de me ver assim. No pulso tenho uma coisa totalmente preta que é uma espécie de relógio fininho, e que me poderá dar informações sobre passos, sobre saúde, sobre mensagens e sobre mais não sei o quê. Por enquanto apenas sei ver as horas e o número de passos e já vou com sorte. Nos pés tenho umas sapatinhas pretas muito confortáveis e bonitas. E tenho vestido um macio e chic bomber jacket. E ao jantar, tendo afirmado com total assertividade que nem pensar em comer, só chá e era para fazer companhia ao meu marido, acabei a comer tostas com requeijão e doce de maçã com canela, rematando com uns deliciosos bombons trufados. Nos lábios tenho um bálsamo que os deixa macios e a saberem-me bem. Tudo presentes. Mal os recebo, começo logo a dar-lhes uso. Recebi mais e todos bons.
Desde que deixei de dizer o que queria, dizendo é que não quero nada, só recebo presentes que me agradam e surpreendem. Nada como a gente ter zero expectativas para ficar contente com tudo o que recebe, pois deixamos espaço para a criatividade e bom gosto dos outros que, frequentemente, são melhores que os nossos.
A noite da véspera para o dia não foi extraordinária: uma ventania que fazia um rugido cavo que nos entrava pela janela. Durmo com o vidro aberto, acho que durmo melhor se sentir o ar frio a vir de fora e eu quentinha entre lençóis. Mas a chuva e o rugido do vento eram fortes demais. Poderia ter-me levantado e fechado a janela? Sim, poderia. Mas não me apeteceu.
Talvez também pelo vento mas, certamente, também pela excitação de termos novos habitantes cá em casa, o urso peludo também dormiu mal. Mas, enquanto eu, quando não durmo fico quieta e calada no meu canto, a fera cabeluda não senhor, tenta acordar toda a gente. É ele e o dono. Para mal dos meus pecados, fazem sempre de tudo para eu perceber que estão acordados e a quererem companhia. Maçadores.
O dia foi muito bom. Não começou exactamente muito bem pois de manhã houve uma falha de energia que fez perigar o programa de festas. Ter um monte de janelas e serem todas eléctricas é daquelas que não se recomenda: estores corridos e sem electricidade é do mais frustrante que há. O meu filho já punha a ideia de irmos fazer o Natal em casa dele. Mas sou pessoa de fé. Por isso, depois de termos tomado o pequeno almoço quase às escuras, fui preparando os comes à luz das velas enquanto a minha filha foi buscar a avó e ajudá-la a fazer o teste.
E, entretanto, veio a electricidade e tudo se compôs. Ganhei novo ânimo, palavra. E começaram a chegar os restantes convivas.
A casa cheia, toda a gente bem disposta, a casa quentinha, a lareira a dar aquele ambiente bom, os meninos todos numa alegria e nós também. E o cão eufórico no meio de tanto saco, tanto papel, tanto alarido.
Para entrada, tínhamos tostas com queijo fresco e salmão, tábua de queijos, tábua de carnes frias.
A minha mãe trouxe mini quiches: umas de frango e espinafres, outras de frango e cogumelos. E quiches normais, das grandes.
Eu fiz timbales, uns de bacalhau e outros de salmão. Uns com puré de batata, puré de abóbora e cenoura, grão, ovo cozido, e outros com puré de batata, espinafres crocantes, pouco grão, ovo cozido e todos com pão tostado grosseiramente picado por cima.
O meu filho fez uma deliciosíssima e maciíssima porchetta que esteve seis horas no forno e ficou suculenta, e que acompanhou com um saboroso molho de tomate com ricotta.
Para sobremesa a minha mãe trouxe dois bolos, tínhamos o fudge de chocolate com iogurte grego que a minha filha fez em dose dupla e que depois de frio ficou ainda melhor, vindos da mãe da minha nora tivemos também azevias e coscorões, eu tinha também umas broinhas de doce ovos. E bombons.
Portanto, gordices que me sabem pela vida mas que me devem acrescentar cinquenta quilos aos duzentos que devo estar quase a alcançar.
E jogámos ao joker, equipas mistas, os meninos a fazerem um chinfrim que quase fazia saltar a tampa da moleirinha à minha mãe.
E o cão correu atrás dos meninos e os meninos atrás do cão e os rapazes jogaram futebol na play station e a minha menininha mais fofa e mais linda encantou-se com o presente hand made por uma amiga da tia, presente delicado e amoroso feito especialmente para ela.
A árvore de Natal tinha as luzinhas a piscar e a lareira crepitava e o ambiente estava caloroso e feliz.
À noite, depois da jornada festiva, dividiu-se a comida por todos e ainda me sobrou o suficiente para ter esperança de quase não precisar de fazer nada nos próximos dias. Sou uma mulher de fé, já o confessei.
Saíram todos carregados com os presentes recebidos e com a marmita.
Depois fomos levar a minha mãe a casa. Ia toda contente. Imagino que durma uma data de horas de seguida pois vai daqui feliz mas com a cabeça um bocado esvaída.
O urso felpudo também foi. Quando regressámos, mal entrou em casa atirou-se para o chão, logo ali mesmo, em pleno hall. Estava KO, completamente KO. Não apenas dormiu muito menos de noite do que é costume como não pregou olho durante o dia, ao contrário do que lhe é costume. Espero que esta noite durma a noite inteira, se seguida, de preferência até às dez e tal da manhã a ver se eu faço o mesmo.
E é isto. O Natal de 2021 já se foi. O que vale é que agora tenho o dia seguinte para rebater. Se tivesse que ir trabalhar é que era pior. Assim, sendo domingo, está perfeito.
E para o ano há mais. Tomara que se possa estar à vontade, marimbando-nos para a covid: um convívio mais alargado, todos à volta da mesma mesa, todos perto uns dos outros. Assim, em mesas separadas por agregados familiares, fica estranho. É certo que as mesas estão na mesma sala e nos vemos e ouvimos uns aos outros e conversamos de mesa para mesa e levantamo-nos e vamos ao pé uns dos outros. Mas não é a mesma coisa.
Seja como for, estamos bem de saúde, bem dispostos e isso é que interessa.
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E agora, para terminar os festejos do dia, os muito crentes que me perdoem mas irreverência é fundamental.
Por isso, recebam com um sorriso e o vosso melhor aplauso... o Mágico do dia
Então é assim: com a excitação e a vontade de estar ao pé da família que está cá de pernoita, a fera saltou duas vezes a barreira que separa a cozinha da sala e apareceu ao pé de nós. Como não há porta, o meu marido pôs a tábua mais larga que encontrou no Leroy, com 60 cm de altura a servir de barreira. Para prender a tábua, encostou uma mesa de cabeceira. Para ele não empurrar a mesa de cabeceira, encostou o saco de 15 kg de ração.
Ganiu, ladrou, empurrou aquilo, fez de tudo até que conseguiu. Saltou por cima de tudo..
Agora, por sugestão dos meninos, pusemos a mesa de cabeceira em cima de uma banqueta e, para evitar que salte pelo intervalo entre a mesa de cabeceira e a parede, encostámos uma cadeira virada de costas.
O meu marido já está deitado, irritado por não termos ficado em silêncio quando deitámos a fera. Acha que foi a nossa falta de cuidado que provocou isto. Portanto, não quis levantar-se, que resolvêssemos nós.
A seguir, não o conseguíamos atrair para a cozinha nem por mais uma. Levámos um pau. Nada. Tentámos o engodo do biscoitinho. Nada. Chamámos, nada. Pôs-se deitado no corredor, sem se mexer.
Até que abri a porta da cozinha para a rua, bati, disse: 'Escuta! Quem é?', coisa que o costuma alertar. Nada. Até que a minha filha se pôs a ladrar a fingir que era um cão que estava ali. Enganou-o. Aproximou-se mas com um olho no burro e outro no cigano. Eu raspei-me e ficou lá ela, sem saber como se pirar sem que ele viesse atrás. Então resolveu ficar lá a adormecê-lo. Sentou-se no chão e ficou a fazer-lhe festas.
Apareceu agora. Diz que já estava com o rabo frio, ali sentada no chão. Esperou até que ele adormecesse, veio quase de gatas até que se aproximou da porta e saiu. E so far so good. Dá ideia que finalmente ficou sossegado. É uma e picos da manhã.
Só visto. Este urso felpudo é uma coisa, um desatino...
Eu sei, eu sei. Devia era estar a dormir na casota na rua. Mas a verdade é que já é como se fosse da família, toda a gente gosta de lhe fazer festas e de brincar com ele, dá pena deixar o pobre coitado ao relento. Ainda por cima, agora que está frio e chuva pareceria uma maldade sem explicação fazermos-lhe isso.
Mas provavelmente um dia teremos que nos deixar de mimo, mi-mi-mi, e habituarmo-nos à ideia que um cão destes é para ser cão de guarda, não um lulu amaricado e truculento.
Enfim. Cão à parte. Tivemos o jantar de consoada, fizemos a troca de presentes, arrumámos a cozinha, estivemos à lareira. Dei uma massagem nas costas e na cabeça de um dos meninos e ele retribuiu. Tão bom. Estão enormes, são alegres e sempre boa companhia.
Amanhã juntar-se-nos-á o resto da família mais chegada. É uma chatice este mau tempo que nos obriga a estar dentro de casa. Mas fizemos o teste, está tudo negativo. E, que remédio, andamos de máscara excepto quando comemos. As refeições são tomadas em mesas separadas por agregado familiar. Enfim, temos os cuidados possíveis.
Para o jantar fiz bacalhau com todos e, porque os meninos não são muito dados a bacalhauzadas, fiz uma coisa de que gostam sempre: empadão com puré de batata normal, batata doce e cenoura e, de carnes, novilho dos Açores, rojões de porco, lombo de frango e um pouco de chouriço de Seia que estufei em cerveja, com cebola, alho francês, salsa, louro e azeite. Depois de estufado, triturei, misturando três claras, e deixei mais um bocado ao lume, mexendo. Num tabuleiro largo, coloquei uma camada de puré, a carne, depois o puré. Depois espalhei três gemas de ovos e enfeitei com bacon e rodelas de chouriço. Foi ao forno a alourar. A minha filha fez fudge de chocolate que estava óptimo. Eu tinha broinhas com doces de ovos e ela trouxe também requeijão (creio que de cabra) e doce não reparei de quê mas que era bom.
Já é tarde e chove.
Parece que ainda ouço os meninos na conversa. Devem estar a falar das tshirts das equipas de futebol, das chuteiras, das cartas e dos jogos que receberam ou, então, estão a engendrar processos mais seguros para impedir que o urso felpudo escape da cozinha.
E eu, com vossa licença. vou dormir que o dia de Natal já aí está a caminho.
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Estes esquilos estão aqui apenas porque são daquelas graças da natureza que enternecem qualquer um.
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Desejo-vos um dia de Natal tão bom quanto possível.
Se não é grande coisa também não é grave, é só um dia. Se é bom é aproveitá-lo.
Não é tema de que se fale numa véspera de Natal mas, como Natal é quando e como uma mulher quer, vou mesmo contar.
Madrugámos e, antes que se fizesse tarde, zarpámos para o campo, nós e a fera felpuda. Mal chegámos, peguei na roupa da cama e fui pôr a lavar. A perspectiva de que o rato tinha andado por lá não era coisa que nos estivesse a deixar confortáveis. De seguida, instalámo-nos, eu no piso intermédio da zona antiga da casa, mais concretamente onde era o quarto da minha filha. O meu marido abancou na mesa de jantar.
Passados uns minutos estava a ter a primeira das reuniões. Estava eu a discutir estratégia e reorganizações e o impacto que elas vão ter quando comecei a ouvir um barulho diabólico atrás de mim. Espreitei pelo canto do olho. Era ele, o urso. Saltava do sofá para o chão, atirava almofadas e andava aos saltos com elas e, pior, fazia de um tudo para esganar uma fofa ursoleta que, apesar da provecta idade, parece uma menina.
Como o piso é de madeira, de cada vez que ele saltava ressoava o barulho. Do outro lado, o meu interlocutor, pessoa discretíssima, fazia de conta que não se importava.
Pensei que, se não interviesse, a ursoleta corria o risco de ficar esventrada no meio de almofadas esfarrapadas. Então, avisei que tinha que interromper, expliquei porquê e chamei o urso escada abaixo. Mal o apanhei do lado de lá, encostei a porta, voltei a subir e retomámos. Passado um bocado, ouvi barulho na porta e, pouco depois, já ele ali estava, outra vez, atrás de mim. Ouvi o meu marido a assobiar e a chamá-lo mas ele moita.
O meu marido diz que ele me elegeu como a ovelha que precisa de andar debaixo de olho.
À hora de almoço, o meu marido foi lavar o chão das divisões onde o alarme disparou e eu fui estender a roupa, pôr alguma na máquina de secar e pôr nova máquina a trabalhar, desta vez com uma roupa que estava numa cadeira e uma mantinha que estava num sofá.
Entretanto, chamou-me. Dizia que sentia um cheiro estranho, não conseguia identificar nem perceber de onde vinha. Tive um mau pressentimento.
No outro dia, quando andámos atrás do ratinho rabudo não o vimos ir para a rua. Vimos para onde foi mas não o descobrimos em lado nenhum. Virámos sofás, batemos com a vassoura nos armários, revirámos tudo, fizemos um barulho do caraças. Nada, nem sinal de rato.
Quando saímos de casa, fechámos as portas existentes (há duas salinhas que comunicam entre si e com a sala maior, sem porta), fechámos as portas dos armários, tudo, para que, se o rato lá estivesse, não circulasse tanto como na véspera à noite.
E o alarme não voltou a disparar. Admitimos que tinha ido para a rua sem que o tivéssemos visto.
Mas aquele cheiro... abri um dos móveis estreitinhos onde estão dvds e o meu marido abriu o outro. E, de imediato, ouvi-o a exclamar: 'É o cabrão do rato. Está morto'.
Puxa vida... Saí logo dali e ele quase deu um pontapé no urso peludo não fosse ele achar que estava ali pitéu natalício. Portanto, saí e levei a fera indiferente comigo. É que se o rato em vida não lhe tinha despertado atenção, em morto ainda menos.
Fui fazer arroz para acompanhar o entrecosto assado que tinha levado, fui ligar à minha mãe.
Entretanto, o meu marido transportou o cadáver para onde a fera não o pudesse encontrar. Não vi a cena mas ainda o ouvi a informar-me: 'O cabrão do rato não deve ter morrido há muito tempo'. Não quis saber detalhes.
Ficou fechado durante uma semana, sem comida nem água e, se calhar, com pouco ar. Enfim, paz à sua alma.
O meu marido diz que também limpou e desinfectou o móvel por dentro.
Depois de almoço, tive mais uma reunião, mais uns telefonemas. O meu marido discutia ao telefone, dava instruções, ouvia-o preocupado com a escassez de matérias primas, depois ouvi-o a comentar que uns quantos num certo sector estão com covid e toda a santa tarde o telefone lhe tocou.
No intervalo dos meus afazeres, fui buscando a roupa à máquina de secar, pondo outra, trocando a roupa na corda para ver se lhe dava mais vento, fotografando, sentindo o maravilhoso cheiro da terra molhada... e etc. Ao fim do dia, ficaram duas cobertas ainda um bocado húmidas que deixei abertas em cima das cadeiras da sala de jantar. Uma manta de borreguinho e uns jeans do meu marido ficaram num estendal que armámos na sala.
Durante todo o dia, a hirsuta criatura esteve nas suas sete quintas. O Leitor dos Castro Laboreiros e dos Pastores Transmontanos bem me diz: o cão é pastor, gosta é de campo. E assim é: já conhece os caminhos, anda sozinho, fareja, corre como um louco, todo ele alegria. Mas depois entra em casa e escolhe o sofá mais confortável para se enroscar. Chamem-lhe rural. Sim, sim. Sai à dona. Gosta de campo, gosta de andar com as patas na terra, mas, na hora do bem-bom, quer é ninho fofo e macio.
Chegámos a Lisboa já a noite estava armada. Iluminada e cheia, cheia de gente. E um trânsito do caneco. Passámos junto ao Corte Inglês, ali a S. Sebastião, e estava uma confusão de gente, coisa mesmo pré-histórica. E algumas sem máscara.
A ver no que tudo isto dá. Esta gaita da variante pegajosa veio em má altura.
Mas não há-de ser nada. Tão inteligentes que somos, nós os anormais dos humanos, e não haveremos de ser mais espertos que umas bolinhas caprichosas e travecas que nem cabeça têm? Isso é que era bom.
Bem. Agora que já falei de tudo menos do que se impõe, passo finalmente ao que se impõe.
E, uma vez mais, os meus votos vão em primeiro lugar para aqueles de entre vós para quem o Natal é um momento de solidão e tristeza. Desejam que passe rapidamente e gostam de pensar que a alegria dos outros é uma ficção. Percebo-vos. Se de alguma maneira as minhas palavras transportam algum calor, que ele vos chegue intacto e consiga aquecer um pouco o vosso coração. Soa kitsch, bem sei, mas que querem...? Esqueçam isso e recebam as minhas palavras como se fosse um abraço amigo, ok?´
Depois os meus votos vão, de forma geral, para todos quantos aí, desse lado, me vão acompanhando. Penso naqueles cujos nomes conheço e que acompanho de alguma forma, de quem sinto saudades e a quem desejo bem: a Luísa e a outra Luísa, a Lucília, a Filó, a Lurdes, a Maria, a Teresa, a Alexandra, a Gina, a Alice, a Ana, a Susana, a Olinda, a Sofia, a Isabel, a Dolores, a Helena, a Flor, a Penélope, o Henrique, o Pedro, o José, o outro José, o João, o outro João, o Francisco e o outro Francisco, o querido Joaquim, o Paulo, o Luís, o Rui, o António, o Manuel, o Eduardo, o José Luís, o Carlos, o Diogo, o Fernando, o Ricardo, o Lúcio, o P. Rufino, o Monteiro, o Vieira, o X, o Jorge, o Plúvio, o Jumento, o Pipoco, o Valupi, o Rei dos Leitões, o Chevrolett, o Smiley Lion, o APS, o JFR, o JCC; e tantos outros que, sem querer, estou a esquecer e os que se assinam com nomes fictícios ou com iniciais e todos os generosos Anónimos que fazem a gentileza de aqui virem deixar o seu contributo. A todos desejo dias felizes, tranquilos, seguros, vividos -- tanto quanto possível -- num ambiente caloroso de afecto e partilha. Soa vulgar, eu sei, mas não encontro melhores palavras para o que vos desejo. E, depois, estamos vivos: eu a escrever estas larachas e vocês aí, desse lado, com paciência para me aturarem. Enquanto estiver assim, menos mal, não acham?
Portanto, corações ao alto e bora mas é curtir a vida.
Presumo que esta sexta-feira, véspera de Nöel, tenha as maiores dificuldades em vir até aqui para escrever antes das doze badaladas.
[E se agora descobrirem bandos de gralhas, por favor, avisem-me ou deixem passar, está bem? É que não faço outra coisa senão adormecer enquanto escrevo]